Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6770/18.2T8BRG.1.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: RECTIFICAÇÃO DE SENTENÇA
ERRO DE JULGAMENTO
ERRO MATERIAL
CAPITAL REMIÇÃO VS PENSÃO ANUAL E VITALÍCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/21/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I – O regime da rectificação dos erros materiais incide apenas sobre as faltas de conformidade da sentença, que não respeitem aos seus elementos substanciais, mas meramente complementares, tais como erros de cálculo ou de escrita, lapso, obscuridade ou ambiguidade, ficando desde logo, excluídos os erros de julgamento, de facto ou de direito, que em regra, só por via do recurso podem ser corrigidos.
II – O artigo 614.º do CPC. não é aplicável quando o que ocorre é um erro de julgamento e não erro material na declaração de vontade, o qual pressupõe sem sombra de dúvida que o juiz quis escrever uma coisa e escreveu outra (lapso manifesto). Será o próprio contexto da sentença que fornecerá a demonstração necessária do erro material.
III – Não transparecendo da sentença um qualquer erro material, mas sim uma errada valoração jurídica quanto às condições da pensão a atribuir ao sinistrado, tal erro não pode ser colmatado com recurso ao disposto no citado artigo 614.º do C.P.C.
Decisão Texto Integral:
APELANTE: F. R.
APELADA: X – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.
Tribunal da Comarca de Braga, Juízo do Trabalho de Braga – Juiz 2

I – RELATÓRIO

Nos presentes autos emergentes de Acidente de Trabalho em que é sinistrado F. R. e entidade responsável X – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. foi proferida sentença, que foi notificada às partes e ao Ministério Público, no dia 06-11-2019, dela constando o seguinte dispositivo:

Pelo exposto, decide-se fixar em 1,99% o coeficiente de IPP que afecta o(a) sinistrado(a) desde 10/07/2018, dia imediato ao da alta, e, em consequência, condena-se a seguradora a pagar ao(à) sinistrado(a) o capital correspondente à remição anual de 3.900,40€. Sobre aquele valor acrescem juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, nos termos do disposto no artigo 135º do CPT.”
Desta decisão não foi apresentado recurso, nem qualquer reclamação ou pedido de rectificação, tendo assim transitado em julgado.
Autuado o incidente de remição de pensão foi efectuado o respectivo cálculo do capital de remição, que foi notificado às partes e ao Ministério Público, tendo ainda sido designado data para entrega de tal capital (16-12-2019).
Em 13/12/2019, veio a entidade responsável requerer que o tribunal esclarecesse se a pensão era ou não remível atento o seu valor anual devidamente fixado.
O sinistrado veio pronunciar-se sobre tal requerimento no sentido de se ordenar o desentranhamento do requerimento apresentado pela seguradora, por não estar subscrito por mandatário, com a respectiva multa pelo incidente, ou caso assim não se entenda que se indefira o mesmo por violação de sentença já transitada em julgado.
O Ministério Publico pronunciou-se no sentido de se proceder à rectificação do mero lapso de escrita, determinando-se a remição parcial da pensão, uma vez que a pensão fixada não é totalmente remível.

Seguidamente o Mmº Juiz a quo proferiu o seguinte despacho:

A condenação da seguradora no pagamento ao sinistrado do capital de remição anual de 3.900,40 €, deve-se a lapso nosso, uma vez que não verificámos que o valor da pensão é superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta ou da morte (artigo 75º, 1 da LATDP).
Por se tratar de lapso manifesto, a sentença pode ser corrigida por simples despacho, a requerimento das partes ou por iniciativa do juiz, sendo certo que, se nenhuma das partes recorrer, pode ter lugar a todo o tempo (artigo 614º, nºs 1 e 3 do CPC ex vi artigo 1º, 2, alínea a) do CPT).

Em face do exposto o penúltimo parágrafo passa a ter a seguinte redacção:

«Pelo exposto, decide-se fixar em 1,99% o coeficiente de IPP que afecta o sinistrado desde 19/07/2018, dia imediato ao da alta e, consequentemente condena-se a seguradora a pagar ao sinistrado a pensão anual e vitalícia de 3.900,40 €, adiantada e mensalmente, até ao dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, sendo os subsídios de férias e de Natal, no valor de 1/14 da pensão anual, pagos respectivamente nos meses de Junho e de Novembro.»
Em resultado desta rectificação da sentença, fica sem efeito o ordenado cálculo do capital de remição.
Notifique”

O sinistrado inconformado interpôs recurso deste despacho que determinou a rectificação da sentença, no qual formula, ao terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:

1) Nos presentes autos, foi proferida sentença nos seguintes termos: “... Pelo exposto, decide-se fixar em 1,99% o coeficiente de IPP que afecta o(a) sinistrado(a) desde 10/07/2018, dia imediato ao da alta, e, em consequência, condena-se a seguradora a pagar ao(à) sinistrado(a) o capital correspondente à remição anual de 3.900,40€. Sobre aquele valor acrescem juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, nos termos do disposto no artigo 135º do CPT..”.
2) Tal sentença foi notificada ao Sinistrado, ao seu Mandatário e à Entidade Responsável X, S.A. e à Digníssima Magistrada do Ministério Público em 06/11/2019.
3) Notificados da douta sentença, nem o Sinistrado, nem o Ministério Público, nem a Entidade Responsável X, S.A. apresentaram qualquer reclamação, pedido de rectificação de erros, esclarecimentos ou Recurso Ordinário ou mesmo Extraordinário;
4) Pelo que a sentença proferida transitou em julgado em 02.12.2019 (primeiro dia útil após o prazo de notificações e recurso: 3 + 15 + 3);
5) Autuado o Incidente de Remição de Pensão, foi efectuado o respectivo cálculo do capital de remição.
6) Que foi notificado ao Sinistrado, à Entidade Responsável e ao Digníssimo representante do Ministério Público, juntamente com a designação da data (16.12.2019) para entrega do capital.
7) Mais uma vez, ninguém requereu o que quer que fosse: nem a Entidade Responsável, nem o Ministério Público, pelo que, também tais actos, transitaram em julgado;
8) A referida diligência foi dada sem efeito ao fim da manhã do próprio dia para o qual estava agendada.
9) O Sinistrado, legitimamente convencido de que iria receber o capital de remição, assumiu já compromissos económicos importantes, pelo que, esta decisão judicial, além de o fazer desacreditar no valor intrínseco das sentenças, acarretará também graves consequências pessoais e financeiras;
10) Em 13-01-2020, mais de um mês após a decisão transitar em julgado, veio o tribunal a quo, rectificar a sentença no sentido de deixar de constar a condenação da Seguradora a pagar o capital de remição, mas sim uma pensão anual, vitalícia e actualizável.
11) A sentença proferida nos presentes autos consolidou-se e não pode ser agora modificada, nem os autos poderão “voltar atrás”, em clara violação dos princípios da imodificabilidade da decisão, da sua irrevogabilidade e da certeza e segurança jurídicas.
12) Verificada tal insusceptibilidade, forma-se caso julgado, que se traduz, portanto, na impossibilidade da decisão proferida ser substituída ou modificada por qualquer tribunal, incluindo aquele que a proferiu.
13) Mesmo tratando-se de normas imperativas sobre reparação dos acidentes de trabalho, e mesmo que o juiz constate que a questão possa ter sido mal julgada.
14) Qualquer decisão posterior ao trânsito em julgado, como é o caso do despacho de que se recorre, é ineficaz, por violação do caso julgado.
15) A autoridade do caso julgado inerente à sentença visa preservar o prestígio dos tribunais e a certeza e a segurança jurídicas.
16) O despacho recorrido violou, entre outros, os artigos 613.º, 625.º, 580.º e 581.º do C.P.C. e os princípios da imodificabilidade da decisão, da sua irrevogabilidade e da certeza e segurança jurídicas.

Termina o Recorrente pugnando pela revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que em conformidade com o anteriormente decidido, proceda à entrega do capital de remição já calculado, seguindo-se os ulteriores termos até final.
A entidade responsável veio responder à alegação de recurso, pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção do despacho recorrido.
O recurso foi admitido como apelação a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Verificada a tempestividade do recurso bem como o modo de subida e efeito adequados, cumprido o disposto na primeira parte do nº 3 do artigo 87.º do Código de Processo Civil, veio o Exmo. Senhor Procurador Geral Adjunto emitir parecer no sentido da procedência da apelação.
Colhidos os vistos pelos senhores juízes adjuntos, cumpre decidir.
*
II OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões da Recorrente (artigos 635.º, nº 4, 637.º n.º 2 e 639.º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87º n.º 1 do CPT), a questão trazida à apreciação deste Tribunal da Relação é a de apurar da admissibilidade da rectificação da sentença nos termos previstos no art.º 614.º do CPC.

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os que constam do relatório que antecede:

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

Da admissibilidade da rectificação da sentença

Impõe-se apurar se o facto de constar na sentença transitada em julgado que a pensão fixada é totalmente remível, quando na verdade se trata de uma pensão anual e vitalícia, se pode enquadrar num mero lapso de escrita ou se tal constitui um erro de julgamento que não pode por isso ser suprido como se estivesse em causa apenas uma mera rectificação da sentença.
Decorre do disposto no art.º 613.º do C.P.C. que «[p]roferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa (n.º 1), sendo certo que, «[é] lícito (…) ao juiz retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos seguintes (n.º 2)», sendo certo que o n.º 1 do art.º 614.º do C.P.C. permite a correção oficiosa, ou a requerimento de qualquer das partes, de erros materiais de escrita ou de cálculo ou quaisquer outras inexactidões devidas a omissão ou lapso manifesto. Prescrevendo o seu n.º 3 que «[s]e nenhuma das partes recorrer, a rectificação pode ter lugar a todo o tempo».

Por outro lado, estabelece o art.º 249.º do Código Civil que «[o] simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à rectificação desta».
Daqui resulta que o regime da rectificação dos erros materiais incide apenas sobre as faltas de conformidade da sentença, que não respeitem aos seus elementos substanciais, mas meramente complementares, tais como erros de cálculo ou de escrita, lapso, obscuridade ou ambiguidade, ficando desde logo, excluídos os erros de julgamento, de facto ou de direito, que em regra, só por via do recurso podem ser corrigidos.
Como ensina Alberto dos Reis, em “Código de Processo Civil Anotado”, vol.5.°, pág. 130, em anotação ao artigo 667.º do C.P.C. de 1939 a propósito da distinção entre o erro material e o erro de julgamento:
«Importa distinguir cuidadosamente, o erro material do erro de julgamento. O erro material dá-se quando o juiz escreveu coisa diversa da que queria escrever, quando o teor da sentença ou despacho não coincide com o que o juiz tinha em mente exarar, quando, em suma, a vontade declarada diverge da vontade real. O juiz queria escrever «absolvo» e por lapso, inconsideração, distracção, escreveu precisamente o contrário: condeno.
O erro de julgamento é espécie completamente diferente. O juiz disse o que queria dizer; mas decidiu mal, decidiu contra lei expressa ou contra os factos apurados. Está errado o julgamento. Ainda que o juiz logo se convença de que errou, não pode socorrer-se do art. 667.° para emendar o erro.»
Como se refere a este propósito no Acórdão do STJ de 17/12/2019, proc. n.º 1181/07.8TTPRT-H-P1-S1 (relator Conselheiro Leones Dantas) “… é necessário que do próprio conteúdo da decisão ou dos termos que a precederam se depreende claramente que se escreveu manifestamente coisa diferente do que se queria escrever: se assim não for, a aplicação do art. 667.° é ilegal, pois importa evitar que, à sombra da mencionada disposição, o juiz se permita emendar erro de julgamento, espécie diversa do erro material.
Mais particularmente, quanto ao erro de cálculo, importa salientar que este erro há-de também evidenciar-se através a decisão ou das peças que a precederam.
O caso de erro de cálculo pressupõe que o juiz escreveu o que quis escrever, mas devia ter escrito coisa diversa. Errou as operações do cálculo, e porque as errou chegou a resultado diferente do que chegaria se as operações estivessem certas. Aqui o erro material ainda será, na maior parte dos casos, mais palpável do que na hipótese de simples erro de escrita».
Esgotado o poder jurisdicional, com o trânsito em julgado da decisão judicial, podemos proceder à rectificação da decisão quer oficiosamente, quer a requerimento, desde que tal não implique a uma alteração essencial ou no conteúdo da decisão. O erro material não interfere, decisivamente, com o mérito da decisão e tem de ser evidenciado pelo seu contexto da leitura da decisão, dela resultando que ocorreu divergência entre a vontade real e a declaração expressa.
Em suma, pressupondo o princípio da inalterabilidade ou intangibilidade da decisão consagrado no art.º 613.º do CPC. que a sentença/decisão reproduz fielmente a vontade do juiz, este perde a relevância quando a vontade expressa na sentença não é a que o juiz quis declarar. Não faz qualquer sentido que subsista uma vontade diversa da que o juiz quis incorporar na decisão e nessa medida é lícito ao juiz, mediante rectificação, ajustar a vontade declarada à vontade real.
Situação diversa, mas por vezes difícil de distinguir é quando o juiz decidiu de forma errónea, designadamente contra o previsto na lei e ao aperceber-se do erro pretende emendá-lo. Nesta situação não o pode fazer, nem sequer socorrendo-se do art.º 614.º do C.P.C. sendo de considerar de ilegal tal alteração.
Assim, o artigo 614.º não é aplicável quando o que ocorre é um erro de julgamento e não erro material na declaração de vontade, o qual pressupõe sem sombra de dúvida que o juiz quis escrever uma coisa e escreveu outra (lapso manifesto). Será o próprio contexto da sentença que fornecerá a demonstração necessária do erro material. Ou seja o erro só pode ser rectificado se for ostensivo e devido a lapso manifesto.
Como se fez constar no Acórdão deste Tribunal de 22/11/2018, proc. n.º 56/18.0T8BRG.G1(relatora Ana Cristina Duarte), consultável in www.dgsi.pt“…é preciso que, ao ler o texto logo se veja que há erro e logo se entenda o que o interessado queria dizer.”

No caso em apreço o juiz a quo considerou que a pensão a atribuir ao sinistrado era obrigatoriamente remível, por se verificarem os requisitos e para o efeito e tal resulta claro do segmento da sentença onde se fez constar o seguinte:

“Àquele coeficiente global de incapacidade e à retribuição auferida pelo(a) sinistrado(a) corresponde, nos termos do disposto nos artigos 48º, nº 3, alínea c), 75º, 76º da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro e Portaria nº 11/2000, de 13 de Janeiro, o capital correspondente à remição da pensão anual e vitalícia de 3.900,40 €.”
E se assim se quis, não se pode agora pretender substituir a condenação no pagamento de uma pensão obrigatoriamente remível, para uma condenação no pagamento de uma pensão anual e vitalícia.
A substituição da decisão importa alteração do julgado, não corresponde a qualquer rectificação de erro material.
Como se refere no parecer emitido pelo Ministério Público, junto aos autos, «…na sentença não só se refere expressamente que o sinistrado tem direito a receber o capital de remição correspondente à remição da pensão anual de 3.900,40€, a calcular de acordo com o disposto no artigo 76º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro e Portaria n.º 11/2000, de 13 de Janeiro (que contém as bases técnicas aplicáveis ao cálculo do capital de remição) como ainda se ordena o cumprimento do disposto nos artigos 148º (remição obrigatória) e 150.º (entrega do capital de remição) ambos do CPT.
Pelo que do contexto da sentença não resulta, em nossa opinião, qualquer indício de que a vontade do julgador não foi a de considerar a pensão obrigatoriamente remível.
Não podendo por isso concluir que a sentença evidencia uma divergência entre a vontade real e a declarada.»
Com efeito, dos autos não resultam quaisquer elementos que nos permitam concluir que o que o juiz declarou na sentença, não corresponde à valoração que fez dos elementos/factos que resultavam do processo.
Do contexto da sentença não transparece um qualquer erro material, mas sim uma errada valoração jurídica quanto às condições da pensão a atribuir ao sinistrado, erro esse que não pode ser colmatado com recurso ao disposto no citado artigo 614.º do C.P.C.
Acresce dizer que no caso, não foi só a pensão declarada remível, como depois da decisão transitada em julgado se procedeu ao cálculo de tal capital, colidindo também esta intervenção com a pretensa rectificação.
Tenha-se presente que a admissibilidade da correcção de lapsos materiais que consistam em omissões ou discrepâncias de escrita ou de cálculo tem de se revelar da mera leitura do texto da decisão, sendo equivalentes aos erros de cálculo ou de escrita a que se alude no artigo 249.º do Código Civil, como uniformemente tem sido entendido pelo Supremo Tribunal de Justiça, designadamente nos seguintes acórdãos, consultáveis in www.dgsi.pt., de 23 de Setembro de 2008, proc. nº 07B2469, de 18 de Dezembro de 2008, proc. nº 08B2459, de 12 de Fevereiro de 2009, proc. nº 08A2680, de 10 de Dezembro de 2009, proc. nº 52555/06.OYYLSB-E.L1.S1, de 23 de Novembro de 2011, proc. nº 4014/07.1TVLSB.L1.S1. e de 26/11/2015, processo n.º 706/05.6TBOER.L1.S1.
Ora, não só, não resulta da mera leitura da sentença a existência de qualquer lapso, como o despacho recorrido, proferido após o trânsito em julgado da decisão, produziu uma nova condenação, alterando o julgado na sentença recorrida, sendo por isso inadmissível, quer por não corresponder a uma rectificação de erro material, quer por violar o caso julgado, bem como o princípio da extinção do poder jurisdicional.
Procede assim o recurso do sinistrado, mantendo-se o texto inicial da sentença.

V – DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação, revogando a decisão recorrida, mantendo-se inalterada a redacção da sentença.
Custas a cargo da Recorrida.
Notifique.
21 de Maio de 2020

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Maria Leonor Barroso
Antero Dinis Ramos Veiga


Sumário – artigo 663º n.º 7 do C.P.C.

I – O regime da rectificação dos erros materiais incide apenas sobre as faltas de conformidade da sentença, que não respeitem aos seus elementos substanciais, mas meramente complementares, tais como erros de cálculo ou de escrita, lapso, obscuridade ou ambiguidade, ficando desde logo, excluídos os erros de julgamento, de facto ou de direito, que em regra, só por via do recurso podem ser corrigidos.
II – O artigo 614.º do CPC. não é aplicável quando o que ocorre é um erro de julgamento e não erro material na declaração de vontade, o qual pressupõe sem sombra de dúvida que o juiz quis escrever uma coisa e escreveu outra (lapso manifesto). Será o próprio contexto da sentença que fornecerá a demonstração necessária do erro material.
III – Não transparecendo da sentença um qualquer erro material, mas sim uma errada valoração jurídica quanto às condições da pensão a atribuir ao sinistrado, tal erro não pode ser colmatado com recurso ao disposto no citado artigo 614.º do C.P.C.

Vera Sottomayor