Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2375/16.0T8GMR-I.G1
Relator: CONCEIÇÃO SAMPAIO
Descritores: PROCESSO EXECUTIVO
DECISÃO A ADMITIR A CUMULAÇÃO DE EXECUÇÕES
INADMISSIBILIDADE DE RECURSO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/22/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NÃO ADMISSÃO RECURSO
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):

I - No âmbito do processo executivo, não cabe recurso do despacho que admitindo o requerimento executivo manda citar o executado.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I - Relatório


No âmbito da presente execução para pagamento de quantia certa em que é exequente Condomínio do Prédio sito na Rua … e executada X - Compra e Venda de Bens Imóveis, S.A., veio a exequente apresentar requerimento para cumulação sucessiva de execução, constando do mesmo, além do mais, «que a executada por conta do título primeiramente dado à execução liquidou todo o montante em divida mas pede-se a cumulação sucessiva a esta execução de uma divida que a executada tem de quotas de condomínio correspondentes à sua comparticipação nas despesas de conservação e manutenção das partes comuns do edifício, do montante global de €6.320,04 (seis mil trezentos e vinte euros e quatro cêntimos) que se refere às quotas de junho de 2018 a Maio de 2019, das frações “L” e “O".»

Sobre o pedido de cumulação de execuções, o tribunal a quo proferiu o seguinte despacho:
«Decorre dos termos do art. 709.º, do C.P.C., que é permitido ao credor cumular execuções, contra o mesmo devedor ou contra vários devedores litisconsortes, salvo se ocorrer a incompetência absoluta do tribunal [al. a)]; as execuções tiverem fins diferentes [al. b)]; a alguma das execuções corresponder processo especial diferente do processo que deva ser empregado quanto às outras, sem prejuízo do disposto no artigo 37, n.ºs 2 e 3 [al. c)]; ou a execução da decisão judicial ocorra nos próprios autos.
Ou seja, a cumulação simples de pedidos ou de execuções, só é admitida quando, além da verificação de outros pressupostos, a espécie de ação executiva de cada um dos pedidos for a mesma: pagamento de quantia certa, entrega de coisa certa ou prestação de facto - vide Lebre de Freitas, A Ação Executiva, pag. 122.
No caso presente, não se verificado qualquer uma das exceções previstas no n.º 1, do artigo 709.º, do C.P.C., admito a cumulação de execuções requerida.»
Nessa conformidade, foi a executada notificada para pagar ou se opor à execução.
A executada deduziu oposição à execução e simultaneamente interpôs recurso deste despacho.
Após cumprido o contraditório, por decisão singular não foi admitido o recurso por se ter considerado que a decisão que admitiu a cumulação de execuções não era recorrível.

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Notificado da decisão singular veio a Recorrente requerer que sobre a matéria em causa recaia um acórdão, ao abrigo do preceituado no artigo 652º, nº 3 do Código de Processo Civil.

Para o efeito alega em resumo o seguinte:

A decisão em si é sindicável, por via de recurso, pois o n.º 2 do art. 853.º versa os recursos no processo executivo propriamente dito, colmatando uma lacuna da regulamentação, havendo recurso autónomo das decisões previstas no art. 644.º, n.º 2, quando este preceito for aplicável no processo executivo;
Não havendo dúvida quanto à caraterização do requerimento executivo como um articulado, não fosse esta a peça onde se verte pedido e causa de pedir, também é, por conseguinte, passível até da caraterística ineptidão, pelo que, também será sempre passível de recurso a sua admissão, enquanto articulado, nos termos e para os efeitos da al. d), do n.º 2, do artigo 644º, ex vi alínea a), do n.º 2, do artigo 853º, ambos do CPC, claro está, sem prejuízo das alíneas g), h) e i), do mesmo n.º 2, do artigo 644º, do CPC, recordando-se, quanto à alínea g), que a execução estava finda (extinta);
Por maioria de razão, se é possível uma oposição no próprio processo de execução, também tem de ser possível o recurso de uma decisão aí proferida.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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II - Delimitação do objeto do recurso

A questão decidenda consiste em saber se é admissível recurso do despacho liminar que admitiu a acumulação de execuções.
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III – Fundamentação

Os factos a considerar são os que resultam do relatório supra.

Dispõe o artigo 853º, nº1, do Código de Processo Civil que é aplicável o regime estabelecido para os recursos no processo de declaração aos recursos de apelação interpostos de decisões proferidas em procedimentos ou incidentes de natureza declaratória, inseridos na tramitação da ação executiva. Acrescenta o nº 2 que cabe ainda recurso de apelação, nos termos gerais: a) das decisões previstas no n.º 2 do artigo 644.º, quando aplicável à ação executiva; b) da decisão que determine a suspensão, a extinção ou a anulação da execução; c) da decisão que se pronuncie sobre a anulação da venda e d) da decisão que se pronuncie sobre o exercício do direito de preferência ou de remição.

Por sua vez o nº3 do preceito estipula que cabe sempre recurso do despacho de indeferimento liminar, ainda que parcial, do requerimento executivo, bem como do despacho de rejeição do requerimento executivo proferido ao abrigo do disposto do artigo 734.º - sublinhado nosso.

No âmbito do processo executivo, não cabe recurso do despacho que admitindo o requerimento executivo manda citar o executado (à semelhança do que ocorre no regime geral previsto no artigo 226º, nº5, que estabelece que não cabe recurso do despacho que mande citar os réus ou requeridos, não se considerando precludidas as questões que podiam ter sido motivo de indeferimento liminar).
Citado (ou notificado) para a execução, o executado, além de poder pagar, tem a faculdade de se opor à execução.
Até à revisão de 1995-1996, o executado podia, segundo o então artigo 812º, opor-se à execução por embargos e agravar do despacho que ordenasse a citação. Esta dicotomia de meios de oposição foi afastada com o DL 329-A/95, após o qual se passou a prever os embargos como único meio de oposição à execução (veja-se, José Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, Vol 3º, pag. 308).
Esta alteração nos meios de reação no âmbito da ação executiva acompanhou os termos das alterações que se verificaram na ação declarativa.
Com efeito, antes da Reforma operada pelo DL 329-A/95 de 12/12, referia muito claramente o artigo 479º, nº3 do Código de Processo Civil que “ainda que não seja interposto recurso contra o despacho que tiver ordenado a citação do réu, nem por isso se devem considerar arrumadas as questões que podiam ter sido motivo de indeferimento liminar”. A Reforma veio produzir uma profunda alteração passando a consagrar a irrecorribilidade do despacho de citação, tendo transitado para o artigo 234º, nº5 que: “Não cabe recurso do despacho que mande citar os réus ou requeridos, não se considerando precludidas as questões que podiam ter sido motivo de indeferimento liminar”.
Sobre a não preclusão das questões que podiam ter sido fundamento de indeferimento liminar, pronuncia-se Lebre de Freitas nos seguintes termos: “Quer o juiz a elas se refira no despacho liminar (resolvendo-as no sentido de o fundamento não se verificar) quer não, o despacho de citação nunca constitui caso julgado formal”, acrescentando, “compreende-se porquê: não tendo sido o réu ainda citado, qualquer decisão, por muito fundamentada que seja, tem lugar sem precedência de contraditório”.
No caso dos autos foi admitida a cumulação sucessiva de execuções e, nessa sequência e de acordo com o disposto no artigo 728º, nº4, do Código de Processo Civil, foi a executada notificada para pagar ou se opor à execução.
A única via legal admissível de reação ao dispor da executada é a oposição à execução (neste sentido, Fernando Amâncio Ferreira, in Curso de Processo de Execução, 11ª Edição, pag. 91 e 177).
A apresentação de um documento dotado de força executiva justifica a presunção da existência e persistência do direito de crédito nele configurado e da correspetiva obrigação, radicando aí a instauração da ação executiva com vista ao cumprimento coercivo da obrigação. Mas isto não afasta a possibilidade de tal presunção ser rebatida pelo executado, sendo os embargos o mecanismo ajustado a combater execuções injustas ou destituídas dos respetivos pressupostos gerais ou específicos – neste sentido Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2ª Edição, pag. 77.
Os embargos são o meio de contrariar os efeitos que o exequente procura extrair da apresentação do título executivo, constituindo “o instrumento adequado e único para veicular qualquer dos meios de defesa contra a pretensão executiva e contra o cumprimento coercivo da obrigação exequenda” – Ob. Cit. pag. 82.
Cremos não haver dúvidas que a norma do artigo 728º limita à figura dos embargos os meios de reação contra a execução, sendo taxativa na enunciação deste instrumento como único meio de impugnação.
Esta circunstância não afasta a possibilidade de no próprio processo executivo ser apresentado requerimento/reclamação a invocar nulidades processuais.
Os argumentos defendidos pelo Recorrente de que o requerimento executivo é um articulado sendo por isso recorrível nos termos do artigo 644º, nº2, al. d), e que em causa está não a oposição à posição do exequente, mas antes a reação a uma decisão judicial de admissão de articulado em processo extinto, falecem em face da própria letra do preceito ínsito no nº3, do artigo 853º, do Código de Processo Civil.
Independentemente da conformação jurídica dada pelo Recorrente em adaptação às diversas hipóteses que avança, subsumindo-as, conforme o caso, às alíneas g), h) ou i) do artigo 644º, nº2, em causa está um despacho liminar que recaiu sobre um requerimento executivo.
Ora, o requerimento inicial de uma ação, seja declarativa (petição inicial) ou executiva (requerimento executivo), configurando-se como um articulado está sujeito a um regime próprio que o caracteriza e distingue dos demais articulados passíveis de ser apresentados no decurso de um processo.
Um dos seus elementos individualizadores respeita ao tratamento recursório autonomizado dado ao despacho que incide sobre o requerimento inicial: o despacho de citação é irrecorrível (artigo 226º, nº5), o despacho de indeferimento liminar é sempre recorrível (artigo 644º, nº1, al. a) e 853º, nº3). Por isso mesmo, o requerimento inicial não se confunde com os articulados a que alude o artigo 644º, nº2, al. d), do Código de Processo Civil.
O requerimento de cumulação de execuções está sujeito a despacho liminar nos termos do artigo 728º, nº4, do Código de Processo Civil.
Proferido despacho a admitir a cumulação e a notificar o executado, este despacho não é recorrível.
Entendemos assim não ser admissível o recurso interposto.
Mantêm-se na integra os fundamentos que presidiram à prolação da decisão singular.
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IV - Decisão

Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação, em não admitir o recurso interposto.
Custas pelo Recorrente.
Guimarães, 22 de Abril de 2021

Assinado digitalmente por:
Rel. - Des. Conceição Sampaio
1º Adj. - Elisabete Coelho de Moura Alves
2º Adj. - Des. Fernanda Proença Fernandes