Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2509/19.3T8VCT.G1
Relator: CONCEIÇÃO BUCHO
Descritores: PLURALIDADE DE EXECUÇÕES
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
PENHORA ANTERIOR
EXECUÇÃO FISCAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/29/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO DO EXEQUENTE IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
-A sustação da execução ao abrigo do artº. 794º do CPC só opera relativamente aos bens que já tenham sido objecto de penhora anterior, podendo a execução prosseguir em relação aos restantes bens penhorados, impendendo sobre o exequente o ónus de a impulsionar.
- O artigo 794º, nºs 1 e 3 do CPC faculta ao exequente uma de duas opções: ou mantém a penhora no bem que já foi penhorado no outro processo, ficando a sua execução sustada e podendo reclamar o seu crédito no processo em que foi efectuada a penhora em primeiro lugar; ou desiste da penhora relativamente ao bem penhorado, na acção executiva suspensa, e nomeia outros bens à penhora em sua substituição.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

Proc. n.º 2509/19.3T8VCT.G1

Nos presentes autos, em que é exequente Condomínio ..., ... e executada e executada a herança jacente por óbito de AA, foi proferido  o seguinte despacho 

(…)  Nestes termos, pelos fundamentos expostos, deverá o Sr. Agente de Execução sustar a execução quanto ao bem penhorado, indeferindo-se o requerido pelo exequente.

Inconformado o exequente interpôs recurso, cujas alegações terminam com as seguintes conclusões:

A - Numa análise superficial das normas adjetivas, pode concluir-se que pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, o agente de execução deverá sustar quanto a estes a execução em que a penhora tiver sido posterior, conforme impõe o número 1 do artigo 794º do CPC;

B - Contudo, o número 1 do artigo 794º do CPC terá que ser interpretado e aplicado no curso normal de um processo executivo, e não em situações patológicas de inércia de um determinado exequente e, ainda menos, quando a execução prioritária estiver suspensa por imperativo legal;

C - É o próprio credor/exequente do processo de execução fiscal a declarar, expressamente, que o mesmo está suspenso em virtude da reclamação apresentada pela aí executada, nos termos do artigo 276º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), suspensão que operou por força do número 8 do artigo 278º do CPPT;
D - Estando o processo executivo prioritário suspenso, não há qualquer fundamento para suspender o processo executivo a que os presentes autos dizem respeito;
E - Sustar os presentes autos para que o recorrente reclame os seus créditos num processo de execução fiscal suspenso, não sendo sequer possível vislumbrar quando é que a reclamação apresentada nos termos do artigo 276º do CPPT, em apreciação no Tribunal Administrativo e Fiscal ... sob o processo n.º 887/23.... da Unidade Orgânica 3 – Reclamação de atos do órgão de execução fiscal - irá transitar em julgado, seria aceitar a violação não só do princípio previsto no número 1 do artigo 7º do CPC, já que a cobrança do seu crédito ficará adiado para data incerta, com o consequente sacrifício excessivo do recorrente, mas também do princípio da tutela jurisdicional efetiva, previsto nos números 1 e 4 do artigo 20º da CRP;
F - O tribunal a quo fundamentou o despacho recorrido num sentido que afronta o conteúdo decisório;
G - De resto, o prosseguimento dos presentes autos, tendo em  consideração o número 2 do artigo 786º do CPC, em nada prejudicará a Fazenda Nacional.

A recorrida apresentou contra-alegações nas quais pugna pela manutenção do decidido.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II – É pelas conclusões do recurso que se refere e delimita o objecto do mesmo, ressalvadas aquelas questões que sejam do conhecimento oficioso – artigos 635º e 639º Código de Processo Civil -.

Para a decisão importa considerar que o presente despacho foi proferido no seguimento do requerimento do exequente com a refª ...30, em que o mesmo perante a informação da AT da existência de prévia penhora em execução fiscal sobre o imóvel penhorado nos presentes autos, veio pronunciar-se no sentido de os autos prosseguirem os seus termos.
Notificada a executada, pugnou pela improcedência do requerido.
 
Como se refere na decisão recorrida a questão a decidir é a de saber se no caso, a presente execução deve ou não ser sustada.

Conforme resulta dos autos a fracção autónoma penhorada nestes autos foi objecto de penhora anterior, datada de 29/12/2016,  a favor da Fazenda Nacional, no âmbito da execução fiscal n.º ...01.
Foi também informado pelo Serviço de Finanças ... que após a penhora foi citado o herdeiro conhecido , e na sequência da sua citação este apresentou reclamação nos termos do disposto no artigo 276º do CPPT para o Tribunal Administrativo e Fiscal ..., pelo que a execução fiscal está suspensa até à decisão da reclamação. 

Dispõe o artigo. 794º do Código de Processo Civil que:

1
. Pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, o agente de execução susta quanto a estes a execução em que a penhora tiver sido posterior, podendo o exequente reclamar o respectivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga.
2. Se o exequente ainda não tiver sido citado no processo em que a penhora seja mais antiga, pode reclamar o seu crédito no prazo de 15 dias a contar da notificação de sustação; a reclamação suspende os efeitos da graduação de créditos já fixada e, se for atendida, provoca nova sentença de graduação, na qual se inclui o crédito do reclamante.
3. Na execução sustada, pode o exequente desistir da penhora relativa aos bens apreendidos no outro processo e indicar outros em sua substituição.
4. A sustação integral determina a extinção da execução, sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 850.º.
O pressuposto da sustação prevista neste preceito legal é pender “mais de uma execução sobre os mesmos bens”. Essa pendência tanto pode ser de execução comum, como de execução fiscal, caso em que a ulterior reclamação de créditos deve fazer-se no processo de execução tributária, ao abrigo do disposto nos artigos 239 e seguintes do CPPT, incluindo o respectivo artigo. 240º, nº. 4.
Assim, de acordo com o disposto no citado artigo 794º do Código de Processo Civil, o agente de execução susta a execução apenas quanto aos bens em que a penhora tenha sido posterior (cfr. Rui Pinto, Manual da Execução e Despejo,  Coimbra Editora, pág. 863 e 864).
A aplicabilidade deste artigo 794º pressupõe que na primeira das execuções possam ser praticados os actos necessários para o exequente e os demais credores recebam as quantias a que têm direito.
O objetivo de tal norma é o de impedir que em processos diferentes se opere a adjudicação ou a venda dos mesmos bens.
Por outro lado, a sustação da execução ao abrigo do artº. 794º do citado código só opera relativamente aos bens que já tenham sido objecto de penhora anterior, podendo a execução prosseguir em relação aos restantes bens penhorados, impendendo sobre o exequente o ónus de a impulsionar (cfr. acórdão desta Relação de 17/12/2013, proc. nº. 4321/10.6TBGMR, acessível em www.dgsi.pt).
Assim sendo, continua a aplicar-se, neste caso, a doutrina defendida por Eurico Lopes Cardoso, no âmbito do anterior arigo 871º do CPC (in Manual da Acção Executiva, pág. 528), de que só se suspende a execução sobre os bens duplamente penhorados, podendo ela prosseguir sobre outros bens que não tenham sido objecto de penhora anterior. E se o exequente quiser obter pagamento do seu crédito pelo produto dos bens duplamente penhorados, terá de reclamá-lo na execução onde foi efectuada a penhora anterior, para aí ser graduado com a preferência da respectiva penhora (neste sentido se pronunciou também Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 7ª ed., Almedina, pág. 306 a 309).
O processo fiscal está suspenso na sequência de reclamação apresentada para o Tribunal Administrativo e Fiscal, nos termos do disposto no artigo 278º, n.º 8 do CPPT.
Mas, como se refere na decisão recorrida, decidida a reclamação é previsível o prosseguimento da execução, com a venda do bem penhorado, nada obstando que o aqui exequente reclame ali os seus créditos, de acordo com o já citado artigo 240º, n.º 4 do CPPT.
Por outro lado, a execução cível nunca poderá prosseguir enquanto a penhora anterior se mantiver registada, atenta a sua prevalência sobre as posteriores – art.º 822º do Código Civil e o disposto no art.º 794º n.º 1, do já citado código, que não permite que o credor com penhora anterior reclame o seu crédito no processo onde foi efectuada a penhora posterior.
Só após a decisão da reclamação na execução fiscal é que nestes autos se decidirá se a execução prossegue ou será extinta, pelo que até lá a mesma deve ficar suspensa.

III – Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.
Guimarães, 29 de Fevereiro de 2024.