Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
279/23.0T8VCT-A.G1
Relator: MARIA DOS ANJOS NOGUEIRA
Descritores: RECONVENÇÃO
CRÉDITO
COMPENSAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/25/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – A razão para a existência de formas de processo que não admitem reconvenção é a sua maior simplicidade e celeridade, que é garantida através da limitação do objecto do processo e de uma tramitação menos exigente.
II – A existência do crédito compensável não pode ser só apurada no âmbito do juízo de compensação, devendo, antes, surgir com autêntica exigibilidade, sob pena de se ir enxertar numa acção pendente (a pretexto de reconvenção) outra que com ela não tenha conexão
III – A existência de venda de coisa defeituosa, na perspectiva de que essa desconformidade afecta a própria qualidade da coisa vendida, por esta não poder satisfazer os objectivos da compradora, importa a faculdade do devedor poder reparar o cumprimento defeituoso, antes de o credor poder optar pela resolução do contrato.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

AA, NIF ...41, viúva, doméstica, residente na Rua ..., ... ..., concelho ..., veio instaurar contra BB, NIF ...39, casado sob o regime de comunhão de adquiridos com CC, operário fabril, residente na Rua ..., ... ..., concelho ..., acção comum, de declaração, pedindo que:
1. Se declare que a autora é exclusiva proprietária da quantia de € 7.400,00 (sete mil e quatrocentos euros), dinheiro que lhe adveio das reformas e indemnização a que se alude nos artigos 34.º e seguintes da p.i., que em 13/05/2022 estava depositada na conta de depósitos à ordem nº ...08, do Banco 1..., de ..., de que o réu se apoderou contra a vontade e sem autorização da autora, por TRANSFERÊNCIA PONTUAL A DÉBITO, Tipo de Operação Transferência Interbancária SEPA (para conta de Outra Inst. Crédito) a débito daquela conta da autora para a conta do réu com o IBAN  ...23 do Banco 2..., S.A, que em 13/05/2022 (data valor da operação) foi efectuada a operação de pedido de transferência, que foi efectivada (data do movimento) em 16/05/2022, referência do banco ..., como se constata do extracto da referida conta do Banco 1..., junto como documento nº ... e da Factura/Recibo Nº ...87 daquela operação TRANSFERÊNCIA PONTUAL A DÉBITO, emitida pelo Banco 1... em 2022-05-17, junta como documento nº ....
2. Se condene o réu a restituir tal quantia de € 7.400,00 (sete mil e quatrocentos euros) à autora;
3. Se condene o réu no pagamento dos juros de mora, contados à taxa legal sobre tal quantia de € 7.400,00 (sete mil e quatrocentos euros), a contar desde 13/05/2022, até efectivo e integral pagamento, calculados à data da propositura da acção em € 207,61 (duzentos e sete euros e sessenta e um cêntimos), ou, caso assim se não entenda, a contar da citação até efectivo e integral pagamento.
4. se condene o réu a pagar à autora a quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais sofridos, acrescida dos respectivos juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento;
5. Seja aplicada ao R. uma sanção pecuniária compulsória diária de €30,00 (trinta euros) por cada dia de atraso, após trânsito em julgado, no cumprimento da sentença em que fôr condenado.
Alegou, para o efeito a A., que era titular, juntamente com o réu, seu filho, da conta de depósitos à ordem nº ...08, do Banco 1..., de ....
Apesar de o réu figurar como co-titular da conta em causa, os montantes que nela eram depositados (pensões e indemnizações) eram, na sua totalidade,          rendimentos da autora e que a ela pertenciam única e exclusivamente.
Sem que nada o fizesse prever e sem qualquer autorização e contra a vontade da autora, até porque autora e o réu estavam praticamente desavindos e sem    qualquer tipo de contacto, em 13/05/2022, o réu fez uma TRANSFERÊNCIA PONTUAL A DÉBITO, Tipo de Operação Transferência Interbancária SEPA+ (para conta de Outra Inst. Crédito) do montante de €7.400,00 (sete mil e quatrocentos euros) a débito daquela conta da autora para crédito da conta do réu com o IBAN  ...23 do Banco 2..., S. A.
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Em sede de contestação, o réu reconvinte veio alegar que a referida conta co-titulada pela Autora, Réu e por CC, sua esposa, foi desde sempre utilizada substancialmente para depositar o dinheiro proveniente das pensões da Autora, o salário do Réu, o dinheiro das rendas e pagamentos do Alojamento Local e para aforro do casal e da A. e que a A. mobilizou dessa mesma conta o montante total de €24.500,00 de que não é a Autora sua exclusiva titular, antes sendo igualmente propriedade do Réu e da sua esposa CC.
Face a essa alegada apropriação ilícita pede a condenação da autora a restituir-lhe o montante de € 16.333,33, bem como a condenação da A. no pagamento de 2.000,00€ a título de danos que diz ter sofrido.
Pede, a final, que a reconvenção seja julgada provada e procedente, e, consequentemente,
c) se declare que a conta n.º ...08, com o IBAN ...5 do Banco 1... é co titulada pela Autora, pelo Réu e por CC;
b) Se declare que o montante de €24.500,00 (vinte e quatro mil e quinhentos euros) depositados na conta n.º ...08, com o IBAN ...5 do Banco 1... são propriedade da Autora, do Réu e da CC;
c) Se condene a Autora a ver reconhecidos os direitos dos Réus nos termos das al. a) e b);
d) Se condene a Autora restituir o montante de €16.333,33 (dezasseis mil trezentos e trinta e três euros e trinta e três cêntimos);
e) Se condene a Autora a pagar ao Réu e à sua esposa a quantia de €2.000,00 (dois mil euros) a título de danos de natureza patrimonial e não patrimonial.
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A A. veio deduzir réplica, pugnando pela inadmissibilidade da reconvenção, alegando, para o efeito, que na reconvenção o réu não pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação, que não alega nem fundamenta, seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o da autora nem o pedido tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que a autora se propõe obter e não existe qualquer factor de conexão entre o objecto da acção e o da reconvenção.
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Dispensando, ao abrigo do disposto no artigo 593.º, n.º 1, do CPC a realização da audiência prévia, proferiu o tribunal a quo a seguinte decisão:

“Da admissibilidade da reconvenção.
O R. deduziu reconvenção formulando os seguintes pedidos:
a) Declarar-se que a conta n.º ...08, com o IBAN ...5, do Banco 1... é co-titulada pela A., pelo R. e por CC;
b) Declarar-se que o montante de 24.500,00 € (vinte e quatro mil e quinhentos euros) depositados na conta n.º ...08, com o IBAN ...5 do Banco 1..., é propriedade da Autora, do R. e de CC;
c) Condenar-se a A. a ver reconhecidos os direitos enunciados nas alíneas a) e b); d) Condenar-se a A. restituir-lhe o montante de 16.333,33 €.
Ora, nos termos do disposto no artigo 266.º, n.º 2, do CPC, a reconvenção é admissível nos seguintes casos:
a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa;
b) Quando o réu se propõe tornar efectivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida;
c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor;
d) Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.
A acção proposta pela A. é uma típica acção de reivindicação, sendo que em tais acções a causa de pedir reside no acto ou facto de que deriva o direito de propriedade sobre o bem reivindicado, constituindo o reconhecimento do direito de propriedade o efeito jurídico que com a acção se pretende obter, de que deriva, como consequência lógica, a entrega ou restituição da coisa reivindicada.
Importa apurar se, no contexto descrito, a reconvenção deve ou não ser admitida, sendo que a A., na réplica, explicou as razões por que entende que a decisão a proferir sobre a questão deve ser negativa.
Analisando a causa de pedir da reconvenção e os pedidos reconvencionais, parece claro que ela não se inclui em nenhuma das hipóteses previstas nas alíneas b) e c) artigo 266.º, n.º 2, do CPC.
Vejamos as restantes hipóteses:
- Alínea a): cremos que não se pode considerar que os pedidos reconvencionais em apreço se fundem no mesmo facto jurídico – ou seja, na mesma causa de pedir ou em parte dela – em que assenta o pedido da A., pois que na primeira parte do referido segmento normativo exige-se que o pedido reconvencional tenha a mesma causa de pedir em que se baseia o pedido da acção, existindo, com base no mesmo facto, dois pedidos de sentido contrário que, por isso se cruzam.
Não é este o caso, porque o facto em que a A. assenta a acção é a violação , por banda do R., do direito de propriedade de que é titular sobre a quantia de 7.400,00 € indicada na petição inicial (o facto jurídico propriamente dito é a transferência, por acção do R., daquele dinheiro para uma conta bancária sua e o consequente desapossamento da A. de tal quantia), enquanto que o facto em que o R. assenta a reconvenção é o facto de, sendo comproprietário, não daquela quantia concreta – cremos que, neste particular, o R. aceita que tal dinheiro pertencia exclusivamente à A. (não impugnou o que nesse sentido foi alegado no artigo 46.º da petição inicial), uma vez que entre 8.10.2021 e 13.05.2022 a conta foi provisionada apenas com rendimentos de que aquela era a única beneficiária, alegação constante do artigo 45.º da petição inicial e expressamente aceite na contestação –, mas da quantia de 24.500,00 € que a A., nos dias 25.03.2022 (20.000,00 € + 2.000,00 €) e 31.03.2022 (2.500,00 €), transferiu da referida conta bancária de que o R. também é co-titular, desapossando-o da sua quota-parte nesse montante.
Por outro lado, do preceituado na segunda parte da referida alínea a) decorre ser necessário que o réu invoque, como meio de defesa (directa ou indirecta), qualquer acto ou facto jurídico (causa de pedir) que se representa no pedido do autor, ou seja, é necessário que o facto invocado, a verificar-se, produza efeito útil defensivo, isto é, tenha a virtualidade de reduzir, modificar ou extinguir o pedido do autor, o que também não é o caso: a circunstância de se dar como provado que o R. é comproprietário daquele dinheiro (24.500,00 €) não impede o Tribunal de declarar que a A. é a proprietária exclusiva dos 7.400,00 € cuja restituição reclama nos presentes autos.
- Alínea d): não estamos perante um caso em que o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter (os exemplos que José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre enunciam a este propósito – in Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 3.ª edição, Coimbra Editora, pág. 519 – são os seguintes: “autor e réu pretendem… a declaração de propriedade sobre o mesmo bem, a anulação do mesmo contrato ou a obtenção do divórcio entre si”). Na verdade, o R. não pede a declaração de propriedade sobre o mesmo dinheiro (os 7.400,00 € de que a A. diz ter sido desapossada), mas a declaração de propriedade sobre uma quantia distinta (24.500,00 €).
Em face do exposto, decide-se não admitir a reconvenção. Custas a cargo do R., que se fixam no mínimo legal.
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II- Objecto do recurso

Inconformado veio o Réu recorrer finalizando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1. o que está em causa tanto na acção como na reconvenção é a titularidade da conta e a respectiva movimentação pelos seus titulares.
2. Em sede de contestação-reconvenção o Recorrente defende-se do alegado pela Autora, invocando a cotitularidade da conta e, a propriedade dos três co-titulares dos montantes lá depositados.
3. Para tanto, o Réu alega que as quantias depositadas na conta são propriedade sua, da sua esposa e da Recorrida, correspondendo tais montantes às pensões da Recorrida, aos rendimentos salarias do Réu e da sua esposa, quantias da baixa médica do recorrente, pagamentos feitos pelo seguros ao Recorrente, transferências a si dirigidas, reembolsos de IRS, entre outros.
4. E, sempre foi assim, sendo esses montantes utilizados para fazer face às despesasdo quotidiano e a poupançasque osseus co-titulares faziam, com vista a amealhar algum dinheiro;
5. Nunca o Recorrente, a sua esposa e a Recorrida, consideraram usar apenas o saldo, em proveito próprio, como pertença exclusiva.
6. Sempre dispuseram das quantias necessárias, não atribuindo aos montantes qualquer divisão, que fosse suscetível de se fazer mediante a proveniência dos montantes depositados.
7. Tanto o Recorrente e a sua esposa, como a Recorrida, sempre utilizaram a conta, para fazer pagamentos, transferências e levantamentos, para as despesas do agregado familiar com a total consciência de que as quantias lá depositadas eram propriedade dos três.
8. Mais alega o Recorrente aquando da sua defesa, que no dia 25 de março de 2022, a Recorrida liquidou o montante de €20.000,00 (vinte mil euros) da poupança de aforro ...98 para a conta co titulada por si, pelo Réu e pela sua esposa e posteriormente transferiu esta quantia e ainda o montante de €2.000,00 (dois mil euros), para uma conta que este desconhece os respectivos titulares.
9. A Recorrida vem peticionar, que seja reconhecida a sua exclusiva propriedade do valor de € 7.400,00 (sete mil e quatrocentos euros), dinheiro que lhe adveio das reformas e indemnização, que em 13/05/2022 estava depositada na conta de depósitos à ordem nº ...08, do Banco 1..., de ..., de que o réu se apoderou.
10. Para tanto, alega a Recorrida que tais montantes correspondem aos montantes recebidos a título de pensões de referentes ao período de 08-10-2021 a 13-05-2022.
11. Sucede, que no dia 25 de março de 2022, a Recorrida retirou da conta co-titulada por si e pelo Recorrente o montante de 22.000,00€.
12. Tal montante constituído pelas quantias transferidas para a contaco-titulada a título das pensões das quais era beneficiária, mas também todas as somas depositadosnacontapelo Recorrente,pelasuaesposae transferidosaseu favor.
13. O Recorrente ao alegar a cotitularidade da conta e o deposito do montante de 22.000,00 (vinte e dois mil euros) da conta co-titulada, unicamente pela Recorrida, está destemodo a impugnar apropriedade exclusivada Autorasobre o montante de 7.400,00€.
14. Que retirou da conta, um montante muito superior ao do que se arroga única proprietária e que diz serem provenientes das pensões acima referidas, contudo extravasando expressivamente, os valores que delas provêm.
15. É por referência a este montante movimentando pela Recorrida, sem conhecimento da Recorrente e da sua esposa, superior ao montante da pensões que desta beneficia,
16. Que o recorrente contradiz a propriedade exclusiva da Recorrida sobre o montante de 7.400,00€ (sete mil e quatrocentos euros).
17. O pedido reconvencional emerge da mesma causa de pedir do pedido da autora, opu seja, a titularidade da conta e a respectiva movimentação pelos seus co-titulares.
18. A alínea d) do artigo 266.º do Cód. Proc. Civil, permite a dedução da reconvenção no caso de esta tender ao mesmo efeito jurídico a que tende o pedido do autor, pelo menos, parcialmente.
19. Pressuposto deste requisito de admissibilidade é, pois, que se esteja no domínio do mesmo efeito jurídico o que implica que ambos os pedidos se sustentem/alicercem no mesmo direito.
20. O Recorrente e a Recorrida, pretendem o mesmo efeito, o qual se sustentam no mesmo direito, o reconhecimento da propriedade das quantias depositadas e movimentadas na conta co-tiitulada, pelo Recorrido, pela sua esposa e pela Autora.
11. O tribunal a quo violou, entre outras, as disposições dos artigos 266.º, n.º 2, a) e d) do Código de Processo Civil.
Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se        o douto despacho e proferindo-se um outro em conformidade com as alegações formuladas.
Com o que se fará JUSTIÇA!
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A A. veio apresentar as suas alegações, concluindo no sentido de ser julgado improcedente o recurso e mantida a decisão proferida.
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O recurso foi admitido  e colhidos foram os vistos.
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III - O Direito

Como resulta do disposto nos artos. 608º., nº. 2, ex vi do artº. 663º., nº. 2, 635º., nº. 4, 639º., n.os 1 a 3, 641º., nº. 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem das conclusões que definem, assim, o âmbito e objecto do recurso. 
Deste modo, e tendo em consideração as conclusões acima transcritas cumpre apreciar e decidir sobre a admissibilidade da reconvenção.
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IV.FUNDAMENTAÇÃO

De Facto
Os factos com interesse para a decisão são os que constam do relatório supra e que aqui se dão por integralmente reproduzidos
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De Direito
Tendo em conta o objecto do recurso, importa verificar se, no caso concreto, é admissível a reconvenção deduzida pelo recorrente.
A reconvenção – nas palavras de Miguel Mesquita, in Reconvenção e Excepção no Processo Civil, Almedina, 2009, págs. 99/100 – “consiste, tipicamente, numa acção declarativa (condenatória, constitutiva ou de mera apreciação) intentada, através da contestação, pelo réu (reconvinte) contra o autor (reconvindo), assente em factos materiais e causadora, quando admissível, de uma acumulação, no âmbito de um processo pendente, de acções cruzadas e sincrónicas (a acção inicial ou originária e a acção reconvencional: conventio et reconventio pari passu ambulant). A reconvenção constitui, portanto, parte integrante da acção inicial, formando com esta um todo.”
Não estando em causa no presente recurso razões processuais impeditivas da admissão da reconvenção, importa saber se, não obstante, se mostram presentes os “requisitos materiais ou objectivos” da sua admissibilidade, o que remete para o disposto no artigo 266.º do Código de Processo Civil.
Ora, aí se dispõe (sob a epígrafe “Admissibilidade da reconvenção”) que:
1. O réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor.
 2. A reconvenção é admissível nos seguintes casos:
a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa;
b) Quando o réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida;
c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor;
d) Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.
(…)
Daqui resulta, pois, que para além da defesa que oponha ao autor, o réu poderá formular pedidos contra o autor, em reconvenção, o que implica a modificação do objecto da acção, na medida em que, em vez de ficar circunscrita ao pedido formulado pelo autor, passa a ter também por objecto um pedido formulado pelo réu.
Há, assim, uma contrapretensão (Gegenanspruch) do réu, que transcende a simples improcedência da pretensão do autor e os corolários dela decorrentes.
Alberto dos Reis, no domínio da vigência do Código de Processo Civil de 1939, em anotação ao artigo 279.º, preceito que então regulava os casos de admissibilidade da reconvenção, referia que os limites postos pela lei a essa admissibilidade podiam classificar-se em limites objectivos e limites processuais – obra citada pág. 98.
Os limites objectivos, ou substanciais, traduzem-se na exigência duma certa conexão ou relação entre o objecto do pedido reconvencional e o objecto do pedido do autor.
A conexão que deve existir entre o pedido principal e o pedido reconvencional traduz-se, no caso previsto na alínea a), na ligação através do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa.
São os casos em que o pedido reconvencional brota do facto jurídico (real, concreto) que serve de fundamento, seja à acção, seja à defesa - Cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, págs. 327-328.
Também Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, in In Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, pág. 302, esclarecem que “o facto jurídico que serve de fundamento à acção (al. a)) constitui o acto ou relação jurídica cuja invocação sustenta o pedido formulado (…) o réu aproveita a defesa não apenas para se defender da pretensão do autor, mas ainda para sustentar nos mesmos factos uma pretensão autónoma contra aquele.”
Dissertando sobre a noção de causa de pedir para efeitos de reconvenção, Mariana Gouveia esclarece ser necessário identidade, ainda que parcial, de factos essenciais ou principais, isto é, os que constam da norma como constitutivos do direito, para concluir que “ a causa de pedir, para efeitos de admissibilidade de reconvenção, deve ser definida através do facto principal comum a ambas as contra-pretensões” (A Causa de Pedir na Acção Declarativa, pág. 270 ).
Por seu turno, o facto jurídico que serve de fundamento à defesa significa tratar-se de factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor fazendo nascer uma questão prejudicial relativamente à causa principal. Como acentua Miguel Mesquita “ao admitir os pedidos reconvencionais alicerçados numa relação de prejudicialidade-dependência, o legislador visa promover, para além da óbvia economia processual, a harmonia entre decisões” (loc. cit., pág. 162).
Neste contexto, e sobre a aplicação da segunda parte da alínea a) do n.º 2 do art. 266.º, do CPC, entende-se não ser suficiente que o réu alegue qualquer facto do qual possa extrair um efeito jurídico através da reconvenção, pois é necessário que o facto alegado produza “o efeito útil defensivo”, que seja capaz de reduzir, modificar ou extinguir o pedido do autor (cf., por ex., Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, vol. II, 3ª ed., pág. 32, Marco António de Aço e Borges, A Demanda Reconvencional, 2008, pág. 42; Ac RG 10/7/2018 ( proc. nº 1630/17), Ac RL de 8/10/2019 ( proc. nº 45824/18), disponíveis em www dgsi.pt ).
Já relativamente à compensação (art.847.º CC ) trata-se de uma forma de extinção das obrigações, no caso de créditos recíprocos, em que o credor de uma delas é devedor na outra e o credor desta última é devedor na primeira. Ou seja, se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem. Pressupõe a reciprocidade dos créditos, a validade, exigibilidade e exequibilidade do contra-crédito, a fungibilidade e homogeneidade das prestações, a existência e validade do crédito principal.
Constitui uma causa extintiva das obrigações, distinta do cumprimento das mesmas, como “uma forma de extinção das obrigações em que, no lugar do cumprimento, como sub-rogado dele, o devedor opõe o crédito que tem sobre o credor.
Ao mesmo tempo que se exonera da sua dívida, o
compensante realiza o seu crédito, por uma espécie de acção directa” – cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. II, pág. 117.

Dispõe o artigo 848.º, n.º 1 do mencionado diploma que “a compensação torna-se efectiva mediante declaração de uma das partes à outra”.
Ao longo dos tempos tem-se debatido, essencialmente na doutrina, nomeadamente, Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, 3.ª ed., II, pág. 179 e segs., e Vaz Serra, RLJ, ano 109.º, págs. 145 e segs., a questão de se saber se a compensação deve sempre ser invocada sob a forma de pedido reconvencional , ou se apenas deve revestir esta forma quando o montante da dívida invocada pelo réu exceda o valor peticionado pelo autor e aquele pretenda que o autor seja condenado no pagamento às diferença.
A compensação deve, naturalmente, ser invocada em pedido reconvencional sempre que o contra-crédito, alegado pelo réu, tenha valor superior ao do débito que tem para com o autor e o réu pretenda a condenação daquele na diferença.
Por um lado, no que toca à sua estrutura, a compensação traz ao conhecimento, apreciação e julgamento do tribunal uma relação jurídica nova, distinta da relação material invocada pelo autor, e que apenas tem de comum com ela a identidade dos sujeitos; por outro lado, essa relação é funcionalmente invocada apenas com o fim de repelir, no todo ou em parte, a pretensão deduzida pelo autor.
No primeiro aspecto, a compensação assemelha-se à uma nova relação material, embora conexa com a que serve de base pedido formulado pelo autor; no segundo aspecto, a compensação identifica-se com a excepção peremptória, que também visa somente obter a improcedência total ou parcial da acção” – cfr. Pires de Lima/Antunes Varela, ob. cit. Pág. 121; também neste sentido, Manuel de Andrade, “Noções Elementares…”, pág. 130.
Como destaca o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.01.2011, in Processo n.º 2226/07 – 7TJVNF.P1.S1, www.dgsi.pt, “n[N]a sua essência, está a economia de meios jurídicos não obrigando por força de uma fonte obrigacional a uma prestação que teria, mais tarde, de ser repetida, por força de outra obrigação.
Ora, in casu, o que a A. pretende é o reconhecimento de que é titular, juntamente com o réu, seu filho, da conta de depósitos à ordem nº ...08, do Banco 1..., de ..., mas que apesar disso, os montantes que nela foram depositados são, na sua totalidade, rendimentos que só a si pertencem única e exclusivamente, inclusivé o montante de €7.400,00 alegadamente transferido a débito daquela conta da autora para crédito da conta do réu com o IBAN  ...23 do Banco 2..., S. A.
Por sua vez, em sede de contestação, contrariamente ao alegado pela A., o R. veio alegar que a referida conta também co-titulada pela sua esposa, era, e é, igualmente utilizada para depositar o dinheiro proveniente do salário do Réu, o dinheiro das rendas e pagamentos do Alojamento Local e para aforro do casal e que a A. mobilizou dessa mesma conta o montante total de €24.500,00 que não era da sua exclusiva titularidade, sendo igualmente propriedade do Réu e da sua esposa CC.
Face a essa alegada apropriação ilícita pede a condenação da autora, entre o mais, a restituir-lhe o montante de € 16.333,33, correspondente à diferença entre aquele valor e o que é peticionado pela A.
Daqui decorre que, aceitando o direito de crédito da A., se veio deduzir  contra ela reconvenção, por forma a operar, através dela, ainda que parcialmente, o seu alegado direito de crédito para extinguir a obrigação que venha a ser reconhecida à A.por via da acção.
De qualquer das formas, ainda a propósito da alínea a), do art. 266.º, do Cód. Proc. Civil, julgamos que importa  transcrever, o sumário do acórdão de 10.02.2020 da Relação do Porto [Processo n.º 426/13.0TBMLD-E.P1, Relator, Desembargador Jorge Seabra, dgsi], onde se escreveu que: “I - A conexão exigida para efeitos de admissibilidade da reconvenção traduz-se no justo equilíbrio entre os interesses da economia processual e da economia de meios – que postula a resolução de todos os eventuais litígios entre as partes através de um único processo e um único julgamento – e o interesse na ordenada tramitação do processo – acautelando o interesse do autor e do sistema judicial na obtenção tão célere quanto possível de uma decisão quanto a esse litígio. II - Para que a reconvenção seja admissível ao abrigo da al. a), do n.º 2 do artigo 266.º, do CPC, é necessário que o pedido reconvencional, enquanto pretensão material autónoma em face da pretensão do autor, tenha a mesma causa de pedir da acção ou decorra da causa de pedir (ato ou facto jurídico) que serve de fundamento à defesa do réu perante a pretensão deduzida pelo autor (...) IV - Ao nível da admissão processual da reconvenção não tem o julgador que fazer uma aturada indagação sobre o mérito da causa de pedir da reconvenção, sendo bastante que a mesma tenha, à luz das várias soluções plausíveis de direito, a virtualidade de reduzir, modificar ou extinguir a pretensão do autor”.
Termos em que se conclui ser admissível o pedido reconvencional formulado pelo R., tal como é configurada a acção e a reconvenção nos termos expostos, por se enquadrar, pelo menos, no disposto no art. 266.º, n.º 2, al. d), do C. P. Civil, com a consequente procedência da presente apelação e revogação da decisão recorrida em conformidade.
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V. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e, consequentemente, revoga-se a decisão recorrida, decidindo-se admitir o pedido reconvencional formulado pelo réu reconvinte.
Custas pela recorrida.
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Guimarães, 25.01.2024
(O presente acórdão foi elaborado em processador de texto pela primeira signatária, sem observância do novo acordo ortográfico, a não ser quanto a transcrições das partes que o tenham adoptado, e é por todos assinado electronicamente)