Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
958/23.1T8VCT.G1
Relator: ANIZABEL SOUSA PEREIRA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DA ALEGAÇÃO
REJEIÇÃO DE RECURSO
AÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
ACÇÃO DE DEMARCAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO DO RÉU IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Justifica-se a rejeição do recurso que impugna a decisão sobre matéria de facto verificada a falta de posição expressa, na motivação e nas conclusões, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação, sendo que em relação a esta questão surgiu recentemente o AUJ nº 12/2023, de 14.11 ( cfr. al. c) do nº1 do art. 640 do CPC).
II- Igualmente justifica-se tal rejeição do recurso que impugna a decisão sobre a matéria de facto quando o apelante não relacione o conteúdo específico do meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorretamente julgado e não explicite os motivos dessa imposição; especificação que, assim, não se cumpre, quando o recorrente alude genericamente aos depoimentos das testemunhas ( primeiro de algumas delas, depois de todas) sem se fazer qualquer correlação entre eles com os concretos pontos de factos impugnados ( cfr. al. b) do nº1 do art. 640º do CPC)
III- Toda a ação de reivindicação é uma ação de demarcação, quando se reivindica algo com uma certa demarcação, e toda a ação de demarcação é uma ação de reivindicação, quando se reivindica uma dada parcela como pertencente a um prédio.
IV- A reivindicação pode incidir sobre uma parcela que, segundo o reivindicante, pertence a um prédio que lhe pertence; quer dizer: o reivindicante pode alegar que o seu terreno não tem a área x, mas a área x+y e reivindicar apenas y.
Na ação de reivindicação pode não se discutir o título de aquisição alegado pelo reivindicante, mas precisamente o que, em termos de extensão do prédio, está abrangido por esse título; na ação de demarcação, pode-se discutir o título de aquisição alegado pelo autor que requer a demarcação e, mesmo quando não se discuta esse título, não deixa de se discutir o que está abrangido por esse título; efetivamente, não se imagina que o autor demarcante não invoque um qualquer título para justificar a demarcação que requer.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:
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I- RELATÓRIO ( que se transcreve):

AA, intentou a presente acção declarativa de condenação com processo comum contra BB, ambos melhor identificados nos autos, peticionando, a final, que se declare a Autora dona e legítima possuidora do prédio identificado no art.º 1º da p.i., com a área de 1.348,39 m2, e a configuração sombreada a cor ... na planta que se junta, se condene o Réu a reconhecer o referido direito, e a demolir o muro cuja construção iniciou no referido prédio, bem como a abster-se de violar o direito de propriedade da Autora sobre o prédio identificado.
Alega, em síntese, que é dona e legítima possuidora do prédio urbano composto de ..., ... andar e logradouro, situado na Rua ..., União de Freguesias ... e ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...87 e inscrito na respectiva matriz sob o art.º ...86, o qual adveio à sua posse e titularidade por escritura pública de habilitação e doações celebrada no dia 09/06/2020.
Acresce que, a Autora, há mais de 25 anos, por si e seus antecessores, encontra-se na posse pública, pacífica e continuada do prédio, com a configuração e delimitação assinalada a sombreado cor de laranja na planta junta.
Por sua vez, o Réu é dono e legítimo possuidor do prédio rústico composto de terreno de lavradio, sito no Lugar ..., União de Freguesias ... e ..., concelho ..., inscrito na matriz predial sob o art.º ...68 e descrito na CRP ... sob o nº ...24, o qual adveio à sua posse e titularidade através de doação efectuada por CC e DD.
O prédio da Autora e o prédio do Réu são contíguos e confinantes.
Acontece que, no dia 03 de Outubro de 2022, o Réu procedeu ao início da construção de um muro no logradouro do prédio da Autora, o qual foi embargado extrajudicialmente por ela, tendo os trabalhados sido parados quando o muro já tinha três fiadas de tijolos. O referido muro impede a Autora de aceder livremente e sem obstáculos a parte do logradouro pertencente ao seu prédio, local onde esta cultivava produtos hortícolas.
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Regularmente citado, o Réu contestou e deduziu reconvenção.
Alega, em suma, que os doadores antes de lhe doarem o prédio rústico de que é proprietário, procederam à rectificação de áreas para que não houvesse dúvidas quanto a limites e áreas do terreno doado. Posteriormente, em 2019, a antepossuidora DD, acompanhada da Requerente AA, promoveram nova rectificação de áreas com base em declarações falsas, fazendo tabua rasa das anteriores declarações, medições e plantas topográficas. 
Como o Réu sempre se deu bem com a doadora, sua tia DD, sempre consentiu que fosse continuando a cultivar o prédio.
Mais, alega que o prédio do Réu mantém a forma e a configuração que sempre teve, desde que lhe foi doado, há mais de 10 anos, não tendo sofrido qualquer alteração na sua área e configuração, de acordo com a planta junta como doc. nº .... Agiu sempre como proprietário, à vista de todos, pacificamente, e sem a oposição de quem quer que fosse, praticando todos os actos de posse, cuidando, limpando, pagando contribuições e impostos relativos ao prédio.
Peticiona, a final, que se declare que é dono e legítimo possuidor do prédio composto por terreno de lavradio, sito em ..., com a área de 2.254,00 m2, descrito na CRP ... sob o nº ...24 e inscrito na respectiva matriz sob o art.º ...68º, e se condene a Autora a reconhecer tal direito de propriedade, com as configurações e limites reclamados pelo Reconvinte, abstendo-se da prática de actos que ofendam ou prejudiquem a sua posse ou propriedade.
Mais, requer que a Autora seja condenada como litigante de má-fé.
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Notificada a Autora, deduziu réplica, alegando em suma, que a rectificação da área do prédio doado ao Réu para 2254 m2, resultou da actuação deste e de seu pai, EE, irmão da doadora, e em quem esta confiava, já que não sabe ler nem escrever, limitando-se a apor a sua impressão digital. Foi o identificado EE que fez constar a área de 2.254 m2, desconhecendo a doadora que tal área compreendia a parcela de terreno onde plantava os produtos hortícolas. Se a doadora soubesse que o prédio rústico que doou ao seu sobrinho incluía a parte de cultivo onde praticava a sua agricultura de subsistência jamais o teria doado.  A doadora nunca quis, nem teve intenção de doar um terreno de lavradio com tal área, com os limites e configuração que resultam da planta junta com a contestação.
Mais, alega que o Réu e o seu pai nunca puseram em questão que a referida DD e, posteriormente a Autora, cultivassem a parcela de terreno em apreço, nem nunca se arrogaram ou comportaram como donos ou legítimos possuidores de tal parcela de terreno. O Réu actuou com dolo porque convenceu a doadora que apenas estava a doar a parte assinalada a vermelho na planta junta com a petição inicial, o que esta aceitou, enganando-a quanto ao prédio que efectivamente doava.
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Findos os articulados, foi dispensada a audiência prévia e proferido despacho saneador, designando-se, de imediato, a audiência final.
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Realizou-se a audiência final com observância do formalismo legal.
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Após a competente audiência de julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo :
“Pelo exposto, decide-se julgar a presente acção totalmente procedente e, consequentemente:
- Declarar-se a Autora dona e legítima possuidora do prédio urbano composto de ..., ... andar e logradouro, sito na Rua ..., União das freguesias ... e ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...87 e inscrito na matriz sob o artigo ...86, com a área de 1.348,39 m2, e a configuração sombreada a cor ... na planta junta como doc. nº ... com a petição inicial.
- Condenar-se o Réu a reconhecer esse direito de propriedade da Autora, com a área de 1.348,39 m2 e a configuração sombreada a cor ... na planta junta como doc. nº ... com a petição inicial.
- Condenar-se o Réu a demolir o muro cuja construção iniciou no prédio urbano supra identificado.
- Condenar-se o Réu a abster-se de violar o direito de propriedade da Autora nos exactos termos definidos.

5.2. Julgar o pedido reconvencional parcialmente procedente e, consequentemente:
- Declarar-se que o Réu é dono e legítimo possuidor do prédio rústico composto de terreno de lavradio, sito em ..., União de freguesias ... e ..., a confrontar de norte e nascente com caminho público, de poente com AA e de sul com FF, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...24/..., e inscrito na matriz respectiva sob o artigo ...67;
- Condenar-se a Autora/Reconvinda a reconhecer a propriedade do Réu sobre o referido prédio.
Custas da acção e da reconvenção pelo Réu (art.º 527º, nº 1 e 2 do CPC). De facto, apesar do Réu ter obtido parcial vencimento da reconvenção, com o reconhecimento do direito de propriedade invocado, a Autora não impugnou o seu direito de propriedade mas apenas que o mesmo possua a configuração e área indicadas pelo Réu, e nessa parte o seu decaimento foi total.”.
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É desta decisão que vem interposto recurso pelo R, o qual terminou o seu recurso formulando as seguintes conclusões:
“1º
A presente acção é de demarcação do prédio, tal como vem descrita no artigo 1353º do Código Civil, pois supõe a certeza e indiscutibilidade dos títulos de propriedades confinantes, havendo apenas duvidas quanto aos limites dos mesmos.

Por isso, andou muito mal o Tribunal ao considerar esta uma verdadeira e típica acção de reivindicação, na medida em que a Autora pretende o reconhecimento do direito de propriedade sobre o referido prédio, incluindo da parcela de terreno onde o Réu mandou erigir um muro.

Por um lado, nem a Autora descreve de que modo é que o Réu ofende o seu direito de propriedade, não individualiza a parcela em litigio, nem o Tribunal consegue chegar a alguma conclusão a este respeito.

Por outro lado, considera o Tribunal que o Réu não questiona verdadeiramente o direito de propriedade da Autora.

Deste modo, devia o Tribunal ter decidido como se uma acção de demarcação se tratasse, tal como vem definida no artigo 1353º do Código Civil.

Por essa razão, está a douta sentença inquinada, desde logo, por uma contradição insanável que só pode conduzir à sua revogação e substituição por uma outra que julgue a acção improcedente e absolva o Réu do pedido.

Entende o apelante que, salvo devido respeito, ocorreram vários erros na decisão da matéria de facto.

Devem ser objecto de decisão diversa, concretamente os factos dados como provados nas alíneas m), n), o), p), q), r), s) e t):

De igual modo, e pelas mesmas razões, devem ser dados como provados os factos b), c), d), e), f) e g), da matéria de facto considerada não provada
Nestes termos, e ainda pelo que não deixará de ser proficientemente suprido, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, revogando-se a decisão recorrida, substituindo-a por uma outra que determine a alteração da matéria de facto provado, bem como o sentido que lhe foi dado, nos termos sobreditos, e a final seja a presente acção dada por não provada, e portanto improcedente, na totalidade, absolvendo o Réu do pedido, dando a reconvenção como procedente, por provada, fazendo deste modo o tribunal a mais que acostumada e esperada justiça.”
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A A apresentou contra-alegações e concluiu nos seguintes termos ( que se transcreve):

“1. Com o recurso interposto pretende o Recorrente ver revogada a sentença proferida em primeira instância e a mesma substituída por outra que veja a ação instaurada pela Recorrida julgada não provada e procedente e o seu pedido reconvencional julgado totalmente procedente, invocando, para o efeito, contradição insanável no tipo de ação instaurada (que supostamente deveria ser de demarcação de estremas e não de reivindicação) e impugnando a matéria de facto.
2. Inexiste qualquer contradição insanável no tipo de ação instaurado pela Recorrida, pois que, para que esta instaurasse uma ação de demarcação teria que se verificar a inexistência, incerteza, controvérsia ou tão só desconhecimento sobre a localização da linha divisória, entre o seu prédio melhor descrito no artigo 1º da petição inicial e o prédio do Réu, ora Recorrente, melhor descrito no artigo 13º da petição inicial, situação que não está em discussão nos presentes autos.
3. De facto, a Recorrida, não instaura a presente ação por se verificar inexistência, incerteza, controvérsia ou tão só desconhecimento sobre a localização da linha divisória entre os referido prédios, mas porque o Réu, ora Recorrente ofendeu a sua propriedade e a sua posse, quando iniciou a construção de um muro, no prédio melhor identificado no artigo 1º da petição inicial, de que é proprietária.
4. A causa de pedir da Recorrida é assim o ato ou facto jurídico concreto que gerou o direito de propriedade (ou outro direito real – cfr art. 1315º, do C. Civil) na esfera jurídica do peticionante e, ainda, os factos demonstrativos da violação desse direito, a qual encontra enquadramento jurídico na ação de reivindicação, de que aquela lançou mão (e não na ação de demarcação de estremas)
5. Por outro lado, ao impugnar a matéria de facto o Recorrente tenta pôr em causa as alíneas m), n) o), p), q) r), s) e t) dos factos provados e as alíneas b), c), d) e) f) e g) dos factos não provados nas suas alegações de recurso, mas não concretiza que resposta pretende ver dadas aos mesmos, limitando-se a impugná-los.
6. Ora, o Recorrente ao impugnar os referidos factos deve, obrigatoriamente, especificar, sob pena de rejeição, as decisões que, no seu entender, devem ser proferidas sobre as questões de facto impugnadas, o que, in casu, não se verifica, devendo as mesmas ser rejeitadas de harmonia com a al. c) do nº 1 do artigo 640º do CPC.
7. Alega o Recorrente que os doadores aquando da doação do prédio ao Reu declararam perante Notário, numa escritura pública, que como resulta da leitura, lhes foi lida e explicada, pessoalmente, e que faz prova plena, que o prédio tinha a área de 2.254m2, tinha aquelas características e configuração, o que não foi contestado, nem oposto alguma reserva.
8. Sucede que, a escritura pública faz prova plena do facto de que as declarações dela constantes foram efetuadas, por via da força probatória do documento autêntico, mas tal força probatória não abrange a realidade material do declarado, se tal realidade for impugnada, como se verifica no presente caso.
9. Pois que a presunção resultante do registo, mais concretamente do artigo 7º do Código de Registo Predial, deixa de fora quer a área, quer as confrontações do prédio – cf Ac. Do TRP no processo nº 4514/12.TBVFR.P1, proferido a 14.01.2014, e Ac. do STJ no processo nº 555/2002.E2.S1, de 27 de Março de 2014 e Ac. do STJ proferido no processo nº 272/17.1T8BGC.G1.S2, a 10 de Setembro de 2019, todos publicados in www.dgsi.pt
10. Acresce que, o Recorrente pretende ainda alterar a matéria de facto dada como provada e não provada, mas não fundamenta, nem especifica os meios probatórios em que assenta tais alegações, mormente, as gravações, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
11. Ora, de harmonia com a al. b) do nº 1 do artigo 640º do CPC quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, o que, in casu, não se verifica.
12. Deste modo, devem ser rejeitadas as alterações peticionadas às respostas dadas nas alíneas m), n) o), p), q) r), s) e t) dos factos provados e nas alíneas b), c), d) e) f) e g) dos factos não provados, de harmonia com a al. b) do nº 1 do artigo 640º do CPC - Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra no processo nº 52/12.0TBMBR.C1, publicado in www.dgsi.pt.
13. Assim, as respostas dadas à matéria de facto encontram-se corretas, pois traduzem a realidade dos factos e resultam quer dos depoimentos prestados pelas testemunhas DD, GG, FF, HH, II, JJ e EE na audiência de julgamento, quer da prova documental existentes nos autos, quer da perceção da Mma Juiz “a quo” aquando da deslocação do Tribunal ao local aquando da realização da audiência de discussão e julgamento, tudo aliado com as regras da experiência comum e normalidade social.
14. Ora, do depoimento das testemunhas nas quais a Mma Juiz a quo acreditou e deu total credibilidade, DD, HH, II e JJ, resulta, de forma clara e inequívoca, a prova da matéria de facto constante das alíneas m), n) o), p), q) r), s) e t) dos factos provados e a contraprova da matéria de facto constante das alíneas b), c), d) e) f) e g) dos factos não provados
15. Neste contexto, salvo melhor e mais douto entendimento, não existe fundamento para alterar as respostas dadas nas alíneas m), n) o), p), q) r), s) e t) dos factos provados e nas alíneas b), c), d) e) f) e g) dos factos não provados, pela Mma Juiz do Tribunal “a quo”.
16. Face à não alteração da matéria de facto, o que se espera, fica prejudicada a alteração da matéria de direito, que naquela assenta.
17. Neste contexto, a douta decisão recorrida quer no tocante à decisão da matéria de facto quer quanto à decisão de mérito, encontra-se correta e doutamente fundamentada e não é passível de qualquer reparo ou censura, pelo que, deve ser mantida inalterada a douta decisão recorrida.”
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O recurso foi admitido como apelação, com subida nos próprios autos e com efeito devolutivo.
O recurso foi recebido nesta Relação, considerando-se devidamente admitido, no efeito legalmente previsto.

Assim, cumpre apreciar o recurso deduzido, após os vistos.

II- FUNDAMENTAÇÃO


As questões a decidir no presente recurso, em função das conclusões recursivas e segundo a sua sequência lógica, são as seguintes:


I - saber se a sentença é nula;
II- Apreciar o cumprimento do ónus de impugnação de facto;
III - saber se a matéria de facto deve ser alterada.
IV- E, como consequência, se deve ou não ser mantida a decisão recorrida.
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III- Para a apreciação das questões elencadas, é importante atentar na matéria que resultou provada e não provada, que o tribunal recorrido descreveu nos termos seguintes:

3.1. Factos provados

a) Por escritura pública de “habilitações e doações” celebrada no dia 09 de Junho de 2020, exarada a fls. 84 a 88 do Livro de Notas para Escrituras Diversas nº ...50... do Cartório Notarial de KK, sito na Rua ..., ..., em ..., DD, declarou doar a AA, para além do mais,  “o prédio urbano composto de ..., ... andar, com cento e nove vírgula sessenta e um metros quadrados, anexo com cento e quatro vírgula quarenta e oito metros quadrados, e logradouro, sito no Lugar ..., ..., União das freguesias ... e ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...87 e inscrito na matriz sob o artigo ...86” (cfr. cópia da escritura pública junta como doc. nº ... com a p.i.).
b) O referido prédio encontra-se inscrito na Conservatória do Registo Predial a favor da Autora, através da Ap. ...19 de 2020/06/23 (cfr. descrição predial junta como doc. nº ... com a p.i).
c)  O prédio identificado tem a delimitação e a configuração assinalada e sombreada a cor ... na planta anexa à petição inicial como doc. ... e tem a área total exata e correta de 1.348,39 m2, da qual 214,09m2 correspondem a área coberta (implantação) e 1.134,30 m2 a área descoberta.
d) Desde há mais de 1, 5, 10, 15, 20, 25 e mais anos que a Autora, por si e seus antecessores, nomeadamente a referida DD, se encontram na posse do prédio supra identificado, com a configuração e delimitação assinalada a sombreado de cor ... na planta junta como doc. ... com a petição inicial e com a sua área total de 1.348,39m2, fazendo todas as suas obras de conservação e reparação e a respetiva limpeza, a limpeza e manutenção da parte cimentada do referido logradouro, e ara, sacha e rega a parte em terra do referido logradouro, onde cultiva produtos hortícolas e recolhe os frutos das árvores que aí estavam plantadas (uma laranjeira e uma oliveira).
e)  Atos esses que a Autora pratica, à vista de toda a gente, de forma regular, diariamente, sem oposição de quem quer que seja e com o animus de quem exerce um direito próprio - o direito de propriedade.
f) Por escritura pública de “Justificação e Doação” outorgada no dia 05 de Julho de 2011, exarada a fls, 103 a 105 verso do Livro de Notas para Escrituras Diversas nº ...52..., do Cartório Notarial de LL, sito em ..., MM e DD declararam, para além do mais, doarem ao Réu, “o prédio rústico, composto de terreno de lavradio, sito no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ...67(…) com a área de dois mil duzentos e cinquenta e quatro metros quadrados, a confrontar de norte e nascente com caminho público, do sul e poente com BB, descrito na CRP ... sob o nº ...24/....” (cfr. cópia da escritura junta como doc. nº ... junto com a petição inicial e doc. nº ... junto com a contestação).
g) Os prédios da Autora e do Réu, identificados, respectivamente, nas als. a) e f) destes factos são contíguos, sendo que o prédio da primeira confina pelo seu lado nascente com o prédio do segundo.
h)  No dia 3 de Outubro de 2022, da parte da manhã, trabalhadores da construção civil, a mando do Réu iniciaram a execução de um muro no logradouro do prédio desta, mais concretamente no local assinalado a linha roxa na planta anexa como documento ... com a petição inicial.
i) Após a Autora ter ordenado que parassem os trabalhos, e como aqueles não acataram a ordem, a Autora chamou a GNR, que chegou ao local por volta da 10:00, e tomou conta da ocorrência.
j)  Após a GNR sair, e como os três trabalhadores continuaram a executar a obra, a Autora ainda nesse dia, embargou extrajudicialmente a obra, tendo os trabalhos sido interrompidos quando o muro tinha três fiadas de tijolo, com 0,90 metros de altura de 17 metros de extensão.
k) A obra executada impede a Autora de aceder livremente e sem obstáculos a parte do logradouro que a esta pertence, mais concretamente, à parte sombreada a cor ..., que se situa a nascente da linha roxa da planta que se junta como doc. .... e que esta sachava, arava, regava e plantava cultivava produtos hortícolas (batatas, feijão, cebola, alho francês e courgette, entre outros) até ao dia ../../2022.
l) A Autora deu entrada com procedimento cautelar de ratificação de embargo extrajudicial de obra nova que deu origem ao processo nº 3324/22...., e correu termos pelo Juiz ..., do Juízo Local Cível do Tribunal da Comarca de Viana do Castelo contra o Réu, o qual terminou com transação no dia 22 de Novembro de 2022, tendo sido acordado por Autora e Réu, que o muro em apreço ficaria no estado em que se encontrava à data do embargo extrajudicial e que remetiam para a ação principal a propor a definição dos direitos em discussão em tais autos, mormente no que respeita aos limites dos prédios em confronto (cfr. doc. nº ...4 junto com a petição inicial).
m) A referida DD quando doou, com o seu falecido marido, o prédio ao Réu, reservou para si o prédio identificado na al. a) destes factos não só com a casa de habitação para nela habitar, como ainda com o logradouro, quer na parte cimentada, quer ainda na parte em terra ou de cultivo.
n) Sendo que, em momento algum doou, ou quis doar ou teve intenção de doar ao Réu a parte em terra ou de cultivo do prédio identificado na al. a) destes factos, concretamente, a área a nascente do muro que aquele começou a erigir no dia 3 de Outubro de 2022, e com os limites e configuração que constam da planta junta como doc. nº ... com a contestação. 
o) Era nessa parcela de terreno que a referida DD plantava os seus produtos hortícolas para sua alimentação e subsistência (batatas, feijão, cebola, alho francês e courgette, entre outros).
p) Os doadores apenas quiseram doar ao Réu o terreno de lavradio com a área e configuração assinalada a cor vermelha na planta junta como doc. nº ... com a petição inicial.
q) Somente em 2019, quando perfez 85 anos e já não se encontrava capaz de cultivar tal terreno, devido à sua idade avançada e às numerosas complicações de saúde que tinha (como tem), nomeadamente, diabetes, doou-o à Autora para que esta dele cuidasse e continuasse a praticar a agricultura de subsistência no mesmo.
r) O Réu bem sabia, como sabe, que tal logradouro não lhe pertence.
s) Após a doação que lhe foi feita em 2011 pela referida DD, o Réu nunca ocupou ou cultivou o prédio doado.
t) Nunca o Réu arou, sachou, regou, plantou, cultivou, ocupou seja de que forma fosse a área do logradouro a nascente do muro que começou a erigir assinalada a cor de laranja na planta que se junta sob o nº 4.
u) Em 05/11/2014 foi apresentado na ... Conservatória do Registo Predial ... um pedido de rectificação de áreas do prédio urbano identificado na al. a) destes factos provados, indicando-se como área total de 559 m2 (140,75 m2 de área coberta e 418,25m2 de área descoberta), rectificação efectuada com base num levantamento topográfico, a qual foi averbada na respectiva Conservatória do Registo Predial, através da Ap. ...56 de 2014/11/05 e que foi corrigida através da Ap. ...25 de 2019/11/22, e na respectiva matriz predial.
w) Em 22/11/2019 foi apresentado na ... Conservatória do Registo Predial ..., um pedido de averbamento da rectificação da descrição em que foi declarado o seguinte: “Declara-se complementarmente que o prédio possui como sempre possuiu a área de 1.348,39 m2, e não apenas 559 m2, como consta da sua descrição predial, sendo tal divergência explicada por erro de medição erradamente corrigido em 05/11/2014, por incorrecto apontamento de extremas por parte do proprietário que levou a erro no levantamento topográfico, então efectuado, como atesta técnico que o efectuou, na declaração anexa, sendo certo que o mesmo nunca foi objecto de qualquer anexação ou alteração dos seus limites, ou qualquer outro facto que modificasse a sua configuração física ou a situação jurídica, estando matricialmente já rectificado, pelo que actualmente a sua descrição se compõem dos seguintes elementos identificação: Prédio urbano, sito em ..., Rua ..., composto de edifício de ..., ... andar, anexo e logradouro, s.c. 214,09 m2, sendo 109,61 m2 da casa, e 104,48 m2 dos anexos e logradouro, com 1.134,30m2, art.º 186, União de Freguesias ... e ....”
v) O referido pedido de rectificação foi acompanhado com uma declaração do técnico que elaborou o levantamento topográfico que instruiu o pedido de rectificação apresentado no dia 05/11/2014, em que declara que “as áreas constantes do levantamento topográfico efectuado em 14 de Outubro de 2014, se encontram erradas, devido a um incorrecto apontamento das extremas, por parte do proprietário, referente ao art.º ...6º urbano, da extinta freguesia ..., actualmente artigo ...86 urbano, da União de Freguesias ... e ..., concelho ..., pelo que solicita que o mesmo seja considerado sem efeito.”

2.2. Factos não provados

a) Os doadores procederam à rectificação de áreas dos prédios urbano e rústico identificados nas als. a) e f) dos factos provados previamente à doação realizada a favor do Réu.
b) O Réu, porque se dava bem com a tia e lhe estava profundamente grato e reconhecido, enquanto não amealhou dinheiro suficiente para construir a sua casa de habitação, sempre consentiu que a sua tia fosse continuando a cultivar o prédio, ao mesmo tempo que cuidava do mesmo.
c) A antepossuidora DD é pessoa acamada que se encontra na total dependência da Autora, sendo esta que controla todos os aspectos da sua vida, e até quem a visita, há mais de 5 anos.
d) DD doou o prédio urbano à Autora numa situação de especial vulnerabilidade e dependência em relação àquela.
e) O prédio do Réu/Reconvinte tem a configuração constante da planta junta como doc. nº ... com a contestação.
f) O prédio rústico do Réu tem a área real de 2254 m2.
g) O Réu/Reconvinte sempre praticou todos os actos de posse, cuidando, limpando pagando as contribuições e impostos em relação ao prédio rústico com a configuração assinalada na planta junta como doc. nº ... com a contestação, agindo como proprietário, à vista de todos, e sem oposição de quem quer que seja.
h) A Autora/Reconvinda assumiu uma postura de litigância gratuita, procurando locupletar-se à custa do Réu/Reconvinte, bem sabendo que reclama um prédio que não lhe pertence.
i) O Réu/Reconvinte e o seu pai, previamente à escritura de doação do prédio rústico, alteraram a respectiva área e mantiveram em erro a referida DD.
j) O Réu induziu erro a doadora DD na mencionada escritura de doação quanto à área do prédio doado.
*
IV-
I- Da nulidade da sentença:

O recorrente nas conclusões 1 a 6 sustenta que a sentença “está inquinada, desde logo, por uma contradição insanável”, porquanto entende que o Tribunal deveria ter decidido como se uma ação de demarcação se tratasse, tal como vem definida no artigo 1353º do Código Civil, mas considerou tratar-se de verdadeira e típica ação de reivindicação, “na medida em que a Autora pretende o reconhecimento do direito de propriedade sobre o referido prédio, incluindo da parcela de terreno onde o Réu mandou erigir um muro; e  por um lado, nem a Autora descreve de que modo é que o Réu ofende o seu direito de propriedade, não individualiza a parcela em litigio, nem o Tribunal consegue chegar a alguma conclusão a este respeito; por outro lado, considera o Tribunal que o Réu não questiona verdadeiramente o direito de propriedade da Autora.”
Apesar de não o qualificar, trata-se de verdadeira arguição de nulidade da sentença.
Dispõe o Artigo 615º, nº1, alínea c), que é nula a sentença “quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão…”
Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica pelo que se, na fundamentação da sentença, o julgador segue determinada linha de raciocínio apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decide em sentido divergente, ocorre tal oposição – cfr. Acórdãos da Relação de Coimbra de 11.1.94, Cardoso Albuquerque, BMJ nº 433, p. 633, do STJ de 13.2.97, Nascimento Costa, BMJ nº 464, p. 524 e de 22.6.99, Ferreira Ramos, CJ 1999 – II, p. 160.
Realidade distinta desta é o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou erro na interpretação desta, ou seja, quando – embora mal – o juiz entenda que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação ou dela decorre, o que existe é erro de julgamento e não oposição nos termos aludidos – cfr. Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum, 2000, pg. 298.
Por outras palavras, se a decisão está certa, ou não, é questão de mérito e não de nulidade da mesma – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8.3.2001, acessível em www.dgsi.jstj/pt.
No caso vertente, a sentença considerou que a ação procedeu porque a autora teve sucesso na prova da sua alegação de que parte do seu prédio tem uma exata correspondência por forma a se concluir que houve invasão do seu terreno pelo R., pelo que a configurou como ação de reivindicação.
Assim sendo, não vislumbramos qualquer contradição insanável, conforme alegação do recorrente.
Com efeito, na ação de reivindicação pode não se discutir o título de aquisição alegado pelo reivindicante, mas precisamente o que, em termos de extensão do prédio, está abrangido por esse título.
É o que ocorre no caso sub judicio.
Daí se poder dizer que a ação dos autos contém uma ação de reivindicação como dito pelo tribunal a quo, mas não se fica por aí na medida em que tem latente um conflito relativo à delimitação da coisa reivindicada. As partes até estão ab initio de acordo em que a autora é dona de determinado prédio inscrito na matriz (e o R. é proprietário do prédio confinante e registado na CRP) . A sua discordância refere-se à configuração desse prédio, que confina com o do réu, pelo que a discórdia respeita à linha de fronteira. O pedido que a autora formula” – “ se declare a Autora dona e legítima possuidora do prédio identificado no art.º 1º da p.i., com a área de 1.348,39 m2, e a configuração sombreada a cor ... na planta que se junta,”– exige a demarcação do dito prédio.
Agora o alegado pelo recorrente, a respeito da fundamentação poderá, outrossim,  em abstrato, configurar um erro de julgamento, mas nunca uma contradição, pelo que se conclui que a nulidade invocada não se verifica.

II –Apreciar sobre o (in)cumprimento do ónus de impugnação de facto:

Suscitou a apelada a questão da rejeição da impugnação da matéria de facto por o apelante não ter dado cumprimento à alínea c) do nº1 do art. 640º do CPC, porquanto “  não concretiza que resposta pretende ver dadas aos mesmos, limitando-se a impugná-los” e ainda por o apelante não ter dado cumprimento à alínea b) do nº1 do art. 640º do CPC, porquanto “pretende ainda alterar a matéria de facto dada como provada e não provada, mas não fundamenta, nem especifica os meios probatórios em que assenta tais alegações, mormente, as gravações, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”.

O artigo 640.º CPC, sob a epígrafe Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, dispõe:

1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;(…)
As consequências do incumprimento dos ónus previstos na alínea a) do n.º 2 do artigo 640.º CPC tem sido objeto de larga discussão na jurisprudência, como nos dão conta os acórdãos do STJ, de 15.02.2018, Tomé Gomes, in dgsi.pt.de 2015.11.26, e ainda de António Leónidas Dantas, www.dgsi.pt.jstj, proc. 291/12.4TTLRA.C1.S1, e de 2015.10.29, Lopes do Rego, www.dgsi.pt.jstj, proc. 233/09.4TBVNG.G1.S1.

Deste último destacamos as seguintes passagens que sintetizam aquela que consideramos ser a melhor doutrina nesta matéria: “ Percorrendo, deste modo, os regimes processuais que têm vigorado quanto a este tema, é possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação - que tem subsistido sem alterações relevantes; e um ónus secundário – tendente, não tanto a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida – que tem oscilado, no seu conteúdo prático, ao longo dos anos e das várias reformas – indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização das passagens da gravação relevantes.
Ora, se é certo que – relativamente ao cumprimento de tais ónus, primário e secundário – não se permite a formulação de um sistemático convite ao aperfeiçoamento de eventuais deficiências, não poderá deixar de ser avaliada diferentemente a falha da parte consoante ocorra num ou noutro âmbito: como é óbvio, a ausência de objecto delimitado e de fundamentação minimamente concludente da impugnação deduzida deverá ditar, de forma inevitável e em termos proporcionais, a liminar rejeição do recurso quanto à matéria de facto.
Pelo contrário, o incumprimento do referido ónus secundário, tendente apenas a facilitar a localização dos depoimentos relevantes no suporte técnico que contem a gravação da audiência, deverá ser avaliado com muito maior cautela: é que, por um lado, o conceito usado pela lei de processo (exacta indicação das passagens da gravação) é, até certo ponto, equívoco, pressupondo a necessidade de distinguir entre a (insuficiente) mera indicação e a indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados; por outro lado, por força do princípio da proporcionalidade, não parece justificável a imediata e liminar rejeição do recurso quando – apesar de a indicação do recorrente não ser, porventura, totalmente exacta e precisa - não exista dificuldade relevante na localização pelo Tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado (…).
Saliente-se que, na interpretação da norma que consagra este ónus de indicação exacta a cargo do recorrente que impugna prova gravada, não pode deixar de se ter em consideração a filosofia subjacente ao actual CPC, acentuando a prevalência do mérito e da substância sobre os requisitos ou exigências puramente formais, carecidos de uma interpretação funcionalmente adequada e compaginável com as exigências resultantes do princípio da proporcionalidade e da adequação - evitando que deficiências ou irregularidades puramente adjectivas impeçam a composição do litígio ou acabem por distorcer o conteúdo da sentença de mérito, condicionado pelo funcionamento de desproporcionadas cominações ou preclusões processuais”.
Vejamos o caso sub judicio.
Nas conclusões 7ª a 9ª , o recorrente impugna de facto, não concordando quer com a resenha dos factos provados quer não provados.
Conclui, assim, que :”- devem ser dados como provados os factos b), c), d), e), f) e g), da matéria de facto considerada não provada”;
- “Devem ser objeto de decisão diversa, concretamente os factos dados como provados nas alíneas m), n), o), p), q), r), s) e t)”.

Em relação a estes últimos pontos impugnados e dados como provados, o apelante, nem nas conclusões nem nas alegações, indica a decisão alternativa.
Ora, a respeito, o AUJ nº 12/2023, de 14.11, veio consagrar jurisprudência uniformizada nos seguintes termos:
“ Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.”.
O mesmo será dizer que não resultando quer das conclusões, quer das alegações a decisão alternativa, não cumpre o apelante o ónus imposto pelo art. 640,nº1, al. c) do CPC.

Com efeito, o recorrente que pretenda impugnar, com sucesso, a decisão sobre matéria de facto com fundamento em erro de julgamento, tem de cumprir (“sob pena de rejeição”) vários ónus de especificação que podem ser assim enunciados[i] (artigo 640.º, n.º 1, do Código de Processo Civil):
- especificação dos concretos pontos de facto que considera terem sido incorretamente julgados pelo tribunal recorrido, obrigação que só se satisfaz com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida;
-indicação das concretas provas (constantes do processo ou que nele tenham sido registadas) que impõem decisão diversa da recorrida, ónus que se cumpre com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe outra decisão;
- indicação da decisão (diversa da recorrida) que, no seu juízo, se impõe quanto a cada um dos pontos de facto que considera mal julgados.
E decorrente da imposição de tais ónus, tende hoje a consolidar-se e a tornar-se pacífico o entendimento de que a rejeição do recurso que impugna a decisão sobre matéria de facto só se justifica verificada alguma destas situações:
- falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto [artigos 635.º, n.º 4, e 641.º, n.º 2, al. b), de CPCivil];
- falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados [artigo 640.º, n.º 1, al. a), do CPCivil], pela importante função delimitadora do objecto do recurso que essa especificação desempenha;
- falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados;
- falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
- falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação, sendo que em relação a esta questão surgiu recentemente o aludido AUJ nº 12/2023, de 14.11.
Por tudo, rejeita-se a impugnação a respeito daqueles pontos provados- nas alíneas m), n), o), p), q), r), s) e t- e a que não foi dado cumprimento ao referido ónus imposto pela alínea c) do nº1 do art. 640º do CPC.
E o que dizer dos pontos não provados- factos b), c), d), e), f) e g)- e que pretende ver provados?
Para o efeito, o apelante convoca a alusão genérica do depoimento das testemunhas FF, NN e EE, alegando apenas que “ foram determinantes, não tendo havido qualquer contradição ou incongruência entre os mesmos, e dada a proximidade que têm com o Réu e que tiveram com a sua tia doadora, aqui testemunha, DD, acompanharam de perto todo o processo, e demonstraram saber que o Réu, conforme confessou, nunca se opôs a que a tia continuasse a cultivar uma parte do terreno, ou todo o terreno caso assim o entendesse, e não apenas aquela parcela; E nem o depoimento das testemunhas arroladas pela Autora são suficientes para contradizer, pois não é possível extrair dele qualquer conclusão que seja incompatível com o que foi alegado pelo Réu.”.
Ora, o recorrente também, neste caso, não cumpre outro dos ónus supra referido, qual seja, a falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados que impunham decisão diversa da recorrida, nomeadamente não indica sequer um resumo do depoimento de cada uma das testemunhas, pois que nem sequer se reporta às gravações, concluindo apenas que aquelas testemunhas acompanharam todo o processo e tinham conhecimento direto dos factos, sem sequer aludir à razão de ciência concreta com referências pessoais, por exemplo conhecimento direto porque viram ou assistiram a quê?
Na verdade, o recorrente não podia limitar-se a afirmar, como o fez  que  aqueles depoimentos daquelas testemunhas genericamente “foram determinantes, não tendo havido qualquer contradição ou incongruência entre os mesmos”.
E convoca o depoimento genérico daquelas testemunhas para concluir que réu nunca se opôs a que a tia continuasse a cultivar uma parte do terreno.
Acresce dizer ainda que alega genericamente que “ o depoimento de todas as testemunhas, quer as arroladas pela Autora, quer as arroladas pelo Réu, foram unânimes em declarar que a doadora DD, além de ser uma pessoa de idade avançada, é uma pessoa que perdeu autonomia, dependendo do auxilio de terceiros, de mobilidade reduzida e incapaz de concretizar as mais elementares tarefas do dia a dia, sendo que já se encontrava nessa situação quando fez a escritura de doações em 2019, justamente quando doou o prédio urbano à Autora”.
Conclui ainda que “ não há elementos juntos ao processo que desmintam que o prédio não tem a área que o Réu alega diz ter, concretamente 2.254,00m2, ou que o Réu não praticou todos os actos de posse sobre o terreno, comportando-se como verdadeiro dono que é, que pagou os impostos relativos a um prédio localizado naquele local, com a área, composição e confrontações que vêm alegadas no seu pedido reconvencional.”.
Ou seja, tudo considerações gerais dos meios de prova produzidos, sem concretizar a que factos se refere e sem criticamente analisar a conjugação da prova, de molde a colocar em causa a convicção do tribunal, a que aliás se reporta apenas para apontar sobre a credibilidade ponderada pelo juiz a quo quanto às testemunhas da autora e falta de credibilidade das testemunhas do réu, e de igual modo, genericamente.
Ou seja, exige-se-lhe que relacione o conteúdo específico do meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorretamente julgado e que explicite os motivos dessa imposição. É essa explicitação que constitui o cerne do dever de especificação e ainda com referências concretas aos depoimentos de cada testemunha.
Especificação que, assim, não se cumpre, quando o recorrente alude genericamente aos depoimentos das testemunhas ( primeiro de algumas delas, depois de todas) sem se fazer qualquer correlação entre eles com os concretos pontos de factos impugnados.
Como assim, rejeita-se a impugnação da matéria de facto relativamente aos citados pontos factuais.
*
Considerando que não houve nenhuma alteração introduzida na decisão relativa à matéria de facto, a factualidade a atender para efeito da decisão a proferir é a já constante de III.
*
V. Reapreciação de direito.

Como resulta das conclusões do recurso do R/apelante, a alteração da decisão, na parte da matéria de direito, dependia, essencialmente, da modificação/alteração da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal a quo.
Contudo, como já se viu, considerou este tribunal da Relação ser de rejeitar o recurso na parte referente à reapreciação da decisão da matéria de facto, razão pela qual não se introduziram modificações nas respostas que foram dadas pela primeira instância aos concretos pontos de facto impugnados pelo R/apelante.
O réu/apelante sustenta, igualmente e como já se referiu supra, que o Tribunal deveria ter decidido como se uma ação de demarcação se tratasse, tal como vem definida no artigo 1353º do Código Civil, mas considerou tratar-se de verdadeira e típica ação de reivindicação, “na medida em que a Autora pretende o reconhecimento do direito de propriedade sobre o referido prédio, incluindo da parcela de terreno onde o Réu mandou erigir um muro; e  por um lado, nem a Autora descreve de que modo é que o Réu ofende o seu direito de propriedade, não individualiza a parcela em litigio, nem o Tribunal consegue chegar a alguma conclusão a este respeito; por outro lado, considera o Tribunal que o Réu não questiona verdadeiramente o direito de propriedade da Autora.”.
Nas contra-alegações, a A/recorrida sustenta que “ a ora Recorrida, não instaura a presente ação por se verificar inexistência, incerteza, controvérsia ou tão só desconhecimento sobre a localização da linha divisória entre os referido prédios, mas porque o Réu, ora Recorrente ofendeu a sua propriedade e a sua posse, quando iniciou a construção de um muro, no prédio melhor identificado no artigo 1º da petição inicial, de que é proprietária; a causa de pedir da Autora, ora Recorrida, é assim o ato ou facto jurídico concreto que gerou o direito de propriedade (ou outro direito real – cfr art. 1315º, do C. Civil) na esfera jurídica do peticionante e, ainda, os factos demonstrativos da violação desse direito e não a existência de prédios confinantes, pertencentes a proprietários distintos, cujas estremas são duvidosas ou se tornaram duvidosas, e que encontra enquadramento legal no artigo 1353º do Código Civil.”; por outro lado, a autora provou os factos alegados, nesse particular.
Vejamos.
Nem sempre é fácil distinguir uma ação de reivindicação de uma ação de demarcação. Ambas são destinadas à defesa da propriedade e, muitas vezes, fundem-se num mesmo processo sendo esse, aliás, o caso nos presentes autos.
Na ação de reivindicação o proprietário exige judicialmente o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição da coisa (art. 1311 do CC); discute-se a titularidade. Pressupõe, logicamente, que a coisa esteja devidamente identificada e que não haja litígio relativamente à sua delimitação. Na ação de demarcação, o dono pede que se fixem as fronteiras relativamente aos prédios confinantes; discute-se a extensão.
Quando nenhum dos proprietários confinantes afirma saber os limites dos seus prédios, só lhes resta a ação de demarcação. Quando os proprietários confinantes pensam saber os limites dos respetivos prédios, mas estão em desacordo quanto a esses limites, podem gizar a ação como de reivindicação ou como de demarcação. Se a configurarem como de reivindicação, terão, ainda assim, de fazer prova de factos próprios da ação de demarcação. Visando objetivos e tendo fundamentos distintos, sucede com frequência embrenharem-se num mesmo processo, como se passa no caso sub judice.
A dificuldade de estabelecer fronteiras entre os dois tipos de ações é recorrente e ressalta em vários arestos como se exemplifica em seguida.
-Ac. TRC de 29/04/2014, proc. 289/12.2TBMGL.C1:
«III - A doutrina e a jurisprudência sempre procuraram diferenciar as acções de reivindicação das acções de demarcação, encontrando diversos critérios distintivos, revelando-se esclarecedora a expressão de que na ação de reivindicação há um conflito acerca do título, enquanto na demarcação há um conflito entre prédios, o que significa que a ação de reivindicação será a adequada quando a questão respeite à titularidade de um prédio, e a de demarcação quando a questão respeite, já não à titularidade, mas à extensão do prédio.
IV - Tendo presente esta distinção, a jurisprudência tem, maioritariamente, sustentado que não é impeditiva da propositura de uma ação de demarcação entre dois prédios a decisão anterior de uma ação de reivindicação proposta pelo proprietário de um desses prédios contra o proprietário confinante, relativa a uma faixa de terreno situada na zona de confrontação dos prédios
-Ac. TRG de 01/06/2005, proc. 980/05-2:
«1. Nas acções de demarcação, a causa de pedir é complexa e constituída pelas circunstâncias da existência de propriedade confinante, e de estremas incertas ou discutidas. Embora conexa com um direito das coisas, a ação de demarcação não é uma ação real, mas pessoal.
2. A qualidade de proprietário de um terreno, invocado pelo autor numa ação em que pede a fixação das respetivas estremas, é apenas condição da sua legitimidade para tal ação, da qual não é causa de pedir o facto que originou o invocado direito de propriedade.
(…)
7. Nem sempre é fácil distinguir a ação de reivindicação da ação de demarcação, porque, em qualquer dos casos, se discute uma questão de domínio, relativamente a uma faixa de terra. Mas, “grosso modo”, na primeira daquelas acções, está em causa o próprio título de aquisição; na outra, discute-se a extensão do prédio possuído. O disposto no próprio art. 1.354° do Cód. Civil só funciona se o litígio se limitasse a um acerto de estremas sem pôr em causa os títulos de aquisição dos prédios confinantes
-AC do STJ de 09.10.2016; relator: Dr. Alves Velho:
Na reivindicação, se o autor prova os limites que alega vê reconhecido o direito sobre a parcela na sua totalidade (ganha tudo). Se não prova, o litígio mantém-se, pois fica sem se saber quais são os limites (não ganha nem perde); - na demarcação, diferentemente, o autor indica os limites que entende mas sujeita-se a um resultado que pode ou não coincidir com a linha proposta, podendo obter total ou parcial ganho da causa ou nenhum.
A demarcação não visa a declaração do direito real, mas apenas pôr fim a estado de incerteza sobre o traçado da linha divisória entre dois prédios, incerteza que bem pode resultar do anterior insucesso, por falência da prova, da reivindicação de uma faixa de um deles por um dos confinantes.
É também o que decorre dos pedidos que, segundo a lei, integram e caracterizam cada uma das acções. Reivindica-se para pedir o reconhecimento do direito de propriedade sobre uma coisa ou parte dela e a respectiva restituição, mas intenta-se acção de demarcação para obrigar o dono de prédio confinante a concorrer para a definição e fixação da linha divisória, não definida (arts. 1311º e 1353º C. Civil).”
-Ac R.P de 28.01.2014:
A distinção entre estes dois tipos de acções tem o seu critério diferencial entre “conflito acerca do título” e “conflito de prédios”. Se “as partes discutem o título de aquisição, como se, por exemplo, o autor pede o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre a faixa de terreno ou sobre uma parte dela, porque a adquiriu por usucapião, por sucessão, por compra, por doação, etc., a acção é de reivindicação. Está em causa o próprio título de aquisição. Se, pelo contrário, se não discute o título, mas a relevância dele em relação ao prédio, como, por exemplo, se o autor afirma que o título se refere a varas e não a metros ou discute os termos em que a medição é feita, ou, mesmo em relação à usucapião, se não se discute o título de aquisição do prédio de que a faixa faz parte, mas a extensão do prédio possuído, a acção é já de demarcação”, cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, Vol. III, pág.199.
Assim, enquanto na acção de reivindicação o proprietário exige de qualquer possuidor o reconhecimento do seu direito e a consequente entrega do que lhe pertence, na acção de demarcação o proprietário pretende a concretização da linha divisória entre o seu prédio e o confinante. Se na acção de reivindicação temos um conflito quanto ao título, na acção de demarcação temos um conflito quanto ao prédio, centrado nas suas limitações, cfr. Ac. Rel. Porto de 6.03.2008, in www.dgsi.pt.
Sendo certo que, a pretexto da definição de confrontações, a acção de demarcação não pode ser utilizada para um reconhecimento da propriedade sobre uma qualquer parcela de terreno, isto porque o pressuposto da demarcação é o do respeito pelos títulos existentes, as dúvidas respeitam aos limites dos prédios, não aos títulos, contra os quais se não admite prova, cfr. Ac. Rel. Lisboa de 17.04.86, in CJ vol.II, pág. 116.”.
O Prof. Teixeira de Sousa, num post ( em 11-07-2023) publicado, no seu blogue (Blog do IPPC) a respeito do comentário que faz ao AC. da RP de 14/11/2022 (1711/19.2T8PNF.P1), impressivamente refere, a propósito, o seguinte:
No fundo, toda a acção de reivindicação é uma acção de demarcação, porque se reivindica algo com uma certa demarcação, e toda a acção de demarcação é uma acção de reivindicação, porque se reivindica uma dada parcela como pertencente a um prédio. Atente-se, além do mais, no seguinte:
-- A reivindicação pode incidir sobre uma parcela que, segundo o reivindicante, pertence a um prédio que lhe pertence; quer dizer: o reivindicante pode alegar que o seu terreno não tem a área x, mas a área x+y e reivindicar apenas y;
-- Na acção de reivindicação pode não se discutir o título de aquisição alegado pelo reivindicante, mas precisamente o que, em termos de extensão do prédio, está abrangido por esse título;
 -- Na acção de demarcação, pode-se discutir o título de aquisição alegado pelo autor que requer a demarcação e, mesmo quando não se discuta esse título, não deixa de se discutir o que está abrangido por esse título; efectivamente, não se imagina que o autor demarcante não invoque um qualquer título para justificar a demarcação que requer.”
Como supra já mencionamos, a ação dos autos contém uma ação de reivindicação como dito pelo tribunal a quo, mas não se fica por aí na medida em que tem latente um conflito relativo à delimitação da coisa reivindicada. As partes até estão ab initio de acordo em que a autora é dona de determinado prédio inscrito na matriz (e o R é proprietário do prédio confinante e registado na CRP).
A sua discordância refere-se à configuração desse prédio, que confina com o do réu, pelo que a discórdia respeita à linha de fronteira.
O pedido que a autora formula: “ se declare a Autora dona e legítima possuidora do prédio identificado no art.º 1º da p.i., com a área de 1.348,39 m2, e a configuração sombreada a cor ... na planta que se junta,”– exige a demarcação do dito prédio.
Não se pretende com isto dizer que a autora tinha de ter intentado ação de outra espécie. Quer a ação de reivindicação quer a de demarcação seguem a forma de processo comum. Assim é desde a reforma processual de 1995, que eliminou os processos de arbitramento. Entendeu-se, então, que a prova pericial que se realiza no âmbito do processo comum seria suficiente e adequada para satisfazer as necessidades das partes num processo destinado a fixar a linha divisória entre dois prédios. Nos presentes autos, para além da prova documental, foi elucidativa a prova testemunhal conjugada com a inspeção ao local, ainda que nenhuma perícia se tenha realizado com o indicado fito.
Ora, no caso sub judicio, a ação procedeu porquanto a autora logrou provar que parte do seu prédio tem uma exata correspondência por forma a se concluir que houve invasão do seu terreno pelo R. e quanto ao Réu, por sua vez, a prova que lhe incumbia ficou longe de ser feita, pelo que o recurso improcede nos termos requeridos pelo recorrente.
Em verdade, não se acompanha, salva a devida consideração, a rígida delimitação, feita pelo apelante, entre a ação de demarcação e a ação de reivindicação, principalmente, quando essa delimitação é realizada através de "uma declaração da extensão da propriedade, sem que estejam em causa os títulos de aquisição” (demarcação) e, implicitamente, um reconhecimento da propriedade, quando estão em causa os títulos de aquisição (reivindicação).
Por tudo o exposto, improcede o recurso, nesta parte, quando configura um erro de julgamento a qualificação pelo tribunal como verdadeira ação de reivindicação.
*
VI- DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal:


A) em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
B) Custas da apelação pelo apelante.
Notifique.
                                                                                            Guimarães, 4 de abril de 2024

Relatora: Anizabel Sousa Pereira
 Adjuntos: Jorge dos Santos e
Sandra Melo


[i] cfr. A.S. Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5.ª edição, pág. 165.