Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2509/22.6T8VCT.G1
Relator: EVA ALMEIDA
Descritores: AÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
PROCESSO DE INVENTÁRIO
REGIME DE BENS DO CASAMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/22/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – Contraído o casamento sob o regime de separação de bens, não há património comum, nem bens do casal, no sentido de propriedade colectiva ou de “mão comum”.
II - O que caracteriza a comunhão de mão comum e a distingue da compropriedade é, além do mais, o facto de o direito dos contitulares não incidir directamente sobre cada um dos elementos (coisa ou crédito), que constituem o património, mas sobre todo ele, concebido como uma unidade.
III - Assim, na partilha dos bens subsequente à dissolução da comunhão ou destinada a pôr-lhe fim, os contitulares têm apenas direito a uma fracção ideal do conjunto, não podendo exigir que essa fracção seja integrada por determinados bens ou por uma quota em cada um dos elementos a partilhar. Nesta hipótese é adequado o processo de inventário para fazer cessar a comunhão e partilhar os bens.
IV- Já no regime de separação de bens, cada um dos cônjuges ou ex cônjuges, participa no direito de propriedade sobre cada um dos bens adquiridos em conjunto ou que como tal se presumam (são comproprietários) e a divisão de cada um desses bens pode efectuar-se extrajudicialmente, v. g. por escritura pública de divisão de coisa comum ou, na falta de acordo, por acção de divisão de coisa comum, seguindo o processo especial previsto nos artºs. 925º e seguintes do CPC.
V - Na acção especial de divisão de coisa comum, quando seja objecto de controvérsia a propriedade dos bens ou a participação de cada um dos ex cônjuges na compropriedade, ou haja sido invocado algum crédito por despesas suportadas para além da quota respectiva, ou suscitada a compensação com o crédito de tornas que venha a ser atribuído à outra parte, e tais créditos se mostrem controvertidos, a acção seguirá os termos do processo comum, como previsto no art.º 923º do CPC, para que sejam decididas tais questões, só então se entrando na fase executiva do processo com a conferência de interessados.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I - RELATÓRIO

A apelada, AA, não se conformando com a Decisão Singular proferida pela relatora em 06-12-2023, que julgou procedente a apelação, revogando a decisão recorrida, veio requerer, ao abrigo do disposto no art.º 652.º, n. º 3, do CPC, que sobre a matéria do despacho recaia acórdão.
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Foi ouvida a parte contrária.
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O teor da decisão da relatora é o seguinte:

« I – RELATÓRIO
 
BB, divorciado instaurou acção de divisão de coisa comum contra AA, divorciada, alegando que foram casados no regime de separação de bens e que, por isso, são comproprietários dos seguintes bens, que adquiriram em conjunto:
– Moradia unifamiliar composta por ..., ... e andar, com a área de 115m2, destinada a habitação e terreno com 3.543 m2, sito no Beco ..., ..., freguesia ..., concelho ..., descrito sob o nº ...02 da Conservatória do Registo Predial ..., e inscrito na matriz urbana freguesia ..., sob o artº ...10, a que corresponde o valor patrimonial matricial de €88.966,98 (tudo conforme certidão predial e matricial em anexo como docs. ... e ...), adquirido pelo preço de €245.00,00.
– Bens móveis que constituem o recheio do imóvel supra indicado e constantes da lista anexa como doc. ...1.
Mais alegou, que, com vista à aquisição da casa, contraíram Autor e Ré dívida, conjunta e solidária, no valor inicial de €200.000,00, junto do Banco 1..., correspondente ao mútuo de que são co-devedores, constante ainda do Doc. ..., sendo que o valor em dívida em 24.05.2022, era de €154.504,71.
A amortização do empréstimo foi efectuada por autor e ré, pela seguinte forma:
a) O A. com o pagamento de quantias parcelares e regulares efectuadas por si ou pela sua mãe, e que perfaziam em Maio de 2022 o montante global de €148.289,39;
b) A R. contribuindo inicialmente para a aquisição do dito imóvel com o montante inicial, a título de sinal e princípio de pagamento em sede de CPCV, no valor de €45.000,00 e ao longo destes anos com pagamentos parcelares num valor global de € 81.738,83, o que tudo perfazia em Maio de 2022 o montante global de € 126.738,83.
Conclui, que, cada um dos ora A. e R., é titular de:
– ½ indiviso do bem imóvel supra referido.
– ½ indiviso dos bens ora referidos que integram o recheio desta casa,
– ½ do passivo correspondente à dívida bancária dos quais são co-devedores solidários no Contrato de Crédito à Habitação nº ...36, perante o referido Banco 1..., sendo que em 24.05.2022, tal dívida se computava em €154.504,71.
E ainda, que é credor da Ré no correspondente a 50% de €21.550,56 (€10.775,28) – que pagou a mais do que a Ré para amortizar a dívida perante o banco credor.
A final formula os seguintes pedidos:
A. ser declarada a indivisibilidade:
1. do seguinte bem imóvel:
- Moradia unifamiliar composta por ..., ... e andar, com a área de 115m2, destinada a habitação e terreno com 3.543 m2, sito no Beco ..., ..., freguesia ..., concelho ..., descrito sob o nº ...02 da Conservatória do Registo Predial ..., e inscrito na matriz urbana freguesia ..., sob o artº ...10, a que corresponde o valor patrimonial matricial de €88.966,98 (tudo conforme certidão predial e matricial em anexo como docs. ... e ...);
2. dos seguintes bens móveis correspondentes ao recheio do imóvel supra indicado, e constantes da lista anexa como doc. ...1.
3. do passivo correspondente à dívida bancária dos quais são co-devedores solidários no contrato de crédito à Habitação nº ...36, perante o referido Banco 1..., sendo que em 24.05.2022, tal dívida se computava em €154.504,71, mas estando sempre em actualização;
B. deve ainda ser condenada a ré ao pagamento ao autor de:
1. uma compensação, no valor de €10.775,28 – porquanto o a. contribuiu mais do que ré para a amortização e despesas daquele imóvel no valor de €21.550,56 – correspondente tal pagamento ora reclamado a 50% deste valor que o a. pagou, razão pela qual o mesmo reclama a título de tornas à r. aquele montante de €10.775,28;
2. o pagamento de uma mensalidade equivalente a 50% de uma renda locatícia pela fruição exclusiva daquele imóvel, o qual se estima em montante nunca inferior a €2.000,00. ou seja, o a. seja reclama à r. o pagamento de €1.000,00 mensais, pelo menos desde ../../2020 (o mês após o divórcio) – adveniente do uso exclusivo efectuado pela ré de um bem comum como é o imóvel supra identificado – o que até ao presente perfaz 27 meses vencidos desde ../../2020, sendo o a. credor de €27.000,00 que aqui e ora reclama à ré, bem como os demais meses até integral divisão da coisa comum sub judice, nos termos supra expostos.
C. que se proceda à adjudicação ou venda judicial destes bens imóvel e móveis, nos termos e para os efeitos do artigo 925º e seguintes do código de processo civil.
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 A Ré contestou excepcionando a cumulação ilegal de pedidos, porquanto “o pagamento de compensação terá necessariamente de ser apreciado em ação declarativa; a fixação de valor locativo em ação de processo especial, o passivo – trata-se de uma dívida hipotecária solidária (portanto, qualquer ação a intentar – que não vislumbramos, neste momento, qual – teria necessariamente de sê-lo também contra a respectiva instituição bancária sob pena de ilegitimidade passiva”.
Excepcionou a ilegitimidade passiva por preterição de litisconsórcio necessário em razão de não ter sido demandado o credor hipotecário.
Impugnou a indivisibilidade em substância, mas sem contrapor a divisibilidade, seja material, seja jurídica.
Impugnou parte da factualidade alegada.
Deduziu reconvenção, alegando que o seu quinhão no imóvel é de 100% e que o Autor lhe deve o valor de € 61.038,40, formulando, neste conspecto, o seguinte pedido:
d.1. declare que, sobre o prédio urbano identificado no art.º 2º da p.i, a A. possui uma quota correspondente à totalidade e o R. de quota nenhuma;
d.2. reconhecer-se que a R. pagou a título de preço, sinal, prestações bancárias, impostos, comissões de processamento de empréstimo relativas ao imóvel, da responsabilidade solidária da mesma e do A., no valor€ 122.076,75 (cento e vinte e dois mil e setecentos e seis euros);
d.3. declarar-se que do quinhão da R. faz parte um crédito sobre o A. no valor de € 61.038,40 (sessenta e um mil e trinta a oito euros e quarenta cêntimos);
d.4. declarar que sobre o prédio urbano existe uma dívida no valor de €154.000,00 (cento e cinquenta e quatro mil eros) a favor de Banco 1..., SA;
Caso não proceda o pedido indicado em d.2, o que por mera hipótese se admite:
d.5. seja o A. condenado a pagar à R. o valor de € 61.038,40 (sessenta e um mil e trinta a oito euros e quarenta cêntimos), a título de direito de regresso;
Ou, caso assim se não entenda,
d.6. seja o A. condenado a pagar à R. o valor de € 61.038,40 (sessenta e um mil e trinta a oito euros e quarenta cêntimos) a título de indemnização por enriquecimento sem causa;
d.7. seja o A. condenado a pagar a quantia devida à R., nos termos peticionados em d.5. e d.6., através do valor da venda ou adjudicação do imóvel.
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Após audição das partes sobre o conhecimento oficioso de erro na forma do processo, proferiu-se despacho em que se decidiu:
«Pelo exposto e ao abrigo do disposto nos artigos 576º, nº 2 e 577º do CPC, julgo verificada a exceção dilatória de nulidade total do processo, por erro na respetiva forma, e absolvo a Ré da instância.
Custas a cargo do Autor – artigo 527º, n.º 1, do CPC.»

Funda-se o assim decidido no entendimento de que, apesar das partes terem sido casadas segundo o regime de separação de bens, face à panóplia de questões suscitadas o “processo próprio para apreciações das mesmas, no caso, é o processo de inventário”.
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Desta decisão o Autor interpôs recurso, que instruiu com as pertinentes alegações, em que formula as seguintes conclusões:
«1. Considerando que no caso sub judice:

a. o dissolvido casal foi casado sob regime patrimonial da separação de bens, e
b. está em causa a divisão de um bem imóvel, seu recheio e a dívida co-titulada pelos membros do extinto casal, contraída junto de banco ora Interveniente onde foi contratado crédito hipotecário para a aquisição da referida casa,
c. o processo judicial adequado à regulação das questões patrimoniais in casu, designadamente direitos reais (casa e seu recheio) e a dívida comum junto do banco credor hipotecário, é a Acção da divisão de coisa comum e não o Processo de Inventário e Partilha de Bens Comuns, ao invés do erroneamente preconizado, com muito e devido respeito, na sentença proferida pelo Tribunal a quo e ora objecto do presente Recurso.
Neste sentido, e mutatis mutandis e preconizando a Acção de Divisão de Coisa Comum, vide Abrantes Geraldes (Ac. do STJ de 03-10-2019 in www.dgsi.pt) supra citado.
Bem como e ainda, na mesma senda o Ac. do STJ de 05-07-1990 in www.dgsi.pt supra mencionado.
Ou ainda, no mesmo sentido, cf. o Ac. do STJ de 25-05-2021 in www.dgsi.pt também supra alegado.
Como ainda e também cfr. Antunes Varela (“Direito da Família, 1992”, págs. 447/448) e Pereira Coelho, (“Curso de Direito de Família, 1986,” a pág. 478, citados em Ac. do STJ de 29-04-2014 (in www.dgsi.pt), como supra alegado. Ilustres tratadistas, os quais prosseguem (Antunes Varela, ob. cit., e Pereira Coelho, in Op. Cit , pág. 501), ao afirmar:
“Porém, a compropriedade não se confunde com a comunhão. Na comunhão conjugal, “os bens comuns constituem uma massa patrimonial a que, em vista da sua especial afectação, a lei concede certo grau de autonomia, e que pertence aos dois cônjuges, mas em bloco, podendo dizer-se que os cônjuges são, os dois, titulares de um único direito sobre ela.”
2. Por outro lado, a cumulação de pedidos formulados pelo A/Recorrente e a compensação de créditos, são possíveis e admissíveis na Acção de Divisão de Coisa Comum, ao invés do preconizado pela sentença recorrida, à luz da lei, da doutrina e da jurisprudência mais recente.
Neste sentido por todos vide Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 13.Jul.2022 (Processo 1889/21.5T8VCT.G1), in www.dgsi.pt melhor supra alegado.

NESTE TERMOS, E NOS MELHORES DE DIREITO QUE V. EXAS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO DEVERÁ O PRESENTE RECURSO SER DECLARADO PROCEDENTE E SER SEMPRE REVOGADA A SENTENÇA RECORRIDA POR OUTRA DE CARÁCTER DISTINTO E OPOSTO – A QUAL CONSIDERE COMO CORRECTA E ADEQUADA IN CASU A ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM (E NÃO O PROCESSO DE INVENTÁRIO E PARTILHA DE BENS COMUNS, COMO PRECONIZADO PELA SENTENÇA EM CRISE) – E MAIS AINDA ADMITA A CUMULAÇÃO DE PEDIDOS NAQUELA ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM E A COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS. TUDO COMO É ADMITIDO POR LEI, E PACIFICAMENTE ACEITE PELA NOSSA DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA, NOS TERMOS MELHOR SUPRA EXPOSTOS E DE ACORDO COM O ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL QUANTO À APLICAÇÃO DOS Nº 2 DOS ARTSº 1404º, N. 1 E 1412 DO CÓDIGO CIVIL E AINDA OS ARTS. 925º A 928º DO C.P.C. .»
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Foram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi admitido a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
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Recebidos os autos, entendemos que a questão pode ser sumariamente apreciada, atento o disposto nos artºs 652º nº1 al c) e 656º do Código de Processo Civil.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A DECIDIR.

 O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do apelante, tal como decorre das disposições legais dos artºs 635º nº4 e 639º do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º nº2 do CPC). 
As questões a resolver são as que constam das conclusões da apelação, acima reproduzidas e que assim se sintetizam:
– Se o casamento, entretanto dissolvido por divórcio, foi celebrado sob o regime de separação de bens, o processo próprio para a divisão dos bens adquiridos pelos ex cônjuges é a acção de divisão de coisa comum ou antes, como decidido na 1ª instância, o inventário.

III- FUNDAMENTOS DE FACTO

Para além do que consta do relatório supra e essencialmente da Petição Inicial, pois é em face do nela alegado que a questão recursiva se há-de dirimir, podemos já considerar assente, por plenamente provado:

1º Autor e Ré contraíram casamento em ../../2007, com convenção antenupcial, no regime de separação de bens.
2º Autor e Ré divorciaram-se em ../../2020, no âmbito do Processo de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, que correu termos sob o nº 4227/19.... do J... do Juízo de Família e Menores ....
3º Em 31-12-2010, Autor e Ré declararam comprar um prédio urbano, descrito sob o nº ...02 da Conservatória do Registo Predial ... e inscrito na matriz urbana da freguesia ..., sob o artigo ...04º, nos termos constantes do Título de Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca, junto com a P.I. imóvel que se encontra registado a favor de cada um deles.
4º Com vista à aquisição deste imóvel, as partes celebraram com o Banco 1..., contrato de mútuo (Contrato de Crédito à Habitação nº ...36), ainda parcialmente por amortizar.
5º No referido imóvel existem bens móveis.

IV – FUNDAMENTOS DE DIREITO

 Na decisão recorrida “julgou-se verificada a excepção dilatória de nulidade total do processo, por erro na respectiva forma”, por se entender que a forma de processo adequada era o processo de inventário para partilha dos bens do casal.
Dos factos alegados e nesta parte plenamente provados, resulta que Autor e Ré celebraram convenção antenupcial, adoptando o regime de separação de bens.
De acordo com este regime de separação, os bens presentes e futuros adquiridos por um deles pertencem-lhe em exclusivo, podendo dispor deles livremente (art.º 1735º do Código Civil).
No caso de os bens terem sido adquiridos antes ou durante a vigência do matrimónio por ambos, pertencem-lhes em compropriedade, fixando-se a sua quota de acordo com a participação de cada um na respectiva aquisição (art.ºs 1736º e 1403º do CC), presumindo-se, em caso de ausência de prova em contrário, mormente nada constando do título, que as quotas são quantitativamente iguais (art.º 1403º do CC).
Relativamente aos bens móveis adquiridos na constância do casamento, em caso de dúvida, diz-nos o já citado art.º 1736º do CC que se presumem pertencer em compropriedade a ambos os cônjuges.
Significa isto, que, no regime da separação de bens não há património comum, nem bens do casal, no sentido de propriedade colectiva ou de “mão comum”. 
O que caracteriza a comunhão de mão comum e a distingue da compropriedade é, além do mais, o facto de “o direito dos contitulares não incidir directamente sobre cada um dos elementos (coisa ou crédito), que constituem o património, mas sobre todo ele, concebido como um todo unitário.
Como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela [CC anotado, vol. III, 2.ª edição, pág. 347 e 348], a comunhão de mão comum ou propriedade colectiva reporta-se a “um património afectado a certo fim, que pode ser integrado por relações jurídicas de diversa natureza (…) e que pertence em contitularidade a dois ou mais indivíduos litigados por determinado vínculo (familiar, societário ou de outra ordem). A doutrina (…) costuma recorrer a este conceito para enquadrar o regime a que a lei subordina o património comum dos cônjuges, tal como o das sociedades não personalizadas e o da herança indivisa.
Assim, na partilha dos bens subsequente à dissolução da comunhão ou destinada a pôr-lhe fim, os contitulares têm apenas direito a uma fracção ideal do conjunto, não podendo exigir que essa fracção seja integrada por determinados bens ou por uma quota em cada um dos elementos a partilhar.
Já na compropriedade, tal como previsto no art.º 1403.º, n.º 1, do CC, dois ou mais sujeitos participam no direito de propriedade sobre bem certo e determinado, sendo que a divisão se faz por acordo ou nos termos do processo especial de divisão de coisa comum.
Consequentemente, Autor e Ré participam no direito de propriedade sobre cada um dos bens que adquiriram em conjunto, na proporção definida no título, ou que como tal se provar[[1]] ou, nada constando, que como tal se presume, por força do disposto no art.º 1403º do CC, acrescentando-se que, no tocante aos bens móveis adquiridos na constância do casamento, na ausência de prova em contrário, se presume que cada um deles lhes pertence em compropriedade (art.º 1736º do CC).
Não restam assim dúvidas de que a divisão dos bens adquiridos em conjunto por Autor e Ré, ou que como tal se presume (bens móveis), se efectua extrajudicialmente, v. g. por escritura pública de divisão de coisa comum ou, na falta de acordo, por acção de divisão de coisa comum, seguindo o processo especial previsto nos art.ºs 925º e seguintes do CPC, e não por meio de inventário, como foi entendido na decisão recorrida.
  No tocante à cumulação de pedido de compensação formulado pelo apelante, recorda-se o decidido nos acórdãos do STJ de 26-1-2021 (proc.1923/19.9T8GDM-A.P1.S1), de 1-10-2019, (proc. 385/18.2T8LMG-A.C1.S2), do TRL de 15-3-2018, (proc. 2886/15.5T8CSC.L1.L1-8) de 4-2-2021, (proc. 11259/18.7T8SNT.L1-6), de 24-3-2022, (proc. 823/20.4T8CSC-A.L1-2), do TRG de 4-11-2021, (proc. 4876/19.0BRG-A.G1); de 25-9-2014 (proc. 260/12.4TBMNC-A.G1) e de 13-7-2022 (proc. 1889/21.5T8VCT.G1), em que intervim como 1ª adjunta, todos publicados in www.dgsi.pt, no sentido de que
Acompanhamos a jurisprudência citada, pelos seus fundamentos, designadamente, o Ac. STJ de 26/1/2021, onde, entre o mais, se refere: “Na acção especial de divisão de coisa comum, (...) quando tenha sido suscitada a compensação de alegado crédito por despesas suportadas para além da quota respectiva, com o crédito de tornas que venha a ser atribuído ao Requerente, devendo a ação seguir os termos do processo comum, para que sejam decididas tais questões, só então se entrando na fase executiva do processo com a conferência de interessados. (...)“.

V – DECISÃO

Nestes termos, decide-se julgar procedente o presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, devendo os autos prosseguir os seus termos.
Custas pela apelada.
06-12-2023
Eva Almeida»

O processo foi aos vistos.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A DECIDIR.
 O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do apelante, tal como decorre das disposições legais dos artºs 635º nº4 e 639º do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º nº2 do CPC). 
As questões a resolver são as que constam das conclusões da apelação, reproduzidas na decisão singular, e que assim se sintetizam:
 – Se o casamento, entretanto dissolvido por divórcio, foi celebrado sob o regime de separação de bens, o processo próprio para a divisão dos bens adquiridos pelos ex cônjuges é a acção de divisão de coisa comum ou antes, como decidido na 1ª instância, o inventário.

III – OS FACTOS
Para a apreciação da apelação interessam os factos já elencados na decisão sumária, acima reproduzida, concretamente:
1º Autor e Ré contraíram casamento em ../../2007, com convenção antenupcial, no regime de separação de bens.
2º Autor e Ré divorciaram-se em ../../2020, no âmbito do Processo de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, que correu termos sob o nº 4227/19.... do J... do Juízo de Família e Menores ....
3º Em 31-12-2010, Autor e Ré declararam comprar um prédio urbano, descrito sob o nº ...02 da Conservatória do Registo Predial ... e inscrito na matriz urbana da freguesia ..., sob o artigo ...04º, nos termos constantes do Título de Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca, junto com a P.I. imóvel que se encontra registado a favor de cada um deles.
4º Com vista à aquisição deste imóvel, as partes celebraram com o Banco 1..., contrato de mútuo (Contrato de Crédito à Habitação nº ...36), ainda parcialmente por amortizar.
5º No referido imóvel existem bens móveis.

IV- O DIREITO
O art.º 652º nº 1 al. c), do CPC permite ao relator julgar sumariamente o objecto do recurso nos termos do art.º 656º, normativo que estabelece:
– Quando o relator entender que a questão a decidir é simples, designadamente por ter já sido jurisdicionalmente apreciada, de modo uniforme e reiterado, ou que o recurso é manifestamente infundado, profere decisão sumária, que pode consistir em simples remissão para as precedentes decisões, de que se juntará cópia
Por seu turno, o nº 3 do já citado art.º 652º, permite que a parte que se considere prejudicada por qualquer despacho do relator, que não seja de mero expediente, requeira que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão.
O acórdão não se destina a apreciar novas questões, nem a responder à matéria da reclamação (que, no caso, nem sequer foi motivada), mas apenas a apreciar o recurso interposto pelo apelante, que foi objecto de decisão singular.
No caso em apreço, apesar de a decisão singular ter sido proferida ao abrigo do referido art.º 656º do CPC, a relatora não se limitou a uma abordagem sumária das questões suscitadas ou à remissão para outras decisões.
As questões de facto e de direito foram analisadas à luz do que foi alegado e peticionado na P.I., dos factos que já se mostravam plenamente provados e do direito substantivo e processual vigente, interpretado de acordo com a doutrina e jurisprudência que sobre tais questões se debruçou.
Cumpre apenas rectificar o penúltimo parágrafo da fundamentação jurídica, pois, constatamos agora que deve ser eliminada a expressão “no sentido de que”, aliás incompleta, uma vez que o sentido da citada jurisprudência é exposto no parágrafo seguinte.
Consequentemente, o colectivo revê-se integralmente na decisão da relatora, objecto da presente reclamação e na respectiva fundamentação, acima transcrita, a que adere.

V - DELIBERAÇÃO
Nestes termos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em desatender a reclamação, julgando procedente o recurso e revogando a decisão recorrida, devendo os autos prosseguir os seus termos.
Custas a cargo da apelada, quer da apelação, quer da reclamação para o colectivo.
22-02-2024

Eva Almeida
António Figueiredo de Almeida
Afonso Cabral de Andrade                     



[1] Embora o art.º 1403º do CC refira expressamente “falta de indicação em contrário do título constitutivo”, o mesmo sucede com a previsão do art.º 1723º al. c) do mesmo diploma (desde que a proveniência do dinheiro ou valores seja devidamente mencionada no documento de aquisição, ou em documento equivalente, com intervenção de ambos os cônjuges.), o que não impediu o Supremo Tribunal de Justiça de ter fixado a seguinte jurisprudência:
–«Estando em causa apenas os interesses dos cônjuges, que não os de terceiros, a omissão no título aquisitivo das menções constantes do art. 1723º, c) do Código Civil, não impede que o cônjuge, dono exclusivo dos meios utilizados na aquisição de outros bens na constância do casamento no regime supletivo da comunhão de adquiridos, e ainda que não tenha intervindo no documento aquisitivo, prove por qualquer meio, que o bem adquirido o foi apenas com dinheiro ou seus bens próprios; feita essa prova, o bem adquirido é próprio, não integrando a comunhão conjugal». Cfr. A.U.J. nº12/2015.
Assim sendo, entendemos que também para a determinação das quotas no regime da compropriedade deve valer a mesma amplitude de prova.