Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3757/21.1T8GMR.G1
Relator: SANDRA MELO
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA
PRESUNÇÃO DO REGISTO
DIREITO DE REVERSÃO
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/15/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO DA RÉ IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
A expropriação é uma forma originária de aquisição da propriedade: causa a extinção de todos os direitos, ónus ou encargos que incidem sobre o bem constituindo-se um novo direito na esfera jurídica do beneficiário da expropriação, sendo a posição do expropriante absolutamente independente da posição do anterior titular dos direitos reais sobre o imóvel expropriado.
Decisão Texto Integral:
Acórdão

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

. I - Relatório

Autora e Recorrida: EMP01..., SA.
Ré e Recorrente: EMP02...-NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS, LDA
Intervenientes principais passivos: a Sr.ª Administradora da Insolvência de “EMP03...” e AA
apelação em ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum

A Autora pediu, na sua petição inicial:

1.  O reconhecimento da Autora como legítima e única proprietária das parcelas de terreno n.º 306.55 e 261.55, expropriadas;
2. A condenação das Rés a procederem à imediata desocupação da parte sobrante expropriada da parcela n.º ...5, com integral remoção da vedação existente; e
3. A condenação das Rés a pagarem uma indemnização, em valor a apurar em incidente de liquidação de sentença, por danos causados à Autora.
4. Mais veio a aditar o seguinte pedido: que sejam declaradas nulas as vendas efetuadas pela Massa Insolvente a AA e deste à Ré “EMP02...”, com o cancelamento dos registos dos prédios lavrados a favor dos Réus.

Alegou, para tanto e em síntese:
 Foram expropriadas, a seu favor, duas parcelas
- a parcela n.º ...5, com a área de 4.814m2, destacada do prédio misto denominado Assento do ... da freguesia ..., inscrito na matriz urbana sob os artigos ...52, ...58, ...59, ...60, ...61 e ...62 e rústica sob o artigo ...2, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...00 e passou a constituir o prédio omisso à matriz e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...01;
- A parcela n.º ...5 tem a área de 408m2 e é destacada do prédio misto denominado Assento do ... da freguesia ..., inscrito na matriz urbana sob os artigos ...52, ...58, ...59, ...60, ...61 e ...62 e rústica sob o artigo ...2, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...00... artigo matricial ...2.º deu origem ao artigo ...68.º rústico, confrontando a parcela de Norte com a Rua ..., Sul com Linha Férrea, Nascente com Caminho e Poente com ....
Toda a área expropriada não chegou a ser efetivamente ocupada com as obras, ficando uma parte sobrante, junto à Rua ..., a qual foi ocupada pela 1º Ré, que a vedou e afirma que a adquiriu em processo judicial no âmbito de insolvência em que eram insolventes os expropriados. A venda dos bens expropriados é nula e o 1º Réu agiu de má-fé, por não poder desconhecer o que ali estava realizado.
-- A primeira Ré apresentou contestação em que invoca, em súmula, no que ora releva, que os bens lhe pertencem e se encontram registados em seu nome, porque os comprou a AA e mulher por escritura outorgada no ano de 2020. Estes, por sua vez, tinham-nos comprado à 2ª Ré Massa Insolvente, em 2019, em venda judicial subsequente à declaração de insolvência. Os prédios estão autonomamente inscritos na matriz desde 2002. A Autora não praticou atos de posse sobre as parcelas, nem procedeu à sua integração no domínio público, até .../.../2023, porque a não registou.
Veio a ser admitida a intervenção processual provocada da Sr.ª Administradora da Insolvência e de AA.
A Interveniente principal passiva contestou e foi apresentada resposta contrariando o invocado nas contestações apresentadas.
Os autos foram saneador e procedeu-se a audiência final, tendo sido prolatada sentença em que se decidiu pela parcial procedência da ação, declarando a Autora legítima e única proprietária das parcelas de terreno n.º 306.55 e 261.55, expropriadas, condenando as Rés a procederem à imediata desocupação da parte sobrante expropriada da parcela n.º ...5, com integral remoção da vedação existente e declarando nulas as escrituras públicas de compra e venda descritas nos autos, determinando o cancelamento dos respetivos registos. Absolveu a 1ª Ré / Intervenientes dos demais pedidos formulados.

 É desta decisão que a 1ª ré apelou, apresentando as seguintes
conclusões:

“1.º O presente recurso versa sobre impugnação da matéria de facto e sobre a aplicação do direito levada a cabo pelo Tribunal a quo.
2.º Entendeu o Tribunal a quo julgar parcialmente procedente a ação, declarando a A. legítima e única proprietária das parcelas de terreno n.º 306.55 e 261.55, expropriadas, e condenando a Ré a proceder à imediata desocupação da parte sobrante expropriada da parcela n.º ...5, com integral remoção da vedação existente, e ainda declarando nulas as escrituras públicas de compra e venda melhor descritas nos factos provados números 10 e 12 e determinando o cancelamento dos respetivos registos; e, bem assim, condenar a 1.ª R. nas custas.
3.º Ora, considera a Apelante haver, no tocante à listagem dos factos dados como provados e não provados, omissão/insuficiência de factos articulados pela 1.ª R. em sede de contestação, abrangidos pelos temas probatórios (artigos 640.º e 662.º do CPC), e que se mostram essenciais para a boa decisão da causa, e que conduziriam à total improcedência da ação.
4.º Inconforma-se, pois, a Apelante com a decisão proferida uma vez que o Tribunal a quo fez uma equivocada apreciação da prova produzida em sede do presente processo, ao não considerar factos que se afiguram essenciais para a boa decisão da causa, factos que esta alegou e demonstrou.
5.º No presente pleito, funda a A. o seu pedido de reconhecimento do seu alegado direito de propriedade sobre as parcelas de terreno expropriadas n.º 306.55 e 261.55, por as haver adquirido à EMP03..., S.A. por via dos processos expropriativos litigiosos n.ºs 941/2002 do ... Juízo Cível de Guimarães e 1063/07.3TBGMR do ... Juízo Cível de Guimarães, cfr. factos provados n.ºs 1 e 2.
6.º No entanto, a verdade é que a R. e aqui Apelante EMP02... é a proprietária do terreno correspondente à parte sobrante daquelas parcelas expropriadas, nomeadamente os prédios inscritos na matriz sob os artigos rústicos ... e ... da freguesia ..., concelho ..., e descritos na Conservatória do Registo Predial, Comercial e Automóveis ... pelos n.ºs 1837 ... da referida freguesia ..., por os ter adquirido a título oneroso a um dos seus sócios e gerente AA e sua ex-cônjuge BB, por escritura pública de compra e venda outorgada em 13.08.2020, cfr. factos provados n.º 11 e 12, aquisições que levou a registo pelas AP ...90 de 2020/08/14 – cfr. factos provados 13 e 14.
7.º Por seu turno, estes bens foram vendidos e adjudicados ao Senhor AA no âmbito do processo de insolvência n.º 888/13...., em que foi a Insolvente EMP03..., S.A., que correu termos, inicialmente pelo extinto ... Juízo Cível de ..., e ulteriormente, pelo Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo de Comércio ..., Juiz ..., cfr. factos provados n.ºs 8 e 10, e ainda certidão judicial do mencionado processo de insolvência, junta pela Chamada Sra. Administradora de Insolvência, por requerimento datado de 12.09.2022, com ref.ª CITIUS ...09.
8.º Em consequência dessa adjudicação, e dado os prédios se confrontarem com a estrada, foi a Recorrida/A. notificada pela Administradora de Insolvência para exercício do direito de preferência, não tenho obtido da parte da IP. aqui Recorrida qualquer resposta.
9.º Ulteriormente, foi outorgada a competente escritura pública de compra e venda em 30.08.2019, tendo em consequência daquele ato notarial sido lavrado o correspondente registo a favor do adquirente pela AP ...93 de 2019/08/30 – de acordo com os factos provados n.ºs 10 e com o requerimento da Recorrente que juntou certidão do registo predial com histórico das descrições ...37 e ...38, de ..., sob o documento n.º ... do requerimento apresentado em 12.09.2022, com a ref.ª CITIUS ...64.
10.º Tais prédios encontram-se, também, inscritos a favor da 1.ª Ré na respetiva matriz rústica da freguesia ..., no Serviço de Finanças ..., sendo que a sua inscrição remonta ao ano de 2002, então averbados a favor da expropriada EMP03..., S.A. – cfr. factos provados n.ºs 6 e 7, e documento n.º ... junto pela 1.ª R. com a contestação apresentada.
11.º Os referidos prédios foram apreendidos para a respetiva massa insolvente, e ulteriormente vendidos.
12.º Estes artigos R186 e R187 resultaram do fracionamento do prédio rústico inscrito na matriz sobre o artigo ...2, mediante o processo de discriminação n.º 47/01 (2001) promovido pela expropriada/insolvente EMP03..., S.A. junto da segunda Repartição de Finanças ..., sendo essa a sua proveniência.
13.º Nessa conformidade, o artigo R52 foi desativado, e consequentemente, eliminado da matriz.
14.º No entanto, os dois processos expropriativos invocados pela A. na petição inicial, por via dos quais lhes foram adjudicadas as parcelas em causa nos presentes autos – n.ºs 941/2002 do ... Juízo Cível de Guimarães e 1063/07.3TBGMR do ... Juízo Cível de Guimarães – deram entrada em juízo em 11/11/2002 e 01/03/2007 respetivamente, portanto já bem após a eliminação do artigo ... da matriz.
15.º Tendo sido também juntas em ambos os processos de expropriação certidões emitidas pelo Serviço/Repartição de Finanças ... 2, atestando a proveniência dos artigos ...86 e ...87 do artigo ...2.
16.º A Apelante é a única e legítima proprietária e possuidora dos prédios, por os haver adquirido através de uma forma de aquisição translativa da propriedade (compra e venda).
17.º Os prédios estão registados a favor da Recorrente, pelo que a mesma goza, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 7.º do Cód. Registo Predial da presunção da titularidade, ou seja, o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, neste caso, a Apelante.
18.º A Apelante alega factos conducentes à aquisição dos referidos prédios por usucapião, forma de aquisição originária.
19.º A Recorrente e os anteriores titulares dos prédios, a saber: o Sr. AA, a Massa Insolvente da EMP03..., e a EMP03... praticaram sempre atos de posse sobre os prédios em causa.
20.º A partir da celebração da escritura pública de compra e venda supra mencionada, a Recorrente “EMP02...”, por si e pelo transmitente AA, cuidou e limpou os imóveis em questão, contratando terceiros para roçar e remover matos, silvas e lixos neles existentes, pagando as respetivas contribuições e impostos, mandando efetuar levantamento topográfico do local para iniciar estudo da capacidade construtiva dos terrenos, contactando arquiteto para o efeito e para, de seguida, proceder à elaboração do competente projeto de construção, vedando-os com fitas balizadoras e prumos em ferro (artigos 13º da p.i. e 47º a 54º, 140º e 141º da contestação), cfr. resulta dos factos provados n.º 18, 19 e 22 da sentença do Tribunal a quo.
21.º A EMP03..., S.A. – e depois a sua Massa Insolvente, o sr. AA, e depois a EMP02... procederam, durante todo este lapso temporal, ao pagamento de todas as contribuições e impostos devidos pela titularidade dos prédios, cfr. resulta dos documentos juntos com a contestação como documento n.º ...2.
22.º A Apelante e os anteriores possuidores dos prédios praticaram estes atos à vista e com o conhecimento de toda a gente, sem oposição fosse de quem fosse.
23.º Contrariamente, diga-se, à Autora, já que os prédios rústicos ... e ... encontravam-se completamente ao abandono, sem quaisquer atos de cuidado praticado por quem e mormente pela A.
24.º O terreno correspondente à parte sobrante das parcelas expropriadas manteve-se durante anos a fio imundo, cheio de matos, silvas, e lixos, tudo como melhor resulta da declaração junta com a contestação da Recorrente como documento n.º ...1.
25.º Só e apenas quando a Ré Recorrente, por pretender abater alguns eucaliptos e sobreiros de grande porte, se deslocou à Polícia Municipal, e quando a Câmara Municipal ... se apercebeu de que a Apelante havia vedado os prédios, é que a Recorrida se opôs à posse da Recorrente.
26.º A Recorrida intimou a Recorrente a desocupar as parcelas expropriadas.
27.º O artigo Rústico ...2 da freguesia ... encontrava-se desativado e eliminado da matriz desde o ano de 2001, por força do processo de discriminação n.º 47/01, que correu termos pelo Serviço de Finanças ... 2, tendo dado origem, e para o que aqui nos interessa – aos artigos R186 e R187.
28.º No âmbito dos processos de expropriação (PROCESSOS N.ºS 941/2002 e 1063/07....) o Tribunal remeteu-os à ... CRP ... para que se procedesse ao registo da aquisição destas parcelas pela via expropriativa à então EMP04..., ora Recorrida, dando-se cumprimento ao disposto no n.º 6 do artigo 51.º do Código das Expropriações.
29.º Estes registos ficaram provisórios por dúvidas.
30.º Após notificada e convidada a suprir as mencionadas dúvidas, a Recorrida nunca o fez, tendo os respetivos registos provisórios caducado, cfr. resulta dos documentos n.ºs ...5, ...6 e ...7 juntos com a contestação apresentada pela Recorrente.
31.º A 09.03.2021, a Recorrida apresentou uma comunicação das expropriações datadas de 2002 e 2007 ao Serviço de Finanças ..., referindo o extinto e eliminado da matriz prédio rústico ...2 como o prédio expropriado, cfr. resulta do facto provado n.º 3.
32.º O Mmo. Juiz a quo, ao não ter considerado como provada determinada facticidade que a R. alegou na contestação, e que, na sua perspetiva, se encontra amplamente provada nos autos, seja por via documental, seja pelos depoimentos produzidos em sede de audiência de julgamento, sendo essencial para a decisão de mérito a proferir nos presentes autos, a sentença de que ora se recorre padece de erros de julgamento, ou error in judicando.
33.º Entende a Apelante que o Tribunal a quo fez uma equivocada interpretação, valoração e consideração da prova produzida em sede do presente processo, dada a desconsideração de facticidade essencial que resultou demonstrada.
34.º Devem ser aditados à listagem de factos considerados provados os seguintes factos:
1. Os prédios rústicos n.ºs ...86 e ...87 resultaram do fracionamento do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ...2, mediante o processo de discriminação n.º 47/01 (do ano 2001) promovido pela EMP03..., S.A. junto da 2.ª Repartição de Finanças ....
2. O artigo R52 encontra-se desativado, pelo menos, desde 2001.
3. Os prédios vendidos – R186 e R187 – pela Massa Insolvente da EMP03... no âmbito do processo de insolvência n.º ...13.5TBPRD, por escritura pública de compra e venda (30.08.2019) ao sr. AA, que depois, em 13.08.2020 – facto 12, foram transmitidos à Apelante correspondem a parte sobrante do terreno objeto das expropriações, devidamente individualizada, delimitados a Norte por muro de suporte à casa da Quinta, a Nascente por muro divisório e a sul e Poente pela estrada.
4. A A. não respondeu à notificação identificada no facto provado 9. que lhe foi dirigida pela Senhora Administradora de insolvência para exercício de preferência na venda.
5. A A. não roçou, não limpou, não cuidou, não fez a gestão dos combustíveis, não vedou as partes sobrantes das parcelas expropriadas, deixando-as ao abandono.
6. O pagamento do IMI referente aos prédios rústicos ...86 e ...87 esteve a cargo desde a sua inscrição na matriz em 2002 da EMP03... até à declaração de insolvência dessa empresa, sendo a partir dessa data, pago pela Massa Insolvente, e posteriormente, pelo interveniente AA, e pela 1.ª Ré até à presente data.
7. Os artigos ...86 e ...87 constavam da lista de prédios inscritos na matriz em nome da insolvente, tendo sido apreendidos no âmbito do processo de insolvência 888/13.... em 25.07.2013.
8. Na sequência da escritura de compra e venda outorgada em 30.08.2019, a que se reporta o facto provado n.º 10, procedeu o adquirente AA, ao registo da aquisição, pela AP ...93 de 2019/08/30;
9. No âmbito dos processos expropriativos, foram feitas as comunicações pelo Tribunal impostas pelo n.º 6 do artigo 51.º do Código das Expropriações, na sequência das quais foram proferidos despachos de qualificação do registo pela Senhora Conservadora, no sentido de que os registos ficariam provisórios por dúvidas, tendo sido a então a Autora naqueles processos (então, EMP04...), ora Recorrida notificada destes despachos, e convidada a suprir as referidas dúvidas – o que não fez, tendo os respetivos registos caducado;
10. A A. não procedeu ao registo da presente ação.
 35.º Os factos n.ºs 1 e 2 da listagem supra elencada são alegados nos artigos 29.º e 30.º da contestação apresentada pela Apelante, e resultam do teor das petições iniciais dos expropriativos; das certidões matriciais emitidas no âmbito dos mesmos processos, em 08/10/2002, e em 19.12.2006; do printscreen do Portal das Finanças junto pela Apelante – tudo junto pela Recorrente com a sua contestação, sob os documentos n.ºs ..., ..., ..., ..., ... e ....
36.º Os mencionados factos resultam, ainda, do documento n.º ... junto pela Recorrida com a sua petição inicial.
37.º Ademais, a informação da desativação do artigo Rústico ...2 resulta, ainda, de forma inequívoca, do ofício remetido aos autos pelo Serviço de Finanças ... em 02.08.2022, com a referência CITIUS ...86.
38.º Todos os documentos vindos de enumerar estão devidamente comprovados por certidões juntas pela Ré Recorrente aos autos por requerimento de 12.09.2022, sob o documento n.º ... (processo n.º 1063/07.3TBGMR), com a ref.ª CITIUS ...64, e por requerimento de 27.10.2022, com a ref.ª CITIUS ...41, sob o documento n.º ... (processo n.º ...02).
39.º O Mmo. Juiz a quo dá como provados grande parte do teor dos documentos vindos de elencar sem que, contudo, tenha retirado desse acervo documental a conclusão que se impunha.
40.º Este facto assume extrema relevância e essencialidade como facto integrador, desde logo, da má-fé da A. quando faz a comunicação de regularização ao SF ... – facto provado n.º 3, com base num artigo que sabe já não existir, e com esse documento, instrui o pedido de registo a seu favor na descrição ...06/..., que incluía o artigo matricial rústico ...2, junto da Conservatória do Registo Predial.
41.º A A. bem sabia, como aliás, e conforme se deixou dito supra, resulta das próprias petições iniciais apresentadas no âmbito dos processos de expropriação, que o artigo R52 havia dado origem, entre o mais, aos artigos rústicos ... e ..., pelo que deveria ter efetuado o registo dessas aquisições nos “novos” artigos ...86 e ...87; no entanto, tal era impossível porque os mesmos já se encontravam registados a favor da aqui Recorrente (descrições prediais ...37 e ...38/...).
42.º Tal factualidade, potencialmente consubstanciadora da figura do abuso de direito excecionada pela Apelante, bem como relevante para a aplicação do instituto da proteção de terceiros de boa-fé, invocados pela Ré, teria necessariamente de ser levada à listagem dos factos assentes nos presentes autos.
43.º O facto n.º 3 que a Apelante retende ver aditado à factualidade dada como provada resulta abundantemente da prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, em conjugação com a prova documental constante dos autos.
44.º A testemunha CC, Sra. Engenheira Geográfica, atualmente funcionária da A., e que pertencia, desde o ano de 2005, aos quadros da extinta EMP04..., antes da fusão desta com as Estradas ..., exercendo funções na área de cadastro na parte ferroviária relatou ter tido conhecimento da denúncia apresentada pela Câmara Municipal ... de ocupação pela Recorrente de uma parcela expropriada, que foi feita uma comunicação à Recorrente para retirar a vedação, e face à resposta da mesma, remeteram o assunto para o departamento jurídico, identificou o procedimento seguido pela A. nestes casos de eventual ocupação de área expropriada, tendo apurado que estaria em causa a ocupação de parte da parcela expropriada n.º ...5 e questionada e confrontada com a planta junta pela A. sob o documento n.º ... junto com a petição inicial, referiu ter sido a responsável pela sua elaboração, esclarecendo, e para o que aqui importa, que a área assinalada a verde juntamente com a assinalada a vermelho/bordeaux, correspondem à parte sobrante e não utilizada pela entidade expropriante, tudo conforme ficheiro e minutos identificados supra, no corpo das alegações.
45.º Estas afirmações coincidem com o levantamento topográfico junto pela Apelante, sob o documento n.º ...3 com a sua contestação, e ao levantamento mais recente junto em audiência de julgamento cfr. ata da audiência de julgamento de 02.11.2022.
46.º A testemunha da Recorrente, DD, asseverou conhecer os prédios adquiridos, em primeira linha, pelo Chamado AA, e posteriormente, pela Ré Apelante, nomeadamente a sua localização, composição e confrontações, conforme ficheiro e minutos identificados supra, no corpo das alegações.
47.º A testemunha da Recorrida, EE, funcionária da Câmara Municipal ... referiu conhecer a localização, composição e confrontações dos prédios em causa, conforme ficheiro e minutos identificados supra, no corpo das alegações.
48.º Tal-qualmente, a testemunha da Recorrente, FF, proprietário da empresa de limpezas contratada pelo Chamado AA, e posteriormente, pela Recorrente EMP02... afirmou conhecer os prédios em causa no presente pleito, por via desse serviço de limpeza que efetuou, tendo sido informado pelo Sr. AA sobre os limites da propriedade em causa, conseguindo, de forma clara, indicar a localização, composição e confrontações dos mesmos, assim como a testemunha GG, também contratado pelos mesmos para esse efeito, tudo conforme ficheiro e minutos identificados supra, no corpo das alegações.
49.º Finalmente, a testemunha da Recorrente, Sr. Arquiteto HH, contratado pela Ré Recorrente para fazer o levantamento topográfico do local de modo a iniciar um estudo da capacidade construtiva dos terrenos em causa, identificou de forma clara as confrontações e limites dos prédios, assim como a sua dimensão, conforme ficheiro e minutos identificados supra, no corpo das alegações.
50.º O Mmo. Juiz a quo não deu esta facticidade como provada, mas partiu dessa premissa na fundamentação da sentença, para tirar as conclusões que tirou.
51.º Esta facticidade é corroborada pelo conteúdo do facto provado n.º 17.
52.º O apuramento deste facto revela-se fulcral para dirimir o litígio, desde logo, quanto aos atos de posse sobre os terrenos em causa, se integram ou não o domínio público, da venda de bens alheios, e subsunção aos institutos da usucapião, de proteção de terceiros de boa fé e do abuso de direito.
53.º O facto n.º 4 que a Apelante retende ver aditado à factualidade dada como provada resulta amplamente das declarações de parte da Interveniente Principal, a Senhora Administradora de Insolvência II, que explicou todo o formalismo por esta adotado quanto às notificações para exercício de direito de preferência, entre as quais, a da A., referindo nunca ter tido qualquer resposta àquela missiva, conforme ficheiro e minutos identificados supra, no corpo das alegações.
54.º A testemunhas da A. CC e JJ, reconhecem a existência da carta, mas nenhuma conseguiu concretizar que seguimento foi dada àquela, não identificando nos documentos que consultaram qualquer resposta à mesma; aliás, nem sabem explicar os trâmites internos a adotar perante uma missiva desse tipo, ora dizendo que seria competente a divisão de cadastro e expropriações, ora atribuindo a competência ao departamento de enquadramento estratégico, conforme ficheiro e minutos identificados supra, no corpo das alegações.
55.º A resposta a esta missiva não era inócua, ao contrário o defendido pelo Mmo. Juiz a quo.
56.º Este facto é essencial, e foi alegado pela Ré como um dos factos consubstanciadores do invocado abuso de direito, por revelar inércia, descuido, desinteresse – e, diga-se de passagem – omissão grosseira, considerando que estamos perante um instituto público, dotado de todos os meios e recursos humanos e técnicos para dar seguimento a comunicações desse tipo (principalmente, quando o teor daquela carta contendia com o eventual exercício de direito de preferência na venda de prédios de que esse instituto se arroga proprietário).
57.º Na referida missiva, foram remetidos à Recorrida elementos eram mais do que suficientes para que a A. tivesse identificado aqueles como sendo os bens que outrora havia expropriado, desde logo, e com especial enfoque, por se tratarem dos prédios rústicos ...86 e ...87 a que a A. já aludia nas petições iniciais dos processos de expropriação.
58.º A A. deveria ter deitado mão à ação para exercício do direito à separação ou restituição de bens de terceiro indevidamente apreendidos para a massa insolvente, previsto nos artigos 141.º e 146.º, n.º 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, evitando, desse modo, a venda desses bens e, consequentemente, todo este imbróglio.
59.º O facto n.º 5 que a Apelante pretende ver aditado à matéria de facto considerada provada resulta da prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento.
60.º A testemunha da Recorrente KK referiu apenas ter visto os prédios em questão limpos “há 3 ou 4 anos”, que os prédios se mantiveram durante anos cheios de silvas e codeços, e que os terrenos serviam de aparcamento para quem assim o desejasse, visto que não estavam vedados, tudo conforme ficheiro e minutos identificados supra, no corpo das alegações.
61.º A testemunha da Recorrente, LL, afirmou que os prédios em questão, após a requalificação da linha, estavam completamente descuidados, até “há ¾ anos atrás” viu os terrenos limpos e vedados, conforme ficheiro e minutos identificados supra, no corpo das alegações.
62.º A testemunha da Apelante, DD referiu que os terrenos em questão estavam a monte, repletos de mato e lixos, tendo utilizado a expressão “estava tudo abandonado”, foi o Sr. AA que mandou limpar o terreno, e foi a testemunha quem o ajudou a proceder à sua vedação, tudo conforme ficheiro e minutos identificados supra, no corpo das alegações.
63.º Por sua vez, a testemunha da Recorrente, FF, proprietário da empresa de limpezas contratada pelo Chamado AA, e posteriormente, pela Recorrente EMP02... relatou estarem os terrenos “caóticos” na primeira vez que foi contratado para efetuar esse serviço, com muitos matos, silvas, e plantas invasoras, conforme ficheiro e minutos identificados supra, no corpo das alegações.
64.º A testemunha GG, igualmente contratado pelos mesmos para esse efeito, que os prédios em causa estiveram durante anos a fio “a monte”, não sendo limpos por ninguém, conforme ficheiro e minutos identificados supra, no corpo das alegações.
65.º A ausência de atos de posse da parte da Recorrida afigura-se como um facto da mais elementar essencialidade, por demonstrar o total descuido e incúria da mesma para com as partes sobrantes das parcelas expropriadas, facto alegado pela Ré como um dos factos consubstanciadores do invocado abuso de direito, por revelar inércia, e desinteresse da parte da A.
66.º Esta atitude da A. ora Recorrida manifesta o que tem vindo a ser alegado pela Recorrente: é que a Recorrida até pode ser proprietária – mas nunca foi possuidora, por jamais ter demonstrado qualquer um dos elementos característicos da posse (o corpus e o animus) quanto às parcelas sobrantes da obra que alargou a via férrea, e construiu a estrada.
67.º O facto n.º 6 que a Recorrente pretende ver aditado à factualidade dada como provada na sentença de que ora se recorre resulta de forma clara e inequívoca das declarações de parte prestadas pela Sra. Administradora e Insolvência, II, que afirmou ter procedido ao pagamento dos IMI’s relativos aos prédios rústicos ...86 e ...87, no âmbito do processo de insolvência, impostos esses que foram, inclusive, reclamados pelo Ministério Público, conforme ficheiro e minutos identificados supra, no corpo das alegações.
68.º Ademais, resulta igualmente dos documentos n.ºs ...1 e ...9 juntos aos autos pela Interveniente Principal, Sra. Administradora de Insolvência II a 12.09.2022, em requerimento com a ref.ª CITIUS ...09, e ainda os documentos n.ºs ...2 da contestação da Recorrente, e ofício junto aos autos pelo Serviço de Finanças ..., com a ref.ª CITIUS ...86, nomeadamente, os prints informáticos do pagamento do IMI referente aos artigos ...86 e ...87 rústicos da freguesia ..., dos anos 2013 a 2018.
69.º Justifica-se a sua essencialidade para a descoberta da verdade por permitir provar, por um lado, os atos de posse praticados pela EMP03..., S.A., e pela Massa Insolvente da mesma sociedade anónima, pelo AA, e pela Apelante; e, por outro lado, a ausência de atos conducentes a exercer a posse por parte da Recorrida.
70.º A factualidade n.º 7 que a Recorrente pretende ver aditada à listagem dos factos provados elaborada pelo Mmo. Juiz a quo resulta das declarações de parte prestadas pela Sra. Administradora de Insolvência, II, conforme ficheiro e minutos identificados supra, no corpo das alegações.
71.º De igual modo, a mesma resulta dos documentos n.ºs ..., ..., ...5, ..., ..., ... juntos aos autos pela Interveniente Principal, Sra. Administradora de Insolvência II a 12.09.2022, ref. CITIUS ...09.
72.º Tal facticidade é essencial por permitir demonstrar, de forma inequívoca, que foi por esse motivo que os imóveis foram aprendidos no âmbito do processo de insolvência, tendo posteriormente sido vendidos e dado origem a todo este busílis.
73.º Configura-se demonstrativa da omissão do registo dos imóveis por parte da A., fator essencial para dirimir da sua má-fé. Prova, de igual forma e a contrario, a ausência da prática de atos de posse por parte desta – que não só não registou, como nunca procedeu ao pagamento de qualquer tipo de imposto, visto que os prédios sempre constaram da matriz inscritos, ora a favor da Insolvente/Expropriada, ora a favor da Massa Insolvente, e em momento posterior, a favor do Sr. AA e sua ex-mulher, e da Apelante EMP02....
74.º O facto n.º 8 que a Apelante pretende ver aditada à listagem de factos dados como provados na sentença do Tribunal a quo resulta inequívoco da prova documental junta aos autos, nomeadamente da certidão do registo predial com histórico das descrições ...37, ...38 da freguesia ..., junta sob o documento n.º ... do requerimento apresentado pela aqui Apelante em 12.09.2022, com a ref.ª CITIUS ...64.
75.º Esta factualidade revela-se de extrema importância porquanto prova que o facto substantivo – a compra e venda – em que interveio o causante do terceiro (AA e excônjuge) acedeu previamente ao registo, pelo que a Apelante depositou confiança no registo.
76.º Por sua vez, a facticidade elencada supra sob o n.º 9 resulta, desde logo, das declarações de parte prestadas pela Sra. Administradora de Insolvência, II, conforme ficheiro e minutos identificados supra, no corpo das alegações.
77.º Ora, daqui resulta de forma inequívoca a conduta omissiva, com negligência e culpa grosseira, e reveladora de incúria e falta de zelo na feitura do registo de aquisição das parcelas expropriadas a seu favor, como lhe competia com repercussões seja ao nível da aplicação do instituto do abuso de direito, seja da proteção de terceiros de boa-fé, porquanto a existência ou não de registo a favor da A. é um fator preponderante.
78.º A facticidade elencada supra sob o n.º 10 resulta da certidão com histórico das descrições ...37 e ...38 de ... junta pela Apelante no requerimento de 12.09.2022, com ref.ª CITIUS ...64, da qual não consta registo de qualquer ação.
79.º Diante do pedido de declaração de nulidade das escrituras e consequente cancelamento dos registos, é facto essencial para aplicação do invocado artigo 17.º, n.º 2 do Código de Registo Predial, ou do artigo 291.º do Código Civil, normativos tendentes a tutelar os terceiros adquirentes de boa fé que tenham registado os seus direitos, apurar se a presente ação foi, ou não, registada, e quando, obrigação prevista no artigo 3.º, n.º 1 do CRP.
80.º A acção nos termos da citada alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do Código do Registo Predial tem de ser registada nas descrições que a A. pediu ao Tribunal que sejam canceladas em consequência da declaração de nulidade das escrituras efetuadas pela Massa Insolvente a AA e deste à “EMP02..., Negócios Imobiliários, Lda.
81.º A Recorrida não se pronunciou, nem nada requereu quanto ao ofício da Conservatória do Registo Predial ..., com o teor constante Entende a Apelante que o Mmo Juiz a quo não deu relevância a matéria que da conjugação de toda a prova constante e produzida nos autos se reveste essencial para a apreciação das várias soluções de direito subsumíveis ao presente litígio.
82.º Pelo que se vem de expor, entende, pois, o Recorrente ter havido uma errada interpretação dos factos julgados, prejudicando em consequência a aplicação do Direito.
83.º Destarte, mal andou o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, tendo violado o disposto no artigo 607.º, n.ºs 3, 4 e 5, do Código de Processo Civil.
84.º O Tribunal a quo entende que, tendo em conta que a A. provou a aquisição originária da sua posse, por via da expropriação, e a Ré Recorrente apresentou nos presentes autos duas escrituras de compra e venda – forma derivada de aquisição – aquela deve prevalecer sobre esta.
85.º Não estamos somente a analisar o conflito de dois direitos de propriedade entre si – mas sim, o direito de propriedade adquirido por um terceiro de boa fé, completamente alheio a todas as vicissitudes que tenham ocorrido com a situação registral e matricial dos prédios que adquiriu.
86.º Há sonantes vozes na doutrina que defendem a expropriação por utilidade pública como aquisição como forma derivada de aquisição da propriedade, entre as quais se encontra Santos Justo, que defende que, na expropriação, os elementos constitutivos da tradição da coisa são todos preenchidos, nomeadamente: existir um proprietário anterior do imóvel; traditio do mesmo do expropriado para o expropriante, seja através de negócio jurídico, contrato de compra e venda, ou através de ato administrativo, declaração de utilidade pública e expropriação por utilidade pública..
87.º Admitir-se no próprio instituto de expropriação por utilidade pública, o direito de reversão, é reconhecimento claro de que, mesmo depois de genericamente um ato de autoridade aniquilador ou destruidor de propriedade privada, o facto é que, o expropriado como ex-proprietário, existe para além do ato expropriativo com direito a usufruir do instituto da reversão se a entidade expropriante não cumprir os fins determinantes para a expropriação, ao fim de 2 anos, de acordo com o disposto no art.º 5.º nº 1.
88.º Assim sendo, entende a Apelante que, ainda que estivéssemos perante uma questão de mera contraposição de duas aquisições derivadas – uma por via da expropriação, outra por via de um negócio de compra e venda celebrado no âmbito de um processo de insolvência – a Apelante, ainda assim, sempre veria o seu direito de propriedade reconhecido, seja por via do instituto da usucapião, seja pelos institutos da proteção de terceiros.
89.º Através do instituto da acessão na posse, previsto no artigo 1256.º do Código Civil, a Apelante está em condições de usucapir os prédios em questão, acedendo na posse do Chamado AA e EMP03..., S.A.
90.º Resulta claramente demonstrado nos autos, seja por prova documental, seja pela prova testemunhal, que tanto a Ré Recorrente EMP02..., como o anterior proprietário AA e sua ex-cônjuge praticaram nos imóveis em causa nos autos todos os atos próprios de quem é legitimo proprietário e possuidor, conforme se deixa explicado no corpo das alegações.
91.º A acessão na posse pode ocorrer quando se verifica uma aquisição derivada da posse, por título distinto da sucessão por morte, de acordo com o disposto no artigo 1256.º do Código
Civil.
92.º Importa ainda referir que a pose exercida pela Apelante EMP02..., pelo Chamado AA e ex-mulher, pela Massa Insolvente de EMP03..., S.A., e pela EMP03..., S.A. foi, desde sempre, pública e pacífica, tendo sido exercida à vista de toda a gente, na convicção da exclusividade de domínio e sem oposição de ninguém até dezembro de 2020, como, de resto, resultou provado nos presentes autos, e assente como facto provado n.º 20 da sentença de que ora se recorre.
93.º Deste modo, dos factos considerados provados pelo Tribunal a quo, das declarações de parte da Interveniente Principal, Sra. Administradora de Insolvência II, da prova testemunhal produzida em sede de audiência e julgamento, e da abundante prova documental constante dos autos, resulta, de forma clara, a aquisição por usucapião dos prédios em causa pela Apelante, por via da acessão na posse da EMP03..., S.A., que, na verdade, nunca deixou de estar na posse dos referidos prédios.
94.º Contrariamente à Apelante, e seus sucessivos antepossuidores, a Recorrida I.P. nunca demonstrou quaisquer um destes elementos sobre os prédios rústicos ...86 e ...87.
95.º A Apelante adquiriu as partes sobrantes da execução da obra “... – Reconversão em Via Larga do Troço ...-Guimarães” que, de acordo com o facto provado n.º 17, não ocupou a totalidade do terreno expropriado
96.º Aliás, conforme se deixou explícito supra, o Sr. AA sempre teve plena noção dos limites dos seus prédios, que explicou às testemunhas FF, GG e HH, todas contratadas pelo mesmo para proceder à realização de serviços relacionados com os terrenos em causa, e que pela natureza das coisas, necessitavam de ter presentes esses limites para levar a cabo o serviço contratado, decorrendo o mesmo das plantas juntas aos autos pela Recorrida, melhor identificadas no corpo das alegações.
97.º A Recorrida nunca afetou as partes sobrantes, nem à obra que fundamentou a DUP, nem a qualquer outra obra ou função. Além do mais, não roçava, limpava ou praticava quaisquer outros atos de cuidado para com aquelas parcelas sobrantes.
98.º Tudo isto em contraposição à EMP03..., S.A., que pagou sempre os IMI’s e outros encargos onerosos dos prédios, o que consubstancia ato demonstrativo da posse – ainda que de má-fé.
99.º Por esse motivo é de considerar que, em relação às partes sobrantes, a Recorrida, embora por via da expropriação até se pudesse arrogar proprietária, nunca se poderia arrogar possuidora.
100.º Estes imóveis em discussão nos presentes autos pertencem ao domínio privado do Estado, e por isso, podem ser alvo de aquisição por via da usucapião.
101.º No elenco do artigo 84.º da Constituição da República Portuguesa não se incluem os imóveis que, à época da projeção da obra que construiu ou renovou a linha férrea e a estrada, foram considerados indispensáveis à realização da mesma, e que por esse fundamento de utilidade pública, tenham sido expropriados.
102.º Estes imóveis, de acordo com o parecer do Instituto dos Registos e Notariado n.º 84/20..., dadas as caraterísticas empresariais da IP (à data das expropriações, EMP04...), e visto que esta é uma entidade pública empresarial “(…) justamente criada pelo Estado com o propósito de prosseguir, a ela competindo, por isso, a faculdade de apresentar ao Governo o pedido fundamentado da expropriação dos bens de que necessite (arts.º 10 e 12.º, C.E.), bem como o encargo do pagamento da indemnização (artigo 23.º C.E.), com a obrigação de os aplicar aos fins que se propôs alcançar.”, e por isso, figura como entidade expropriante, devem ser considerados domínio privado do Estado.
103.º A figura jurídica da reversão, como de resto se menciona no parecer do IRN citado no corpo das alegações, foi criada pelo legislador para permitir ao expropriado a possibilidade de ver o seu direito de propriedade, anteriormente agredido em nome da prossecução do interesse e utilidade públicos, voltar à sua esfera jurídica, no caso de a entidade expropriante não utilizar todo o prédio expropriado para os fins a que a expropriação se propôs.
104.º Ora, se o legislador permite ao expropriado reaver as partes sobrantes que haviam sido expropriadas, reconhecendo que não faz sentido a sua permanência na esfera jurídica do Estado, também um terceiro de boa-fé merece tutela dos institutos de proteção de terceiros previstos na lei.
105.º Na verdade, ainda que se viesse a considerar que a A. tivesse validamente adquirido os imóveis em questão, nunca poderia opor essa aquisição à 1.ª Ré., atento o disposto nos artigos 5.º n.º 1 e 17.º n.º 2 do Código de Registo Predial, uma vez que a 1.ª Ré tem de ser considerada “terceiro de boa fé”.
106.º Resulta evidenciado nos autos – como decorre dos factos provados n.ºs 24. e 25. da fundamentação da sentença recorrida – que quer a Recorrente, quer o transmitente AA – actuaram de boa-fé nos reputados negócios inválidos – por convencidos que os prédios que adquiriram por via das escrituras constantes dos factos provados n.ºs 10 e 12 pertenciam aos respectivos alienantes, titulares inscritos no registo predial e que gozavam da presunção da titularidade – artigo 7.º do CRP.
107.º Como decorre de toda a matéria considerada provada – não só a constante da sentença recorrida, mas ainda da factualidade que a Recorrente considera ter também resultado provada e que deverá ser aditada àquela – a então EMP04... não procedeu à comunicação da expropriação ao Serviço de Finanças competente (SF ...) nem ao registo da expropriação junto da Conservatória do Registo Predial ..., tendo os prédios ... e ... permanecido inscritos na matriz predial a favor da Expropriada EMP03... – Sociedade Imobiliária, S.A.
108.º A Apelante, invocou também em sede de contestação, a inoponibilidade da declaração de nulidade das escrituras atenta a sua qualidade de terceiro de boa fé, pretendendo ver sua propriedade sobre os imóveis reconhecida por efeito do registo – artigo 5.º, n.º 1 e 17.º/2 do Código do Registo Predial.
109.º O registo predial tem essencialmente por fim dar publicidade aos direitos reais inerentes às coisas imóveis: pretende-se patentear a história da situação jurídica da coisa deste a data da descrição até à actualidade (artigo 1.º do CRPredial).
110.º A oponibilidade erga omnes que deriva ou é consolidada pelo assento registral definitivo encontra o seu fundamento na cogniscibilidade geral derivada da publicidade registral.
111.º Como se depreende o artigo 5.º, n.º 1 do CRP visa, na sua finalidade específica proteger os terceiros, dado que determina que, enquanto os factos não foram registados, não produzem efeito em relação a eles.
112.º Portanto, à data da prolação dos despachos de adjudicação proferidos no âmbito dos processos de expropriação 941/2002 e 1063/07.3TBGMR (em 2002 e 2007) estava em vigor o referido Código do Registo Predial, sendo o registo do despacho daquelas aquisições por via expropriativa um acto sujeito a registo no termos do artigo 2.º, n.º 1 do Código do Registo Predial.
113.º Ademais, o DL 116/2008 de 04/07/2008 operou uma reforma ao Código do Registo Predial, no sentido de reforçar a obrigatoriedade do registo como decorre do regime instituído nos artigos 8.º -A a 8.º-D aditados ao Código do Registo Predial.
114.º Contudo, a Recorrida embora possuísse título aquisitivo das parcelas expropriadas (artigos rústicos 186 e 187), nomeadamente os despachos de adjudicação proferidos nos processos de expropriação, não procedeu ao registo.
115.º Por outro lado, o Código das Expropriações (na redação em vigor quer à data da declaração de utilidade pública, quer à data da prolação dos despachos de expropriação) dispunha no artigo 17.º, n.º 1, desde logo a obrigatoriedade de levar ao registo o acto declarativo de utilidade pública (DUP): «O acto declarativo da utilidade pública e a sua renovação são sempre publica-
dos, por extracto, na 2.ª série do Diário da República e notificados ao expropriado e aos demais interessados conhecidos por carta ou ofício sob registo com aviso de recepção, devendo ser averbados no registo predial.» (sublinhado nosso).
116.º E, bem assim, o artigo 51.º, n.º 6 do Código das Expropriações estabelecia como estabelece aos dias de hoje que «a adjudicação da propriedade é comunicada pelo tribunal ao conservador
do registo predial para efeitos de registo oficioso».
117.º Este artigo espelha a sujeição a registo da aquisição a favor da entidade expropriante dos imóveis objecto de expropriação por utilidade pública, de acordo com os pareceres do IRN que se deixam invocados no corpo das alegações.
118.º Sucede que, e como resulta amplamente comprovado nos autos a Apelada/Entidade Expropriante não procedeu ao registo do acto declarativo de utilidade pública dos prédios aqui em causa como impunha o já citado artigo 17.º do Código das Expropriações, pelo que não foi a respectiva declaração de utilidade pública averbada no registo predial, nomeadamente à descrição ...06/..., onde se mostrava registado a favor da Entidade Expropriante o artigo R52 que entretanto havia sido fraccionado e dado origem aos artigos R186 e R187, que correspondiam às parcelas objecto dos processos de expropriação.
119.º E sobre as deficiências do registo que, no âmbito dos processos expropriativos, a EMP04... foi notificada para suprir, e não supriu, caso a EMP04... tivesse como lhe competia suprido as mesmas, os bens seriam registados a favor da entidade expropriante, gozando da presunção de titularidade do artigo 7.º do CRPredial e podendo opor a respectiva propriedade erga omnes.
120.º A A. veio em 2021 e como ACTO PREPARATÓRIO À INSTAURAÇÃO DA PRESENTE ACÇÃO tentar fazer o que deveria ter feito em 2002 e 2007.
121.º Assim, apresentou uma comunicação daquelas expropriações ao competente SF ... em 09/03/2021. (facto provado 3. da fundamentação da sentença).
122.º Mas atente-se! A comunicação que fez ao Serviço de Finanças ... foi do rústico ...2 que bem sabia a A. não existia desde 2001!
123.º Sabia bem a IP que como é obvio se na apresentação do registo dissesse a VERDADE – ou seja, que o artigo R52 já não existia e tinha dado origem aos artigos R186 e R187 o registo seria recusado uma vez que tais prédios se encontravam já há muito registados a favor da 1.ª Ré EMP02....
124.º Já a Apelante é portadora de um título de aquisição, concretamente um contrato de compra e venda, do direito de propriedade sobre os prédios rústicos ... e ... e, com base nesse título, viu definitivamente registada a seu favor aquela aquisição desde 2020 (Cfr. factos provados n.ºs 13. e 14. da fundamentação da sentença), portanto, em momento anterior ao ardiloso registo da Recorrente.
125.º No registo predial vigora o princípio da prioridade do registo, consistente em que o direito inscrito em primeiro lugar prevalece sobre os que se seguirem relativamente aos mesmos bens, por ordem da data dos registos e, dentro dessa mesma data, pela ordem temporal das apresentações correspondentes (cfr. artigo 6.º, n.º 1 do CRP).
126.º A Apelante tem registada definitivamente inscrita a seu favor, no registo predial, a aquisição, por compra, de ambos os prédios, o que face à lei registral prevalece sobre o posterior registo da aquisição decorrente da expropriação por utilidade pública, feito pela Apelada na descrição predial ...06, tendo por base o extinto artigo Rústico ...2 e que deu origem aos prédios/descrições ...07 e ...13, da freguesia ....
127.º A omissão/registo posterior ao da Apelante tem necessariamente repercussões ao nível da protecção de terceiros de boa fé.
128.º Assim, por força do n° 2 do art. 17.º do Código do Registo Predial, mesmo que viesse a ser declarada a nulidade do registo de aquisição a favor Massa Insolvente de EMP03..., SA, tal nunca poderia implicar a nulidade ou o cancelamento do registo de aquisição a favor da Ré/Apelante EMP02..., na medida em que se verificam todos os requisitos exigidos por aquela disposição: aquisição do direito (direito real de propriedade) a título oneroso; boa fé do terceiro (a Apelante); prioridade do registo dos correspondentes factos relativamente ao registo da acção de nulidade e cancelamento.
129.º A Ré EMP02...., em consequência da inércia da A., que não registou a sua aquisição – como legalmente estava obrigada - e por causa da sua boa fé e da confiança que depositou no registo público, não pode ficar sujeita a sofrer o grave prejuízo resultante da entrega à A. dos imóveis por si adquiridos a AA e ex-cônjuge, como esta peticiona.
130.º O n.º 2 do artigo 17.º do CRP, não define boa fé para os efeitos da sua aplicação, sendo de considerar a concepção proposta pelo Professor Oliveira Ascensão, que define a boa fé exigida pelo normativo enunciado, nestes termos: «Há boa fé quando o terceiro desconhecia, sem culpa,
a desconformidade entre a situação registral e a situação substantiva. A concepção é ética…».
131.º Face aos factos que se se consideram ter resultado provados, enunciados supra, não podem restar dúvidas de que a Ré se encontrava de boa fé - estava convencida de que o prédio pertencia ao vendedor que era quem figurava como proprietário no registo.
132.º Acresce que, o art. 17.º, n.º 2, do Código do Registo Predial aplica-se tanto aos casos de nulidade registral, como aos casos de nulidade substantiva, tudo dependendo da verificação deste pressuposto: existência de registo inválido anterior a favor do transmitente, conforme defende Isabel Pereira Mendes e Carvalho Fernandes, nos termos explanados no corpo das alegações.
133.º Com efeito, verificando-se a nulidade do registo por ter sido lavrado com base num título inválido (nulo por constituir venda de bens alheios – 892.º do CC), a declaração dessa nulidade não poderá deixar de integrar a previsão do artigo 17.º, n.º 2, sendo aplicável a consequência prevista na mesma norma: sendo o negócio a título oneroso, o terceiro estando de boa fé e o registo dos seus direitos anterior ao registo da acção de nulidade (que nem chegou a ser feito - facto 10. que a Recorrente pretende ver aditado ao elenco dos factos provados), mantém-se o registo, não ficando o terceiro prejudicado nos direitos que adquiriu a título oneroso.
134.º Este é o efeito atributivo do registo, pois o terceiro adquirente fica protegido pelo registo público, o qual tem o efeito atributivo do direito nele inscrito.
135.º Sem prescindir, sempre se dirá que poderá ser aplicável ao caso dos autos o artigo 291.º do CC.
136.º Efectivamente, atento o rol dos factos que a Recorrente reputa terem resultado provados e que supra ficaram reproduzidos e amplamente justificados, o Tribunal a quo, e uma vez que veio invocado pela Ré/Apelante na sua Contestação o instituto da inoponibilidade de uma eventual declaração de nulidade das vendas efetuadas pela Massa Insolvente a AA e deste à Apelante enquanto terceiro de boa fé – Protecção de terceiros de boa fé, poderia e deveria o Tribunal a quo oficiosamente ter apreciado a aplicação ao caso do artigo 291.º do CC.
137.º Da leitura desta norma, resulta, por um lado, que a declaração de nulidade do negócio jurídico respeitante a bens imóveis, ou móveis sujeitos a registo, não prejudica os direitos adquiridos sobre eles a título oneroso por terceiro de boa fé – desconhecedor do vício sem culpa no momento da aquisição - no caso de o registo da aquisição ser anterior ao registo da ação (artigo 291º, nºs 1 e 3, do Código Civil).
138.º E, por outro, em quadro de limitação daquela exceção, os direitos de terceiro não são reconhecidos se a ação for proposta e registada nos três anos posteriores à conclusão do negócio (artigo 291º, nº 2, do Código Civil).
139.º Ora, a acção dos presentes autos nunca foi levada a registo conforme resulta do facto 10. que a Recorrente pretende ver aditado à matéria de facto dada como provada.
140.º À data da prolação da sentença (12.09.2023) já se tinham computado mais de três anos desde a celebração da escritura de compra e venda dos prédios ... e ... pela Apelante ao Sr. AA e ex-cônjuge, outorgada em 30.08.2019. (vide facto provado 10.)
141.º Verdade sendo, pois, que à data da apresentação da sua Contestação, a Ré, aqui Apelante não cumpria os pressupostos para beneficiar da protecção conferida por esta norma legal, precisamente por causa do prazo aludido no n.º 2 do referido artigo.
142.º Não é oponível à Apelante a nulidade ou anulabilidade do contrato de compra e venda celebrado entre si e o Chamado, em 30.08.2019, nos termos do artigo 291º do CC.
143.º Com efeito, e conforme ficou demonstrado nos autos, a Apelante comprou os prédios rústicos em questão de boa-fé e a título oneroso (factos provados 10., 12., 24. e 25. da sentença).
144.º Após a celebração da escritura de compra e venda do terreno, A Apelante registou a sua aquisição antes do registo de qualquer ação judicial.
145.º Tendo já decorrido mais de três anos desde a sua aquisição e do seu registo.
146.º Sendo certo que, desde essa data, e de forma ininterrupta, a Apelante é a efetiva possuidora dos rústicos.
147.º Ante o exposto, e conforme o aventado supra, não pode a nulidade da escritura e do registo peticionada nos presente autos, prejudicar o direito de propriedade sobre os prédios rústicos ... e ... adquiridos pela Apelante, registado a seu favor através da AP ...90 de 2020.08.14.
148.º Assim como é, nos termos do artigo 291º do CC, inoponível à Apelante a declaração de nulidade ou a anulabilidade do contrato de compra e venda dos mesmos prédios, celebrado em 14/08/2020, e exarado em escritura pública.
149.º Mal andou o Tribunal a quo na apreciação do invocado instituto do abuso de direito.
150.º Se por mera hipótese de raciocínio se admitisse que a A. é proprietária dos bens cujo direito de propriedade reclama nos presentes autos, o que não concebe nem concede, sempre se dirá que atenta a factualidade dada como provada e que a Recorrente pretende ver aditada, é suficiente para conduzir à procedência da excepção de abuso de direito, cujo instituto está previsto no artigo 334.º do Código Civil.
151.º Efetivamente, tendo em conta todas as omissões legais cometidas pela A., e já amplamente referidas supra, o estado de abandono a que estavam votados os imóveis ora reivindicados e a comunicação para preferência feita à A., ou seja, os factos que a Recorrente pretende ver aditados à matéria dada como provada, mormente, os factos 1., 2., 4., 5. e 9. Para cuja fundamentação aqui se remete, são passíveis de consubstanciar o invocado abuso de direito, o que deverá ser reconhecido.
152.º Mal andou o tribunal a quo na interpretação e aplicação dos normativos correspondentes aos institutos de direito vindos de invocar e apreciar.”
A Autora apresentou resposta, pugnando pela improcedência da apelação.

II- Objeto do recurso

O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil).
Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas forem de conhecimento oficioso ou se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso e os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - artigo 665º nº 2 do mesmo diploma.

Atento o teor das alegações e conclusões são as seguintes as questões a resolver:

1- se devem ser aditados à matéria de facto provada os factos realçados pela Recorrente;
2- Se a aquisição da propriedade por meio da expropriação é uma forma de aquisição derivada, pelo que pode ser colocada em causa pela presunção do registo e ceder perante o instituto de proteção de terceiros de boa-fé;
3- se a Ré adquiriu o prédio por usucapião;
4- se a Autora agiu em abuso de Direito

III- Fundamentação de Facto

Segue o elenco da matéria de facto provada e não provada a considerar, indicando-se os factos selecionados na sentença (os quais, por se manterem, são reproduzidos sem qualquer menção adicional) e aditando-se também os que resultaram da impugnação da matéria de facto, sob os nºs 29 a 32.

Factos Provados

.1. Por despacho judicial, transitado em julgado, proferido a 12.11.2002 no processo do expropriação n.º 941/2002 do ... Juízo Cível de Guimarães, em que figuram como expropriante a EMP04.... e como expropriada EMP03... - Sociedade Imobiliária, Lda, foi adjudicada à expropriante a propriedade do imóvel aí descrito como: parcela de terreno com a área de 4.814 m2 (parcela n.º ...5) a confrontar a norte com linha férrea, sul caminho, nascente com parcela ...5 e poente com Rua ... a destacar do prédio misto denominado Assento do ..., sito nos ..., do ... e da ..., freguesia ..., a confrontar do norte e nascente com caminhos públicos, sul ..., poente Rua ..., MM, NN, OO, PP, QQ e outros, inscrita na matriz urbana sob os artigos ...52, ...58, ...59, ...60, ...61 e ...62 e rústica sob o artigo ...2, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...00 (cfr. despacho judicial junto como documento número ... da p.i.).
.2. Por despacho judicial, transitado em julgado, proferido a 16.03.2007 no processo de expropriação n.º 1063/07.3TBGMR do ... Juízo Cível de Guimarães, em que figuram como expropriante a EMP04.... e como expropriada EMP03... - Sociedade Imobiliária, Lda, foi adjudicada à expropriante a propriedade do imóvel aí descrito como: parcela n.º ...5, com a área de 408 m2, a destacar de um prédio misto sito na Rua ..., no lugar da ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na CRP ... sob o nº ...00, e inscrito na matriz predial urbana sob os artigos ...52, ...58, ...59, ...60, ...61 e ...62 e ...2 rústico, tendo este último dado origem ao artigo 186º, confrontando a parcela de Norte com a Rua ..., Sul com Linha Férrea, Nascente com caminho e Poente com ..., cuja utilidade pública foi declarada por despacho do Secretário de Estado Adjunto e dos Transportes de 07-11-2001 (cfr. despacho judicial junto como documento ... da p.i.).
3. A A. remeteu ao Sr. Chefe do 2º Serviço de Finanças ... com data de 09.03.2021 e assunto “Regularização de expropriação” requerimento contendo, entre outro, o seguinte teor: a A. …expropriou litigiosamente em 12.11.2002, a EMP03... – Sociedade Imobiliária, S.A., a parcela n.º ...5, com a área de 4.814m2 a desanexar do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo n.º ...2 da freguesia ... e concelho ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...18 (…) em face do exposto requer-se a desanexação e respectiva afectação ao Domínio Público Ferroviário de 4.814m2 do prédio rústico ...2 da freguesia ... e concelho .... (cfr. requerimento reproduzido na folha 1 do documento ... da p.i., fls. 14 dos autos).
4. Pela Ap. ...76 de 2021/04/01 encontra-se registada a favor da EMP01..., S.A., a aquisição a EMP03... – Sociedade Imobiliária, S.A. em expropriação por utilidade pública, do prédio rústico descrito sob o número ...01 da freguesia ..., na Conservatória dos Registos Predial, Comercial e de Automóveis ..., denominado “ASSENTO DO ...”, situado em ..., do ... e da ..., omisso na matriz, com área total de 4.814 m2, aí identificado como correspondente à …parcela de terreno n.º ...5, desanexada do prédio n.º ...06 de ..., por expropriação para execução da obra “... – Reconversão em Via Larga do Troço ...-Guimarães (…)”. Após a conclusão da obra integrou o domínio público ferroviário a totalidade da área (cfr. certidão permanente do registo predial junta como documento número ... da p.i., fls. 14 v.º do processo físico). Encontra-se averbada à composição e confrontações do prédio descrito sob o número ...18 da freguesia ..., na Conservatória dos Registos Predial, Comercial e de Automóveis ..., denominado “ASSENTO DO ...”, situado em ..., do ... e da ..., omisso na matriz, com área total de 59.628 m2: Desanexada a parcela n.º ...5 com a área de 4.814 m2 para formar o prédio n.º ...07 de ..., por expropriação para a execução a obra “... – Reconversão em Via Larga do Troço ...-Guimarães (…)” (cfr. certidão permanente do registo predial junta como documento número ... da p.i., fls. 15 do processo físico).
5. Pela Ap. ...70 de 2021/05/04 encontra-se registada a favor da EMP01..., S.A., a aquisição a EMP03... – Sociedade Imobiliária, S.A. em expropriação por utilidade pública, do prédio rústico descrito sob o número ...24 da freguesia ..., na Conservatória dos Registos Predial, Comercial e de Automóveis ..., denominado “ASSENTO DO ...”, situado em ..., do ... e da ..., omisso na matriz, com área total de 408 m2, aí identificado como correspondente à …parcela de terreno n.º ...5, desanexada do prédio n.º ...06 de ..., por expropriação para execução da obra “... – Reconversão em Via Larga do Troço ...-Guimarães (…)”. Após a conclusão da obra integrou o domínio público ferroviário a totalidade da área (cfr. informação do registo predial remetida pela CRP ... 07.07.2022, fls. 241 do processo físico).
6. Encontra-se inscrito sob o artigo ...86º da freguesia ..., no Serviço de Finanças ..., tendo como titular “EMP02... Negócios Imobiliários, Ld.ª”, o prédio aí descrito como situado na ..., confrontando de Norte com Estrada Nacional ...2, Sul com Linha Férrea, Nascente com viúva de RR e Poente com SS, com área de 408 m2 e ano de inscrição na matriz 2002 (cfr. caderneta predial rústica reproduzida no documento ... da contestação da 1ª Ré, fls. 144 v.º e ss. do processo físico).
7. Encontra-se inscrito sob o artigo ...87º da freguesia ..., no Serviço de Finanças ..., tendo como titular “EMP02... Negócios Imobiliários, Ld.ª”, o prédio aí descrito como situado na ..., confrontando de Norte com Linha Férrea, Sul com Caminho público, Nascente com viúva de RR e Poente com urbano do próprio, com área de 4.460 m2 e ano de inscrição na matriz 2002 (cfr. caderneta predial rústica reproduzida no documento ... da contestação da 1ª Ré, fls. 144 v.º e ss. do processo físico).
8. Por sentença proferida a 28.05.2013, no processo de insolvência n.º 888/13.... que correu termos no ... Juízo Cível de ..., foi declarada a insolvência da sociedade “EMP03..., Ld.ª”, e nomeada Administradora da Insolvência II (cfr. anúncio e publicitação da sentença reproduzido no documento ...0 da contestação - fls. 153 e 153 v.º do processo físico).
9. A Sr.ª Administradora de Insolvência remeteu aos proprietários dos prédios descritos como confinantes dos aludidos nos factos provados número 6 e 7, entre os quais a A. que a recebeu no dia 26.07.2019, a carta registada com aviso de recepção datada de 25.07.2019 que se reproduz no documento ...9 junto com a contestação da 1ª Ré (fls. 186 do processo físico), informando que ia proceder à venda dos prédios correspondentes aos artigos ...86... e ...87º rústicos da freguesia ..., concelho ..., bem como as respetivas composição, área e confrontações, com vista ao exercício do direito de preferência.
10. Por escritura pública de “compra e venda” outorgada a 30.08.2019 no Cartório da Notária TT, em ..., II, na qualidade de administradora da insolvência da Massa Insolvente da sociedade comercial anónima denominada EMP03..., S.A., declarou vender pelo preço, já recebido, de € 15.000,00, a AA, que declarou aceitar:
- o prédio rústico, composto por terreno a mata mista, com a área de 408 m2, sito no lugar ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória dos Registos Predial, Comercial e de Automóveis ... sob o número ...37 da freguesia ...; e
- o prédio rústico, composto por terreno a mata mista, com a área de 4.460 m2, sito no lugar ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória dos Registos Predial, Comercial e de Automóveis ... sob o número ...38 da freguesia ... (cfr. escritura pública junta como documento número ... da p.i., fls. 20 e ss. do processo físico).
11. Por sentença, transitada em julgado, proferida a .../.../2019, exarada em acta da conferência do processo de divórcio e separação de pessoas e bens por mútuo consentimento n.º 636/2019 que correu termos na Conservatória ..., foi decretado o divórcio por mútuo consentimento dos aí Requerentes AA e UU, e declarado dissolvido o casamento (cfr. sentença reproduzida no documento ... da contestação da 1ª Ré - fls. 143 v.º e ss. do processo físico).
12. Por escritura pública de “compra e venda” outorgada a 13.08.2020 no Cartório da Notária VV, na ..., BB e AA declararam vender à “EMP02..., Negócios Imobiliários, Ld.ª”, no acto representada pelo seu sócio-gerente AA, pelo preço, já recebido, de € 96.000,00, os seguintes imóveis:
Um – Fração autónoma designada pela letra ..., correspondente ao ..., para habitação, garagem com dois estacionamentos ao nível do piso um e logradouro, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, situado no lugar de Forca ou loteamento da ..., freguesia e concelho ..., descrito na C.R.P. ... sob o n.º ...69;
Dois – Prédio rústico, situado no lugar ..., freguesia ..., concelho ..., composto de mata mista, descrito na C.R.P. ... sob o n.º ...38, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...87;
Três - Prédio rústico, situado no lugar ..., da mesma freguesia ..., composto de mata mista, descrito na C.R.P. ... sob o n.º ...37, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...86; (cfr. certidão de escritura pública reproduzida no documento número ...3 da p.i. - fls. 26 v.º e ss. do processo físico).
13. Pela Ap. ...90 de 2020.08.14 encontra-se registada a favor de “EMP02..., Negócios Imobiliários, Ld.ª”, a aquisição por compra a BB e AA, do prédio descrito sob o número ...08 da freguesia ..., na Conservatória dos Registos Predial, Comercial e de Automóveis ..., como sito no lugar ..., com área total de 4.460 m2, inscrito na matriz sob o artigo ...87 rústico, composto de mata mista, a confrontar de Norte com Linha Férrea, Sul com caminho público, Nascente com viúva de RR e Poente com EMP03... – Sociedade Imobiliária, S.A. (cfr. certidão permanente do registo predial junta com o documento número ... da p.i., fls. 18 v.º do processo físico).
14. Pela Ap. ...90 de 2020.08.14 encontra-se registada a favor de “EMP02..., Negócios Imobiliários, Ld.ª”, a aquisição por compra a BB e AA, do prédio descrito sob o número ...08 da freguesia ..., na Conservatória dos Registos Predial, Comercial e de Automóveis ..., como sito no lugar ..., com área total de 408 m2, inscrito na matriz sob o artigo ...86 rústico, composto de mata mista, a confrontar de Norte com Estrada Nacional ...2, Sul com Linha Férrea, Nascente com viúva de RR e Poente com SS (cfr. certidão permanente do registo predial junta com o documento número ... da p.i., fls. 19 do processo físico).
15. A Autora enviou à 1ª Ré “EMP02...”, ao cuidado de AA, a carta registada com A/R datada de 09.12.2020, reproduzida no documento ... da p.i. (fls. 16 v.º e ss. do processo físico), intimando-a a efetuar voluntariamente a desocupação integral das parcelas expropriadas num prazo máximo de 30 dias (artigo 15º da p.i.).
16. Por carta registada datada de 18 de Janeiro de 2021, reproduzida no documento ... da p.i. (fls. 17 v.º e ss. do processo físico), a Ré respondeu à comunicação mencionada no facto provado anterior, mantendo ser …a única dona e legítima proprietária dos terrenos em questão… e que …não procederá à retirada da vedação… (artigo 15º da p.i. e 90º da contestação da Ré).
17. A execução da obra “... – Reconversão em Via Larga do Troço ...-Guimarães” não ocupou a totalidade da área da parcela expropriada ...5, referida no facto provado número 1, ficando uma parte sobrante junto à Rua ... (artigo 11º da p.i.).
18. A partir da celebração da escritura pública referida no facto provado número 10, a 1ª Ré “EMP02...”, por si e pelo transmitente AA, cuidou e limpou os imóveis aí identificados como Dois e Três, contratando terceiros para roçar e remover matos, silvas e lixos neles existentes, pagando as respetivas contribuições e impostos, mandando efetuar levantamento topográfico do local para iniciar estudo da capacidade construtiva dos terrenos, contactando arquiteto para o efeito e para, de seguida, proceder à elaboração do competente projeto de construção, vedando-os com fitas balizadoras e prumos em ferro (artigos 13º da p.i. e 47º a 54º, 140º e 141º da contestação).
19. A 1ª Ré solicitou à mesma empresa que procedeu à limpeza que efetuasse o abate de alguns eucaliptos e sobreiros de grande porte existentes no local, o que não veio a acontecer, atendendo a que tendo-se deslocado à Policia Municipal para proceder às necessárias operações de corte de trânsito foi informado que tratando-se de árvores protegidas, teria que requer autorização para o efeito ao organismo competente do Ministério do Ambiente (ICNF, I.P.) (artigo 62º da p.i.).
20. A 1ª Ré e AA atuaram como descrito nos factos provados 18 e 19, à vista de toda a gente, na convicção da exclusividade de domínio e sem oposição de ninguém até dezembro de 2020 (artigos 55º e 56º da contestação).
21. A 1. Ré é uma sociedade comercial que tem como sócio-gerente AA e por objeto social, entre outras coisas, a compra e venda de bens imobiliários e revenda dos adquiridos para esse fim, gestão de bens próprios incluindo arrendamento, construção de todos os tipos de edifícios residenciais e não residenciais, com intuito lucrativo (cfr. certidão do registo comercial da Ré “EMP02...”, junta como documento número ...4 da contestação - fls. 160 do processo físico).
22. A 1ª Ré pretendia avançar com a construção de um empreendimento imobiliário nos terrenos descritos nos factos provados números 6 e 7 (artigo 142º da contestação).
23. Da parcela ...5 referida no facto provado número 1, encontram-se ocupados 2.141 m2 por estrada em serviço com trânsito a passar (artigos 10º e 25º do requerimento de intervenção aperfeiçoado).
24. Quando AA celebrou a escritura de compra à Ré Massa Insolvente, referida no facto provado número 10, estava convencido que os prédios objeto da mesma pertenciam à Massa Insolvente (artigos 156º e 157º da contestação da Ré).
25. Quando AA, legal representante da Ré “EMP02...”, celebrou a escritura referida no facto provado número 12, estava convencido que os prédios objeto da mesma lhe pertenciam por os ter adquirido à Massa Insolvente (artigo 162º da contestação da Ré).
26. A Interveniente II mandou efetuar avaliação prévia aos bens referidos nos factos provados números 6 e 7 (artigo 11º da resposta à contestação da Interveniente).
27. O valor matricial dos bens referidos nos factos provados números 6 e 7 era inferior ao seu valor de mercado (artigo 11º da resposta da Interveniente).
28. À data de 09.03.2021, a Autora sabia que os artigos rústicos 186 e 187 se mostravam registados na Conservatória do Registo Predial a favor da Ré “EMP02...” (artigos 88º e 89º da contestação da Ré).
Factos aditados infra, na sequência da impugnação da matéria de facto:
.29. As descrições dos terrenos inscritos na matriz sob os artigos ...86 e ...87 rústicos da freguesia ... resultaram do fracionamento em três partes do prédio que estava inscrito na matriz sob o artigo ...2, mediante o processo de discriminação promovido pela EMP03..., S.A. junto da 2.ª Repartição de Finanças ... e que veio a ser objeto de vistoria em julho de 2002.
.30 A Autora não respondeu à notificação identificada no facto provado 9. que lhe foi dirigida pela Senhora Administradora de insolvência para o exercício de preferência na venda
.31 No âmbito dos processos expropriativos, foram feitas as comunicações pelo Tribunal impostas pelo n.º 6 do artigo 51.º do Código das Expropriações, na sequência das quais foram proferidos despachos de qualificação do registo pela Senhora Conservadora, no sentido de que os registos ficariam provisórios por dúvidas
.32 Pela AP ...93 de 2019/08/30 foi inscrita na Conservatória do Registo Predial a aquisição por compra em processo de insolvência do prédio inscrito sob o nº ...08, da freguesia ..., descrito com a seguinte composição: área total de 4460 m2, nº 187, mata mista, figurando como sujeito ativo AA e UU, casados entre si no regime de comunhão de adquiridos e como sujeito passivo EMP03... SA .
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Factos Não Provados

1. A 1ª Ré procedeu ao corte e à poda de árvores nos terrenos identificados nos factos provados números 6 e 7 (artigo 61º da contestação).
2. A recusa da 1ª Ré em desocupar o terreno em litígio impossibilitou a Autora de utilizar o terreno para ajustamentos na sinalização da estrada e para realização de outros trabalhos relativos à segurança rodoviária (artigo 32º da p.i.).
3. A Sr.ª Administradora da Massa Insolvente de “EMP03..., Lda.” confundiu, ao apreender os bens da insolvente, a propriedade de bens imóveis com o crédito resultante da expropriação efectuada pela EMP04..., EP (artigos 19º e 20º da p.i.).
4. A Interveniente II teve, antes da venda referida no facto provado número 10, conhecimento da concreta delimitação das parcelas expropriadas referidas nos factos provados números 1 e 2 (artigo 7º do requerimento de intervenção aperfeiçoado).
5. Os Intervenientes II e AA sabiam que a localização dos prédios descritos nos factos provados números 1 e 2, coincidia com a área sobrante da parcela expropriada, descrita no facto provado número 1 (artigos 7º, 27º e 36º do requerimento de intervenção aperfeiçoado).
6. A Ré “EMP02...” e os Intervenientes AA e II sabiam que a estrada transitada existente no local e o terreno adjacente do seu lado sul pertenciam à parcela expropriada mencionada no facto provado número 1 (artigos 39º da p.i., 10º e 25º do requerimento de intervenção aperfeiçoado).
7. O perito que realizou a avaliação prévia dos terrenos no âmbito da venda dos bens da Massa Insolvente da EMP03..., teve acesso à planta das parcelas expropriadas referidas nos factos provados números 1 e 2 (artigo 7º do requerimento de intervenção provocada).

IV –Fundamentação da impugnação do Facto e do Direito

A- Da alteração, por aditamento, da matéria de facto provada

Visto que a Recorrente satisfez os ónus impostos no artigo 640º do Código de Processo Civil, o que não foi posto em causa pela Recorrida, entrar-se-á de imediato na análise concreta do objeto das pretensões factuais expressas no recurso.
.1 e 2 - Quanto aos Factos nºs 1 e 2 do pedido de aditamento.
Têm o seguinte teor: “Os prédios rústicos n.ºs ...86 e ...87 resultaram do fracionamento do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ...2, mediante o processo de discriminação n.º 47/01 (do ano 2001) promovido pela EMP03..., S.A. junto da 2.ª Repartição de Finanças .... O artigo R52 encontra-se desativado, pelo menos, desde 2001.”
A Recorrente para a inclusão destes factos, alega, em curta síntese, que provam a má-fé e o abuso do direito da Autora, quando faz a comunicação aludida no facto provado nº 3, por saber que o artigo matricial já não existia.
Em sustento da sua prova invoca prova documental.
A Recorrida, afirmando que não se verificam os pressupostos que permitiriam que se atentasse na boa-fé e efeitos do registo para a defesa da posição da Ré, pugna pela sua irrelevância.
No entanto, porque a verificação ou não de tais pressupostos é matéria jurídica também em discussão, que infra se terá que apreciar, entendemos que não se pode com tal argumento impedir que se conheça de factos que, na tese da Recorrente, são pressupostos do seu direito.
Pretende a Recorrente que nos reportemos ao modo como no âmbito da matriz e para efeitos fiscais foram inscritos os prédios que ali tomaram os artigos ...86... e ...87º.
E efetivamente consta dos autos informação prestada Serviço de Finanças ... a 2-8-2022, consistente em cópia de um requerimento apresentado em 22 de novembro 2001 por EMP03..., S.A com o assunto “discriminação dos terrenos registados na matriz sob o artigo ...2º”, atravessado por caminho públicos, de que se diz proprietário, pedindo diligências para que seja destrinçado da forma que indica. Está junta aos autos cópia de um “termo de avaliação e discriminação”, de 18 de julho de 2002, relativo às descrições dos nºs ...85, ...86 e ...87 da caderneta de avaliação.
É certo que consta também dos autos informação, datada de 19 de outubro de 2022, pela Chefe Finanças no serviço de Guimarães 2, prestada à Srª Administradora, afirmando que os artigos ...2..., ...55... e ...56º rústicos da freguesia ... não se encontram em vigor desde 3/12/97, “conforme despacho de Sua Excelência o Secretario de Estado dos Assuntos Fiscais”, em virtude da avaliação geral da propriedade rústica, mas esta informação é contrariada pelo requerimento e termo de vistoria juntos aos autos.
 Assim, pode afirmar-se que:
-- as descrições dos terrenos registados na matriz sob os artigos ...86 e ...87 resultaram do fracionamento em três partes do prédio que estava inscrito na matriz sob o artigo ...2, mediante o processo de discriminação promovido pela EMP03..., S.A. junto da 2.ª Repartição de Finanças ... e que veio a ser objeto de vistoria em julho de 2002.
Mas a Recorrente carece de razão quanto ao que pretende aditar em como facto 2, visto que não se sabe quando terminou tal processo, ainda em curso no ano de 2002, nomeadamente por se desconhecer quando ocorreu a notificação ao interessado.
 Quanto ao que pretende demonstrar, desde já se diga que na sentença a que alude o ponto 2 da matéria de facto provada, relativo à parcela ...55, é mencionado que “inscrito na matriz predial urbana sob os artigos ...52, ...58, ...59, ...60, ...61 e ...62 e ...2 rústico, tendo este último dado origem ao artigo 186º”, pelo que quanto a este é mencionado o novo artigo logo na fonte, não tendo a Recorrida omitido a sua existência.
Quanto à parcela adjudicada à expropriante em 12.11.2002, única a que se refere o requerimento referido no ponto 3 da matéria de facto provada , dirigido ao Chefe do 2º Serviço de Finanças ..., a Autora limitou-se a repetir o que constava do despacho de adjudicação (nem de outra forma se vê como poderia ser), não se vendo que o pedido de regularização traga qualquer má-fé em relação ao direito que aqui se discute, referente à aquisição da propriedade sobre os terrenos ocorridas mediante o processo expropriativo ou mediantes as vendas.
Assim, embora se possam aditar o facto documentalmente demonstrado nos termos supra expostos, entendemos que destes não se retira a má-fé da Autora, ao invés do pretendido (nem, como se verá, que o mesmo tivesse importância em sede de aquisição e manutenção da propriedade).

.3- Facto nº 3 do pedido de aditamento:
Tem o seguinte teor “Os prédios vendidos – R186 e R187 – pela Massa Insolvente da EMP03... no âmbito do processo de insolvência n.º ...13.5TBPRD, por escritura pública de compra e venda (30.08.2019) ao sr. AA, que depois, em 13.08.2020 – facto 12, foram transmitidos à Apelante correspondem a parte sobrante do terreno objeto das expropriações, devidamente individualizada, delimitados a Norte por muro de suporte à casa da Quinta, a Nascente por muro divisório e a sul e Poente pela estrada.”
Pretende a Autora que se assente que os prédios vendidos, remetendo apenas para as inscrições matriciais, correspondem a parte sobrante do terreno objeto das expropriações, devidamente individualizada, delimitados a norte por muro de suporte à casa da Quinta, a nascente por muro divisório e a sul e poente pela estrada.
Remete para tal para a prova testemunhal e afirmando que está implícito no ponto 17 da matéria de facto provada.
Menciona em primeiro lugar o depoimento da testemunha CC e EE, mas ouvidos, não retiramos esse facto. Os artigos matriciais não nos aparecem identificados nos levantamentos topográficos junto pela Apelante como documento ...3 com a contestação ou na audiência final de 2.11.2022.
 A testemunha DD afirmou que existia no local uma estrada que faria parte do terreno que foi comprado pela Ré, com cerca de cinco mil metros e que já ali se encontrava na data dessa aquisição, pelo que não se compagina esta coincidência entre o adquirido e a parte não utilizada.
Também as testemunhas FF e GG não se referiram aos limites dos artigos objeto da aquisição, mas tão só a zona que lhe foi pedido que limpassem. O mesmo ocorreu com HH, que agiu com base no que lhe foi informado pela Ré, não tendo desenvolvido diligências para apurar os limites do prédio.
Resulta da petição inicial que a expropriante quando refere a “parte sobrante” não usa esta expressão como parte sobrante do prédio, não expropriado, mas como a parte expropriada que não utilizou na obra, nomenclatura também utilizada no ponto 17 da matéria de facto provada.
 Ora, na venda, efetuada apenas tendo como referência a inscrição na matriz em 2001 e um prédio omisso com menção de uma descrição predial, não é afastada qualquer parte dos terrenos que integrariam os artigos ...86... e ...87º. Assim, não decorre da prova que os prédios constantes da declaração de venda corresponderiam (e muito menos exclusivamente) à parte expropriada não utilizada.
Este facto não pode ser dado como provado.

.4- Facto nº 4 do pedido de aditamento:
Tem o seguinte teor: “A não respondeu à notificação identificada no facto provado 9. que lhe foi dirigida pela Senhora Administradora de insolvência para exercício de preferência na venda.”
Embora seja claro da prova produzida que a Autora não respondeu, não se pode dizer que a Autora tenha agido negligentemente nesse silêncio, por não ser de esperar que pretendesse adquirir algum bem e devesse esperar que lhe era proposta a venda daquilo que já havia adquirido por expropriação ou tivesse a obrigação de confrontar o objeto da proposta com todos os artigos matriciais de onde se haviam destacado as parcelas expropriadas a seu favor.
De qualquer forma, havendo discussão sobre o valor deste silêncio, o mesmo deve ser levado à matéria de facto provada, nos seguintes termos:--“A A. não respondeu à notificação identificada no facto provado 9. que lhe foi dirigida pela Senhora Administradora de insolvência para o exercício de preferência na venda.”

.5- Facto nº 5 do pedido de aditamento:
Tem o seguinte teor: “A A. não roçou, não limpou, não cuidou, não fez a gestão dos combustíveis, não vedou as partes sobrantes das parcelas expropriadas, deixando-as ao abandono.”
A Recorrente remete para o depoimento das testemunhas KK, LL, DD, FF, GG.
No entanto, como vimos, o que resulta do depoimento da testemunha DD, que conhece o local desde tenra idade, é que existia no local uma estrada que faria parte do terreno que foi comprado pela Ré, com cerca de cinco mil metros e que já ali se encontrava na data dessa aquisição. Mais referiu que de um dos lados o terreno estava vedado. Não há dúvidas que na data das aquisições pela Ré e pelo seu sócio gerente (2019) não era dado uso àquele pedaço de terreno pela Autora, mas tal não significa que a mesma precisasse de ser roçada, vedada (a própria Recorrente a individualiza com muros e a sua construção foi confirmada pela testemunha KK) ou sujeita a outra limpeza para além do municipal.
As testemunhas FF e GG referiram os trabalhos de limpeza que efetuaram, desde 2019, mencionando que havia ali vegetação, mas do seu depoimento não se pode retirar que anteriormente os terrenos precisassem de limpeza, visto que até é mencionado que serviam de estacionamento.
A testemunha KK teve um depoimento pouco circunstancializado, não resultando do mesmo, como vimos, o abandono completo do local, visto que mencionou a construção do muro de vedação que o ladeia. Da mesma forma a testemunha KK acabou por referir a alteração da estrada no local pela expropriante. Enfim, não há elementos que possam com segurança concluir por um completo e longo estado de desinteresse ou abandono da Autora em relação daquela parte do prédio.
Não há que dar este facto como provado.

.6- Facto nº 6 do pedido de aditamento:
Tem o seguinte teor: “O pagamento do IMI referente aos prédios rústicos ...86 e ...87 esteve a cargo desde a sua inscrição na matriz em 2002 da EMP03... até à declaração de insolvência dessa empresa, sendo a partir dessa data, pago pela Massa Insolvente, e posteriormente, pelo interveniente AA, e pela 1.ª Ré até à presente data.”
Analisados os autos, o que resulta da documentação junta é que o IMI dos anos de 2013 e posteriores veio a ser reclamado na insolvência e que foi pago no âmbito deste processo, não que tenha sido alguma vez pago tempestivamente pela sociedade “EMP03...”. Assim, não há que dar como provado este facto, nos termos invocados.
Pode, sim, manter-se o que já consta do ponto 18 da matéria de facto provada, que refere o pagamento das contribuições e impostos já pelos adquirentes de 2019 e 2020.

.7- Facto nº 7 do pedido de aditamento:
Tem o seguinte teor: “Os artigos ...86 e ...87 constavam da lista de prédios inscritos na matriz em nome da insolvente, tendo sido apreendidos no âmbito do processo de insolvência 888/13.... em 25.07.2013”
Apesar da Recorrente afirmar que esta facticidade é essencial “por permitir demonstrar, de forma inequívoca, que foi por esse motivo que os imóveis foram aprendidos no âmbito do processo de insolvência, tendo posteriormente sido vendidos e dado origem a todo este busílis”, não se está aqui a julgar o ocorrido no processo de insolvência. Da mesma forma, daqui não decorre qualquer má-fé da Recorrida, que não participou no processo de insolvência.
Assim, o que releva é que os artigos foram vendidos no âmbito da insolvência, não havendo necessidade de acrescentar mais factos.

.8- Facto nº 8 do pedido de aditamento:
Pretende a Recorrente que se faça constar que na sequência da escritura de compra e venda outorgada em 30.08.2019, a que se reporta o facto provado n.º 10, o adquirente AA procedeu ao registo da aquisição, pela AP ...93 de 2019/08/30.
Visto que consta da certidão junta com a contestação essa apresentação e inscrição, a qual pode ter interesse para a decisão, há que deferir ao requerido, anotando-se o que resulta daquela certidão.

.9- Facto nº 9 do pedido de aditamento:
Tem o seguinte teor: “No âmbito dos processos expropriativos, foram feitas as comunicações pelo Tribunal impostas pelo n.º 6 do artigo 51.º do Código das Expropriações, na sequência das quais foram proferidos despachos de qualificação do registo pela Senhora Conservadora, no sentido de que os registos ficariam provisórios por dúvidas, tendo sido a então a Autora naqueles processos (então, EMP04...), ora Recorrida notificada destes despachos, e convidada a suprir as referidas dúvidas – o que não fez, tendo os respetivos registos caducado;”
Dos documentos juntos consta que o pedido de registo foi efetuado pelo Tribunal (doc n.ºs 15 da Contestação) e que quem foi notificado foi o funcionário que efetuou o registo, não a Autora. Da documentação junta não resulta qualquer convite à Autora para sanar quaisquer dúvidas, sendo o documento ...6 mera cópia de uma notificação de documentação no processo.
Assim, há tão só que dar como provado, quanto a esta parte da pretensão da Recorrente, que “No âmbito dos processos expropriativos, foram feitas as comunicações pelo Tribunal impostas pelo n.º 6 do artigo 51.º do Código das Expropriações, na sequência das quais foram proferidos despachos de qualificação do registo pela Senhora Conservadora, no sentido de que os registos ficariam provisórios por dúvidas”.

Facto nº 10 do pedido de aditamento:
“A Autora não procedeu ao registo da presente ação.”
Não competia à Autora a obrigação de registar a ação, como decorre do artigo 8º-B nº 3, alínea a) do Código do Registo Predial. O Tribunal de 1ª instância solicitou junto da Conservatória do Registo Predial o registo da ação, dando conhecimento da mesma, como decorre do despacho proferido em 07/02/2022. É certo que a Conservatória informou, em resposta que : “as duas parcelas já se encontram registadas a favor do reivindicante, pelo que não há qualquer registo a efetuar”.
Visto que a Ré foi citada, para que a ação possa contra ela fazer efeitos, já não há necessidade de registar a ação, pelo que a inclusão deste facto na matéria de facto provada é irrelevante para a decisão deste pleito.
Termos em que procede a impugnação da matéria de facto apenas no que diz respeito à origem das inscrições dos artigos ...86 e ...87 na matriz, à falta de resposta ao convite para preferir no processo de insolvência, às comunicações ao Registo operadas no processo expropriativo e à inscrição no registo operada pelo seu primeiro adquirente, em 2019, as quais já foram supra enunciadas nos pontos 29 a 32, com o esclarecimento de que foram aditados nesta decisão.

B- De Direito

Nos presentes autos discute-se a propriedade sobre parte de duas parcelas que foram declaradas expropriadas a favor da Autora e lhe foram adjudicadas em 2002 e 2007, respetivamente, mas cujo registo, determinado oficiosamente pelo Tribunal, ficou lavrado provisoriamente, vindo a caducar.
Em 2021 a Autora registou a seu favor tais parcelas de terreno desanexadas do prédio n.º ...06 de ..., por expropriação para execução da obra “... – Reconversão em Via Larga do Troço ...-Guimarães (…), sob os prédios com o nº de descriçao 2007/...01 e 2013/...24.
Tais parcelas foram destacadas de um prédio descrito na CRP ... sob o nº ...00 e inscrito na matriz predial urbana sob os artigos ...52, ...58, ...59, ...60, ...61 e ...62 e ...2 rústico.
No entanto, a anterior proprietária, em 2001, havia pedido junto da Repartição de Finanças a alteração do teor do artigo ...2º rústico na matriz, o que veio a ser deferido, passando a ser constituído pelos artigos ...85, ...86 e ...87.
Em 2013, no âmbito da insolvência dessa sociedade, vieram a ser inscrito dois prédios (...08 e ...37/...08) como correspondendo aos artigos ...86 e ...87, que vieram a ser vendidos em sede de processo de insolvência, em agosto de 2019, a um casal, que por sua vez os venderam, em agosto de 2020, à sociedade, ora 1ª Ré, de que o marido era sócio gerente. Estas vendas foram registadas no mesmo mês da sua celebração.
Vem invocado que tais parcelas correspondem a parte expropriada, mas à qual a expropriante não deu uso aquando da realização da obra e que desde a celebração da escritura pública a 1ª Ré ocupou, limpando e vedando as parcelas que declarou adquirir à vista de toda a gente, na convicção da exclusividade de domínio e sem oposição de ninguém, até dezembro de 2020.
A sentença fundada na aquisição prévia e originária da propriedade pela autora concluiu que com a celebração da escritura e venda a favor de terceiros nada foi transmitido á 1ª Ré e ao seu sócio gerente e mulher, que não adquiriram por usucapião.
A Recorrente insurgiu-se também contra a aplicação do Direito, pondo em causa a força da expropriação, como aquisição originária e invocando a seu favor um conjunto de institutos.
Por simplicidade, analisemos separadamente o conjunto de institutos invocados.

.a- Da aquisição por expropriação
Pretende, em primeiro lugar, a Recorrente afastar a aquisição da propriedade pela Recorrida, defendida na sentença, com base na consideração que a expropriação é uma forma originária de aquisição da propriedade, defendendo que a mesma é derivada.
No entanto, aliás na senda da jurisprudência e doutrina que nos parece maioritária, concordamos com o entendimento seguido na sentença quanto à força originária desta forma de aquisição da propriedade.
Vejamos, seguindo os argumentos de Oliveira Ascensão que temos por convincentes.
O ato administrativo em que que se traduz a Declaração de Utilidade Pública consiste num ato lesivo dos direitos do particular, podendo considerar-se que por aqui se abre o caminho da extinção do direito de propriedade do particular, colocando-se o bem no domínio público, embora se possa entender que o momento da efetiva concretização é o da adjudicação judicial dos bens.
 Assim, os direitos reais sobre os bens imóveis objeto de adjudicação não são adquiridos dos anteriores proprietários.
É certo que a expropriação pode ser consumada através de auto ou escritura de expropriação amigável, mas a extinção do direito de propriedade ocorrerá sempre independentemente da vontade dos seus primitivos titulares: mesmo que não haja acordo, a propriedade do bem será sempre judicialmente adjudicada à entidade expropriante, sem necessidade de intervenção do proprietário, embora mediante uma indemnização. No presente caso, alias, a mesma ocorreu no processo judicial, com a adjudicação da propriedade.
Mais relevantemente ainda ressalta a independência da posição da entidade expropriante face à do anterior titular dos direitos reiais sobre o imóvel expropriado, visto que a expropriação causa a extinção de todos os direitos, ónus ou encargos que incidem sobre o bem constituindo-se um novo direito na esfera jurídica do beneficiário da expropriação, sendo a posição do expropriante absolutamente independente da posição do anterior titular dos direitos reais sobre o imóvel expropriado.
Também o princípio da legitimidade aparente que vigora no processo expropriativo nos leva a essa conclusão (a entidade expropriante pode dirigir-se a quem como tal figure nas inscrições predial e fiscal, sem ter que averiguar exaustivamente quem são os seus titulares e a intervenção de qualquer interessado, na pendência do processo não determina a repetição de quaisquer diligências anteriormente realizadas).
Porque na aquisição derivada, em qualquer das suas modalidades o direito do novo titular está condicionado pelo do antigo, quanto à sua existência, extensão e modalidades e tal não ocorre na expropriação (sob pena de não ser alcançável o interesse público que lhe subjaz), há que concluir que a expropriação determina uma aquisição originária dos direitos pelo beneficiário da expropriação.
Assim, face ao Despacho de Utilidade Pública e as consequências adjudicações proferidas nos despachos judiciais, não se têm dúvidas, como concluiu a sentença que a Autora logrou demonstrar a aquisição originária das parcelas reivindicadas por parte da Autora, por expropriação.

.b- Da (inexistente) aquisição pela usucapião
A Recorrente defende que por via do instituto da acessão na posse teria usucapido “os prédios em questão”, remetendo para a inscrição na matriz e para o histórico das descrições prediais ...37 e ...38, estas de 8 de agosto de 2013, data da insolvência.
 No entanto, carece de razão: apenas provou o exercício de atos reveladores de intenção do domínio da área que invoca ter adquirido a partir de 2019, porquanto o ato expropriativo, com a adjudicação da parcela à Autora, em 2007, desde logo afastou qualquer posse que o anterior proprietário teria sobre os imóveis.
Com efeito, não se provou nenhum ato de posse em relação aos imóveis da anterior proprietária após qualquer uma das expropriações (quer a de 2002, quer a de 2007). Apesar de ter invocado atos materiais nesse sentido, não os logrou demonstrar (nomeadamente o pagamento voluntário do IMI ou qualquer ato material sobre o imóvel).
Apenas após a venda, em 2019, é que surgem atos desse tipo pelos próprios adquirentes.
Não funciona aqui a acessão na posse que pretende a Apelante: a mesma exige a posse em quem declarou transmitir o direito, mas esta não se provou na pessoa do transmitente, tanto mais que já havia sido dela privada com os atos expropriativos.
 Assim, a posse que invoca é por período manifestamente insuficiente para usucapir.
O corpus possessório encontra-se referido no artigo 1252º do Código Civil, correspondendo ao “exercício de poderes de facto sobre uma coisa”, que implica o domínio sobre ela, mas não necessariamente uma atuação física, bastando que esteja na sua disponibilidade. Ora, com a expropriação o anterior proprietário perdeu necessariamente este domínio da coisa que passou jurídica e materialmente para a aqui Autora, em benefício de quem a expropriação teve lugar, nada nos autos nos indicando qualquer ato de posse do expropriado após lhe ter sido amputado o direito.
Também por aqui não prevalece a posição da Recorrente.

.c-Da (inexistente) aquisição translativa
Como é sabido, o direito de propriedade, pode existir num património, em virtude de aquisição originária ou derivada.
Na aquisição originária, o direito de propriedade adquire-se independente do direito de propriedade anterior.
O mesmo já não ocorre na aquisição derivada: só se o transmitente tiver o direito que afirma transmitir é que o pode transferir e só nesse caso é recebido pelo adquirente. Não se transmite o que se não tem.
Na aquisição derivada, não basta o título de aquisição para se provar que ao adquirente pertence um direito real que vale sobre qualquer possuidor ou detentor. Tal título, prova, somente, que o adquirente recebeu os direitos que eram pertença do alienante.
No presente caso, a Ré não provou a aquisição translativa da propriedade: para tanto teria que demonstrar que, aquando da celebração da compra e venda, quem lhe declarou transmitir a propriedade era o seu verdadeiro titular, o que não pode fazer, porquanto afirma que estes prédios correspondem no seu conteúdo à parte expropriada (mas não utilizada) dos prédios validamente expropriados em data anterior àquele em nome do qual a propriedade lhe foi declarada transmitir.
Enfim, se os prédios tinham sido expropriados já não pertenciam ao vendedor. A lei comina com a nulidade a venda de bens alheios. Assim, estas vendas são nulas, nos termos do artigo 892º do Código Civil.
(Embora tal nulidade apenas opere para as relações entre vendedor e comprador, sendo ineficaz perante o verdadeiro dono, que pode reivindicar sem demonstrar a invalidade da venda, entendemos que este, querendo, tem legitimidade para pedir a sua declaração de nulidade, como aqui fez).
Também improcede este fundamento invocado pela Recorrente para fundar o seu direito.
E ficamos, pois, perante o confronto entre a aquisição originária do direito por parte da Autora e não aquisição por via substantiva do direito pela 1ª ré, mas com a obtenção de um registo a seu favor, do qual pretende fazer-se valer.

.d- Da (inoperante) presunção do registo e da (inexistente) proteção dos terceiros de boa-fé
A Recorrente afirma que tais prédios se encontram registados na Conservatória do Registo Predial a seu favor, pelo que goza da presunção da titularidade.
No entanto, esta presunção do direito cede perante a prova do direito da parte contrária: a autora apresenta-se munida de uma forma de aquisição originária operante e a Ré invoca um contrato de compra e venda que nada lhe transmitiu, visto que os transmitentes não eram os proprietários.
Invoca ainda o disposto no artigo 17º nº 2 do Cód. Registo Predial – destinado a estabelecer a prevalência, a favor do primeiro sujeito registado, entre dois ou mais negócios conflituantes entre si, de transmissão de direito real celebrados pelo mesmo transmitente com distintos adquirentes (terceiros para efeito de registo) – mas esta norma não tem aplicação no confronto com um modo de aquisição originária como é a expropriação ou a usucapião, visto que o registo não tem eficácia constitutiva dos direitos reais no nosso atual ordenamento jurídico.
Por outro lado, face à aceite coincidência de conteúdos entre os prédios registados sob o nºs ...01 e ...24 da freguesia ... (correspondente às parcelas expropriadas) e os nºs 1....37 e 1....38, a qual é a razão de ser da posição da Ré, há que concluir por uma duplicação de registos. Nesse caso, rege a regra eleita no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 1/2017 de 22 de fevereiro, publicado no Diário da República n.º 38/2017, decidindo que: “Verificando-se uma dupla descrição, total ou parcial, do mesmo prédio, nenhum dos titulares registais poderá invocar a seu favor a presunção que resulta do artigo 7.º do Código do Registo Predial, devendo o conflito ser resolvido com a aplicação exclusiva dos princípios e das regras de direito substantivo, a não ser que se demonstre a fraude de quem invoca uma das presunções”.
Ali se confrontaram as duas posições opostas que se defendiam sobre a matéria, concluindo que há que seguir a que atende apenas às regras do direito substantivo e não ao princípio da prioridade do registo. A defesa da prioridade ao registo mais antigo fundamentava-se na ideia que o titular legitimo só por negligência se se veria envolvido por situações propícias à fraude imobiliária, embora aceitasse, no fundo, que quando tal negligência não se verificasse haveria que recorrer ao direito substantivo. A segunda posição, que prevaleceu, apoiou-se na ideia que “Ninguém pode valer-se da confiança numa inscrição incorreta, anulando-se as presunções e predominando o direito substantivo.” Esta posição é menos formal e busca uma maior verdade material, pelo que face à força e argumentos daquele acórdão uniformizador de jurisprudência mais não fazemos que a sufragar.
A Recorrente invoca que existe má-fé da Recorrida na promoção do Registo a seu favor, afirmando por um lado que a mesma o devia ter promovido, mas tal não corresponde á verdade: como bem afirma nas suas alegações “o artigo 51.º, n.º 6 do Código das Expropriações estabelecia como estabelece aos dias de hoje que «a adjudicação da propriedade é comunicada pelo tribunal ao conservador do registo predial para efeitos de registo oficioso».
Ora, consta dos autos que a comunicação foi efetuada pelo Tribunal, como lhe competia, mas que o mesmo ficou provisório por dúvidas e veio a caducar. Não se verifica a falta de cumprimento de ónus da Apelada ao não ter suprido tais dúvidas, sendo certo que não resulta dos autos que foi notificada para o fazer. Não há elementos para lhe imputar alguma incúria.
Afirma também que as informações prestadas pela Recorrida para obter o seu registo não corresponderiam ao estado dos artigos matriciais, mas também por aqui não é fiel à verdade: não resulta dos autos que a adjudicação operada no 1º processo judicial de expropriação referido nestes autos tivesse tido lugar depois da total eliminação do artigo ...2º, porquanto o pedido de alteração da inscrição na matriz (de 22-11-2001), na sequência da Declaração de Utilidade Pública (de 07-11-2001), embora anterior a tal adjudicação, só foi objeto de vistoria em 2002, não tendo, pois, tido resposta senão nesse ano.
Por outro lado, o artigo 186º, também proveniente do artigo ...2º é referido no próprio ato de adjudicação de 2007, não tendo, em consequência, ocorrido qualquer omissão de prestação de informação ou prestação de informações erróneas que justifiquem qualquer má-fé da Recorrida no registo do seu direito.
Enfim, também por aqui não opera aqui a presunção do registo a que se reporta o artigo 7º do Código do Registo Predial. E por essa via também não pode afirmar-se que opera neste caso o disposto no artigo 17º nº 2 do Código do Registo Predial.
Com efeito, como se escreveu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/06/2018 no processo 7787/12...., “Verificada uma situação de dupla descrição de um mesmo prédio no registo predial e de inscrições de atos de aquisição, a favor de adquirentes diferentes, lançados em ambas as descrições, a determinação de qual é o direito que prevalece resulta das regras do direito substantivo aplicável – no caso, o regime da venda de bens alheios –, e não dos princípios registais.”
O mesmo ocorre também, aliás, no que toca ao beneficio concedido pelo artigo 291º do Código Civil, que de qualquer forma, também aqui não teria aplicação, por falta de decurso “do prazo de convalidação de três anos”.
Esta norma estatui que a declaração de nulidade ou a anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis, ou a móveis sujeitos a registo, não prejudica os direitos adquiridos sobre os mesmos bens, a título oneroso, por terceiro de boa fé, se o registo da aquisição for anterior ao registo da ação de nulidade ou anulação ou ao registo do acordo entre as partes acerca da invalidade do negócio. 2. Os direitos de terceiro não são, todavia, reconhecidos, se a aceção for proposta e registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio. 3. É considerado de boa fé o terceiro adquirente que no momento da aquisição desconhecia, sem culpa, o vício do negócio nulo ou anulável.»
Este preceito constitui um desvio ao princípio geral sobre a nulidade ou anulabilidade consagrado no art.º 289º, «na medida em que permite ao titular da inscrição efectuada no registo, embora só a partir de certo período posterior à conclusão do contrato nulo ou anulável, fazer prevalecer o seu direito (real) referente ao imóvel ou ao móvel sujeito a registo, a registo sobre direito relativo à mesma coisa, do beneficiário da nulidade ou da anulação» Cfr. Antunes Varela, na «Rev. de Legislação e Jurisprudência», ano 118º, pág.310 e ss., citado in Código Civil Anot., Vol.I, Pires de Lima e Antunes Varela, Coimbra Editora, 4ª ed.
Visa-se, com a limitação constante do nº 2 deste preceito, conceder proteção aos terceiros de boa-fé que mercê do decurso do prazo de três anos sem que tenham visto o negócio que celebraram ser posto em causa possam confiar nos efeitos do registo. Ora, desde que o terceiro é citado, tendo conhecimento da ação e por isso perdendo a expetativa de ver o seu contrato a salvo da nulidade, mercê o decurso do tempo, deixa de poder ver o seu direito reconhecido.
Não se consegue por aqui dar razão à Recorrente.

.e - Da (inexistente) reversão
O Direito de Reversão encontra fundamento no mesmo preceito constitucional que serve de base à expropriação por utilidade pública: o expropriado pode recuperar o bem se entretanto, tiverem cessado as finalidades da expropriação ou se no prazo de dois anos, após a data de adjudicação, os bens expropriados não forem aplicados ao fim que a determinou (Artigo 5º nº 1 do Código das Expropriações), mas este direito cessa se decorreram 20 anos desde a data de adjudicação (nº 4 deste artigo), o que já ocorrera neste caso no presente caso (a última adjudicação foi em 2007).
Por outro lado, a reversão dos bens expropriados está subordinada a um procedimento específico, que se inicia com o requerimento à entidade que houver declarado a utilidade pública da expropriação ou que haja sucedido na respetiva competência (artigo 74.º n.º 1 do Código das Expropriações), ao qual se pode ser seguir uma ação administrativa comum a propor no tribunal administrativo de círculo da situação do prédio ou da sua maior extensão (nº 4).
Nada disto ocorreu, pelo que não pode nesta sede considerar-se que a Recorrente adquiriu o prédio por meio da reversão ou pode nestes autos adquiri-lo com recurso a esse instituto.

.f- Do (inexistente) abuso de Direito
Decorre do artigo 334º do Código Civil a sujeição do exercício de um direito aos “limites impostos pela boa-fé, pelos bons costume ou pelo fim social ou económico desse direito”, exigindo-se, em regra, que o abuso seja manifesto, “clamorosamente ofensivo da justiça”.
Pretende-se evitar que o titular do direito exceda manifestamente as fronteiras que lhe cumpre observar, em função dos interesses que legitimam a concessão desse poder, mesmo que o seu comportamento as respeite formalmente.
É também norma chamar á colação o Prof. Baptista Machado, in “Obra dispersa”, vol I, págs. 415 a 418, “o efeito jurídico próprio do instituto só se desencadeia quando se verificam três pressupostos:
1. Uma situação objetiva de confiança; uma conduta de alguém que de facto possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a dada situação futura;
2. Um Investimento na confiança: o conflito de interesses e a necessidade de tutela jurídica surgem quando uma contraparte, com base na situação de confiança criada, tome disposições ou organiza planos de vida de que lhe surgirão danos se a confiança legítima vier a ser frustrada;
3. Boa-fé da contraparte que confiou: a confiança do terceiro ou da contraparte só merecerá proteção jurídica quando de boa-fé e tenha agido com cuidado e precaução usuais no tráfico jurídico”.
Em termos genéricos pode dizer-se que existe abuso do direito sempre que o seu exercício se revela injusto num determinado caso concreto, atentas as circunstâncias ou particularidades da situação. Mas este instituto só opera em casos excecionais, visto que ocorre aquando do exercício de um direito.
Em primeiro lugar, não se verificam aqui quaisquer atos por parte da Recorrida que se possam considerar conducentes à compra e justificativas da mesma:
- não resulta da matéria de facto provada quando terminou a obra, nem quanto tempo não deu uso à parte do prédio que lhe foi adjudicado, nem que essa parte não tem interesse para tal fim, pelo que não se pode afirmar que não foi afeta ao domínio publico, como fundamenta a Recorrente;
- não cabia à Recorrida a obrigação de proceder ao registo da adjudicação;
- não se vê que tenha sido negligente ao não perceber que a notificação efetuada especificamente para preferir se referia a um prédio cuja composição podia coincidir parcialmente com o que lhe fora adjudicado, face à referência a um artigo matricial;
- a Autora prontamente propôs a ação para defender a propriedade, logo após a Ré ter ocupado parte das parcelas adjudicadas.
Por outro lado, perante o curto período de tempo em questão (a escritura de compra e venda ocorreu em 2020, ou querendo-se atentar-se à celebrada em nome próprio pelo sócio gerente, em 2019 e a reivindicação é de 2021), o baixo custo do terreno (15.000,00 € na primeira aquisição), sem que fosse realizado outro desembolso para além da limpeza do terreno ou pagamento do IMI (nenhuma realização de obra, nenhum outro gasto com algum peso), sem que se discuta qualquer outro interesse senão o empresarial, não se pode concluir um tão grande investimento que justifique a preterição de um dos direitos fundamentais protegidos pela Constituição: a propriedade.
Ora, pretende a Recorrente que se deve considerar que a Autora deve ser despojada do direito de propriedade que adquiriu (embora ao que parece a Recorrente apenas se arroga proprietária da parte que não foi ainda utilizada na construção da obra), por força desse não uso (cuja duração não se conhece, embora se considere assente em 2019) e que esta deve falecer face à compra que operou em 2020.
Como se diz na sentença: “Não é a mera inação do seu titular que determina a prescrição do direito de propriedade, ou sequer a criação noutras pessoas da expectativa de que o titular não pretende exercer os poderes que lhe confere o seu direito, mas antes uma conduta omissiva, prolongada pelo número de anos reclamado por lei, perante o desafio contínuo, público e pacífico colocado pela posse conflituante de terceiro (que, no caso, se não verificou, já que a Autora se opôs à posse da Ré poucos meses depois de esta se arrogar proprietária).”
Sendo certo que existem normas específicas para a tutela da confiança no registo, as mesmas no presente caso não operam, como vimos, não se vendo qualquer razão para fugir ao regime legal e especificamente instituído para casos como o presente.
 
V- Decisão

Por todo o exposto, julga-se a apelação improcedente e em consequência, mantém-se a sentença recorrida.
Custas do recurso pela apelante (527º nº 1 do Código de Processo Civil).
Comunique-se à Conservatória do Registo Predial.
Guimarães, 15 de fevereiro de 2024

Sandra Melo
Anizabel Sousa Pereira
Maria da Conceição Bucho