Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1458/18.7T8GMR.G1
Relator: PURIFICAÇÃO CARVALHO
Descritores: CASO JULGADO MATERIAL
AUTORIDADE DE CASO JULGADO
LIMITES SUBJETIVOS
EXTENSÃO DO CASO JULGADO A TERCEIROS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/17/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDÊNCIA DA APELAÇÃO
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. Constitui princípio fundamental a afirmação de que a eficácia relativa do caso julgado, isto é, a sentença, só tem força de caso julgado inter partes, só vinculando o juiz num novo processo em que as partes sejam as mesmas que no anterior.

II. Apesar daquele princípio, hipóteses há em que a força do caso julgado se estende a terceiros. Porém, estas deverão ser sustentadas em regras de valor semelhante, como ocorre com os artºs. 622º e 623º do CPC sobre a eficácia externa do caso julgado em determinadas ações ou ainda com o art. 19º da lei nº 83/95, de 31-8 (acção popular), segundo o qual as sentenças proferidas em ações cíveis, “salvo quando julgadas improcedentes por insuficiência de provas, ou quando o julgador decidir por forma diversa fundado em motivações próprias do caso concreto, têm eficácia geral, não abrangendo, contudo, os titulares de direitos ou interesses que tiverem exercido o direito de se autoexcluírem da representação”.
Decisão Texto Integral:
- Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães –

I. RELATÓRIO

F. F., casada, residente na Rua …, Vizela, intentou contra M. CRÉDITO – INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DE CRÉDITO SA, com sede na Rua …, Porto, a presente acção declarativa sob a forma comum de processo peticionando, pela sua procedência, a declaração de resolução do contrato de mútuo n.º ... e a condenação da R. no pagamento a seu favor da quantia de €4.939,50, acrescida de juros moratórios à taxa legal contados desde a citação até efectivo e integral pagamento.

A fundamentar este pedido alega, para o efeito e em síntese, ter celebrado com a X Saúde SA., em 06.02.2014, um contrato de prestação de serviços médicos dentários, para tratamento odontológico, que descreve, pelo preço global de €14.500, que pagou integralmente.

Mais alega que como não dispunha da totalidade da verba necessária ao pagamento integral do preço, mas tão somente de €7.500, por indicação e intermédio da X Saúde SA celebrou com a R., nesse mesmo dia 06.02.2014, um contrato de mútuo nos termos do qual a demandada lhe emprestou a quantia de €7.000 que ela, demandante, se obrigou a devolver em 36 prestações mensais no valor unitário de €197,58.

Aduz que pese embora integralmente pago o preço dos serviços contratados, a X não os concluiu, tendo sido declarada insolvente por sentença datada de 12.05.2016 e ficando por colocar duas próteses híbridas, no valor global de €6.000.

Afirma que por esse motivo resolveu o contrato de mútuo celebrado com a demandada, solicitando-lhe, por isso, a devolução dos €4.939,50 que entretanto havia já liquidado.

Regularmente citada, a R. contestou, admitindo ter efectivamente celebrado com a A. o contrato de mútuo por ela invocado, e nas condições descritas, mas impugnando, por desconhecimento, a demais factualidade alegada.

Argui ainda que reconhecendo a A. terem-lhe sido prestados serviços médicos dentários no valor de €8.500, tal montante foi pago com o valor financiado por ela, demandada, motivo pelo qual a A. reclamou créditos no processo de insolvência relativamente aos serviços alegadamente não prestados, pelo que nega encontrar-se na obrigação de devolver qualquer quantia.

Ainda que assim se não entendesse, diz, sempre se teria de esperar pelo final da liquidação do processo de insolvência da X a fim de aferir se a A. lograria o pagamento (total ou parcial) do crédito ali reclamado, sob pena de enriquecer sem causa.

Subsidiariamente, invoca que sempre se teria de repartir proporcionalmente o valor dos prejuízos reclamados entre o valor mutuado e o valor disponibilizado pela própria.

Realizada audiência prévia com vista à conciliação das partes foi frustrada tal diligência.

Na mesma diligência a Mma. Juíza perguntou à ilustre mandatária da ré se o Banco … foi reconhecido como credor na insolvência da X, pela mesma tendo sido dito não poder de momento responder com certeza ao perguntado, por não estar na posse desses elementos.
*
Ato contínuo, pela Mma. Juíza foi proferido o seguinte:

DESPACHO
Ante a não assunção expressa da factualidade alegada nos arts. 5.º a 7.º e 9.º da p.i., cumpriria produzir prova relativamente à mesma.

Contudo, tal factualidade foi já julgada no âmbito da acção de verificação ulterior de créditos instaurada pela A. por apenso ao processo de Insolvência n.º 1698/16.3T8SNT a correr termos no Juízo de Comércio de Sintra.

Tendo tal acção sido instaurada também contra os credores da massa insolvente da X, a fixação dessa factualidade por sentença pacificamente transitada em julgado impor-se-á à R. caso a mesma seja um dos credores da insolvência, formando-se, quanto à mesma, caso julgado.

Assim oficie ao processo de Insolvência n.º 1698/16.3T8SNT a correr termos no Juízo de Comércio de Sintra, solicitando informe se a aqui ré foi ali reconhecida como credora da X, e na afirmativa, data desse reconhecimento (se constar da listagem apresentada pelo AI, nos termos e para os efeitos no disposto no art.º 129.º do CIRE, data da apresentação dessa lista, bem como da prolação da sentença de verificação e graduação de créditos e respectivo trânsito em julgados; se no âmbito de uma ação intentada ao abrigo do disposto no art.º 146.º do CIRE data da prolação da sentença e respetivo trânsito em julgado)
Do despacho que antecede foram os presentes notificados.

Foi junto oficio a satisfazer tal pedido de informação co o seguinte teor:
Oficio datado de 12.07.2018
Informa-se V. Ex.ª que na lista de credores enviada pelo Sr. Administrador da Insolvência, onde constam os credores reconhecidos (apenso C), não está mencionado a Ré- M. CRÉDITO- Instituição de crédito, S.A como credora, bem como não intentou qualquer acção de verificação ulterior de crédito.
Para melhor esclarecimento, remete-se lista do art.º 129 do CIRE.
A junção destes documentos foi notificada às partes no dia 16.07.2018.
Seguiu-se o agendamento da realização da audiência de julgamento, dada a simplicidade da matéria de facto controvertida e o valor atribuído à presente causa.
A audiência de julgamento decorreu com observância do legal formalismo, como decorre da respectiva acta.

Seguiu-se a sentença que terminou com o seguinte dispositivo:

Pelo exposto, o Tribunal julga a presente acção totalmente improcedente por não provada, dela absolvendo a R..
Custas pela A..
Registe e notifique.

Descontente a autora apresenta recurso que termina com as seguintes conclusões (transcrição):

1- Vem o presente recurso interposto da Douta Sentença proferida nos presentes autos, que considerou totalmente improcedente a ação, recurso que tem como fundamento a violação do caso julgado, na modalidade de autoridade de caso julgado formado pela sentença transitada em julgado e proferida no processo de verificação de créditos nº 1698/16.3T8SNT-K e transitada em julgado em 04/04/2017.
2- Decidiu o Tribunal a quo, na Sentença Recorrida, que “No caso dos autos não logrou a A. demonstrar, como era seu ónus (cf. art. 342.º CC), que a X não cumpriu pontualmente o contrato (de prestação de serviços) que entre ambas havia sido celebrado – tal como não logrou demonstrar que interpelou esta sociedade para que cumprisse a parte da prestação a que se havia vinculado e que se encontrava em falta. Como tal, falha, desde logo, o primeiro dos dois pressupostos de que depende a atribuição, à demandante, do direito de ver resolvido o contrato de mútuo que celebrou com a R., pelo que a sua pretensão não poderá deixar de improceder.”
3- Já a Sentença proferida naqueles autos de verificação de créditos decidiu que “(…) dos factos provados resulta a existência do crédito reclamado, pois se provou o incumprimento pela devedora do contrato de prestação de serviços (…)”
4- Ora, tal Sentença tem autoridade de caso julgado nos presentes autos, porquanto a relação jurídica decidida naqueles autos tem uma relação de prejudicialidade com a discutida nestes autos.
5- Na verdade, naqueles autos a ação foi considerada procedente e reconhecido o crédito da recorrente com fundamento no incumprimento do contrato de prestação de serviços celebrado entre a Recorrente e a X,
6- O referido contrato de prestação de serviços está coligado- questão definitivamente resolvida pela sentença recorrida- com o contrato de mútuo celebrado entre a Recorrente e o Recorrido.
7- Estamos, pois, perante contratos coligados enquanto união contratual com dependência, tendo o contrato de prestação de serviços um predomínio sobre o contrato de mútuo pois só as vicissitudes daquele se repercutem sobre este.
8- Tal resulta do estipulado no artigo 18. nº 3 do DL 133/2009 de 2 de junho pois só o incumprimento do contrato de prestação de serviços e a respetiva interpelação do consumidor para cumprir constituiu um pressuposto indispensável para que o consumidor possa resolver o contrato de mútuo.
9- Ora, o Recorrido não foi parte naquela ação de verificação de créditos.
10- MAS, citando o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08/01/2019, proferido no processo 5592/13.7TBMAI.P2. S1: “A questão (da autoridade do caso julgado) coloca-se, precisamente, em relação aos terceiros juridicamente interessados, sendo que, como já vimos, é o nexo de prejudicialidade que nos fornece o critério geral de solução do problema da repercussão do caso julgado sobre as relações jurídicas de terceiros. Como também já referimos atrás, para a solução desse problema temos de nos socorrer das normas de direito material que regem as relações jurídicas respectivas (cf. o Acórdão do STJ, de 12/7/11, in www.dgsi.pt).” (Sublinhado nosso)
11- Como vimos, a situação jurídica discutida naqueles autos de verificação de
créditos tem uma relação de dependência com a discutida nestes autos pelo que o Recorrido, mesmo não tendo sido parte na ação de verificação de créditos, é abrangido pelo caso julgado material, formado pela sentença transitada em julgado naqueles autos, que decidiu que houve incumprimento contratual da prestadora de serviços X.
12- Os fundamentos da decisão são abrangidos pelo caso julgado quando sejam pressuposto essencial daquela.
13- Ora, no caso da Sentença proferida na ação de verificação de créditos foram pressuposto essencial da decisão, os factos alegados nos artigos 9.º a 13º, nos quais se incluiu a interpelação para cumprir- artigo 10.º- da Petição inicial ali apresentada, pelo que os referidos factos estão abrangidos pelo caso julgado.
14- Tais factos correspondem aos agora alegados nos artigos 5.º, 6º e 7º da PI que devem ser considerados provados.
15- Violou, pois, a douta sentença o disposto no artigo 619.º nº 1 do CPC.

Termos em que, considerando procedente o presente recurso e revogando a Douta sentença, considerando a ação procedente e provada, farão V. Exas, JUSTIÇA

O recorrido contra-alega pugnando pela manutenção da decisão recorrida quer de facto quer de direito.

O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente e nos próprios autos, com efeito devolutivo – artºs 629º, nº1; 644º, nº1, al. a); 638º; 645º, nº1, al. a) e 647º, nº1, do Código de Processo Civil.

Foram colhidos os vistos legais.

II. ÂMBITO DO RECURSO.

Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta das formuladas pelo apelante ser a seguinte a questão a apreciar:

- Saber se a factualidade constante dos artigos 5.º, 6º e 7º da PI deve ser considerada provada por força da autoridade do caso julgado decorrente da sentença proferida nos autos de verificação de créditos.
- Alteração da solução jurídica em consequência da procedência do recurso.
***
III. FUNDAMENTAÇÃO

De Facto

Na sentença foram considerados provados e não provados os seguintes factos:

a) Em 06.02.2014 a A. celebrou com a sociedade X SAÚDE S.A. um contrato de prestação de serviços médico dentários, para tratamento odontológico, mediante o pagamento do valor de € 14.500;
b) O tratamento referido em a) incluía:
- Colocação de implantes nos dentes 12, 22, 24, 14, 26, 32, 34, 42, 44, com respectivos pilares de cicatrização;
- Colocação de duas próteses acrílicas, no valor de €450/cada;
- Colocação de duas próteses híbridas, uma no valor de €2.900 e outra no valor de €3.100;
c) Para pagamento do preço referido em a) a A. entregou à X o montante de €7.500 com fundos próprios e pagou o remanescente com a quantia que lhe foi emprestada pela R. através da celebração do contrato de mútuo n.º ..., em 06.02.2014, no montante de €7.000, a pagar em 36 prestações constantes no montante de €197,58/cada; d) O contrato de mútuo mencionado em c) foi celebrado por indicação e intermédio da X, tendo as informações quanto às condições contratuais do mesmo sido prestadas pela X, tendo o correspondente pedido de crédito sido feito nas instalações desta sociedade, mediante formulário elaborado pela R., mas apresentado e entregue à A. pela X e destinando-se a quantia mutuada exclusivamente a financiar o pagamento do preço dos serviços referidos em a) e b);
e) Por sentença datada de 12.05.2016, pacificamente transitada em julgado, proferida no âmbito do processo n.º 1698/16.3T8SNT, foi declarada a insolvência da X Saúde SA;
f) Por carta registada recepcionada pela R. em 03.06.2016 a A. comunicou-lhe que resolvia o contrato de mútuo entre ambas celebrado por incumprimento da X, que entretanto fora declarada insolvente;
g) Por sentença datada de 08.03.2017, transitada em julgado em 04.04.2017, proferida no âmbito do processo n.º 1698/16.3T8SNT-K, foi verificado o crédito reclamado pela aqui A. contra a X Saúde SA no valor de €6.000; a p.i. que deu origem a esta acção foi apresentada em juízo em 06.12.2016 e não foi objecto de qualquer contestação.
*
1. 2. Factos não provados

Com relevância para a decisão a proferir não resultaram provados quaisquer factos que não os enumerados em 1.1., designadamente:

a) Que por conta do tratamento mencionado em 1.1.a) e b) tenham ficado por colocar as duas próteses híbridas;
b) Que a A. tenha interpelado por diversas vezes a X, quer verbalmente, quer através de email, para que esta procedesse à colocação das duas próteses híbridas, sem que tal tenha acontecido.
**
O Direito

●. Caso julgado

Neste recurso defende-se a recorrente dizendo que:

Decidiu o Tribunal a quo, na Sentença Recorrida, que “No caso dos autos não logrou a A. demonstrar, como era seu ónus (cf. art. 342.º CC), que a X não cumpriu pontualmente o contrato (de prestação de serviços) que entre ambas havia sido celebrado – tal como não logrou demonstrar que interpelou esta sociedade para que cumprisse a parte da prestação a que se havia vinculado e que se encontrava em falta. Como tal, falha, desde logo, o primeiro dos dois pressupostos de que depende a atribuição, à demandante, do direito de ver resolvido o contrato de mútuo que celebrou com a R., pelo que a sua pretensão não poderá deixar de improceder.”

Já a Sentença proferida naqueles autos de verificação de créditos decidiu que
“(…) dos factos provados resulta a existência do crédito reclamado, pois se provou o incumprimento pela devedora do contrato de prestação de serviços (…)”

Ora, tal Sentença tem autoridade de caso julgado nos presentes autos, porquanto a relação jurídica decidida naqueles autos tem uma relação de prejudicialidade com a discutida nestes autos.

Apreciando

A questão do caso julgado formado no âmbito da acção de verificação ulterior de créditos instaurada por apenso ao processo de insolvência nº 1698/16.3T8SNT começou por ser colocada logo em sede de audiência prévia (despacho de 11/7/18- fls. 89 dos autos).

Assim, considerou-se aí que:

Ante a não assunção expressa da factualidade alegada nos arts. 5.º a 7.º e 9.º da p.i., cumpriria produzir prova relativamente à mesma.

Contudo, tal factualidade foi já julgada no âmbito da acção de verificação ulterior de créditos instaurada pela A. por apenso ao processo de Insolvência n.º 1698/16.3T8SNT a correr termos no Juízo de Comércio de Sintra.

Tendo tal acção sido instaurada também contra os credores da massa insolvente da X, a fixação dessa factualidade por sentença pacificamente transitada em julgado impor-se-á à R. caso a mesma seja um dos credores da insolvência, formando-se, quanto à mesma, caso julgado.

Assim oficie ao processo de Insolvência n.º 1698/16.3T8SNT a correr termos no Juízo de Comércio de Sintra, solicitando informe se a aqui ré foi ali reconhecida como credora da X, e na afirmativa, data desse reconhecimento (se constar da listagem apresentada pelo AI, nos termos e para os efeitos no disposto no art.º 129.º do CIRE, data da apresentação dessa lista, bem como da prolação da sentença de verificação e graduação de créditos e respectivo trânsito em julgados; se no âmbito de uma ação intentada ao abrigo do disposto no art.º 146.º do CIRE data da prolação da sentença e respetivo trânsito em julgado)
Do despacho que antecede foram os presentes notificados.

Foi junto oficio a satisfazer tal pedido de informação com o seguinte teor:

Oficio datado de 12.07.2018

Informa-se V. Ex.ª que na lista de credores enviada pelo Sr. Administrador da Insolvência, onde constam os credores reconhecidos (apenso C), não está mencionado a Ré- M. CRÉDITO- Instituição de crédito, S.A como credora, bem como não intentou qualquer acção de verificação ulterior de crédito.
Documento que notificados às partes não mereceu qualquer consideração.
Por isso o processo continuou incluiu-se a apreciação da factualidade alegada nos pontos 5º a 7º e 9º da p.i controvertida, vindo parte de tal factualidade a fazer parte, na sentença, no ponto 1.2 da matéria de facto dada como provada.
Ora é adjectivamente irregular a dupla apreciação da mesma matéria em duas fases processuais distintas (em sede de Despacho Saneador e de recurso) e em sentidos totalmente opostos considerando o pedido formulado em sede de recurso.
Também nos termos dos artigos 595.º, número 1, alínea b), 644.º, números 1 e 2 do Código de Processo Civil, o despacho saneador que aprecie e decida uma excepção peremptória, ainda que no sentido da sua improcedência, decide do mérito da causa, sendo tal decisão susceptível de impugnação através de recurso de apelação a interpor no prazo de 30 dias a contar da prolacção da respectiva decisão uma vez que as partes estavam presentes naquela diligência – artº 638º do CPC.
Recurso que não foi apresentado a seu tempo , o que determinou o trânsito em julgado da respectiva decisão.
Nos termos do nº 1 do artº 619º do CPC, transitada em julgado a sentença, a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580 e 581º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696º a 702.
Prosseguindo os autos para audiência de julgamento com a apreciação da factualidade ainda não assente nomeadamente a constante dos pontos 5º a 7º e 9º da p.i(1) foi no final proferida decisão que considerou tal factualidade não provada nos termos constantes da decisão da matéria de facto (2)
Julgada improcedente a acção lembrou-se a recorrente de invocar a autoridade do caso julgado relativamente à supramencionada factualidade.
Não seguimos a interpretação que a recorrente defende.
De efeito, caso julgado constitui uma excepção dilatória (artigo 577º alínea i) do Código de Processo Civil), que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância (artigo 576º nº 2 do Código de Processo Civil).
A excepção do caso julgado pressupõe a repetição de uma causa depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário e tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior, conforme resulta do artigo 580º do Código de Processo Civil.

Quanto aos requisitos do caso julgado (e da litispendência) diz-nos o artigo 581º do Código de Processo Civil que:

“1. Repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.
2. Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.
3. Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.
4. Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico. Nas ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas ações constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido.”
E, diga-se ainda, o que releva para efeitos de apreciação temporal do caso julgado, não é a decisão que se refere ao processo que foi intentado em primeiro lugar, mas a que primeiro transitar em julgado (cf. artigo 625º nº 1 do Código de Processo Civil).
Refere Teixeira de Sousa in O objecto da sentença e o caso julgado material”, BMJ 325, pág.171 e sgs que “A excepção do caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objeto processual, contraria na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior.
Dito de outro modo a excepção de caso julgado destina-se a evitar uma nova decisão inútil (razões de economia processual), o que implica uma não decisão sobre a nova ação, pressupondo uma total identidade entre ambas as causas.

Escreve Lebre de Freitas in Código de Processo Civil, Anotado, 2ª ed., pág.35 que “A excepção do caso julgado não se confunde com a autoridade do caso julgado; pela excepção, visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito; a autoridade de caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito (…). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida».

Por seu turno, Teixeira de Sousa, in O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material, BMJ, 325º-178, escreve que «… o caso julgado material pode valer em processo posterior como autoridade de caso julgado, quando o objecto da acção subsequente é dependente do objecto da acção anterior, ou como excepção de caso julgado, quando o objecto da acção posterior é idêntico ao objecto da acção antecedente».

Na jurisprudência, pode ver-se o Acórdão do STJ datado de 26.02.2019 proferido no processo nº 1684/14.8T8VCT.G1. S2 disponível in www.dgsi.pt em cujo texto se pode ler:

Uma das tarefas primordiais do Estado de direito democrático é a garantia dos direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos seus princípios, e, por isso, o princípio da segurança jurídica e da protecção da segurança dos cidadãos aparece-nos como uma das traves mestras da manutenção da ordem jurídica.

Tal princípio encontra-se expressamente consagrado no artigo 2º da CRPortuguesa e deve ser tido como sendo politicamente conformado, explicitando as valorações fundamentadas do legislador constituinte, assumindo-se como princípio classificador do Estado de Direito Democrático, o que implica um mínimo de certeza e segurança nos direitos das pessoas e nas expectativas juridicamente criadas a que está imanente uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado.
Dentro de tal princípio destaca-se, além do mais, o caso julgado, como seu postulado máximo.
Sendo o caso julgado um ponto em que o binómio dialéctico justiça-segurança cede em favor da segurança, poderá concluir-se que uma limitação ao alcance do instituto será sempre favorável à justiça, «(…) Se uma sentença injusta pode aequare quadrata rotundis ou facere de albo nigrum, valha-nos a ideia de que esta quadratura do círculo ou este escurecimento do branco só é irremediável quanto à decisão; as decisões futuras, prejudiciais ou finais, continuarão a poder ser livre e justamente quadradas e brancas.(…)», apud Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado Em Processo Civil, 109/110.

Resulta do artigo 619º, n.º 1 que «Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º.», dispondo o normativo inserto no artigo 620º, nº1, no que ao caso julgado formal diz respeito que «As sentenças ou os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo.», acrescentando o artigo 621º,todos do CP Civil, além do mais, que «A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga; (…)».

A figura da autoridade do caso julgado – que é distinta da excepção do caso julgado e que não supõe a tríplice identidade por esta exigida – visa garantir a coerência e a dignidade das decisões judiciais.
Referimo-nos à excepção de caso julgado, quando a eadem quaestio se suscita na ação ulterior como thema decidendum do mesmo processo e falamos em autoridade de caso julgado quando a eadem quaestio se coloca na ação subsequente como questão de outro tipo (fundamental ou mesmo tão somente instrumental), cfr Mariana França Gouveia, A causa de pedir na acção declarativa, 2004, 394; Miguel Teixeira de Sousa, O objecto da sentença e o caso julgado material (O estudo sobre a funcionalidade processual), in BMJ 325, 1983, 168; Miguel Teixeira de Sousa Preclusão e “contrário contraditório”, Cadernos de Direito Privado n.º 41, 2013, 24/27; inter alia os Ac STJ de 7 de Março de 2017 (Relator Pinto de Almeida, aqui primeiro Adjunto)), 5 de Setembro de 2017 (Relator Júlio Gomes) e de 13 de Novembro de 2018 (Relator José Rainho, aqui segundo Adjunto).

No caso em apreço está assente que o réu não teve intervenção na acção descrita no F.P constante da alínea g).

Pelo que não restam dúvidas que, no caso, não se verifica a excepção do caso julgado, uma vez que não ocorre a tríplice identidade a que alude o art.581º, do CPC (de sujeitos, pedido e causa de pedir).

Tendo a sentença proferida naquela acção transitado em julgado, a questão que se coloca é pois a de saber se a autoridade do caso julgado se estende ao ora réu.

Como ensina o Prof. Manuel de Andrade in Noções Elementares de Processo civil, 1979, pág. 309., um princípio fundamental é o da eficácia relativa do caso julgado, isto é, a sentença só tem força de caso julgado inter partes, só vinculando o juiz num novo processo em que as partes sejam as mesmas que no anterior.

Atendendo apenas a tal princípio, concluir-se-ia imediatamente que o réu não está submetido ao caso julgado em apreço.

Mas, apesar daquele princípio, hipóteses há em que a força do caso julgado se estende a terceiros. Assim, seguindo ainda o ensinamento do mesmo Mestre in Noções …, pág. 312, os terceiros têm de acatar a sentença proferida entre as partes e a correspondente definição judicial da relação litigada, quando a sentença não lhes causa qualquer prejuízo jurídico, porque deixa íntegra a consistência jurídica do seu direito, embora lhes cause um prejuízo de facto ou económico. São estes os chamados terceiros juridicamente indiferentes.

Mas os terceiros não têm que acatar a sentença proferida entre as partes e a correspondente definição judicial da relação litigada quando aquela, a valer em face deles, lhes poderia causar um prejuízo jurídico, invalidando a própria existência ou reduzindo o conteúdo do seu direito, e não apenas destruindo ou abalando a sua consistência prática. São estes os chamados terceiros juridicamente interessados.
A força do caso julgado estender-se-ia, portanto, aos terceiros juridicamente indiferentes, mas não aos terceiros juridicamente interessados.

Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre O Novo Processo Civil, 594/595 defende que os limites subjectivos do caso julgado, embora digam apenas respeito à decisão transitada em julgado, resolvendo a questão suscitada ao Tribunal pelas partes em conflito, artigos 619º, nº1 e 621º do CPCivil, não descartam a sua eventual oponibilidade aos terceiros, aferindo-se a sua extensão a estes pela análise da sua vinculação directa.

Rui Pinto no ARTIGO-JULGAR-Exceção-e-autoridade-do-caso-julgado julgar online, novembro de 2018 escreve que “O efeito positivo do caso julgado tem por sujeitos os destinatários da decisão: as partes da relação processual, nas decisões proferidas mediante pedido; os sujeitos referidos na decisão, nas decisões proferidas oficiosamente – por ex., a parte ou a testemunha condenada ao pagamento de multa por comportamento processual de má fé. Em suma: o caso julgado abrange os sujeitos que puderam exercer o contraditório sobre o objeto da decisão; dito de outro modo, subjetivos do caso julgado coincidem com os limites subjetivos do próprio objeto da decisão. No caso da sentença de mérito, estes são os limites do objeto processual: o n.º 1 do artigo 619.º dispõe que a “decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º”. Esta solução técnica tem correlação com os critérios de legitimidade processual, máxime do artigo 30.º: a decisão judicial apenas vincula os sujeitos que têm legitimidade processual. O devido processo legal, do artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, impõe esta solução: em regra, apenas pode ser sujeito aos efeitos – beneficiado ou prejudicado – de um ato do Estado quem participou da sua produção de modo contraditório.

Revertendo ao caso concreto e transpondo os conceitos acabados de delimitar, verifica-se que se o réu fosse tido como terceiro juridicamente indiferente por forma a ser-lhe oponível a sentença produzida no apenso de verificação e graduação de créditos tal decisão não só lhe causaria um prejuízo jurídico, invalidando a própria existência ou reduzindo o conteúdo do seu direito mas também lhe causaria um prejuízo de facto ou económico o que ocorria sem ter tido qualquer possibilidade de se pronunciar, situação esta que em nosso entender a ordem jurídica afasta, atribuindo-lhe antes o estatuto de terceiro juridicamente interessado nos termos acima definidos; cf. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, 726; Manuel Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, 311/314; inter alia os Ac STJ de 20 de Maio de 2010 (Relator Hélder Roque) e de 18 de Fevereiro de 2015 (Relator Pinto de Almeida); de 13.11 2018, processo nº 128/15.2T (VNG.B. P1. S1 (Relatora Ana Paula Boularot); de 13.09.2018 proferido no processo nº 687/17.5T8PNF.S1 (relatora Rosa Tching) e de 08.01.2019 proferido no processo nº 5992/13.7 TBMAI.P2. S1 relator Roque Nogueira) acessíveis www.dgsi.pt.

Como escreve Alberto dos Reis, in Boletim da Faculdade de Direito, vol. XVII, págs.206 e segs. (Eficácia do Caso Julgado em Relação a Terceiros), «Estender a eficácia da sentença a terceiros, estranhos ao processo, que não intervieram nele, que não foram ouvidos nem convencidos, que não foram colocados em condições de dizer da justiça, de alegar as suas razões, de exercer qualquer espécie de influência na formação da convicção do juiz – é uma violência que pode redundar numa iniquidade».

Ademais no caso concreto temos uma decisão de reconhecimento de crédito reclamado em sede do procedimento declarativo de concurso de credores por dependência de um processo de insolvência.

Como sabemos tem sido discutido na doutrina e na jurisprudência qual o alcance a dar ao caso julgado formado sobre as decisões de reconhecimento de créditos reclamados em sede do procedimento declarativo de concurso de credores.

Tomando de empréstimo o acórdão do Supremo Tribunal de justiça datado de 27.09.2018 proferido no processo nº 10248/16.0T8PRT.P1.S1 ( relator Tomé Gomes e adjuntas Maria da Graça Trigo e Rosa Tching) Acessível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj, diremos que a sentença de verificação e graduação dos créditos no procedimento declarativo de concurso de credores por dependência do processo de insolvência tem eficácia de caso julgado material, nos termos e com o alcance definidos nos citados artigos 619.º e 621.º do CPC, mas em função dos direitos à execução do património do insolvente reconhecidos aos credores concorrentes.

(…) Com efeito, enquanto que o processo declarativo comum se destina à obtenção de tutela de interesses individuais ou equiparáveis, no contexto de litígios singulares, no processo de insolvência, aos interesses de cada credor e do próprio devedor, em contexto litigioso múltiplo e diversificado, sobrepõe-se a salvaguarda do interesse coletivo da generalidade dos credores do insolvente, o que requer, desde logo, a existência de órgãos específicos da insolvência, como são o administrador da insolvência, a comissão de credores e a assembleia de credores, conforme o previsto nos artigos 52.º a 80.º do CIRE.
E é também essa índole do processo de insolvência que determina uma tramitação específica do procedimento declarativo da verificação de créditos em que se compatibilize o exercício concorrente ou cruzado dos direitos de cada interessado com a salvaguarda do respetivo interesse coletivo e com as exigências de celeridade na liquidação do património insolvente
(..) salvo o devido respeito, por discutíveis que possam ser algumas das especificidades de tais processos não se afigura que com base nelas seja lícito negar ou circunscrever a eficácia do caso julgado material da sentença de verificação e graduação dos créditos no âmbito do processo de insolvência decorrente, em termos gerais, dos artigos decorrente dos artigos 619.º e 621.º do CPC. Uma tal solução comprometeria gravemente a finalidade de liquidação visada pelo processo de insolvência e a garantia de segurança e certeza jurídica que deve ser assegurada, a todos os interessados, pela sentença de verificação do passivo do insolvente.
Todavia, tal não significa que não se deva ponderar ainda o alcance do caso julgado material da sentença de verificação de créditos na insolvência em função da natureza dos interesses ali em causa.

A este propósito, Teixeira de Sousa In artigo acima indicado A Verificação do Passivo no Processo de Falência, (RFDUL), Vol. XXXVI, 1995, Lex, p. 362.
quanto ao objeto do processo de verificação de créditos, observa o seguinte:


«(…) o objecto desse processo é o direito de crédito, mas considerando como direito à execução patrimonial e não como direito à prestação (utilizando expressões que são sugeridas pelo disposto no art. 817º do CC). É exactamente porque o activo do devedor é insuficiente para satisfazer todos os direitos à prestação que é decretada a sua falência, pelo que o objecto do processo de verificação de créditos não pode ser um direito à prestação, que, pelo menos em parte, não pode ser satisfeito, mas um direito à execução do património do falido e à distribuição do produto da sua liquidação.»

E, no respeitante ao caso julgado da sentença de verificação de créditos na falência, hoje denominada insolvência, considera o mesmo Autor- Artigo e local cit. pp. 368-369.o seguinte:

«A decisão de verificação vincula todos os credores reclamantes e o falido, o mesmo sucedendo quanto à sentença de verificação ulterior. Mas, como frequentemente sucede quando se abordam questões relacionadas com o caso julgado, é particularmente complexo o problema da eficácia extrafalimentar do reconhecimento ou do não reconhecimento dos créditos reclamados em qualquer dessas sentenças. Importa recordar que, como acima se referiu, o objecto do processo de verificação não é o crédito como direito à prestação, mas sim esse mesmo crédito considerado como direito à execução patrimonial. Esta premissa não pode deixar de impor alguma prudência quando se trata de averiguar qual o reflexo que a verificação ou não verificação do crédito como direito à execução produz num outro processo em que esse crédito é discutido como direito à prestação.

Nessa base, conclui o referido Autor que:

«Dessa verificação do direito à execução não pode resultar uma vinculação das partes quanto ao correspondente direito à prestação. As partes de um processo não podem ficar vinculadas à decisão proferida num outro processo quando os interesses económicos que estavam em causa neste último eram substancialmente menos importantes do que aqueles sobre os quais elas litigam agora no processo pendente.»

Nesta linha de pensamento, o alcance do caso julgado material da sentença de verificação de créditos no processo de insolvência terá de ser aferido em função dos direitos à execução patrimonial ali reconhecidos e definidos em relação ao universo dos credores do insolvente.

Em suma, conclui-se, neste particular, em divergência com a posição assumida no acórdão recorrido, que a sentença de verificação e graduação dos créditos no procedimento declarativo de concurso de credores por dependência do processo de insolvência tem eficácia de caso julgado material, nos termos e com o alcance definidos nos citados artigos 619.º e 621.º do CPC, mas em função dos direitos à execução do património do insolvente reconhecidos aos credores concorrentes.

Perfilhamos, por isso, este entendimento, de não possibilidade de formação de caso julgado material na acção de verificação e graduação de créditos o mesmo sucedendo quanto à sentença de verificação ulterior (também comunga do mesmo entendimento Salvador Costa, em Concurso de Credores, 5ª Ed., 2015, pág. 234), e por isso rejeitarmos a defesa da recorrente.

Anota-se que o acórdão do Supremo Tribunal de justiça invocado pela recorrente para sustentar a sua defesa se reporta à autoridade do caso julgado de uma decisão proferida numa acção declarativa relativamente a outra acção declarativa e não a uma decisão de reconhecimento de crédito reclamado em sede do procedimento declarativo de concurso de credores por dependência de um processo de insolvência.

Aqui chegados será de sublinhar que o STJ tem considerado que (3) a autoridade do caso julgado “não pode servir para desvirtuar a figura do caso julgado, Ou seja, o objetivo de evitar toda e qualquer contradição lógica entre duas sentenças judiciais, ainda que proferidas em processos diferentes, não pode justificar que, contra as mais elementares regras processuais, se façam repercutir numa ação que corre entre determinados sujeitos os efeitos decorrentes de uma sentença proferida noutro processo que correu entre outros sujeitos.”

E mais se considerou:

“Sem pretender esgotar os argumentos impeditivos de uma solução tão estranha como a acolhida no acórdão recorrido, basta anotar que, a ser aceite, tal representaria, além do mais, uma flagrante violação do princípio do contraditório que, tal como Castro Mendes ensinava em Direito Processual Civil, II vol., pág. 781, determina, além do mais, que “o caso julgado não pode prejudicar terceiros que não intervieram no processo”.

Numa tal regra pode encontrar-se espaço para algumas exceções. Porém, estas deverão ser sustentadas em regras de valor semelhante, como ocorre com os artºs. 622º e 623º do NCPC sobre a eficácia externa do caso julgado em determinadas ações ou ainda com o art. 19º da Lei nº 83/95, de 31-8 (Acão popular), segundo o qual as sentenças proferidas em ações cíveis, “salvo quando julgadas improcedentes por insuficiência de provas, ou quando o julgador decidir por forma diversa fundado em motivações próprias do caso concreto, têm eficácia geral, não abrangendo, contudo, os titulares de direitos ou interesses que tiverem exercido o direito de se autoexcluírem da representação”.

Como bem refere a recorrida nos presentes autos não se pretende considerar que inexiste o crédito de 6.000,00 € reconhecido à Autora no processo de insolvência.

Nos presentes autos pretende-se a resolução do contrato de mútuo celebrado entre a Recorrente e a Recorrida e a devolução das quantias pagas pela Recorrente à Recorrida.

A Recorrente ao reclamar créditos no processo de insolvência expressamente reconhece que o prejuízo aqui alegado lhe foi causado pela Clínica X SAÚDE, S.A. e, bem assim, que que o valor financiado pela aqui Recorrente serviu para fazer o pagamento dos tratamentos já realizados.

Com efeito, a Recorrente mutuou à Recorrida o montante de 7.000,00 € e foram efectuados tratamentos no montante de 8.500,00 €.

Se os bens apreendidos para a massa insolvente foram suficientes para satisfazer o crédito reclamado pela autora e reconhecido pelo tribunal a mesma não terá qualquer prejuízo com a celebração do contrato de prestação de serviços e bem assim com o contrato de mutuo em causa.

O que não pode acontecer é a autora realizar tratamentos no montante de 8.500,00 euros, ter um crédito graduado e reconhecido no processo de insolvência da entidade prestadora de serviços no montante de 6,000,00 euros ficar exonerada do pagamento das prestações em falta à aqui ré e ainda lhe serem devolvidos 4.939,50 euros, sob pena de enriquecimento sem causa da autora.

Se a autora for ressarcida no processo de insolvência fica sanado o seu prejuízo.
**
●. Da nova fundamentação de direito (conhecimento prejudicado)

Dependendo o pedido de alteração do decidido na sentença proferida nos autos, por parte da recorrente, no que à interpretação e aplicação do Direito respeita, do prévio sucesso do reconhecimento da extensão ao réu da autoridade do caso julgado da anterior decisão e/ou da procedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto ali consubstanciada, a qual, porém, se mantém inalterada, fica necessariamente prejudicado o seu conhecimento, o que aqui se declara, nos termos do art. 608º, n.º 2, aplicável ex. vi do art. 663º, n.º 2, in fine, ambos do C. P. Civil.
**
●. Da solução jurídica

Também a apreciação de mérito efectuada pela Decisão Recorrida é de manter pelo correcto enquadramento jurídico da factualidade apurada e não apurada.
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●. Das custas

A apelante é responsável pelas custas respectivas nos termos do artigo 542ºº, nºs 1 e 2, do C.P.C.

Sumariando e concluindo:

▪. Constitui princípio fundamental a afirmação de que a eficácia relativa do caso julgado, isto é, a sentença só tem força de caso julgado inter partes, só vinculando o juiz num novo processo em que as partes sejam as mesmas que no anterior.
▪. Apesar daquele princípio, hipóteses há situações em que a força do caso julgado se estende a terceiros. porém, estas deverão ser sustentadas em regras de valor semelhante, como ocorre com os artºs. 622º e 623º do CPC sobre a eficácia externa do caso julgado em determinadas ações ou ainda com o art. 19º da lei nº 83/95, de 31-8 (acção popular), segundo o qual as sentenças proferidas em ações cíveis, “salvo quando julgadas improcedentes por insuficiência de provas, ou quando o julgador decidir por forma diversa fundado em motivações próprias do caso concreto, têm eficácia geral, não abrangendo, contudo, os titulares de direitos ou interesses que tiverem exercido o direito de se autoexcluírem da representação ”.

IV.DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar totalmente improcedente a apelação, consequentemente se mantendo a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Notifique
Guimarães, 17 de Outubro de 2019
(processado em computador e revisto pela relatora antes de assinado)

O presente acórdão é assinado eletronicamente pelos respectivos

Maria Purificação Carvalho (relatora)
Maria dos Anjos Melo Nogueira (adjunta)
José Cravo (adjunto)



1 - Ao contrário do que defende em sede de recurso a recorrente não defendeu que tal factualidade devia ser considerada como provada com base na autoridade do caso julgado embora já tivesse para o efeito a decisão em causa desde o inicio do processo.
2 - Os factos dados como provados resultaram ou do acordo das partes (factualidade enunciada em 1.1.a), c) – cfr. art. 15.º da contestação – e d)) ou dos documentos juntos aos autos (factualidade enunciada em 1.1.b) – cfr. doc. n.º 1 junto com a p.i., sendo ainda certo que a alegação constante do art. 2.º da p.i. não foi posta em crise pela R. -, e), g) – cfr. quanto a estes dois factos a certidão judicial a fls. 64ss – e f) – cfr. docs. n.os 6 e 7 juntos com a p.i.)
Os factos dados como não provados resultaram da ausência de produção de prova bastante sobre os mesmos.
A A. fez acompanhar a sua p.i. de um relatório médico, datado de 25.05.2016, onde se lê que “Após analize [sic] do orçamento apresentado relativo à Sr. F. F. foi efectuada uma consulta de avaliação para averiguação do estado actual do tratamento por comparação com o orçamento apresentado.
Conclui-se que estão em falta as duas próteses híbridas referidas nesse orçamento.”
Contudo, em sede de audiência de julgamento, a autora de tal relatório – a médica dentista J. A. - foi inquirida na qualidade de testemunha e explicou circunstanciadamente em que termos o relatório que consubstancia o doc. n.º 3 junto com a p.i. foi elaborado: foi o marido da A. quem se deslocou à Clínica de …, onde ela, depoente, trabalha, e solicitou a realização de uma relatório a fim de aferir se todos os tratamentos constantes do orçamento fornecido pela X tinham sido realizados. Mais explicou que pese embora tenha tentando agendar uma consulta presencial com a A. esta nunca chegou a comparecer, sem que tenha sido dada justificação para essa não comparência, tendo sido o marido da demandante quem, a sua solicitação, lhe levou um rx, tendo sido com base nesse exame, por comparação com um orçamento igualmente facultado pelo marido da A., que ela, testemunha, elaborou o relatório preliminar que consubstancia o doc. n.º 3 junto com a p.i..
Quando questionada sobre a data da realização desse exame, reconheceu não o poder precisar. O que pôde confirmar foi que apenas em Dezembro de 2018 – portanto, já após a instauração da presente acção – logrou consultar presencialmente a A. e constatou nessa consulta que a situação que se lhe apresentou era distinta daquela retratada no rx que anos antes o marido da demandante lhe levara, já que em Dezembro de 2018 as próteses híbridas estavam colocadas.
Ora, a A. pretendeu ser ouvida em declarações de parte e segundo a própria desde que deixou de ser consultada nas clínicas da X não mais fez qualquer tratamento.
Sendo assim, a conclusão que se impõe é a de que à data da elaboração do doc. n.º 3 junto com a p.i. as próteses híbridas se encontrariam já colocadas.
Mas mais: a A. igualmente admitiu, em sede de declarações de parte, que o exame que o marido facultou à testemunha J. A. foi um exame antigo, realizado numa altura em que ainda estava a ser acompanhada pela X. Esta explicação justificará a aparente contradição entre o teor da declaração do doc. n.º 3 junto com a p.i. e as declarações da testemunha J. A.: pura e simplesmente o exame que lhe foi exibido pelo marido da A. em Maio de 2016 não retratava de forma fidedigna o estado dos tratamentos realizados pela X àquela data. E também poderá justificar a razão pela qual a A. nunca compareceu pessoalmente, em Maio de 2016, numa consulta com a Dra. J. A.: esta apuraria aquilo que veio a apurar em Dezembro de 2018 – que efectivamente as próteses híbridas já se encontravam colocadas – e como tal jamais redigiria o relatório que redigiu.
A assunção, pela A., que o exame que foi exibido à testemunha J. A. era um exame antigo, realizado ainda aquando do seu acompanhamento pela X, contradiz frontalmente as declarações do seu marido a este respeito, que declarou que o referido rx fora realizado já a X tinha encerrado portas, desacreditando por completo o seu depoimento.
Sendo assim, o Tribunal não poderia deixar de dar como não assente o facto enunciado em 1.2.a).
A não prova do facto enunciado em 1.2.a) acarreta a não prova do facto elencado em 1.2.b). Ainda que assim não fosse, o certo é que nenhuma outra prova foi produzida que pudesse sustentar tal alegação – e quão fácil seria produzi-la, mediante, designadamente, a junção de cópia dos emails alegadamente trocados com a X. A ausência dessa documentação mais inculca que efectivamente à data de Maio de 2016 as próteses híbridas que a A. alega nunca terem sido colocadas tinham sido, ao invés, efectivamente fornecidas.
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3 - vide, neste sentido, os acórdãos de 18/06/2014 e de 11/10/12 (Abrantes Geraldes) bem como de 28/6/2018 (Acácio das Neves), ambos in www.dgsi.pt.