Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
984/12.6TMBRG-B.G1
Relator: PEDRO MAURÍCIO
Descritores: PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO
NULIDADE DA DECISÃO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
APLICAÇÃO DE MEDIDA
CONFIANÇA A INSTITUIÇÃO COM VISTA A FUTURA ADOPÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/30/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – O ónus a cargo do recorrente imposto pelo art. 640º do C.P.Civil mostra-se cumprido desde que, na motivação (alegações), o recorrente alegue todas as especificações referidas no nº1 deste preceito e que, nas conclusões, o recorrente identifique com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação, não sendo de exigir que nestas conclusões constem também todas as restantes especificações.
II - A apreciação pelo Tribunal da Relação da decisão de facto impugnada não visa um novo julgamento da causa, mas sim uma reapreciação do julgamento proferido pelo Tribunal de 1ª Instância com vista a corrigir eventuais erros de julgamento.
III - No âmbito dessa apreciação, ao Tribunal da Relação incumbe formar a seu próprio juízo probatório sobre cada um dos factos julgados em primeira instância e que são objeto de impugnação, tendo para o efeito amplo poder inquisitório sobre a prova produzida que imponha decisão diversa, podendo socorrer-se, mesmo oficiosamente, de todos os meios de prova constantes do processo, não estando adstrito quer aos meios de prova que foram indicados pelas partes quer aos indicados pelo Tribunal de 1ª Instância.
IV - Apesar de não conter norma legal igual à que constava do art. 646º/4 do anterior C.P.Civil, e ter sido uma opção legislativa maior liberdade na descrição da matéria de facto, por força do disposto no art. 607º/3 e 4 C.P.Civil de 2013, na fundamentação de facto da sentença apenas devem constar os factos julgados provados e não provados, dela devendo ser expurgados todos os que constituem matéria susceptível de ser qualificada como questão de direito, conceito que engloba os juízos de valor ou conclusivos.
V - Os factos conclusivos não podem integrar a matéria de facto quando estão diretamente relacionados com o thema decidendum, impedem a perceção da realidade concreta, e/ou ditam por si mesmo a solução jurídica do caso, normalmente através da formulação de um juízo de valor.
VI - Saber se um concreto facto integra um conceito de direito ou assume feição conclusiva ou valorativa constitui uma questão de direito.
VII - Quando o recurso tem por objecto saber se um determinado facto julgado provado pelo Tribunal de 1ª Instância contém ou não matéria conclusiva, ao abrigo dos seus poderes decisórios previstos no art. 662º do C.P.Civil de 2013, pode o Tribunal de Recurso, caso conclua afirmativamente, eliminá-lo do elenco dos factos provados.
VIII - O processo de promoção dos direitos e protecção das crianças e jovens em perigo é um processo de jurisdição voluntária, como decorre do art. 100º da LPCJP, pelo que, nas providências neles a tomar, o Tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna (cfr. art. 987º do C.P.Civil de 2013), podendo investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes (cfr. art. 988º/1 do C.P.Civil de 2013).
IX - As medidas de promoção dos direitos e de proteção das crianças e dos jovens em perigo têm, como finalidade, afastar o perigo em que estes se encontram, proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral, e garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso (cfr. art. 34º da LPCJP).
X - A medida de confiança a instituição com vista a futura adopção, de acordo com o estipulado no art. 38ºA da LPCJP, só é aplicável quando se verifique alguma das situações previstas no art. 1978º do C.Civil. Mas como decorre da 1ªparte do nº1 deste art. 1978º, é pressuposto da aplicação da medida de confiança com vista a futura adopção a inexistência ou o sério comprometimento dos vínculos próprios da filiação, que só pode ser decidida nas situações elencadas nas diversas alíneas da 2ªparte daquele nº1.
XI - O princípio da prevalência da família biológica tem consagração constitucional no art. 36º da C.R.Portuguesa, mas a adopção também mereceu consagração constitucional enquanto fonte de laços familiares (nº7 do art. 36° da C.R.Portuguesa). Estes princípios constitucionais estão em consonância com a Convenção sobre os Direitos da Criança, subscrita em Nova Iorque em 26 de janeiro de 1990.
XII - A adopção visa realizar o superior interesse da criança pelo que, desde que estejam verificados os respetivos pressupostos, configura uma forma constitucionalmente adequada de protecção dos interesses das crianças «privadas de um ambiente familiar normal» (nº 2 do art. 69º da C.R.Portuguesa).
XIII - O critério primordial a ter em conta na apreciação, na escolha e na decisão de aplicação das medidas de promoção dos direitos e de proteção das crianças e dos jovens em perigo é o princípio fundamental da obediência ao interesse superior da criança ou do jovem.
XIV – O conceito de «interesse superior da criança» é insusceptível de definição em abstrato, tendo que ser ponderado casuisticamente em face duma análise concreta de todas as circunstâncias relevantes mas tendo sempre presente o direito da criança a um desenvolvimento integral, no plano físico, intelectual e moral.
XV - É precisamente em atenção ao superior interesse da criança que esta não pode ficar indefinidamente à espera que os progenitores reúnam as capacidades e/ou condições para que aquela regresse à família natural, chamando-se a atenção que o princípio da prevalência da família não tem um caracter absoluto e deve ceder quando aquele princípio do superior interesse da criança assim o justifique e imponha.
XVI - Concorda-se com entendimento expresso no Ac. desta RG de 30/03/2017 no sentido de que “A medida de confiança a pessoa seleccionada para a adopção ou a instituição com vista a futura adopção só deverá ser adoptada quando esteja afastada a possibilidade de retorno da criança ou do jovem à sua família natural (princípio da prevalência da família biológica, expresso no art.º 4.º, alínea g) da LPCJP) e não puder salvaguardar-se a continuidade das ligações afectivas”.
XVII – No caso em apreço, tendo sido decretada a medida de acolhimento residencial de criança com três meses de idade em face da progenitora revelar incapacidade da função parental em razão da doença mental de que padecia e verificando-se que, mais de cinco anos depois de ter sido decretada tal medida, a progenitora mantém a mesma incapacidade da função parental e que não chegou a criar um verdadeiro vínculo afetivo próprio da filiação com a criança, perante a primazia do citério do interesse superior da criança, a aplicação da medida de confiança a instituição com vista a futura adopção mostra-se adequada à prossecução das finalidades que presidiram à sua aplicação, bem como necessária e imprescindível para alcançar tais finalidades.
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO (1)

ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES,
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1. RELATÓRIO

1.1. Da Decisão Impugnada

Por apenso aos autos principais de regulação das responsabilidades parentais, o Ministério Público veio requerer a abertura de processo judicial de promoção e protecção relativamente aos menores F. S., nascido a -/08/2010 e E. S., nascida a -/08/2016, pedindo que «se declare aberta a instrução, nos termos do art.º 106.º da L.P.C.J.P., com vista à aplicação das medidas que se mostrarem adequadas à salvaguarda do bem-estar e desenvolvimento integral dos menores».
Em 29/01/2019, foi proferido o seguinte despacho: “Nos termos do disposto nos arts. 106º e 107º da LPCJP, declaro aberta a fase da instrução do presente processo judicial de promoção e proteção referente às crianças F. S., nascido a -.08.2010 e E. S., nascida a -.08.2016”.
Em 30/04/2019, foi proferida a seguinte decisão: “Tendo em conta o acordo que foi obtido e ao abrigo do disposto nos artigos 113.º, n.º 2 e 3, da L.P.C.J.P., homologo o acordo que antecede, aplicando às crianças E. S., nascida em -.08.2016 e F. S., nascido em -.08.2010, a medida de promoção e proteção de acolhimento residencial, nos termos do disposto no art.º 35.º 1, al. f) da LPCJP, com as condições e pelo prazo ali expressamente previstos”.
Em 08/05/2019, foi proferido o seguinte despacho: “Considerando o projeto de vida delineado pelo técnico coordenador do caso para os menores e face à posição da progenitora, apresente os autos com termo de vista à Senhora Procuradora da República para os fins tidos por convenientes”.
Em 22/05/2019, foi proferido o seguinte despacho: “Uma vez que se mostra inviável uma solução negociada, nos termos do art 114º, nº1 da LPPCJP, notifique os pais da E. S. e a Magistrada do MP para alegarem, por escrito, querendo, e apresentarem prova no prazo de 10 dias”.
Em sede de diligência, realizada em 21/09/2020, “pela progenitora e pelos avós paternos do F. S. foi dito que estão de acordo em alterar a regulação das responsabilidades parentais das crianças E. S. e F. S. nos seguintes termos: - As crianças ficam à guarda e cuidados de J. G. e M. F. , com quem ficam a residir em França, exercendo estes as responsabilidades parentais relativas aos atos de vida corrente das crianças bem como às questões de particular importância para a vida das mesmas, nomeadamente, no que respeita à saúde e educação. - Pelo menos uma vez por ano, J. G. e M. F. virão a Portugal e comprometem-se a avisar a progenitora da data e duração da estadia, com pelo menos uma semana de antecedência. - Quando em Portugal, J. G. e M. F. combinarão com a progenitora dia e local onde a mesma poderá estar com as crianças, mas sempre com a supervisão dos mesmos. - A título de alimentos devido às crianças, a mãe pagará mensalmente a J. G. e M. F., a quantia de 75,00€, para cada criança, até ao dia 8 de cada mês, sendo tal quantia paga através de transferência bancária para a conta com o IBAN de que a mãe já tem conhecimento (consigna-se que os alimentos são devidos desde a data da propositura da ação - art. 2006º do CC). A atualização automática dos montantes das prestações para alimentos às crianças anteriormente previstos será realizada anualmente, com início em janeiro de 2022, tendo em consideração a taxa de inflação que vier a ser publicada pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), mas nunca inferior a 3%. - As despesas de saúde, médico medicamentosas, não comparticipadas das crianças, serão a suportar pela progenitora e pelos requerentes em partes iguais, mediante apresentação de fatura comprovativa”, e foi proferida a seguinte sentença: “Uma vez que o acordo alcançado acautela os interesses das crianças E. S. e F. S. , homologo, por sentença, o presente acordo nos seus precisos termos, que julgo válido quer pelo seu objeto, quer pela qualidade das partes, condenando as partes nas obrigações assumidas – ver os artºs. 1906.º, do CC, 34.º, n.º 1, 37.º, n.º 2 do RGPTC e 290.º n.ºs 3 e 4 do CPC…”.
Em 25/11/2021, foi proferido o seguinte despacho: “Atento todo o teor da informação de 19/11/2020, decido manter a medida protectiva de acolhimento residencial das crianças F. S. e E. S.”.

Na data de 19/08/2021, o Ministério Público elaborou promoção nos seguintes termos:

“No dia 21.09.2020 foram reguladas as responsabilidades parentais das crianças E. S. e F. S. nos seguintes termos:
- As crianças ficam à guarda e cuidados de J. G. e M. F., com quem ficam a residir em França, exercendo estes as responsabilidades parentais relativas aos atos de vida corrente das crianças bem como às questões de particular importância para a vida das mesmas, nomeadamente, no que respeita à saúde e educação.
Decorridos quase onze meses J. G. e M. F., a favor de quem ficaram reguladas as responsabilidades parentais da criança E. S., nascida a 18.08.2016, ainda não diligenciaram pela resolução dos problemas burocráticos para concretizarem as referidas responsabilidades que assumiram por acordo, permanecendo esta na Casa de Acolhimento onde está desde que nasceu.
Tal situação é inadmissível e suscetível de reverter a decisão anteriormente tomada.
Por outro lado o mandatário dos requerentes apesar de pedir prorrogação de prazo nada veio dizer aos autos após o decurso do prazo por ele próprio solicitado.
Assim, p. se notifique de novo J. G. e o seu mandatário para informarem, porque motivo a criança E. S. ainda se encontra na C.A. devendo os mesmos serem advertidos das consequências legais para o caso de ignorarem esta notificação.
Mais p. se notifique o técnico da ATT, que acompanhou o caso, para se pronunciar sobre a situação da E. S., da necessidade de reabertura dos autos de promoção e proteção relativamente à mesma em face da posição assumida por J. G. e M. F., que, até à data, não obstante se terem comprometido perante o Tribunal, nada fizeram para retirar a criança E. S. da C.A. e levá-la para a sua residência em França, assumindo, assim as responsabilidades parentais da criança”.
Através de requerimento apresentado em juízo na data de 06/09/2022, J. G. e M. F., responsáveis parentais da menor E. S. e F. S., vieram declarar que “… 5. Ora, face ao exposto e à idade dos requerentes e da menor E. S., que ao contrário do F. S. exige outra destreza física, consideramos que estes não se encontram capazes de dar resposta às necessidades da menor E. S., pelo que entendemos que a regulação do exercício das responsabilidades parentais da deve ser revista, de forma a acautelar o superior interesse da criança”.
Em 09/09/2021, foi proferido o seguinte despacho: “Considerando o teor dos autos e a posição do Ministério Público, concatenando com o informado por J. G. e M. F., julga-se reaberto o processo de promoção e proteção referente à criança E. S. – cfr. art.º 106.º, n.º 1 e n.º 2 da LPCJP. Com cópia do requerimento que antecede a douta promoção solicite à ATT que, com urgência, reavalie a situação da E. S., com vista a determinar qual a medida protetiva a aplicar e o projeto de vida - cfr. art.º 108.º da LPCJP”.
Foi realizada a conferência prevista no art. 112º da LPCJP, no âmbito da qual foi proferido o seguinte despacho: “Inexistindo acordo, nomeadamente no que diz respeito a consentimento para adopção da criança E. S., impõe-se dar lugar ao cumprimento ao disposto no artº. 114º, nº. 1, da L.P.C.J.P., notificar os sujeitos lá identificados, para querendo, alegar por escrito e apresentarem prova, no prazo de 10 dias”.
O Ministério Público apresentou alegações, requerendo que «a criança E. S. seja confiada à instituição onde se encontra com vista à sua futura adopção - artºs 35º, n.º 1, al. g), e 38º-A, al. b), ambos da LPCJP», com fundamento, essencialmente, no seguinte: «inicialmente estes autos de promoção e proteção foram abertos na sequência de uma sinalização referente ao irmão uterino da E. S., F. S., filho de T. S. e de D. G. na CPCJ Braga, em junho de 2016, determinando a reabertura de processo que já fora instaurado em seu benefício por duas vezes - Agosto de 2012 e Abril de 2014 - sempre por negligência/comportamentos inadequados da progenitora; a progenitora entretanto ficou grávida da E. S. e, na sequência da gravidez e do nascimento desta, agravou-se a sua instabilidade emocional, psicológica e psiquiátrica, assumindo-se impotente para cuidar dos filhos; a CPCJ deliberou o acolhimento residencial de ambas as crianças que ocorreu em novembro de 2016 com a concordância da progenitora; em janeiro de 2019, o processo foi remetido a Tribunal por incumprimento do acordo por parte da progenitora; porque a progenitora continuava com a prática da prostituição, sendo este o seu meio primordial de subsistência, o pai do F. S. residia em França e, por força da regulação das responsabilidades parentais, tinha visitas supervisionadas ao filho, muito esporádicas e sem qualidade emocional ou afetiva, não existindo, então, qualquer contacto da família paterna do F. S. com a Instituição com vista à realização de convívios ou pelo menos para se inteirarem do seu estado, foi proposta, pela ATT, fosse aplicada a favor do F. S. e da E. S. a medida de confiança a Instituição com vista a futura adopção; a progenitora não deu o consentimento para a confiança a Instituição com vista a futura adopção dos mesmos pois “gostava que os seus filhos continuassem na instituição, onde a mesma os podia visitar”; no dia 22.08.2019 o pai do F. S. faleceu num acidente de trabalho, tendo os progenitores deste, J. G., M. F., avós paternos do F. S. e M. L., irmã consanguínea, requerido visitas ao F. S. e revelado pretenderem a guarda do F. S. e, eventualmente, da sua irmã E. S., e realizada diligência no dia 21.09.2020, aqueles assumiram querer levar o F. S. para França juntamente com a irmã E. S., para não separar os irmãos mantendo-os num projeto de vida comum, a progenitora concordou que fossem reguladas as responsabilidades parentais do F. S. e da E. S. a favor de J. G., M. F. e que os mesmos fossem viver para França; foram reguladas as responsabilidades parentais das crianças E. S. e F. S., as quais ficaram à guarda e cuidados de J. G. e M. F., com quem ficam a residir em França, exercendo estes as responsabilidades parentais relativas aos actos de vida corrente das crianças bem como às questões de particular importância para a vida das mesmas, nomeadamente, no que respeita à saúde e educação; mantiveram-se as crianças na C.A. até irem para França e, em dezembro de 2020, J. G. e M. F. levaram o F. S. para França; após várias notificações do tribunal para informarem porque motivo a criança E. S. ainda se encontrava na C.A. vieram, J. G. e M. F., informar que pretendiam a revisão da regulação das responsabilidades parentais da criança E. S.; a E. S. perfez cinco anos de idade no dia 18 de Agosto e está institucionalizada desde novembro de 2016; a progenitora evidencia sintomatologia psicótica, alterações de pensamento e percetivo cognitivos e alucinações auditivas, continua a ser medicada, sendo que, por vezes, negligencia a administração da medicação; apesar do esforço da progenitora para agradar à filha, a E. S. não revela vínculo afetivo por esta, centrando-se o interesse da criança nos presentes, nos lanches e nas guloseimas que a mãe trás e em jogar no telemóvel da mesma; a E. S. recusa-se muitas vezes a conversar com a mãe, remetendo-se ao silêncio e raramente corresponde aos mimos da mãe; desde o início de maio do corrente ano de 2021, a progenitora tem se apresentado mais agressiva verbalmente, ansiosa, implicativa, instável emocionalmente, pouco colaborante, maldisposta, inconstante, não aceitando nada do que lhe é dito ou sugerido, manifestado alterações repentinas de humor e com discurso incoerente; ao nível das competências parentais, a progenitora continua a revelar dificuldades, como por exemplo, não insistindo com a E. S. quando esta não quer comer mais, não a conseguindo controlar ou contrariar quando esta faz birra, comprando-lhe tudo o que a criança pede e deixando-a fazer tudo o que lhe apetece; a progenitora vive isolada, sem qualquer suporte social, nomeadamente de amizade ou familiar, vivendo com um companheiro que nunca demonstrou interesse pela E. S.; a família materna alargada da E. S. reside no Brasil e durante todo este percurso temporal nunca estabeleceu contactos ou tentou sequer envolver-se com esta criança; a progenitora não reúne condições para assumir com competência os cuidados da E. S., atendendo aos problemas de saúde mental e socio-comportamentais e não administração da medicação, associados à psicose de que a mesma padece, não se perspetivando que a progenitora venha a exercer com responsabilidade, capacidade e competência o seu papel de mãe; encontra-se irremediavelmente comprometida a integração desta criança no seio da sua família biológica, nuclear ou alargada; J. G. e M. F. também não se constituem alternativa uma vez que apesar de terem sido reguladas as responsabilidades parentas a seu favor não levaram a E. S. para o seu lar em França, não estabeleceram qualquer vínculo afetivo com ela, e decorrido quase um ano da regulação das responsabilidades parentais vieram dizer que não podiam assumir o compromisso tomado e que “a regulação do exercício das responsabilidades parentais da deve ser revista”; é do superior interesse da E. S. a aplicação de medida que garanta o seu direito e necessidade de crescer em família, onde venha a encontrar cuidadores que lhe assegurem a satisfação das suas necessidades, inclusive as afetivas e com quem possam estabelecer vínculos estáveis, securizantes e continuados».
E. S., através da patrona que lhe foi nomeada, apresentou alegações, defendendo, essencialmente, que: «a mãe da menor apresenta um quadro de psicose, mas é necessário averiguar os comportamentos da pessoa, o seu desenvolvimento, a sua receptividade à medicação e terapias, o seu suporte e apoio familiar; a mãe da menor encontrou um novo companheiro, há cerca de dois anos, com quem mantém um relacionamento estável; a existência deste companheiro na vida da progenitora, que demonstra ser uma pessoa séria e trabalhadora, aliada a uma maior estabilidade emocional e financeira, poderá significar uma nova abordagem a esta situação; a mãe da menor tem amor pela filha, bem como também a menor parece ter apego à progenitora, vendo-a como a sua mãe; não se mostram inexistentes ou seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação, nem tão-pouco está provado persistir ainda um perigo grave para a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da menor; a medida de confiança a pessoa seleccionada para a adopção ou a instituição com vista a futura adopção só deverá ser adoptada quando esteja afastada a possibilidade de retorno da criança ou do jovem à sua família natural; neste processo, a E. S. tem uma família que quer assumir as funções parentais, ainda que porventura necessite do apoio da comunidade, pelo que essa via deverá também ser explorada».
A Progenitora apresentou alegações, requerendo que «seja aplicada à menor a medida que melhor salvaguarde o seu superior interesse, que se entende ser a integração junto da sua mãe T. S. e companheiro M. N.», com fundamento, essencialmente, no seguinte: «mantém com a menor contactos frequentes, nos moldes estipulados pela Instituição onde a mesma reside, sempre a visitou, interagiu com a mesma, brincando com ela, dando mimo, colo e atenção, sempre participou, nas rotinas de higiene, cuidados, mostrando preocupação pelo bem-estar da mesma, mostrando interesse na evolução e crescimento da filha, sempre teve a preocupação e anseio em agradar e acarinhar a filha levando-lhe roupas, produtos de higiene, lanches e mesmo guloseimas, e sempre manteve o vínculo com a menor e sempre ansiou e anseia residir com a mesma, que nunca mostrou repudio nos contactos com a mãe, nem se mostrou ansiosa, nervosa ou instabilidade com a presença desta; a mãe da menor alterou o seu percurso de vida, abandonando por completo a prostituição, bem como deixou de consumir bebidas alcoólicas, e passou a fazer trabalhos como empregada de limpeza; a mãe da menor mantém um discurso logico, espontâneo e adequado, submeteu-se a tratamento e avaliação, antevê a ligação com os filhos e ao longo destes anos evidenciou-se uma “clara melhoria do quadro psicopatológico” da mesma, e deveria ter-lhe sido facultada “Formação Específica ao nível das Competências Parentais”, o que nunca se veio a concretizar; o companheiro da mãe da menor é empresário de construção civil, é divorciado, tem filhas maiores de idade e está ciente do seu papel em proporcionar um ambiente familiar estável e saudável à menor, tendo já manifestado tal propósito junto de técnicos da Segurança Social; existe uma alternativa para salvaguarda do interesse da menor, sem necessidade de atribuição de confiança judicial para futura adopção; com o apoio e ajuda do companheiro, poder-se-á acautelar uma retaguarda de condições favoráveis ao desenvolvimento da menor, dando-se com isto proteção do princípio da prevalência da família na promoção de direitos e na proteção e, sobretudo, o do superior interesse da menor, devendo determinar-se que sejam averiguadas todas as condições objetivas e subjetivas que a mãe e seu companheiro reúnem; dada a alternativa supramencionada, para salvaguarda o interesse da menor, devem ser aplicadas medidas nos termos do artigo 39.º e seguintes da lei 147/99».
Realizado o debate judicial, foi proferido acórdão com o seguinte decisório: “Face ao exposto entende-se que a medida de confiança a instituição com vista a adopção é aquela que melhor assegura e defende o superior interesse de E. S., nascida a 18.08.2016 – cfr. art.º 35.º, n.º 1, al. g) da LPCJP - o que se decreta em conformidade. Fica a progenitora de E. S., T. S. inibida do exercício das responsabilidades parentais – cfr. art.º 1978.º-a do C.Civil…”.
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1.2. Do Recurso da Progenitora

Inconformada com o acórdão, a Progenitora interpôs recurso de apelação, pedindo que «a decisão proferida seja substituída por outra que não iniba a mãe da menor das responsabilidades parentais e que não confie judicialmente a menor a instituição para futura adopção», e formulando as seguintes conclusões no final das respectivas alegações:

“I. A mãe da menor E. S., não se conforma com o teor da decisão proferida que aplicou, a Medida de Confiança a Instituição com vista a adopção, inibindo a mãe da menor T. S. do exercício das Responsabilidades Parentais;
II. Dos fundamentos do presente recurso: Erro de julgamento, nulidade da sentença nos termos do disposto nas alíneas, c) do n°1 do artigo 615° do CPC, violação do artigo 69° da CRP e artigos 3°, n°1, 4°, alíneas a) e b) todos do LPCJP, n° 1 do artigo 662° do CPC e dos n°s 5 e 6 do artigo 36°, o n° 1 do artigo 67° e 68° da CRP; a alínea g) do n° 4 da LPCJP; bem como violação dos direitos da progenitora. Impugnação da matéria de facto; Medida de promoção e proteção a aplicar.
III. Entende a recorrente que a sentença violou o disposto no artigo 4º da L.P.C.J.P., o qual estabelece os princípios orientadores da intervenção, nomeadamente o da defesa do interesse superior da criança e do jovem, o da intervenção mínima, o da proporcionalidade e atualidade, o da responsabilidade parental e o da prevalência na família.
IV. De todas as medidas previstas e consagradas no artigo 35º das L.P.C.J.P., a prevista na alínea g) é a mais gravosa e irreversível; não sendo raros os casos de adopção que têm redundado em insucesso, apesar de todo o empenho dos adotantes e que nos mostram jovens ansiosos pelo conhecimento e regresso à sua verdade biológica.
V. Podemos constatar dos relatórios elaborados que a mãe da menor evoluiu favoravelmente desde a data que começou a ser acompanhada pela equipa médica conforme referem os relatórios clínicos tornou-se mais comunicativa, mais estável, discurso coerente, alterou a sua forma de vida. Nunca deixou de visitar a menor na instituição, sempre na medida do permitido manteve laços de afeição e grande apego com a sua filha.
VI. Relativamente ao alegado acerca da D. T. S. padecer de doença de ordem psíquica impeditiva de cuidar da E. S., nenhum elemento clinico demonstra qualquer impossibilidade da mesma ou nem sequer se demonstrou que tipo de doença mental poderá ter padecido.
VII. Conforme foi referido pela médica psiquiatra (Dra. S. A.), a única enquanto médica que poderá fazer diagnósticos ou emitir pareceres médicos, “não há um diagnóstico claro” que permita aferir de existência de doença de foro mental e das suas limitações.
VIII. E relativamente aos relatórios médicos, elaborados há mais de um ano, a Dra. S. A., psiquiatra, explica que “os relatórios são válidos para aquela altura, referindo ainda que “é possível que esteja recuperada” nesta data e “não estou a dizer que apsicose dela obrigasse a tomar medicação para estar compensada”.
IX. Ou seja, não se demonstrou ou provou a existência de qualquer doença de foro mental que impeça ou ponha em causa as capacidades da mãe, logo não poderia decidir-se como se decidiu.
X. A medida decretada pelo Tribunal a quo não encontra apoio na matéria de facto provada, pois não se demonstrou com elementos concretos e atualizados que mãe da menor padeça de uma condições de saúde que a torne incapaz.
XI. A decisão violou o artigo 69° da CRP e artigos 3°, n° 1,4°, alíneas a) e e) e 34°, alíneas a) e b) todos da LPCJP;
XII. A sentença violou o n°s 5 e 6 do artigo 36°, o n° 1 do artigo 67° e 68° da CRP; a alínea g) do n" 4 da LPCJP, o artigo 1903° do CC e artigo 9° da Convenção Sobre os Direitos da Criança;
XIII. Ora, o superior interesse da menor não foi minimamente acautelado na decisão sob censura. Não conseguimos alcançar qualquer prova feita que justifique a confiança judicial para futura adopção, quando no seio da sua família pode alcançar-se a finalidade da lei removendo a existência de um eventual perigo e alcançar um processo de desenvolvimento saudável e afetivo para esta criança;
XIV. Existem PONTOS DA MATÉRIA DE FACTO QUE A RECORRENTE CONSIDERA INCORRETAMENTE JULGADOS. Em 7 dos factos provados é referido que “A progenitora entretanto ficou grávida da E. S. e, em consequência da gravidez e do nascimento desta, agravou-se a sua instabilidade emocional, psicológica e psiquiátrica, assumindo-se impotente para cuidar dos filhos.”
XV. Segundo a testemunha F. M., com depoimento gravado prestado no dia 08 de novembro de 2021 desde 15:00: 47 aos minutos 15: 23:47, da gravação, refere:
Questionada pelo Sr. Juiz acerca do momento em que passou a acompanhar a mãe da E. S., responde:
Havia suspeita que o F. S. (irmão mais velho da E. S.) poderia ficar sozinho principalmente à noite, abrimos um processo.
Constatamos que a D. T. S. começou a ficar muito cansada, ela normalmente era muito arrumada tinha as coisas sempre muito arrumadas e quando lá chegávamos dizia: eu já não faço como fazia, já não sou boa mãe como antes, pronto. Notava-se que estava deprimida no pós parto até que um dia nos sentamos e ela começou a chorar. Ela pronto, sentia-se muito cansada.
Começou a chorar e nós fizemos-lhe uma proposta que a D. T. S. aceitou que foi acolhimento residencial para os dois (de minutos 03.03 a minutos 06.50 da gravação).
Senhor Juiz
Vocês iam lá duas vezes por semana, não era?
_ Sim, sim
E diga-me uma coisa, em termos de saúde, em termos de reações a D. T. S. estava normal?
_ Não, ela não estava normal porque já não se comportava como anteriormente.
Concretize, concretize em factos?
_ Olhe, o chorar e verbalizar que não
E os cuidados da E. S.?
_ Impecáveis, isso eu não posso
Mas porque iam lá duas vezes por semana?
_ Porque havia um recém-nascido. Ela tinha um recém-nascido e tinha um tipo de vida que penso que todos sabem e tínhamos medo que ela os deixasse, que ela os negligenciasse no que é mais básico. (De minutos 07:00 a minutos 08:50 da gravação).
Porque foi aberto um processo?
_ Ela deixava o filho F. S. à noite com uma amiga brasileira.
E não era com mais pessoas?
_ Não. A gravidez como decorreu?
_ Era Vigiada. Não havia negligência em relação ao F. S. e ela tinha um comportamento adequado, embora com a gravidez se mostrasse muita ansiedade e com a gravidez da E. S. foi o caos (gravação de minutos 10.00 a minutos 11.40).
Encaminharam-na para algum tratamento psicológico?
_ Sim, para a psiquiatria.
Sabe o que lhe foi diagnosticado? Falou com ela sobre isso?
_ Eu não sei exatamente.
Até quando ficou com vocês?
O processo ficou connosco até o processo da E. S. Ir para a instituição. (gravação de minutos 18:45 a minutos 19. 10).
Mandatária da mãe da menor E. S.
É frequente isto acontecer numa senhora que foi mãe há pouco tempo?
_ É, é. Daí que vigiamos mais.
As visitas que lhe fizeram foram nos primeiros dias?
_ Três meses no máximo.
(minutos 21:20 a minutos 21: 40 da gravação)
XVI. Relativamente aos factos considerados provados em 9 “após o acolhimento, a saúde mental da progenitora agravou-se, tendo-lhe sido diagnosticada sintomatologia psicótica, alteração de pensamento e da perceção e começava a demonstrar incapacidade para cuidar de si própria e dos filhos; em 29. “Pelo menos até há um ano atrás a progenitora evidenciava sintomatologia psicótica, alterações de pensamento e perceção cognitivos e alucinações auditivas; em 30. “Deixou de tomar a medicação, injetável e não vai às consultas de psiquiatria e psicologia”.
Segundo a testemunha Dra. S. A., médica psiquiatra que acompanhou a mãe da menor, com testemunho prestado no dia 08 de novembro de 2021, de 15:25:58 a 15:47:12 da gravação digital quando questionada pelo Sr. Juiz se à D. T. S. lhe foi diagnosticada alguma doença, esta refere:
_ Não, não houve um diagnóstico claro portanto ela nunca lhe foi feito um diagnóstico específico. A T. S. apresentou alterações emocionais na altura que também estaria numa altura de vida difícil, e ela foi medicada. Ela teve mais que uma medicação e a última medicação que faria que era o tal injetável (de minutos 02.45 a 03:40 da gravação).
E era para quê? quando prescreve uma medicação tem em conta a patologia apresentada ou lá o que for?
_ A medicação tem várias indicações. A sintomatologia que a D. T. S. apresentava era desconfiança e muito medo e foi prescrita esta medicação que surtiu efeito e na altura foi prescrito o injetável por uma questão de facilidade.
O injetável era com que periodicidade?
_ Mensal
Porquê?
_ Está provado que neste tipo de medicação a libertação é mais estável e (---) evita que possam alterar a absorção.
Prescreveu o injetável foi por questões fisiológicas ou foi por outra questão qualquer? Havia qualquer suspeita da D. T. S. não tomar os comprimidos?
_ Ela tomava. Muito provavelmente foi combinado com ela e havia até esquecimentos que quando aconteciam ela assumia.
Então ela assumia que não tomava?
_ Ora bem, se eu de manhã me esquecer da medicação e entretanto tiver dores entretanto vou tomar a medicação. É normal esquecermo-nos da medicação, está provado cientificamente que toda a gente se esquece e então é também por isso que está cientificamente demonstrado que o injetável é uma mais-valia.
Nós temos demonstrado em Tribunal que o injetável aplica-se quando é preciso assegurar que a pessoa tome??
_ Não é este o caso.
Eu ainda não acabei…que a pessoa tome a medicação e nunca nos foi dito que era por uma questão de conveniência.
_ por isso mesmo é que juntamente com a paciente se equacionou a possibilidade de fazer o injetável. (gravação de 03:50 a 7.30)
A Sra. Doutora já fez constar nos relatórios que enviou, confirma o que enviou nos relatórios ou tem alguma coisa a alterar nos relatórios?
_ para confirmar ou infirmar eu precisava de os ouvir.
Mas a senhora costuma escrever alguma coisa e depois muda de opinião? Os relatórios que enviou para o tribunal são da sua responsabilidade, o que escreveu.
_ Eu queria esclarecer, as coisas que escrevemos a dada altura podem não ser iguais anos depois.
_ Eu confirmo que fiz os relatórios e são válidos na data em que os fiz, só nessa data. (testemunho gravado de 07:30 a 10:20 da gravação).
A instância da Sra. Procuradora
Estamos em Dezembro de 2021 estamos com uma criança de cinco anos que pode ser confiada para adopção, a D. T. S. com uma psicose que lhe diagnosticou, não teria de tomar este injetável todos os meses? A pergunta é simples, sim ou não? Ela pode se ter recuperado automaticamente ao fim de um ano sem vocês, isso é possível?
_ Sim, é. É (depoimento gravado de 11.30 a 15:28).
_ Vamos lá ver, ela teve sintomas compatíveis com uma psicose e as psicoses é muito vasto e há psicoses que podem ser reativas breves e há psicoses que podem durar mais algum tempo, que podem ser do tipo de vida da pessoa e até…
Conforme se afere das declarações supra da médica psiquiatra, esta cabalmente explica por diversas vezes que não existiu um diagnóstico preciso de qualquer psicose à mae da menor E. S..
Mas até há um ano atrás a psicose mantinha-se?
_ Ela estava bem, ela estava compensada e se me pergunta assim sem a medicação é possível que ela esteja descompensada? É. E sem a medicação é possível que esteja bem? Também é. Percebe? Há psicoses que nós diagnosticamos e não temos dúvidas nenhumas e outras. E não é só isso, o diagnóstico desta paciente desde início foi muito difícil de estabelecer.
Mas teve uma ação da sua parte que foi receitar-lhe medicação?
_ Porque entendi que seria o mais benéfico mas não posso dizer que seja obrigatório ela estar medicada para estar compensada como em outras psicoses, está a perceber.
Não percebo o que a está a inibir?
_ Eu quero acrescentar aqui, dizer que o facto de ser doente não quer dizer que vá estar doente toda a vida.
Sr. Juiz: Não sabe, não sabe. (depoimento gravado de 15:28 a 21:03)
Por sua vez a testemunha, Dra. S. D., psicóloga que acompanhou a mãe da menor, com testemunho prestado no dia 08 de novembro de 2021, de 15:48:24 a 16:00:39 da gravação digital quando questionada acerca da D. T. S., designadamente porque foi encaminhada para a consulta, esta responde:
_ foi feito um pedido pelo médico assistente (de 03:30 a 03:49).
Há um ano deixou de a ver? Recorda-se da D. T. S.? (de 03:049 a 05:01)
_ Sim, mas o motivo não. A D. T. S. melhorou muito, deixou de beber, arranjou trabalho.
A D. T. S. será capaz exercer as capacidades parentais, tem alguma coisa a dizer do ponto de vista profissional?
_ Não a veja há mais de um ano, não vou opinar obviamente. (de 9:20 a 10:35)
E antes?
_ Ela estava bem em termos emocionais, tinha deixado de beber, estava efetivamente a trabalhar, a vida muito mais organizada. Isto do ponto de vista psicopatológico.
XVII. Não se demonstrou que atualmente a D. T. S. padeça ou sofra de qualquer patologia limitativa ou impeditiva do exercício das responsabilidades parentais. E dos testemunhos supra mencionados temos de concluir também que mesmo admitindo que a D. T. S. deixou a medicação, não se fez qualquer prova, existindo uma ausência total de prova que tal medicação é necessária ou imprescindível.
XVIII. Quanto à matéria considerada provada em 40. “Desde início de maio do corrente ano de 2021, a progenitora tem-se apresentado mais agressiva verbalmente, ansiosa, implicativa, instável emocionalmente, pouco colaborante, maldisposta, inconstante, não aceitando nada do que lhe é dito ou sugerido, manifestando alterações repentinas de humor e com discurso incoerente”; em 45. “A progenitora assume que deixou de tomar a medicação porque não confia nos psiquiatras e que eles querem pôr-lhe a cabeça adormecida para ela fazer tudo o que eles querem; e em 46. “Verbaliza que não tem doença nenhuma e que, sem medicação sente-se mais capaz de tomar decisões”. Os factos considerados provados assentaram essencialmente em declarações do técnico da ATT, Dr. C. V. que, mantendo sempre o mesmo discurso, alicerçando o que refere única e exclusivamente na eventual psicose que efetivamente nem a médica psiquiatra conseguiu diagnosticar. Segundo o testemunho do Dr. C. V., técnico da ATT, com depoimento gravado no dia 8 de dezembro de 2021, desde 14:28:32 a 14:58:39 quando lhe é questionado pelo Sr. Juiz se tem alguma apreensão em relação à D. T. S. e se esta tem alguma condição médica associada, refere:
_ Oscilações psicoemocionais e comportamentais e no processo constam dois relatórios da Dra. S. A. e da Dra. S. D. que são relativos a 2019, depois referenciam certas melhorias, referenciam abstinência do álcool, a toma assertiva da medicação e referem que nos últimos tempos já exerce uma atividade profissional, mas deixa-me apreensivo porque em relatório da equipa técnica da instituição ela está em incumprimento da medicação. Refere que não é nenhuma tola e que não precisa da medicação, que a medicação lhe dá sonolência e que não é nenhuma deficiente, (com declarações gravadas 03:38 a 06: 02).
XIX. Ora, conforme foi referido pela médica psiquiatra não existem elementos de prova ou nada nos afiança que alguma vez a senhora T. S. tenha padecido de um tipo de psicose e a mesma poderá estar recuperada.
XX. Assim, se os peritos médicos não conseguiram traçar um diagnóstico preciso, não poderão o técnico da Segurança Social, a Diretora técnica do Colégio ou outros auxiliares de educação da instituição onde está a residir a menor fazê-lo.
XXI. E, o tribunal ao considerar como provados tais factos fê-lo apenas com base apenas nestas opiniões, ignorando os testemunhos de duas médicas.
XXII. Por parte da mãe da menor E. S. verificou-se uma franca evolução, mantendo um comportamento adequado, um discurso assertivo.
XXIII. Se atendermos ainda nos testemunhos de L. M., auxiliar de educação do Colégio Nossa ..., com depoimento gravado no dia 8 de dezembro de 2021 de 16:28:36 a 16:40:26, esta refere que:
“a mãe da E. S. gosta muito da filha. A D. T. S. tem muita atenção ao cabelo, à higiene da menina, à roupa, traz gel de banho, roupa. E a E. S. gosta que a mãe lhe traga muitas coisas. (gravação 03:00 a 03:50 da gravação).
E, dos contactos que tem com a mesma, na visita semanal de 60 minutos refere “A mãe da E. S. é muito atenciosa.” Gravação de 04;20 a 14:40 da gravação.
Ou seja, segundo esta funcionária que a D. T. S. “é atenciosa” contrariamente ao referido acerca da alegada agressividade para com os funcionários.
XXIV. Relativamente à matéria considerada como factos provada, em 48. ao nível das competências parentais…deixando-a fazer tudo o que lhe apetece” por exemplo ao não insistir com a E. S. quando ela não quer comer mais. Ora, se considerar-mos o provado em 32, em que as visitas decorrem no parque durante 60 minutos, e admitindo que as refeições não se fazem no parque durante a hora da visita, logo temos de considerar que o alegado não fará sentido, pelo que não poderá considerar-se tal facto como provado ou justificativo para considerar o mesmo como provado.
XXV.O facto da alegada incapacidade da progenitora não conseguir controlar a menor quando esta faz birra, comprando-lhe tudo o que a criança pede, não pode ser censurável ao ponto de a tornar incapaz para cuidar da filha. Essa alegada incapacidade de dizer não ou criar limites não é de todo por si só impedimento ao exercício das responsabilidades parentais.
XXVI. Em qualquer família devidamente estruturada, tais comportamentos existem, mas se compararmos a situação em apreço, os condicionalismos em que decorrem as visitas, a própria monitorização das visitas, menos censura merecerá uma mãe que está sob o escrutínio de terceiros, em visitas vigiadas, durante sessenta minutos.
XXVII. Além disto, se a cedência a caprichos a birras por parte dos pais fosse motivo de inibição de responsabilidades parentais, tendo por base o não obrigar a comer certos alimentos, comprando-lhe prendas de forma inusitada, seria absurdo porque poucos pais passariam em crivo tão apertado.
XXVIII. Quanto ao considerado em 49. Dos factos acerca da progenitora viver isolada, sem qualquer suporte social, nomeadamente de amizade ou familiar, vivendo com um companheiro que nunca demonstrou interesse, efetivo, pela E. S., tal não tem correspondência com o provado.
XXIX. Conforme é esclarecido pela testemunha, Dr. C. V., se para além da mãe existe mais alguém com condições objetivas para receber a menor e a testemunha de 06:32 a 08:30 referiu:
_ Eu sei que desde há cerca de aproximadamente dois anos e segundo declarado pela D. T. S. ela estabeleceu uma relação e que segundo ela ainda mantém com um companheiro mas eu queria referir que se já conhece este companheiro há dois anos certo é que no outro despacho judicial proferido poderia ser uma solução para a E. S. e foi deliberado no âmbito da regulação das responsabilidades parentais que a E. S. iria com o irmão uterino F. S. para França porque os avós se disponibilizaram em assumir a guarda da E. S. também sendo que ultimamente a D. T. S. não pôs grandes entraves e deu consentimento nesse sentido e nesse sentido certo é que nessa altura já tinha um companheiro que poderia interceder junto da D. T. S. para que acriança pudesse ficar com a mãe.
Sr. Juiz
A mãe da menor, a D. T. S. alguma vez lhe falou do companheiro? solicitou que ele fosse ouvido?
_ Eu tive o prazer de o conhecer numa entrevista o companheiro, cheguei a conversar com ele e temos que ver que ele também já é uma pessoa de uma certa idade e eu falo assim porque tem a mesma idade que eu. Ele tem 58 anos e ela tem 39 é um senhor muito apagado. E o senhor tem consciência que numa possibilidade muito remota, muito remota sabe as implicações que são as responsabilizar-se com o devido rigor, com a devida atenção, com a devida proteção de uma criança de 5 anos de idade? E ele respondeu que “estou disponível para dar o meu melhor a favor dessa criança”.
Mas predispôs-se a acolher a E. S.?
_ Sim, predispôs-se. (conforme testemunho gravado de 22:31 A 26:17 da gravação digital)
XXX. Do testemunho supra, a D. T. S. não vive isolada, tem um companheiro que se prontificou a colaborar e a fazer o melhor por essa criança, mas como o Sr. Técnico da Segurança Social o considerou velho não explorou, não indagou, não elaborou qualquer relatório nesse sentido, não emitiu qualquer parecer, omitindo essa possibilidade de retaguarda para uma eventual fragilidade por parte da mãe.
XXXI. E, a isto acresce o facto do irmão da E. S., o F. S. ter sido entregue aos avós paternos que possuem mais de 80 anos.
XXXII. Em suma, o tribunal decidiu como decidiu tendo por base documentos, relatórios desajustados, desatualizados.
XXXIII. Não tendo promovido ou providenciado por relatórios atualizados e ajustados à realidade.
XXXIV. Devendo, por conseguinte, a sentença recorrida ser revogada nos pontos supra mencionados, devendo ser substituída por outra considere como não provados os factos mencionados em 7, 9, 29, 30, 40, 45, 46, 48 (2) e 49 da sentença recorrida.
XXXV. Pelo que, por não se conformar a recorrente com a decisão proferida, deverá a mesma ser substituída por outra que não iniba a mãe da menor das responsabilidades parentais;
XXXVI. Que não seja confiada judicialmente a menor a instituição para futura adopção”.

O Ministério Público contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso da Progenitora.
*
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito suspensivo.
Foram colhidos os vistos legais.
* * *
2. OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A DECIDIR

Por força do disposto nos arts. 635º/2 e 4 e 639º/1 e 2 do C.P.Civil de 2013, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (as conclusões limitam a esfera de actuação do Tribunal), a não ser que se tratem de matérias sejam de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, ou que sejam relativas à qualificação jurídica dos factos (cfr. art. 608º/2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, nº2, in fine, e 5º/3, todos do C.P.Civil de 2013).
Mas o objecto de recurso é também delimitado pela circunstância do Tribunal ad quem não poder conhecer de questões novas (isto é, questão que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que “os recursos constituem mecanismo destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis” (3) (pela sua própria natureza, os recursos destinam-se à reapreciação de decisões judiciais prévias e à consequente alteração e/ou revogação, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida (4)).

Neste “quadro legal” e atentas as conclusões do recurso de apelação interposto pela Progenitora/Recorrente, são três as questões a apreciar por este Tribunal ad quem:

A) Se decisão recorrida padece de nulidade processual «nos termos da alínea c) do nº1 do art. 615º do CPC»;
B) Se a decisão recorrida deve ser alterada quanto à matéria de facto (provada e não provada);
C) Se a medida aplicada consistente na confiança a instituição com vista a adopção deve ser mantida ou deve ser substituída por outra.
* * *
3. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

No acórdão ora impugnado, o Tribunal a quo considerou como provados os seguintes factos:

1. E. S., nasceu a - de Agosto de 2016 e é filha de T. S..
2. F. S., nasceu a - de Agosto de 2010 e é filho de D. G. e de T. S..
3. Os presentes autos de promoção e proteção foram abertos na sequência de uma sinalização referente ao irmão uterino da E. S., F. S., na CPCJ de Braga, em junho de 2016, determinando a reabertura de processo que já fora instaurado em seu benefício por duas vezes – Agosto de 2012 e Abril de 2014 – sempre por negligência/comportamentos inadequados da progenitora.
4. Esta sinalização foi efetuada pela pediatra da criança F. S. que temia pela sua segurança porque a progenitora tinha alucinações auditivas, mas não recorria a ajuda médica de qualquer espécie.
5. Inicialmente foi aplicada, em benefício do F. S., a medida de apoio junto da mãe, que veio a ser prorrogada por duas vezes.
6. A progenitora por diversas vezes, essencialmente de noite, deixava o F. S. aos cuidados de vizinhos ou pessoas amigas da mesma, para exercer prostituição.
7. A progenitora entretanto ficou grávida da E. S. e, na sequência da gravidez e do nascimento desta, agravou-se a sua instabilidade emocional, psicológica e psiquiátrica, assumindo-se impotente para cuidar dos filhos.
8. A CPCJ deliberou o acolhimento residencial de ambas as crianças que ocorreu em Novembro de 2016 com a concordância da progenitora.
9. Após o acolhimento, a saúde mental da progenitora agravou-se, tendo-lhe sido diagnosticada sintomatologia psicótica, alteração do pensamento e da perceção e começava a demonstrar incapacidade para cuidar de si própria e dos filhos.
10. Em janeiro de 2019, o processo foi remetido a Tribunal por incumprimento do acordo por parte da progenitora.
11. Porque a progenitora continuava com a prática da prostituição, sendo este o seu meio primordial de subsistência, o pai do F. S. residia em França e, por força da regulação das responsabilidades parentais, tinha visitas supervisionadas ao filho, esporádicas e sem qualidade emocional ou afetiva, não existindo, então, qualquer contacto da família paterna do F. S. com a instituição com vista à realização de convívios ou pelo menos para se inteirarem do seu estado, foi proposta, pela ATT, que fosse aplicada a favor do F. S. e da E. S. a medida de confiança a Instituição com vista a futura adopção.
12. No dia 08 de maio de 2019, a progenitora deu o consentimento para os menores continuarem acolhidos na casa de acolhimento onde se encontravam, não dando o consentimento para a confiança a instituição com vista a futura adopção dos mesmos.
13. Notificado o progenitor do F. S., nos termos do artigo 114º da LPCJ veio o mesmo, no dia 17.06.219, em sede de alegações, informar ter regressado a Portugal, onde já tinha um trabalho, tendo um projeto de vida para o F. S., com um ambiente familiar para o acolher, comprometendo-se a estabelecer o contacto próximo com a mãe e com a irmã, discordando e não autorizando que se mantenha a medida de acolhimento do seu filho e muito menos uma medida de adopção, requerendo a entrega do F. S..
14. No dia -.08.2019 o pai do F. S. faleceu num acidente de trabalho.
15. Na sequência do falecimento do progenitor do F. S., os progenitores deste, J. G. e M. F., avós paternos do F. S. e M. L., irmã consanguínea, requereram visitas ao F. S. e revelaram pretenderem a guarda do F. S. e, eventualmente, da sua irmã E. S.. 16. Efetuaram visitas na instituição e aproximaram-se do F. S..
17. Em 12-12-2019, porque os avós paternos do F. S. vieram informar que apenas pretendiam acolher o F. S., foi, novamente, encaminhado o processo da E. S. para debate judicial.
18. Realizada diligência no dia 21.09.2020, onde estiveram presentes os avós paternos do F. S., o técnico da SS, a Diretora da C.A e a progenitora, aqueles assumiram querer levar o F. S. para França juntamente com a irmã E. S., para não separar os irmãos mantendo-os num projeto de vida comum.
19. Tal obteve parecer favorável do técnico da SS e da Diretora da Casa de Acolhimento.
20. A progenitora concordou que fossem reguladas as responsabilidades parentais do F. S. e da E. S. a favor de J. G., M. F. e que os mesmos fossem viver para França.
21. Foram, então, reguladas as responsabilidades parentais das crianças E. S. e F. S. nos seguintes termos:
a. - As crianças ficam à guarda e cuidados de J. G. e M. F., com quem ficam a residir em França, exercendo estes as responsabilidades parentais relativas aos atos de vida corrente das crianças bem como às questões de particular importância para a vida das mesmas, nomeadamente, no que respeita à saúde e educação.
b. - Pelo menos uma vez por ano, J. G. e M. F. virão a Portugal e comprometem-se a avisar a progenitora da data e duração da estadia, com pelo menos uma semana de antecedência.
c. Quando em Portugal, J. G. e M. F. combinarão com a progenitora dia e local onde a mesma poderá estar com as crianças, mas sempre com a supervisão dos mesmos.
d. A título de alimentos devido às crianças, a mãe pagará mensalmente a J. G. e M. F., a quantia de 75,00€, para cada criança, até ao dia 8 de cada mês, sendo tal quantia paga através de transferência bancária para a conta com o IBAN de que a mãe já tem conhecimento. (consigna-se que os alimentos são devidos desde a data da propositura da ação - art. 2006º do CC).
e. A atualização automática dos montantes das prestações para alimentos às crianças anteriormente previstos será realizada anualmente, com inicio em janeiro de 2022, tendo em consideração a taxa de inflação que vier a ser publicada pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), mas nunca inferior a 3%.
f. As despesas de saúde, médico medicamentosas, não comparticipadas das crianças, serão a suportar pela progenitora e pelos requerentes em partes iguais, mediante apresentação de fatura comprovativa.
22. Mantiveram-se as crianças na C.A. até irem para França.
23. Em dezembro de 2020, J. G. e M. F. levaram o F. S. para França.
24. Alegando dificuldades na atribuição de nacionalidade portuguesa à criança E. S. nunca a levaram para França, não obstante já constar da CAN desta criança, desde 27.11.2020, serem eles os titulares das responsabilidades parentais.
25. Foram alegando no processo dificuldades na obtenção da nacionalidade portuguesa para a E. S..
26. Após várias notificações do Tribunal para informarem porque motivo a criança E. S. ainda se encontrava na C.A. vieram, J. G. e M. F., no dia 06.09.2021 informar que a M. F. foi sujeita a uma intervenção cirúrgica, que a mesma ficou hospitalizada, com problemas de saúde, tendo condicionadas as suas capacidades física e motora, razão pela qual pretendiam a revisão da regulação das responsabilidades parentais da criança E. S..
27. A E. S. perfez cinco anos de idade no dia 18 de Agosto e está institucionalizada desde Novembro de 2016.
28. A progenitora, desde o início de 2016, é acompanhada pelo Corpo Clínico do Departamento de Psiquiatria e Psicologia do Hospital de ... – Dr.ª S. A. e Dr.ª S. D..
29. Pelo menos até há um ano atrás a progenitora evidenciava sintomatologia psicótica, alterações de pensamento e percetivo cognitivos e alucinações auditivas.
30. Deixou de tomar a medicação, injectável e não vai às consultas de psiquiatria e psicologia.
31. A progenitora visita a E. S. no Colégio da Nossa ..., uma vez por semana, durante 60 minutos.
32. As visitas decorrem no parque e são sempre monitorizadas.
33. Ultimamente a progenitora tem alterado frequentemente o dia da visita por estar indisposta.
34. Durante as visitas, continua a existir interação entre a E. S. e a mãe.
35. A progenitora brinca com a E. S., dá mimo, colo e atenção, levando roupa, produtos de higiene, brinquedos, guloseimas e lanches para a filha.
36. No dia de aniversário da E. S. (-.08.2021) a progenitora preparou a festa da filha na casa de acolhimento.
37. E. S. não revela vínculo afetivo pela progenitora, centrando-se o interesse da criança nos presentes, nos lanches e nas guloseimas que a mãe trás e em jogar no telemóvel da mesma.
38. A E. S. recusa-se muitas vezes a conversar com a mãe, remetendo-se ao silêncio e raramente corresponde aos mimos da mãe.
39. No final das visitas, a E. S., recorrentemente, não quer dar um beijo nem abraço à mãe e quando o faz é com esforço ou por sugestão de terceiros, não apresentado choro nem tristeza no momento da separação.
40. Desde o início de maio do corrente ano de 2021, a progenitora tem se apresentado mais agressiva verbalmente, ansiosa, implicativa, instável emocionalmente, pouco colaborante, maldisposta, inconstante, não aceitando nada do que lhe é dito ou sugerido, manifestado alterações repentinas de humor e com discurso incoerente.
41. Nas últimas visitas à C.A. a progenitora tem implicado com diversas colaboradoras daquela instituição, construindo histórias sem nexo nem sentido.
42. No sábado, dia 25 de setembro de 2021, a progenitora telefonou para a E. S. que, porque estava a brincar, recusou falar com a mãe.
43. No dia seguinte, a progenitora telefonou para a casa de acolhimento, alterada, referindo que no dia anterior a filha recusou falar com ela ao telefone porque a colaboradora M. G. estava a trabalhar e que esta não deixava a menina falar com ela.
44. Ao final da tarde e aos fins de semana, a progenitora tem telefonado incessantemente para a casa de acolhimento para falar com a filha e para saber se ela está bem. Quando a E. S. não pode atender, a progenitora descontrola-se e é desagradável com as colaboradoras.
45. A progenitora assume que deixou de tomar a medicação porque não confia nos psiquiatras e que eles querem pôr-lhe a cabeça adormecida para ela fazer tudo o que elas querem.
46. Verbaliza não ter doença nenhuma e que, sem medicação, sente-se mais capaz de tomar decisões.
47. Sempre que contrariada ou chamada a atenção, a progenitora protesta e mostra-se agressiva verbalmente, não aceitando o que lhe é dito ou sugerido, falando de forma desconexa.
48. Ao nível das competências parentais, a progenitora continua a revelar dificuldades, como por exemplo, não insistindo com a E. S. quando esta não quer comer mais, não a conseguindo controlar ou contrariar quando esta faz birra, comprando-lhe tudo o que a criança pede e deixando-a fazer tudo o que lhe apetece.
49. A progenitora vive isolada, sem qualquer suporte social, nomeadamente de amizade ou familiar, vivendo com um companheiro que nunca demonstrou interesse, efectivo, pela E. S..
50. A família materna alargada da E. S. reside no Brasil e durante todo este percurso temporal nunca estabeleceu contactos ou tentou sequer envolver-se com esta criança.
No mesmo acórdão ora impugnado, o Tribunal a quo considerou como não provados os seguintes factos:
51. A progenitora tenha um relacionamento estável, ao nível emocional e financeiro.
52. O companheiro da T. S. está a reconstruir uma casa que possui em Palmeira e logo que termine as ditas obras pretendem mudar-se para lá.
53. O companheiro da T. S. é divorciado, tem filhas maiores de idade e está ciente do seu papel em proporcionar um ambiente familiar estável e saudável à filha da T. S..
54. Uma vez que acompanha e apoia a T. S. pretende servir de ajuda e retaguarda nos cuidados à menina.
55. A progenitora deixou a prostituição.
56. Não consome álcool.
* * *
4. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Da Nulidade da Decisão Recorrida

Importa ter presente que as nulidades da decisão (sentença, ou despacho) constituem vícios intrínsecos da própria, deficiências da respectiva estrutura, o que não é confundível com o erro de julgamento, ou sequer com um alegado erro na forma de processo.
Prescreve o art. 615º do C.P.Civil de 2013 (na parte que aqui releva):

“1 - É nula a sentença quando:… c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;…”.

A causa de nulidade prevista na alínea c) assenta numa ideia de que os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão funcionam como premissas lógicas necessárias para a formação do silogismo judiciário: logo, quando numa sentença se expende uma argumentação que se baseia em determinados pressupostos de direito e de facto, os quais apontam inequivocamente para uma solução, mas se verifica que, a final, é tomada uma decisão que é oposta àquela solução, então “ocorre uma violação das regras necessárias à sustentação lógica da sentença, de tal maneira que nem se conseguirá dizer se a sentença fez uma correcta ou uma errada aplicação do direito, porque a mesma encerra em si um vício lógico de tal maneira grave que a torna inaproveitável como sentença” (5).
Explicam Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto (6) que “entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa da nulidade da sentença”.
Pode afirmar-se que esta nulidade está directamente conexionada com a obrigação de fundamentação da decisão prevista nos arts. 154º e 607º/3 e 4 do C.P.Civil de 2013, e com necessidade da sentença constituir um silogismo lógico-jurídico em que a decisão deverá ser a conclusão lógica da norma legal (premissa maior) com os factos (premissa menor) (7).
Este caso de nulidade, enquanto vício de natureza processual, “não se confunde com o erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide mal - ou porque decide contrariamente aos factos apurados ou contra lei que lhe impõe uma solução jurídica diferente” (8).
Em resumo, como se decidiu no Ac. do STJ de 09/02/2017 (9), “Ocorre a nulidade prevista no art. 615º, nº1, al. c) do CPC quando os fundamentos referidos pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente, não se verificando quando a solução jurídica decorreu de interpretação dos factos, diversa da pretendida pelo arguente”.
Em sede de recurso, a Progenitora/Recorrente limita-se a defender a «nulidade da sentença nos termos do disposto nas alíneas, c) do n°1 do artigo 615° do CPC» - cfr. conclusão «II».
Analisando o teor desta “escassa” argumentação, verifica-se que não é identificada qualquer oposição entre os fundamentos invocados e a decisão tomada: com efeito, a Recorrente limita-se a identificar uma norma legal em que fundamenta a invocada nulidade, omitindo em absoluto qual é o concreto fundamento/pressuposto em que se alicerçou o raciocínio da decisão e que está (poderia estar) em oposição com o conteúdo do decisório, frisando-se que, como decorre das restantes conclusões formuladas, a pretensão recursória da revogação da medida confiança judicial da crianç alicerça-se, essencialmente, na alteração de vários pontos de facto (que, no seu entender, devem ser eliminados da matéria de facto provada e passar a integrar a matéria e facto não provada), o que, por si só, demonstra (indirectamente) que existe total consonância entre os fundamentos de facto e os fundamentos de direito invocados na decisão recorrida e que o decisório está também em consonância com tais fundamentos, sendo que só a alteração de parte dos factos provados é que poderá sustentar e conduzir a uma decisão no sentido de aplicação de medida diferente.
Deste modo, não se verifica causa de nulidade prevista na alínea c) do nº1 do art. 615º (pode haver discordância da Recorrente relativamente à decisão, mas isso não configura esta nulidade).
Por conseguinte e sem necessidade de outras considerações, a resposta à presente questão, que no âmbito do recurso incumbe a este Tribunal ad quem apreciar, é necessariamente no sentido de que a decisão recorrida não padece da causa de nulidade invocadas e, por via disso, o recurso tem de improceder quanto a esta questão.
Frise-se que os outros preceitos legais indicados pela Progenitora/Recorrente na conclusão «II», e alegadamente violados pela decisão recorrida, não configuram, manifestamente, não configuram qualquer causa de nulidade processual da decisão, apenas constituindo fundamentos substanciais de eventual erro de aplicação ou de interpretação do direito.
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4.2. Da Alteração da Matéria de Facto

Nos termos do art. 640º/1 do C.P.Civil de 2013: “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
No que respeita à especificação dos meios probatórios, a alínea a) do nº2 do referido art. 640º, estatui que “Quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
Têm sido suscitadas dúvidas sobre se sobre se os requisitos do ónus impugnatório previsto neste art. 640º/1 devem figurar apenas no corpo das alegações ou se também têm que integrar as próprias conclusões, sob pena do recurso ser rejeitado (cfr. art. 635º/2 e 639º/1 do C.P.Civil de 2013). Porém, têm vindo a constituir entendimento pacífico do Supremo Tribunal de Justiça que: 1) o Recorrente tem sempre que indicar os «concretos pontos de facto» que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; 2) o Recorrente deve especificar, na motivação, os meios de prova, constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos, mas não sendo necessário que tal especificação também conste das conclusões; e 3) relativamente aos «pontos de facto» cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em «prova gravada», para além da supra referida especificação dos meios de prova, o Recorrente está obrigado a indicar, com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos, mas não sendo necessário que tal indicação conste das conclusões. Com efeito, entre outros decidiu o Ac. do STJ de 29/10/2015 (10), “1. Face aos regimes processuais que têm vigorado quanto aos pressupostos do exercício do duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto, é possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação - que tem subsistido sem alterações relevantes e consta actualmente do nº1 do art. 640º do CPC; e um ónus secundário – tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado, no seu conteúdo prático, ao longo dos anos e das várias reformas – indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exacta das passagens da gravação relevantes (e que consta actualmente do art. 640º, nº2, al. a) do CPC). 2. Este ónus de indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, não sendo justificada a imediata e liminar rejeição do recurso quando – apesar de a indicação do recorrente não ser, porventura, totalmente exacta e precisa, não exista dificuldade relevante na localização pelo Tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento - como ocorre nos casos em que, para além de o apelante referenciar, em função do conteúdo da acta, os momentos temporais em que foi prestado o depoimento complemente tal indicação com uma extensa transcrição, em escrito dactilografado, dos depoimentos relevantes para o julgamento do objecto do recurso” e entendeu-se no Ac. do STJ de 01/10/2015 (11) que “I – No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe. II - Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso. III - Não existe fundamento legal para rejeitar o recurso de apelação, na parte da impugnação da decisão da matéria de facto, numa situação em que, tendo sido identificados nas conclusões os pontos de facto impugnados, assim como as respostas alternativas propostas pelo recorrente, não foram, contudo, enunciados os fundamentos da impugnação nem indicados os meios probatórios que sustentam uma decisão diferente da que foi proferida pela 1.ª instância, requisitos estes que foram devidamente expostos na motivação. IV – Com efeito, o ónus a cargo do recorrente consagrado no art. 640º, do Novo CPC, não exige que as especificações referidas no seu nº 1, constem todas das conclusões do recurso, mostrando-se cumprido desde que nas conclusões sejam identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação” (12).
Nas suas conclusões a Progenitora/Recorrente invoca o erro de julgamento relativamente a oito «concretos pontos de facto provados», sustentando que «a sentença recorrida ser revogada nos pontos supra mencionados, devendo ser substituída por outra considere como não provados os factos mencionados em 7, 9, 29, 30, 40, 45, 46, 48 e 49 da sentença recorrida» - cfr. conclusões «XIV» a «XXXIV».
Perante o entendimento que supra se expôs, e que se acolhe e segue, as alegações da Progenitora/Recorrente, atento o conteúdo quer da respectiva motivação/fundamentação quer das respectivas conclusões, cumprem os requisitos formais (sendo que, nas conclusões, até se fez a especificação dos meios de prova, o que é desnecessário) na parte que respeita à impugnação dos factos provados nºs. 7, 9, 29, 30, 40, 45, 46, e 49.
Mas tais requisitos formais já não se mostram cumpridos quanto à impugnação do facto provado nº48: na verdade, percorrendo as alegações e também as conclusões na parte que respeitam à impugnação deste facto, em nenhum momento a Progenitora/Recorrente especifica qualquer meio de prova que, no seu entender, determinam uma decisão diversa (isto é, a não demonstração probatória deste facto), limitando-se a “tecer considerações” sobre «a possibilidade de impor regras em visitas de 60 minutos» e sobre «a incapacidade de criar limites não ser por si só impedimento ao exercício das responsabilidades parentais». Assim sendo, porque não se mostra cumprido o ónus de indicação dos meios de prova, não é legalmente inadmissível esta parte da impugnação da matéria de facto, pelo que não se conhece da mesma no que concerne ao facto provado nº48
Por força do disposto no nº1 do art. 662º do C.P.Civil de 2013, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes (ou os factos tidos como não provados, acrescentamos nós), a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Como refere Abrantes Geraldes (13), “Com a redacção do art. 662º pretendeu-se que ficasse claro que, sem embargo de correcção, mesmo a título oficioso, de determinadas patologias que afectam a decisão da matéria de facto (v.g. contradição) e também sem prejuízo do ónus de impugnação que recai sobre o recorrente e que está concretizado nos termos previstos no art. 640º, quando esteja em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos a livre apreciação, a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos, e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras da experiência… fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia… sem embargo, das modificações que podem ser oficiosamente operadas relativamente a determinados factos cuja decisão esteja eivada de erro de direito, por violação de regras imperativas, à Relação não é exigido, nem lhe é permitido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos a livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio foram valorados pelo Tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como se se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão da matéria de facto, indicou nas respectivas alegações que circunscrevem o objecto de recurso(os sublinhados são nossos).
A decisão de facto consiste na apreciação que o Tribunal faz, em função da prova produzida, sobre os factos alegados pelas partes (ou oportuna e licitamente adquiridos no decurso da instrução) e que se mostrem relevantes para a resolução do litígio, pelo que tal decisão tem por objeto os juízos probatórios parcelares, positivos ou negativos, sobre cada um desses factos relevantes, embora com o alcance da respetiva fundamentação ou motivação. Neste quadro, no âmbito do recurso, a apreciação do erro de julgamento da decisão de facto está circunscrita aos pontos impugnados, mas em termos de latitude da investigação probatória, o Tribunal da Relação tem um amplo poder inquisitório sobre a prova produzida que imponha decisão diversa, como decorre do estatuído no referido art. 662º/1 do C.P.Civil de 2013, incluindo os mecanismos de renovação ou de produção dos novos meios de prova, nos exatos termos das alíneas a) e b) do nº2 do mesmo preceito, sem estar adstrito aos meios de prova que tiverem sido convocados pelas partes e nem sequer aos indicados pelo tribunal recorrido: “… como é hoje jurisprudência seguida por este Supremo Tribunal, a reapreciação da decisão de facto impugnada pelo tribunal de 2.ª instância não se limita à verificação da existência de erro notório por parte do tribunal a quo, mas implica uma reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados, em termos de formação, por parte do tribunal de recurso, da sua própria convicção, em resultado do exame das provas produzidas e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir, para só, em face dessa convicção, decidir sobre a verificação ou não do erro invocado, mantendo ou alterando os juízos probatórios em causa” (14).
Em jeito de resumo e conclusão, traz-se aqui à colação o Ac. do STJ de 04/10/2018 (15), que define bem o “quadro” em que funciona a reapreciação da matéria de facto pelo Tribunal da Relação: “I. A apreciação da decisão de facto impugnada pelo Tribunal da Relação não visa um novo julgamento da causa, mas, antes, uma reapreciação do julgamento proferido pelo Tribunal de 1ª Instância com vista a corrigir eventuais erros da decisão. II. No âmbito dessa apreciação, incumbe ao Tribunal da Relação formar a seu próprio juízo probatório sobre cada um dos factos julgados em primeira instância e objeto de impugnação, de acordo com as provas produzidas constantes dos autos e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir [cfr. nº 2, als. a) e b) do artigo 662º do CPC], à luz do critério da sua livre e prudente convicção, nos termos do artigo 607.º, n.º 5, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. III. O Tribunal da Relação, tal como decorre do preceituado nos artigos 5º, nº2, alínea a), 640º, nº 2, alínea b) e 662º, nº1, todos do Código de Processo Civil, tem um amplo poder inquisitório sobre a prova produzida que imponha decisão diversa e não está adstrito aos meios de prova que tiverem sido convocados pelas partes nem aos indicados pelo Tribunal de 1ª Instância, apenas relevando o fator da imediação prevalecente em 1ª Instância quando o mesmo se traduza em razões objetivas. IV. Em sede de reapreciação da decisão de facto é conferido ao Tribunal da Relação o poder de se socorrer, mesmo oficiosamente, de todos os meios de prova constantes do processo bem como do uso a presunções judiciais, nos termos permitidos pelos artigos 349º e 351º, ambos do Código Civil” (os sublinhados são nossos).
Estatui o art. 607º/5 do C.P.Civil de 2013, que o “juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”, sendo que esta previsão resulta do disposto nos arts. 389º, 391º e 396º do C.Civil, respectivamente para a prova pericial, para a prova por inspecção e para a prova testemunhal. Porém, desta livre apreciação pelo juiz estão legalmente excluídos os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, aqueles que só possam ser provados por documentos ou aqueles que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes - cfr. 2ªparte do nº5 do referido art. 607º.
Toda a prova tem que ser apreciada segundo critérios de valoração racional e lógica do julgador, com recurso às regras da experiência e critérios de lógica: “… segundo o princípio da livre apreciação da prova o que torna provado um facto é a íntima convicção do juiz, gerada em face do material probatório trazido ao processo (bem como da conduta processual das partes) e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens; não a pura e simples observância de certas formas legalmente prescritas” (16).
A prova idónea (suficiente) alicerça-se num juízo de certeza (jurídica) e não um juízo de certeza material (absoluto): a prova “não é uma operação lógica visando a certeza absoluta (a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente)… a demonstração da realidade de factos desta natureza, com a finalidade do seu tratamento jurídico, não pode visar um estado de certeza lógica, absoluta,… A prova visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto” (17).
O juiz está vinculado a identificar quais os concretos meios probatórios que serviram para formar a sua convicção e a indicar as razões pelas quais, relativamente ao mesmo facto, concede maior credibilidade a um meio probatório em detrimento de outro de sinal oposto, sendo que este é caminho que evita que a «livre apreciação da prova» se transforme numa «arbitrária apreciação da prova»: o “juiz [de 1ª Instância] explicará por que motivo deu mais crédito a uma testemunha do que a outra, por que motivo deu prevalência a um laudo pericial em detrimento de outro, por que motivo o depoimento de certa testemunha tecnicamente qualificada levou à desconsideração de um relatório pericial ou por que motivo não deu como provado certo facto apesar de o mesmo ser referido em vários depoimentos. E é ainda assim por referência a certo depoimento e a propósito do crédito que merece (ou não), o juiz aludirá ao modo como o depoente se comportou em audiência, como reagiu às questões colocadas, às hesitações que não teve (teve), a naturalidade e tranquilidade que teve (ou não)” (18).
É inquestionável que, uma vez que é perante si que toda a prova é produzida, é o juiz da 1ªinstância quem se encontra na posição mais favorável e privilegiada para proceder à sua valoração, nomeadamente no que concerne especificamente à prova testemunhal: com efeito, atenta a respectiva imediação, o juiz da 1ª instância está totalmente habilitado a dectetar no comportamento das testemunhas todos os elementos relevantes para aferir da espontaneidade e credibilidade dos seus depoimentos, incluindo aqueles elementos frequentemente não transparecem da gravação (esta constitui apenas um registo «áudio», e não um registo «vídeo», pelo que não pode transmitir todo os comportamentos da testemunha que respeitam directamente às suas reacções que só observáveis através de imagem). Por conseguinte, a modificabilidade da matéria de facto só deverá ordenada quando, ao cumprir a supra referida incumbência de formar o seu próprio juízo probatório, o Tribunal da Relação conclua no sentido de que a prova produzida tem um sentido diverso e impõe uma decisão diferente da que foi proferida pelo Tribunal da 1ªInstância, ou seja, quando consiga alcançar um juízo certo e seguro de que existe erro de julgamento na matéria de facto (19). Como explica Ana Luísa Geraldes (20), “Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte”.
Ainda a propósito da decisão de facto, importa ter presente que, conforme resulta do disposto no art. 607º/4 do C.P.Civil de 2013, o Tribunal só deve responder aos factos que julga provados e não provados, não envolvendo esta pronúncia aqueles pontos que contenham matéria conclusiva, irrelevante ou de direito. Como se decidiu no Ac. do STJ de 28/09/2017 (21), “Muito embora o art. 646.º, n.º 4, do anterior CPC tenha deixado de figurar expressamente na lei processual vigente, na medida em que, por imperativo do disposto no art. 607.º, n.º 4, do CPC, devem constar da fundamentação da sentença os factos julgados provados e não provados, deve expurgar-se da matéria de facto a matéria susceptível de ser qualificada como questão de direito, conceito que, como vem sendo pacificamente aceite, engloba, por analogia, os juízos de valor ou conclusivos(o sublinhado é nosso).
Mas o mesmo STJ, através do seu aresto de 22/03/2018 (22), sustenta que a inexistência no C.P.Civil de 2013 de um preceito como o do art. 646º/4 do antigo C.P.Civil (que titulava de “não escrita” as respostas do coletivo sobre questões de direito) “não pode deixar de ter implicações no que concerne à atual metodologia no que concerne à descrição na sentença do que constitui «matéria de facto» e «matéria de direito»”No que concerne à decisão sobre a matéria de facto provada e não provada, não será indiferente nem o modo como as partes exerceram o seu ónus de alegação, nem a forma como o juiz, na audiência prévia ou em despacho autónomo, enunciou os temas da prova, tarefas relativamente às quais foram introduzidas no CPC importantes alterações que visaram quebrar rotinas instaladas e afastar os efeitos negativos a que conduziu a metodologia usualmente aplicada no âmbito do CPC de 1961… A matéria de facto provada deve ser descrita pelo juiz de forma mais fluente e harmoniosa do que aquela que resultava anteriormente da mera transcrição do resultado de respostas afirmativas, positivas, restritivas ou explicativas a factos sincopados que usualmente preenchiam os diversos pontos da base instrutória do CPC de 1961…”. Defende-se que, em face da modificação formal da produção de prova em audiência ter por objeto temas de prova e à opção da integração da decisão da matéria de facto no âmbito da própria sentença, “deve existir uma maior liberdade no que concerne à descrição da realidade litigada, a qual não deve ser imoderadamente perturbada por juízos lógico-formais em torno do que seja «matéria de direito» ou «matéria conclusiva» que apenas sirva para provocar um desajustamento entre a decisão final e a justiça material do caso... a patologia da sentença neste segmento apenas se verificará, em linhas gerais, quando seja abertamente assumida como «matéria de facto provada» pura e inequívoca matéria de direito…” (23).
Perante esta divergência no STJ, afigura-se-nos relevante o “caminho” indicado pelo Ac. da RG de 11/11/2021 (24): “Não obstante subscrevermos uma maior liberdade introduzida pelo legislador no novo (atual) Código de Processo Civil, entendemos que não constituem factos a considerar provados na sentença nos termos do disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 607º do Código de Processo Civil os que contenham apenas formulações absolutamente genéricas e conclusivas, não devendo também constituir «factos provados» para esse efeito as afirmações que «numa pura petição de princípio assimile a causa de pedir e o pedido»… De facto, se a opção legislativa tem subjacente a possibilidade de com maior maleabilidade se fazer o cruzamento entre a matéria de facto e a matéria de direito, tanto mais que agora ambos (decisão da matéria de facto e da matéria de direito) se agregam no mesmo momento, a elaboração da sentença, tal não pode significar que seja admissível a «assimilação entre o julgamento da matéria de facto e o da matéria de direito ou que seja possível, através de uma afirmação de pendor estritamente jurídico, superar os aspetos que dependem da decisão da matéria de facto»…” (os sublinhados são nossos).
Prosseguindo este “caminho” (e sabendo-se que a linha divisória entre a matéria de facto e a matéria de direito não é fixa, dependendo em larga medida dos termos em que a lide se apresenta), afigura-se-nos que os factos conclusivos não devem relevar (não podem integrar a matéria de facto) quando, porque estão diretamente relacionados com o thema decidendum, impedem ou dificultam de modo relevante a perceção da realidade concreta, seja ela externa ou interna, ditando simultaneamente a solução jurídica, normalmente através da formulação de um juízo de valor (25) e que é de acolher o ensinamento do Ac. da RP de 07/12/2018 (26): Acaso o objeto da ação esteja, total ou parcialmente, dependente do significado real das expressões técnico-jurídicas utilizadas, há que concluir que estamos perante matéria de direito e que tais expressões não devem ser submetidas a prova e não podem integrar a decisão sobre matéria de facto. Se, pelo contrário, o objeto da ação não girar em redor da resposta exata que se dê às afirmações feitas pela parte, as expressões utilizadas, sejam elas de significado jurídico, valorativas ou conclusivas, poderão ser integradas na matéria de facto, passível de apuramento através da produção dos meios de prova e de pronúncia final do tribunal que efetua o julgamento, embora com o significado vulgar e corrente e não com o sentido técnico-jurídico que possa colher-se nos textos legais” (o sublinhado é nosso) (27).
Frise-se que a questão de saber se um concreto facto integra um conceito de direito ou assume feição conclusiva ou valorativa constitui questão de direito, porquanto a sua apreciação não envolve um juízo sobre a idoneidade da prova produzida para a demonstração ou não desse facto enquanto realidade da vida ou sobre o acerto ou desacerto da decisão que o teve por provado ou não provado (28), e, por via disso, quando o recurso tem por objecto saber se um determinado facto julgado provado pelo tribunal contém ou não matéria conclusiva, ao abrigo dos seus poderes decisórios previstos no art. 662º do C.P.Civil de 2013, pode o Tribunal de Recurso, caso conclua afirmativamente, eliminá-lo do elenco dos factos provados (29): como se refere no Ac. da RG de 30/09/2021 (30), “Daí que a inclusão na fundamentação de facto constante da sentença de matéria de direito ou conclusiva configure uma deficiência da decisão, vício que é passível de ser conhecido, mesmo oficiosamente, pelo Tribunal da Relação, tal como decorre do artigo 662.º, n.º2, al. c), do CPC”.
Aqui chegados, cumpre, então, proceder à reapreciação dos pontos de facto impugnados pela Progenitora/Recorrente.
No que concerne aos factos provados nºs. 7 e 9, verifica-se que é peticionado que sejam considerados “como não provados”. Porém, atento os termos em que é realizada a concreta impugnação no recurso (quer nas alegações quer nas conclusões), verifica-se que efectivamente a Progenitora/Recorrente, relativamente ao facto provado nº7, apenas coloca em causa o segmento «agravou-se a sua instabilidade emocional, psicológica e psiquiátrica, assumindo-se impotente para cuidar dos filhos» (obviamente, não “contesta” a gravidez e o nascimento da E. S.), e, relativamente ao facto provado nº9, «a saúde mental da progenitora agravou-se, tendo-lhe sido diagnosticada sintomatologia psicótica, alteração do pensamento e da perceção e começava a demonstrar incapacidade para cuidar de si própria e dos filhos» (obviamente, também não “contesta” a existência da medida de acolhimento).
Na sentença recorrida, foi utilizada uma “técnica” de motivação em que são indicados os concretos meios de prova em que se alicerça a demonstração probatória da factualidade provada mas de uma forma global, isto é, sem uma indicação discriminada de qual o meio de prova (ou meios de prova) valorado para cada concreto ponto de facto provado (ou conjunto de pontos de facto provados), o que dificulta a percepção e a determinação de qual foi o concreto meio de prova (ou meios de prova) relevante para fundamentar cada ponto de facto provado, situação que pode determinar que o Tribunal ad quem imponha a remessa ao Tribunal a quo para que proceda à devida fundamentação da decisão sobre esses pontos de facto (cfr. art. 662º/2d) do C.P.Civil de 2013).
Em resultado dessa “técnica” de motivação, o Tribunal a quo não foi preciso na indicação dos meios de prova através dos quais formou o respectivo juízo no sentido de considerar provados os segmentos aqui em causa dos factos nºs. 7 e 9. Porém, é perceptível que as razões da demonstração probatória dos mesmos são “… O iter do processo, as informações da CPCJ, os vários requerimentos e seu respectivo conteúdo... A informação clínica. Do relatório clínico (junto aos autos a 20.3.2019), da especialidade de psiquiatria… resulta que a progenitora da E. S. é seguida na especialidade desde 2016, tendo sido registadas alterações do pensamento e da sensopercepção (alucinações auditivas). Apresentava discurso de teor persecutório. É medicada com fármaco antipsicótico e ansiolítico, com aumento de dose posterior… Em relatório da especialidade de psicologia, datado de 15.3.2019,… dá-se nota que a progenitora é seguida naquela especialidade desde inícios de 2016… S. A., médica psiquiatra, que acompanha a progenitora da E. S.… Reportou-se às alterações emocionais e de comportamento da progenitora da E. S., que foi medicada e as razões para tal (desconfiança, medo em relação ao entorno): à data foi diagnosticada uma psicose. Concretizou que a medicação passou a ser ministrada em forma de injectável, com duração mensal, já que a progenitora da E. S. se esquecia de tomar os comprimidos, o que provocava recaídas…. S. D., Psicóloga clínica no Hospital de ..., e que segue a progenitora da E. S.... Reportou-se à situação em conformidade com a informação clínica escrita por si prestada…”. Acresce (e até de forma principal) que, nas suas alegações, a Progenitora/Recorrente jamais invoca que a decisão recorrida é omissa quanto à fundamentação (motivação) destes pontos de facto. Assim sendo, e apesar da “técnica” utilizada não ser a mais recomendada, entende-se que, neste caso, não está verificada a situação prevista na alínea d) do referido art. 662º do C.P.Civil de 2013 («não estando devidamente fundamentada»), pelo que não se deve determinar (nem se determina) que o Tribunal a quo complete a decisão no que concerne à motivação do segmento impugnado dos factos provados nºs. 7 e 9.
E procedendo à reapreciação do julgamento proferido pelo Tribunal a quo sobre esta matéria, ouvidos todos os depoimentos prestados pela Progenitora e pelas testemunhas e analisando toda a prova documental apresentada nos autos, à luz do critério da livre apreciação e de prudente convicção, este Tribunal ad quem forma, necessariamente, um juízo probatório no sentido da demonstração dos segmentos factuais aqui em causa.

Tal demonstração probatória resulta do seguinte:

1) das declarações da própria Progenitora na CPCJ em 11/05/2016 (página 137 do requerimento de início do processo), em que reconhece que, nessa data, estava medicada pela psiquiatria, ou seja, admite que padecia de problemas de saúde mental mesmo antes do nascimento da E. S. que, recorde-se nasceu em Agosto de 2016 (sendo que, nas declarações que prestou em Tribunal em 08/05/2019, volta a reconhecer que padece de um problema de saúde mental, que concretiza ser «esquizofrenia», embora aqui não tenha precisado o seu início), o que é um elemento relevante elemento probatório, frisando-se que tais declarações nunca foram alvo de qualquer tipo de impugnação pela Progenitora;
2) do relatório de psicologia (elaborado pela testemunha S. D.) de 14/12/2016 (página 169 do requerimento de início do processo), no qual se atesta que «a Progenitora apresentava sintomatologia ansiosa, tinha iniciado processo psicoterapêutico em Março de 2016, e que atento o quadro clínico e psicopatologia apresentados, ainda nessa data, tinha que continuar a receber acompanhamento psicoterapêutico regular»; constitui um elemento probatório que comprova a existência do referido problema de saúde mental mesmo antes do nascimento da E. S. e, pelo menos, a sua manutenção após esse nascimento (o teor deste documento não foi objecto de impugnação pela Progenitora);
3) do relatório de psiquiatria (elaborado pela testemunha S. A.) de 16/12/2016 (página 170 do requerimento de início do processo), no qual se atesta que «a Progenitora foi a serviço de urgência em Novembro de 2016 apresentando queixas mesmo apesar de já estar medicada, não existindo remissão de sintomas mesmo apesar dessa medicação»; trata-se de outro elemento probatório que, claramente, indica um agravamento do problema de saúde mental, sendo que, nesta data, já havia nascido a E. S. e estava (contemporaneamente) a ser aplicada a medida de acolhimento (aplicação que, recorde-se, ocorreu precisamente em Novembro de 2016); também o teor deste documento não foi objecto de impugnação pela Progenitora;
4) da informação da médica de família de 09/12/2016 (página 172 do requerimento de início do processo), na qual se atesta que «a Progenitora tem antecedentes psiquiátricos de episódios conversivos/dissociativos e alterações de percepção há vários anos mas que foram agravados na última gestação, pelo que foi encaminhada para consultas de psiquiatria e psicologia, e que nem sempre cumpre o regime terapêutico»; estamos perante elemento probatório relevante que concretiza um agravamento do problema de saúde mental (com alterações na percepção), na sequência da gravidez e do nascimento (igualmente o teor deste documento não foi objecto de impugnação pela Progenitora);
5) do relatório social e a informação de 08/02/2017 da CPCJ (respectivamente a páginas 13/15 e 181/182 do requerimento de início do processo), nos quais se atesta que «a medida de acolhimento foi aplicada devido ao agravamento da instabilidade emocional, psicológica e psiquiátrico da Progenitora, sendo que esse agravamento ocorreu quer com a gravidez, quer com nascimento da E. S.» e que «aquela assumiu que se sentia impotente para cuidar dos filhos»; configuram elementos probatórios muito relevantes que confirmam o referido agravamento e que este até conduziu à aplicação medida de acolhimento, mas ainda mais confirmam um reconhecimento (da própria) da “incapacidade” para cuidar dos filhos (aliás, a Progenitora/Recorrente aceitou a aplicação da medida o que constitui, em si mesmo, um reconhecimento desta incapacidade), sendo que nenhum destes documentos foi objecto de impugnação pela Progenitora;
6) do relatório psiquiátrico (elaborado pela testemunha S. A.) de 15/03/2019 (junto aos autos através de email de 20/03/2019), no qual se atesta que «a Progenitora foi diagnosticada como padecendo de psicose, que teve um agravamento em 2016 (alterações de pensamento, fenómenos de inserção do pensamento, vivencias de influência corporal, e discurso de teor persecutório), que manteve medicação nos anos de 2017 e 2018 e foram feitas várias alterações da mesma, mas nunca houve remissão completa dos sintomas, ocorrendo toma irregular de medicação e abusos etílicos, o que dificulta o controlo dos sintomas psicóticos» e mais atesta que «tem vindo a apresentar degradação do seu estado em termos funcionais e cognitivo, e existe limitação no exercício das suas responsabilidades parentais»; este relatório configura mais um relevante elemento probatório que identifica (de forma muito clara) o problema de saúde mental que a afecta, que reforça a existência de um agravamento na sequência da gravidez/nascimento e mesmo após a aplicação da medida de acolhimento (com alterações de pensamento), e que reforça a existência de limitações das suas “capacidades parentais” (de novo, o teor deste documento não foi objecto de impugnação pela Progenitora);
7) do relatório de psicologia (elaborado pela testemunha S. D.) também de 15/03/2019 (junto aos autos através de email de 20/03/2019), no qual se atesta que «ao longo do processo, iniciado em 2016, a Progenitora tem demonstrado crescentes dificuldades nas suas competências parentais, acusando desorganização nas suas tarefas da vida diária, desorganização do pensamento e consumos alcoólicos excessivos»; estamos perante mais um relevante elemento probatório que reforça a continuação do agravamento (com alterações do pensamento) e reforça a existência de limitações das suas “capacidades parentais” (mais uma vez, a Progenitora não impugnou o teor deste documento);
8) e do relatório de perícia médico legal de 20/01/2020 (junto aos autos em 30/01/2002), no qual se atesta que é a própria Progenitora a referir «alterações do pensamento, ideias delirantes e alucinações auditivas, com início em 2016» e a referir que «com o nascimento do segundo filho a sua situação de saúde agravou-se, “eu sentia uma sensação que ia morrer ... comecei a ir à igreja, comecei a acreditar que era o Diabo ... acreditava que podia ser o diabo ou espíritos ... sentia quente e frio ... tremuras ... eu pensava que era energia negativa ... eu era tímida, mas de repente comecei a falar de tudo com as pessoas ... contava a vida toda ... sentia uma força a empurrar-­me ... ouvia coisas …”…»; constitui mais um relevante elemento probatório porque representa um reconhecimento (da própria) quer que está afectada de um problema de saúde mental quer do agravamento do mesmo na sequência da gravidez/nascimento (com alterações de pensamento e percepção), sendo que, similarmente, o teor deste documento não foi objecto de impugnação pela Progenitora.
Acresce que os depoimentos das testemunhas F. M., S. A. e S. D. não têm, manifestamente, o sentido que a Progenitora/Recorrente quis extrair deles (nem na parte que foi transcrita nas alegações, quer na parte não transcrita).
Por um lado, a testemunha F. M. foi inequívoca em afirmar que «a Progenitora estava mais instável durante a gravidez», que «o nascimento da E. S. foi o caos e a própria Progenitora afirmava não ser capaz de cuidar dos filhos», e que «foi recomendado à Progenitora recorrer a consulta de psiquiatria, o que sucedeu», o que tudo vai no sentido da existência do referido agravamento na sequência da gravidez/nascimento e da referida incapacidade para cuidar dos filhos, que são também confirmados pelos elementos probatórios supra identificados analisados (pelo que não se reterira do seu depoimento apenas de uma “mera depressão pós-parto”, como se pretende fazer crer em sede de recurso).
Por outro lado, nos depoimentos prestados em 08/11/2021, as testemunhas S. A. e S. D. apresentaram-se em juízo desacompanhadas de quaisquer elementos/registos clínicos, pelo que a esmagadora parte dos seus depoimentos consistiram em meras afirmações genéricas, imprecisas e inconsistentes (a testemunha S. A. até chegou a afirmar que não chegou a fazer diagnóstico à Progenitora, quando o seu relatório de 15/03/2019 é inequívoco de que a testemunha S. A., na qualidade de médica psiquiátrica, fez tal diagnóstico - «psicose» - e quando nas declarações que prestou em Tribunal, na data de 08/06/2020, afirmou expressamente que a progenitora «padece de psicose»), sendo que uma parte efectivamente relevante desses depoimentos consistiu precisamente na afirmação de que confirmavam o teor dos relatórios que elaboraram e que estão junto aos autos e que esse teor era válido, pelo menos, nas datas em que cada um deles foi elaborado. Ora, como supra se viu, os relatórios elaborados por estas testemunhas são claros no sentido da existência do problema de saúde mental e do seu agravamento, pelo que, ao contrário do que se quer fazer crer em sede de recurso, dos depoimentos destas testemunhas jamais se pode formar qualquer convicção de que «a progenitora não padeça ou sofra de qualquer patologia limitativa ou impeditiva do exercício das responsabilidades parentais» (aliás, nas respectivas alegações e conclusões, a Progenitora/Recorrente acaba por referir «actualmente», sendo que, nos factos aqui em causa, não está sequer a situação actual mas sim a situação contemporânea à gravidez, ao nascimento, à medida de acolhimento e ao espaço temporal que se seguiu à aplicação de tal medida; logo, aquela alusão a «actualmente» acaba por constituir um reconhecimento, pelo menos implícito, de que anteriormente, nos momentos temporais passados em causa nestes factos, tal realidade efectivamente ocorreu).
Perante as circunstâncias supra elencadas, e inexistindo qualquer prova credível em sentido contrário, este Tribunal ad quem gera uma convicção, segura e objectiva, no sentido da verificação de «agravou-se a sua instabilidade emocional, psicológica e psiquiátrica, assumindo-se impotente para cuidar dos filhos» e de «a saúde mental da progenitora agravou-se, tendo-lhe sido diagnosticada sintomatologia psicótica, alteração do pensamento e da perceção e começava a demonstrar incapacidade para cuidar de si própria e dos filhos» (saliente-se que, embora a expressão «instabilidade e psicológica e psiquiátrica» assume um caracter algo conclusivo, não estão diretamente relacionados com o thema decidendum, pelo que podem relevar em sede de matéria de facto).
Deste modo, inexiste qualquer fundamento para a decisão de facto ser alterada relativamente aos segmentos efectivamente impugnados dos factos provados nºs. 7 e 9.
No que concerne aos factos provados nºs. 29 e 30, verifica-se que é peticionado que sejam considerados “como não provados”.
Em resultado da já referida “técnica” de motivação, também aqui o Tribunal a quo não foi preciso na indicação dos meios de prova através dos quais formou o respectivo juízo no sentido de considerar provado os factos aqui em causa. Porém, também aqui, volta a ser perceptível que as razões da demonstração probatória dos mesmos são “… S. A., médica psiquiatra, que acompanha a progenitora da E. S.… Reportou-se às alterações emocionais e de comportamento da progenitora da E. S., que foi medicada e as razões para tal (desconfiança, medo em relação ao entorno): à data foi diagnosticada uma psicose. Concretizou que a medicação passou a ser ministrada em forma de injectável, com duração mensal, já que a progenitora da E. S. se esquecia de tomar os comprimidos, o que provocava recaídas. Foi peremptória em afirmar que a progenitora da E. S. deixou de aparecer nas medicações injectáveis, há cerca de um ano, tentou-se contactar e a dita não deu resposta…. S. D., Psicóloga clinica no Hospital de ..., e que segue a progenitora da E. S.... Reportou-se à situação em conformidade com a informação clínica escrita por si prestada. Foi peremptória em afirmar que há mais de 1 ano que não vê a progenitora da E. S., uma vez que falta às consultas. C. F., Directora técnica da Casa de Acolhimento do Colégio Nossa ...…. Facticamente circunstanciada, desenvolveu rico discurso caracterizando todos os episódios de comportamentos inadequados da progenitora (v.g. T. S. diz que não toma a medicação; quando está instável liga 20 a 30 vezes para a instituição; “As vozes mandavam matar os filhos!!”; T. S. deixou de falar com as pessoas da instituição porque elas insistiam que tomasse a medicação)… L. M., auxiliar de educação na C.A. há 3 anos… A progenitora apresenta períodos de estabilidade e aprumo pessoal e outros há em que está descontrolada. Verbalizou que deixou de tomar a medicação em meados deste Verão porque achava que estava a ser manipulada… M. G., membro da equipa educativa do Colégio Nossa ...… Reportou-se ao facto da progenitora desde o Verão demonstrar um sentimento possessivo, é agressiva ao telefone; e revela odor a álcool, perceptível mesmo com a máscara. Descreveu um episódio em que a progenitora, em Junho/julho chorava em frente à E. S.…dizia que sonhava com os filhos….mostrava-se insegura, dizia que tinha medo…”. Acresce (e até de forma principal) que, nas suas alegações, a Progenitora/Recorrente jamais invoca que a decisão recorrida é omissa quanto à fundamentação (motivação) destes pontos de facto. Assim sendo, e apesar da “técnica” utilizada não ser a mais recomendada, entende-se que, neste caso, não está verificada a situação prevista na alínea d) do referido art. 662º do C.P.Civil de 2013 («não estando devidamente fundamentada»), pelo que não se deve determinar (nem se determina) que o Tribunal a quo complete a decisão no que concerne à motivação do segmento impugnado dos factos provados nºs. 29 e 30.
E procedendo à reapreciação do julgamento proferido pelo Tribunal a quo sobre esta matéria, ouvidos todos os depoimentos prestados pela Progenitora e pelas testemunhas e analisando toda a prova documental apresentada nos autos, à luz do critério da livre apreciação e de prudente convicção, este Tribunal ad quem forma, necessariamente, um juízo probatório parcialmente diferente da realidade que consta dos factos aqui em causa. Concretizando.
Com efeito, em primeiro lugar, de vários dos elementos probatórios analisados anteriormente (declarações que a Progenitora prestou em Tribunal em 08/05/2019; relatório psiquiátrico de 15/03/2019; e relatório de psicologia de 15/03/2019) resulta, clara e inequivocamente, que a Progenitora padece problema de saúde mental consistente numa «psicose», que lhe provocava «alterações de pensamento, fenómenos de inserção do pensamento, vivencias de influência corporal, e discurso de teor persecutório» e também «desorganização nas suas tarefas da vida diária, desorganização do pensamento», sendo que, apesar da medicação e das várias alterações da medicação, «nunca houve remissão completa dos sintomas» (também em razão da irregularidade na toma de medicação e dos abusos etílicos). Este “quadro clínico” manteve-se até à data da elaboração dos referidos relatórios (15/03/2019), sendo que a própria Progenitora, nas declarações prestadas em 08/05/2019, confirma padecer de esquizofrenia e ter tido alucinações, mas, nessa data, porque estava medicada, já não tinha alucinações.

Em segundo lugar, importa considerar os seguintes elementos probatórios:

1) os relatórios de psicologia (elaborado pela testemunha S. D.) de 18/12/2019 e de psiquiatria (elaborado pela testemunha S. A.) de 14/02/2020 (juntos aos autos a 20/02/2020) atestam que «a progenitora toma medicação injectável e mantém abstinência alcoólica, tendo havido uma melhoria do quadro clínico nos últimos meses» (relatório de psicologia) e «no último ano (relatório de psiquiatria), e «apresenta humor eutímico, e não havendo alterações do pensamento e da percepção»;
2) o sentido de tais relatórios é confirmado pelos depoimentos das testemunhas S. A. e S. D. prestados em Tribunal na data de 08/06/2020 e de 06/07/2020 respectivamente, e é confirmado pelo relatório de psicologia (elaborado pela testemunha S. D.) de 07/07/2020 (junto aos autos a 08/07/2020);
3) o relatório de perícia médico legal de 20/01/2020 (junto aos autos em 30/01/2020), no qual se atesta que, tendo a 1ª entrevista ocorrido em 12/08/2019, «no momento não apresenta sintomas da natureza psicótica, tendo havido maior adesão aos tratamentos e uma avaliação positiva do seu quadro, mas a avaliação indica alguma instabilidade emocional, sintomatologia depressiva, de ansiedade e somatização»;
4) e o relatório social acompanhamento de 23/07/2020 (junto aos autos através de email de 27/07/2020), informa sobre «melhorias significativas da progenitora porque cumpre medicação, comparece às consultas e está abstinente de álcool».
Destes elementos probatórios (frisando-se que nenhum dos documentos foi objecto de impugnação) resulta, clara e inequivocamente que, a partir de Abril/Maio de 2019 até pelo menos Julho de 2020, a Progenitora melhorou o seu “quadro clínico” em virtude de tomar medicação injectável regularmente, comparecer às consultas e de estar em abstinência alcoólica, deixando de apresentar sintomatologia psicótica, e alterações de percepção e de pensamento (note-se que é uma melhoria e não uma efectiva e definitiva cura da doença de que padece, como se pretender extrapolar em sede de recurso). Saliente-se que inexistiu qualquer prova credível em sentido contrário.

Em terceiro lugar, temos de ponderar os seguintes elementos probatórios:

1) nos depoimentos que prestaram em Tribunal na data de 08/11/2021, as testemunhas S. A. e S. D. foram muito claras e precisas na afirmação de que, desde há mais de um ano, a Progenitora deixou de tomar a medicação injectável e deixou de comparecer às consultas de psiquiatria e de psicologia, e apesar de terem tentado entrar em contacto com a mesma, nunca conseguiram falar com ela;
2) nos depoimentos das testemunhas C. F. (directora técnica da Casa de Acolhimento), M. M. (auxiliar de educação na C.A.) e M. R. (membro da equipa educativa da C.A.) foram unânimes a confirmar que, ultimamente, a própria Progenitora lhes diz que não toma a medicação;
3) e a informação da C.A. de 29/09/2021 (junto aos autos na mesma data) que comunica que «devido a alterações de comportamento, a equipa técnica questionou a Progenitora que “afirmou ter deixado de tomar a medicação porque não confia nos psiquiatras e que eles querem pôr-lhe a cabeça adormecida para ela fazer tudo o que nós queremos” e “não ter doença nenhuma e sem medicação sentir-se mais capaz de tomar decisões”» (o teor deste documento não foi objecto de impugnação pela Progenitora).
Ao conjunto destes elementos probatórios, soma-se a conduta processual da Progenitora/Recorrente de absoluta “demissão” de tentar (pelo menos) procurar produzir uma prova mínima nos autos de que continuou a fazer a medicação de que necessita e continuou a ter o devido acompanhamento psiquiátrico e psicológico (quiçá, através de outros profissionais de saúde), o que nunca sequer alegou, mas que, se tivesse ocorrido, seria uma realidade muito fácil de comprovar, mais acrescendo que, inquirida em Tribunal na data de 22/09/2021, a própria Progenitora afirma que «eu quero muito a minha filha, o que me impede de estar com a E. S. é o problema de saúde», o que configura um reconhecimento expresso de que se mantém doente, pelo que ainda mais incoerente se mostra aquela atitude processual.
Destes elementos probatórios (e na ausência de qualquer prova credível em sentido contrário) resulta, clara e inequivocamente que, pelo menos, desde Novembro de 2020, a Progenitora não vai às consultas de psiquiatria e de psicologia e deixou de tomar a medicação injectável.
Perante as circunstâncias supra elencadas, este Tribunal ad quem gera uma convicção, segura e objectiva, no sentido da verificação de uma realidade parcialmente distinta da que consta dos factos provados nºs. 29 e 30, mas não no sentido da sua não demonstração probatória, como pretendia a Progenitora/Recorrente em sede de recurso, pelo que existe fundamento para a decisão de facto ser alterada relativamente aos mesmos, nos seguintes termos:
- o facto provado nº29 passa a ter a seguinte redacção - «Pelo menos até Março de 2019, a progenitora evidenciava sintomatologia psicótica, alterações de pensamento e percetivo cognitivos e alucinações auditivas,»;
- adita-se o facto provado nº29A com a seguinte redacção - «Sendo que a partir de Abril/Maio de 2019 até pelo menos Julho de 2020, a Progenitora melhorou o seu “quadro clínico” em virtude de tomar medicação injectável regularmente, comparecer às consultas e de estar em abstinência alcoólica, deixando de apresentar sintomatologia psicótica, e alterações de percepção e de pensamento»;
- e o facto provado nº30 passa a ter a seguinte redacção - «Mas, pelo menos, desde Novembro de 2020, a Progenitora não vai às consultas de psiquiatria e de psicologia e deixou de tomar a medicação injectável».
No que concerne aos factos provados nºs. 40, 45 e 46, verifica-se que é peticionado que sejam considerados “como não provados”.
Mais uma vez, em resultado da já referida “técnica” de motivação, o Tribunal a quo não foi preciso na indicação dos meios de prova através dos quais formou o respectivo juízo no sentido de considerar provado os factos aqui em causa. Porém, mais uma vez volta a ser perceptível que as razões da demonstração probatória dos mesmos são “… C. F., Directora técnica da Casa de Acolhimento do Colégio Nossa ...… Caracterizou a progenitora da E. S. como sendo uma pessoa com períodos de agressividade e desconfiada, que lhe verbaliza que ouves vozes e que se mostrou instável. Facticamente circunstanciada, desenvolveu rico discurso caracterizando todos os episódios de comportamentos inadequados da progenitora (v.g. T. S. diz que não toma a medicação; quando está instável liga 20 a 30 vezes para a instituição; “As vozes mandavam matar os filhos!!”; T. S. deixou de falar com as pessoas da instituição porque elas insistiam que tomasse a medicação)… L. M., auxiliar de educação na C.A. há 3 anos… A progenitora apresenta períodos de estabilidade e aprumo pessoal e outros há em que está descontrolada. Verbalizou que deixou de tomar a medicação em meados deste Verão porque achava que estava a ser manipulada… M. G., membro da equipa educativa do Colégio Nossa ... e cuidadora das crianças…
Reportou-se ao facto da progenitora desde o Verão demonstrar um sentimento possessivo, é agressiva ao telefone; e revela odor a álcool, perceptível mesmo com a máscara. Descreveu um episódio em que a progenitora, em Junho/julho chorava em frente à E. S.…dizia que sonhava com os filhos….mostrava-se insegura, dizia que tinha medo…”. Acresce (e até de forma principal) que, nas suas alegações, a Progenitora/Recorrente jamais invoca que a decisão recorrida é omissa quanto à fundamentação (motivação) destes pontos de facto. Assim sendo, e apesar da “técnica” utilizada não ser a mais recomendada, entende-se que, neste caso, não está verificada a situação prevista na alínea d) do referido art. 662º do C.P.Civil de 2013 («não estando devidamente fundamentada»), pelo que não se deve determinar (nem se determina) que o Tribunal a quo complete a decisão no que concerne à motivação dos factos provados nºs. 40, 45 e 46.
Como resulta da transcrição supra, ao contrário do que a Progenitora/Recorrente invoca, em sede de recurso (cfr. conclusão «XVIII»), o Tribunal a quo não alicerçou a sua convicção quanto à demonstração probatória destes factos no depoimento da testemunha C. V..
Por outro lado, não se vislumbra qualquer relação entre o conteúdo das conclusões «XIX a XXII» e a demonstração probatória, ou não, dos factos aqui em apreço: com efeito, esta matéria factual reporta-se ao comportamento que a Progenitora tem apresentado na Casa de Acolhimento, e não se a mesma padece ou não de psicose (frise-se que a insistência daquela em afirmar que não lhe foi feito diagnóstico e/ou que nada demonstra que tenha padecido de psicose até “roça” a litigância de má fé perante os elementos probatórios que supra já foram considerados, analisados e valorados, alguns deles respeitantes ao reconhecimento pela própria da sua doença).
Acresce que, nas alegações e nas conclusões de recurso, a Progenitora/Recorrente em momento algum coloca em causa a credibilidade da parte dos depoimentos das testemunhas C. F., M. M. e M. R. em que o Tribunal a quo efectivamente motivou a prova dos factos em apreço.
Por fim, procedendo à reapreciação do julgamento proferido pelo Tribunal a quo sobre esta matéria, ouvidos todos os depoimentos prestados pela Progenitora e pelas testemunhas e analisando toda a prova documental apresentada nos autos, à luz do critério da livre apreciação e de prudente convicção, este Tribunal ad quem forma, necessariamente, um juízo probatório no sentido de está demonstrada a realidade que integra os factos em apreço.
Esta demonstração probatória resulta dos depoimentos das testemunhas C. F., M. M. e M. R. (que os confirmaram, como decorre da parte dos seus depoimentos transcrita na decisão recorria), em conjugação com o teor da informação da C.A. de 29/09/2021 (que supra já se identificou e que contém uma discriminação muito pormenorizada dos comportamentos que a Progenitora tem tido na Casa de Acolhimento, sendo que o teor deste documento não foi objecto de impugnação pela mesma), inexistindo qualquer prova credível em sentido contrário, pelo que, à luz do critério da livre apreciação e de prudente convicção, temos que concluir pela verificação desta realidade factual, havendo, no entanto, que precisar que os comportamentos da Progenitora em causa ocorrem nas visitas à Casa de Acolhimento, porque é isto que concretamente é comprovado pelos supra referidos elementos probatórios, e para que não existam quaisquer tipo de dúvidas sobre em que local e em que tipo de situação os mesmos são executados.

Deste modo, inexiste qualquer fundamento para a decisão de facto ser alterada relativamente aos factos provados nºs. 40, 45 e 46 nos termos indicados pela pretensão recursória (eliminação da matéria de facto), mas deve a mesma ser alterada nos seguintes termos:

- o facto provado nº40 deve passar a ter a seguinte redacção - «Desde o início de maio do corrente ano de 2021, nas visitas à C.A., a progenitora tem se apresentado mais agressiva verbalmente, ansiosa, implicativa, instável emocionalmente, pouco colaborante, maldisposta, inconstante, não aceitando nada do que lhe é dito ou sugerido, manifestado alterações repentinas de humor e com discurso incoerente»;
- o facto provado nº45 deve passar a ter a seguinte redacção - «Desde o início de maio do corrente ano de 2021, nas visitas à C.A., a progenitora assume que deixou de tomar a medicação porque não confia nos psiquiatras e que eles querem pôr-lhe a cabeça adormecida para ela fazer tudo o que elas querem,»
- e o facto provado nº46 deve passar a ter a seguinte redacção - «E verbaliza não ter doença nenhuma e que, sem medicação, sente-se mais capaz de tomar decisões».

E, por último, no que concerne ao facto provado nº49, verifica-se que é peticionado que seja considerado “como não provado”. Porém, atento os termos em que é realizada a concreta impugnação no recurso (quer nas alegações quer nas conclusões), verifica-se que, em concreto, a Progenitora/Recorrente apenas coloca em causa o segmento «a progenitora vive isolada,… companheiro que nunca demonstrou interesse, efectivo, pela E. S.» (não “contestando” a demonstração probatória do restante conteúdo deste facto).
Igualmente em resultado da referida “técnica” de motivação, o Tribunal a quo não foi preciso na indicação dos meios de prova através dos quais formou o respectivo juízo no sentido de considerar provado o facto aqui em causa. Porém, volta igualmente a ser perceptível que as razões da demonstração probatória dos mesmos são “…C. V., Técnico da Segurança Social que acompanha o caso da E. S.,… Referiu-se a ter entrevistado o companheiro da progenitora da E. S. que, mostrou disponibilidade, mas nunca revelou competências ou sequer viu a criança. Concretizou a inexistência de família alargada que suporte a progenitora da E. S.… C. F., Directora técnica da Casa de Acolhimento do Colégio Nossa ...… Foi peremptória em afirmar que procurou estimular que o companheiro da mãe da E. S. fosse à instituição, o que nunca ocorreu… L. M., auxiliar de educação na C.A. há 3 anos… Foi peremptória de que nunca viu a progenitora da E. S. na instituição com ninguém…”. Acresce (e até de forma principal) que, nas suas alegações, a Progenitora/Recorrente jamais invoca que a decisão recorrida é omissa quanto à fundamentação (motivação) deste ponto de facto. Assim sendo, e apesar da “técnica” utilizada não ser a mais recomendada, entende-se que, neste caso, não está verificada a situação prevista na alínea d) do referido art. 662º do C.P.Civil de 2013 («não estando devidamente fundamentada»), pelo que não se deve determinar (nem se determina) que o Tribunal a quo complete a decisão no que concerne à motivação do segmento impugnado do facto provado nº49.
Como resulta da transcrição supra, e ao contrário do que a Progenitora/Recorrente quer fazer crer em sede de recurso (cfr. conclusões «XXIX a XXX»), o Tribunal a quo não alicerçou a sua convicção quanto à demonstração probatória deste facto apenas no depoimento da testemunha C. V., mas sim e também (em parte) dos depoimentos das testemunhas C. F. e M. M..
Procedendo à reapreciação do julgamento proferido pelo Tribunal a quo sobre esta matéria, ouvidos todos os depoimentos prestados pela Progenitora e pelas testemunhas e analisando toda a prova documental apresentada nos autos, à luz do critério da livre apreciação e de prudente convicção, este Tribunal ad quem forma, necessariamente, um juízo probatório no sentido de que está demonstrada a realidade relativa ao «companheiro nunca ter demonstrado interesse, efectivo, pela E. S.», mas terá que ser eliminado deste facto a expressão «isolada», quer porque é manifestamente conclusiva (que só pode ser extraída a partir do restante conteúdo deste facto, e está diretamente relacionado com o thema decidendum, e até dificulta de modo relevante a perceção da realidade concreta nesta matéria), quer porque é manifestamente contraditória com o restante matéria que integra este facto (estando assente que a progenitora vive com um companheiro, não se pode, em simultâneo, concluir-se que está «isolada»).
A referida demonstração probatória resulta da conjugação dos depoimentos das testemunhas C. V., C. F. e M. M., que foram no sentido unânime de que o companheiro da Progenitora nunca visitou a criança nem nunca fez qualquer pedido nesse sentido (importando salientar que, ao contrário do que se quer fazer crer em sede de recurso, a afirmação que o companheiro fez à testemunha C. V. no sentido de que se «predispunha a acolher a E. S.» mostra-se absolutamente inócua quando, durante um período de 2 anos, nunca a conheceu nem sequer demonstrou efectiva vontade em conhecê-la), acrescendo que nenhuma prova foi realizada em sentido contrário (salientando-se que, caso houvesse uma efectiva vontade do companheiro em conhecer a criança e em visitá-la, facilmente a Progenitora/Recorrente teria apresentado nos autos elementos probatórios que o comprovassem, o que manifestamente não sucedeu, mais se frisando que mesmo aquela nunca formulou nos autos qualquer pedido que para o seu companheiro conhecesse a criança e a visitasse, pelo menos conjuntamente consigo).
Deste modo, inexiste qualquer fundamento para a decisão de facto ser alterada relativamente ao segmento do facto provado nº49 consistente em «companheiro que nunca demonstrou interesse, efectivo, pela E. S.», mas deve ser eliminada deste facto a expressão «isolada», pelo que a sua redacção passa a ser a seguinte: «A progenitora vive sem qualquer suporte social, nomeadamente de amizade ou familiar, vivendo com um companheiro que nunca demonstrou interesse, efectivo, pela E. S.».
Consequentemente, conclui-se que deve ser alterada a decisão da matéria de facto constante da decisão recorrida nos termos supra assinalados, sendo que tal alteração é determinada pela necessidade de concretização de certos pontos de facto e de eliminação da matéria conclusiva que nela estava incluída (mas sem ocorrer uma concreta violação do nº1 do art. 662º do C.P.Civil de 2013) e, por via disso, esta parte da pretensão recursória da Progenitora/Recorrente apenas procede parcialmente (mas não inteiramente pelas razões invocadas no recurso).

Por uma questão de absoluta clareza e de mais fácil percepção, consignam-se aqui os factos que são objecto de alteração e/ou aditamento:
- o facto provado nº29 passa a ter a seguinte redacção - «Pelo menos até Março de 2019, a progenitora evidenciava sintomatologia psicótica, alterações de pensamento e percetivo cognitivos e alucinações auditivas,»;
- adita-se o facto provado nº29A com a seguinte redacção - «Sendo que a partir de Abril/Maio de 2019 até pelo menos Julho de 2020, a Progenitora melhorou o seu “quadro clínico” em virtude de tomar medicação injectável regularmente, comparecer às consultas e de estar em abstinência alcoólica, deixando de apresentar sintomatologia psicótica, e alterações de percepção e de pensamento»;
- o facto provado nº30 passa a ter a seguinte redacção - «Mas, pelo menos, desde Novembro de 2020, a Progenitora não vai às consultas de psiquiatria e de psicologia e deixou de tomar a medicação injectável»;
- o facto provado nº40 deve passar a ter a seguinte redacção - «Desde o início de maio do corrente ano de 2021, nas visitas à C.A., a progenitora tem se apresentado mais agressiva verbalmente, ansiosa, implicativa, instável emocionalmente, pouco colaborante, maldisposta, inconstante, não aceitando nada do que lhe é dito ou sugerido, manifestado alterações repentinas de humor e com discurso incoerente»;
- o facto provado nº45 deve passar a ter a seguinte redacção - «Desde o início de maio do corrente ano de 2021, nas visitas à C.A., a progenitora assume que deixou de tomar a medicação porque não confia nos psiquiatras e que eles querem pôr-lhe a cabeça adormecida para ela fazer tudo o que elas querem,»
- o facto provado nº46 deve passar a ter a seguinte redacção - «E verbaliza não ter doença nenhuma e que, sem medicação, sente-se mais capaz de tomar decisões».
- e o facto provado nº49 passa a ter a seguinte redacção: «A progenitora vive sem qualquer suporte social, nomeadamente de amizade ou familiar, vivendo com um companheiro que nunca demonstrou interesse, efectivo, pela E. S.».
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4.3. Da Manutenção ou Alteração da «Medida de Confiança a Instituição com vista a Adopção»

Como questão prévia, importa precisar que, embora a Criança e a Progenitora sejam de nacionalidade brasileira, na decisão recorrida não foi ponderada a questão da lei nacional aplicável.
Embora a nacionalidade de ambas não esteja directamente provada, resulta (de forma indirecta) dos factos provados nºs. 24 e 25 e de variadíssimos elementos do processo (no assento de nascimento da E. S. consta expressamente que a Progenitora tem nacionalidade brasileira - páginas 10 e 11 do requerimento de início do processo; no relatório social, junto aos autos através do email de 20/03/2018, está expressamente consignado que a criança é de nacionalidade brasileira; a Progenitora tem autorização de residência temporária emitida pelo SEF - página 81 do requerimento de início do processo; no requerimento de 02/10/2020 é peticionada a renovação da autorização de residência porque a criança é de nacionalidade brasileira; e através de email de 20/10/20202, o SEF informa que «A menor enquanto nacional do Brasil (passaporte …..), obteve em Portugal dois títulos de residência; o título ……. que teve validade entre 24/10/2016 e 06/01/2018 e o título T10T63170, que teve validade entre 20/04/2018 e 06/01/2020»).
A norma de conflitos portuguesa do direito internacional privado sobre as relações entre pais e filhos está prevista no art. 57º do C.Civil que estatui: “1. As relações entre pais e filhos são reguladas pela lei nacional comum dos pais e, na falta desta, pela lei da sua residência habitual comum; se os pais residirem habitualmente em Estados diferentes, é aplicável a lei pessoal do filho. 2. Se a filiação apenas se achar estabelecida relativamente a um dos progenitores, aplica-se a lei pessoal deste; se um dos progenitores tiver falecido, é competente a lei pessoal do sobrevivo”.
Como resulta do respectivo assento de nascimento, a filiação da criança apenas se encontra estabelecida relativamente à mãe, pelo que deve ser aplicada a lei brasileira, lei pessoal da nacionalidade da Progenitora.
Porém, nos termos da norma brasileira de conflitos do direito internacional privado prevista no art. 7º do Decreto- Lei nº4657, de 04/09/1942 (que sofreu diversas alterações, mas mantém a redacção primitiva no que a este preceito diz respeito), é “a lei do país em que domiciliada a pessoa” que “determina as regras sobre… os direitos de família” (ou seja, a lei aplicável nas situações respeitantes ao direito da família é lei do país onde as pessoas se encontram domiciliadas).
Logo, estando a Progenitora (mãe) e a Criança (filha) domiciliadas em Portugal, este reenvio para a lei portuguesa é legalmente admissível por força do disposto no art. 18º do C.Civil (“1. Se o direito internacional privado da lei designada pela norma de conflitos devolver para o direito interno português, é este o direito aplicável. 2. Quando, porém, se trate de matéria compreendida no estatuto pessoal, a lei portuguesa só é aplicável se o interessado tiver em território português a sua residência habitual ou se a lei do país desta residência considerar igualmente competente o direito interno português”).
Por conseguinte, é aplicável o direito português na resolução do presente litígio, como efectivamente sucedeu na decisão recorrida (ainda sem que qualquer justificação ou explicação), no caso concreto a Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP), introduzida pela Lei nº147/99, de 01/09 (aliás, apara além das supra referidas normas de direito internacional privado, afigura-se-nos que a sua aplicação sempre adviria do disposto no seu art. 2º - “A presente lei aplica-se às crianças e jovens em perigo que residam ou se encontrem em território nacional”).
Retomando de novo a pretensão recursória, verifica-se que, perante o teor das conclusões «XXXIV a XXXVI», a Progenitora/Recorrente fundou a substituição da medida aplicada, em concreto, apenas e tão só, na alteração da matéria de facto por forma a que fossem considerados como «não provados os factos mencionados em 7, 9, 29, 30, 40, 45, 46, 48 e 49».
Perante a resposta dada à questão anterior, verifica-se que apenas foi determinada uma parcial e reduzida alteração da matéria de facto que integra a decisão recorrida, que ficou muito aquém da amplitude de alteração contida na pretensão recursória (nenhum dos factos em causa resultou não provado), o que, por si só, determinaria a sua improcedência quanto a esta questão de direito.
Porém, uma vez que é invocada a «violação de outras diversas normas jurídicas» (para além das supra já indicadas e analisadas), a «violação dos direitos da Progenitora», e a inexistência de elementos actualizados que atestem que a Progenitora padece de doença mental», afigura-se-nos que cumpre proceder à concreta subsunção da factualidade (provada e não provada) ao direito aplicável por forma a concluir sobre o preenchimento, ou não, dos pressupostos legais da medida aplicada.
O processo de promoção dos direitos e protecção das crianças e jovens em perigo é um processo de jurisdição voluntária, como decorre do art. 100º da LPCJP, pelo que, nas providências neles a tomar, o Tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna (cfr. art. 987º do C.P.Civil de 2013), podendo investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes (cfr. art. 988º/1 do C.P.Civil de 2013).
Nos termos do nº1 do art. 3º da LPCJP, “A intervenção para promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo tem lugar quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de acção ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo” (os sublinhados são nossos). Como se decidiu no Ac. do STJ de 05/04/2018 (31), “III - A intervenção para promoção dos direitos da criança ou jovem em perigo só é legítima quando os pais, o representante legal ou quem tenha a sua guarda de facto puserem em situação de perigo atual a sua segurança, saúde, formação educação ou desenvolvimento. IV - A medida de promoção a tomar visa afastar esse perigo, proporcionando à criança ou ao jovem as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral”.
Nos termos do nº2 do mesmo art. 3º da LPCJP, “considera-se que a criança ou o jovem está em perigo quando, designadamente, se encontra numa das seguintes situações: a) Está abandonada ou vive entregue a si própria; b) Sofre maus tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais; c) Não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal; d) É obrigada a actividades ou trabalhos excessivos ou inadequados à sua idade, dignidade e situação pessoal ou prejudiciais à sua formação ou desenvolvimento; e) Está sujeita, de forma directa ou indirecta, a comportamentos que afectem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional; f) Assume comportamentos ou se entrega a actividades ou consumos que afectem gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto se lhes oponham de modo adequado a remover essa situação”.
Esta intervenção para a promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo, por força do disposto no art. 4º da LPCJP, tem de obedecer aos «princípios orientadores da intervenção», entre os quais relevam para o caso em apreço os seguintes:
1) Interesse superior da criança e do jovem - a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto;
2) Proporcionalidade e actualidade - a intervenção deve ser a necessária e adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontram no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade;
3) Responsabilidade parental - a intervenção deve ser efectuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o jovem;
4) Prevalência da família - na promoção de direitos e na protecção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integrem na sua família ou que promovam a sua adopção.

As medidas de promoção dos direitos e de proteção das crianças e dos jovens em perigo têm, como finalidade, afastar o perigo em que estes se encontram, proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral, e garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso (cfr. art. 34º da LPCJP), e tais medidas estão taxativamente consagradas no art. 35º da LPCJP: a) Apoio junto dos pais; b) Apoio junto de outro familiar; c) Confiança a pessoa idónea; d) Apoio para a autonomia de vida; e) Acolhimento familiar; f) Acolhimento residencial; g) Confiança a pessoa selecionada para a adopção, a família de acolhimento ou a instituição com vista à adopção.
No caso sub judice, a decisão recorrida aplicou precisamente a medida de confiança a instituição com vista a futura adopção, a qual, de acordo com o estipulado no art. 38ºA da LPCJP, só é aplicável quando se verifique alguma das situações previstas no art. 1978º do C.Civil e que consiste na colocação da criança ou do jovem sob a guarda «de candidato selecionado para a adopção pelo competente organismo de segurança social» ou «de família de acolhimento ou de instituição com vista a futura adopção».
No aludido art. 1978º do C.Civil, o legislador consagrou os casos em que o Estado intervém no seio da organização familiar, porque o princípio da prevalência da família biológica cede perante o interesse da criança de não ver protelada a definição da sua situação face aos pais biológicos e o seu direito a ter uma (nova) família.
Com efeito, estatui o seu nº1 que, no âmbito de um processo de promoção e proteção, o tribunal pode confiar a criança com vista a futura adopção quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação (“pela verificação objetiva de qualquer das seguintes situações: a) Se a criança for filha de pais incógnitos ou falecidos; b) Se tiver havido consentimento prévio para a adopção; c) Se os pais tiverem abandonado a criança; d) Se os pais, por acção ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança; e) Se os pais da criança acolhida por um particular, por uma instituição ou por família de acolhimento tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança”), decorrendo do nº2 que o Tribunal deve atender prioritariamente aos direitos e interesses da criança [o que está em estrita consonância com o art. 4º/a) da LPCJP], sendo que, de acordo com nº3, considera-se que a criança se encontra em perigo quando se verificar alguma das situações que assim sejam qualificadas pela LPCJP.
O princípio da prevalência da família biológica tem consagração constitucional no art. 36º da C.R.Portuguesa, no qual se estatui que “os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos” (nº5) e que “os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial” (nº6). E acrescenta o art. 68º da C.R.Portuguesa que “Os pais e as mães têm direito à protecção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação, com garantia de realização profissional e de participação na vida cívica do país” (nº1) e “A maternidade e a paternidade constituem valores sociais eminentes” (nº2).
Apesar desta protecção da família natural, as crianças e os jovens são sujeitos de direitos fundamentais, pelo que na C.R.Portuguesa também se prescreve, no seu art. 69º, que “as crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições” (nº1) e que “o Estado assegura especial protecção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer, forma privadas de um ambiente familiar normal” (nº2). E no nº7 do referido art. 36°, a adopção merece consagração constitucional, enquanto fonte de laços familiares, estabelecendo-se aqui que “a adopção é regulada e protegida nos termos da lei, a qual deve estabelecer formas céleres para a respectiva tramitação”.
É precisamente na criação de medidas tendentes a assegurar essa proteção a crianças privadas de um ambiente familiar normal que surge, entre outros diplomas legais, a já citada LPCJP, no qual se erige como primeiro princípio por que se deve orientar e a que deve obedecer a intervenção do Estado, o interesse superior da criança [o já referido art. 4º/a)] (32).
Estes princípios constitucionais estão em consonância com a Convenção sobre os Direitos da Criança, subscrita em Nova Iorque em 26 de janeiro de 1990 (ratificada pela Resolução da Assembleia da República nº20/90 (33), que determina no art. 3º/1 que “Todas as decisões relativas a crianças, adotadas por instituições públicas ou privadas de proteção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança”. No art. 9º desta Convenção (a par do que consta do referido nº6 do art. 36º da nossa Constituição), determina-se que “os Estados Partes garantem que a criança não é separada dos seus pais contra a vontade destes, salvo se as autoridades competentes decidirem, sem prejuízo de revisão judicial e de harmonia com a legislação e o processo aplicáveis, que essa separação é necessária no interesse superior da criança. Tal decisão pode mostrar-se necessária no caso de, por exemplo, os pais maltratarem ou negligenciarem a criança…”. E no seu art. 20° determina-se que “a criança temporária ou definitivamente privada do seu ambiente familiar ou que, no seu interesse superior, não possa ser deixada em tal ambiente, tem direito à protecção e assistência especiais do Estado” (nº1) e que “os Estados Partes asseguram a tais crianças uma protecção alternativa, nos termos da sua legislação nacional” (nº2), sendo que a protecção alternativa pode incluir, entre outras, a adopção (nº3).
E, como se refere no Ac. do STJ de 16/03/2017 (34), “a adopção, uma vez verificados os respetivos pressupostos, é uma forma constitucionalmente adequada de protecção dos interesses das crianças «privadas de um ambiente familiar normal» (nº 2 do art. 69º da Constituição)”. Relembre-se que a adopção visa realizar o superior interesse da criança (cfr. nº1 do art. 1974º do C.Civil) e que a actual redacção do art. 1978º do C.Civil foi introduzida pela Lei nº31/2003, de 22/08, sendo que, na respectiva exposição de motivos da Proposta de Lei nº57/IX 3618 (35), pode ler-se: “A adopção constitui o instituto que visa proporcionar às crianças desprovidas de meio familiar o desenvolvimento pleno e harmonioso da sua personalidade num ambiente de amor e compreensão, através da sua integração numa nova família. Quando a família biológica é ausente ou apresenta disfuncionalidades que comprometem o estabelecimento de uma relação afectiva gratificante e securizante com a criança, impõe a Constituição que se salvaguarde o superior interesse da criança, particularmente através da adopção. Esta concepção da adopção corresponde àquela que está plasmada em importantes instrumentos jurídicos internacionais como a Convenção sobre os Direitos da Criança e a Convenção Europeia em Matéria de Adopção de Crianças. Trata-se, por outro lado, de uma intervenção que se reclama urgente, porquanto a personalidade da criança se constrói nos primeiros tempos de vida, revelando-se imprescindível para que a criança seja feliz e saudável que quem exerce as funções parentais lhe preste os adequados cuidados e afecto. E se, atento o primado da família biológica, há efectivamente que apoiar as famílias disfuncionais, quando se vislumbra a possibilidade destas reencontrarem o equilíbrio, situações há em que tal não é viável, ou pelo menos não o é em tempo útil para a criança, devendo em tais situações encetar-se firme e atempadamente o caminho da adopção… Assim, passa a ser expressamente mencionado o superior interesse da criança como critério fundamental para ser decidida a adopção, o qual constitui, aliás, o conceito de referência nesta matéria. São desenvolvidos os conceitos de colocação do menor em perigo e de manifesto desinteresse pelo filho, pressupostos do decretamento da confiança judicial, clarificando-se que neste segundo conceito está essencialmente em causa a qualidade e a continuidade dos vínculos próprios da filiação” (os sublinhados são nossos).
É neste enquadramento que no Ac. da RC de 04/04/2017 (36), se decidiu que “III - Saliente-se que o direito e dever dos pais à educação e manutenção dos filhos (n.º 5 do artigo 36º da CRP) é um direito-dever, estabelecido, tal como todos os poderes - deveres, ou poderes - funcionais, fundamentalmente no interesse dos filhos, não constituindo um puro direito subjectivo dos pais. Princípio esse que subjaz igualmente na Convenção sobre os Direitos da Criança… V - Quando a família biológica é ausente ou apresenta disfuncionalidades tais que comprometem o estabelecimento de uma relação afectiva gratificante e securizante para a criança é imperativo constitucional que se salvaguarde o interesse da criança, particularmente através da adopção”.
O critério primordial a ter em conta na apreciação, na escolha e na decisão de aplicação das medidas de promoção dos direitos e de proteção das crianças e dos jovens em perigo é precisamente o já referido princípio fundamental da obediência ao interesse superior da criança ou do jovem.
Segundo Almiro Rodrigues (37), por interesse superior da criança deve entender-se “o direito do menor ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade”.
Mostrando-se insusceptível de definição em abstrato, como explica Mara Clara Sottomayor (38), este conceito “só adquire eficácia quando referido ao interesse de cada criança, pois há tantos interesses da criança como crianças”.
Como se acentua no já referido Ac. do STJ de 05/04/2018 (39), “O núcleo do conceito em causa servirá, pois, de factor primordial na escolha da medida de promoção e proteção a aplicar, incumbindo ao julgador optar pela que melhor satisfaça o direito da criança a um desenvolvimento integral, no plano físico, intelectual e moral, devendo a difícil tarefa de assegurar a tutela efetiva dos direitos dos pais em confronto com os direitos da criança ser orientada e, em última análise, determinada pela necessária prevalência dos interesses desta última (os sublinhados são nossos).
Sobre este conceito, afigura-se relevante a exposição constante do também já referido Ac. da RC de 04/04/2017 (40): “O conceito de interesse do menor tem de ser entendido em termos absolutamente amplos de forma a abarcar tudo o que envolva os legítimos anseios, realização e necessidades daquele nos mais variados aspectos: físico, intelectual, moral, religioso e social. E este interesse tem de ser ponderado casuisticamente em face duma análise concreta de todas as circunstâncias relevantes. A personalidade da criança constrói-se nos primeiros tempos de vida, isto é na infância, desenvolvendo-se na adolescência. Infância e adolescência são estádios fulcrais no desenvolvimento do ser humano, revelando-se fundamental que a criança seja feliz e saudável para que venha a ser, na idade adulta, um ser equilibrado e feliz. São os pais que têm em primeiro lugar uma influência decisiva na organização do Eu da criança. Quem exerce as funções parentais deve prestar os adequados cuidados e afectos… A criança é titular de direitos e o interesse da criança é hoje o vector fundamental que deve influenciar a aplicação do direito. Importa, pois, ter em conta a qualidade e a continuidade dos vínculos afectivos próprios da filiação, tendo presente que o interesse da criança não se pode confundir com o interesse dos pais” (os sublinhados são nossos).
É precisamente em atenção ao superior interesse da criança que se nos afigura que esta não pode ficar indefinidamente à espera que os progenitores reúnam as capacidades e/ou condições para que aquela regresse à família natural, chamando-se a atenção que o princípio da prevalência da família não tem um caracter absoluto e deve ceder quando aquele princípio do superior interesse da criança assim o justifique e imponha. Como se decidiu no Ac. do STJ de 14/01/2021 (41), “I - Com a adopção visa-se realizar o superior interesse da criança (art. 1974.º do CC), que prevalece sobre os interesses dos pais biológicos. II - O primado da família biológica não é absoluto; os pais só são dignos de cuidarem e educarem os filhos se tiverem capacidade ou reunirem as condições concretas necessárias ao cumprimento dos correspectivos deveres para com os filhos”, e explica-se no Ac. desta RG de 21/05/2020 (42), “o superior interesse do menor requer a tomada de uma decisão que lhe permita vir a usufruir de uma família, ainda que não a natural, que lhe possibilite uma boa estruturação da personalidade e dê seguimento ao desenvolvimento que já atingiu ao longo da sua institucionalização. Protelar a decisão é hipotecar o futuro da menor, retirar-lhe a possibilidade de vir a ser adoptada e ter uma vida mais igual à generalidade das crianças. Como se repete amiúde, o tempo das crianças não é o tempo dos adultos”.
Na mesma linha de entendimento pronunciaram-se outros arestos desta RG: o Ac. de 30/03/2017 (43) (“A incapacidade da função parental e a necessidade de definição da medida que, em termos estáveis, melhor viabilize a protecção do menor e a realização plena dos seus interesses a fim de evitar os manifestos prejuízos para a formação e desenvolvimento da menor, ou seja, de um projecto de vida, deve ser o mais célere possível, já que o bom desenvolvimento da menor não pode esperar eternamente pela mudança de atitude dos pais”) e Ac. de 17/05/2015 (44) (“o superior interesse da criança a que se deve atender em primeiro lugar, não permite que esta possa ficar indefinidamente à espera que os progenitores reúnam condições para o seu regresso à família”). Ainda neste sentido se pronunciou o Ac. da RL de 16/11/2010 (45) (“A protecção da infância não pode continuar exclusivamente centrada na ideia de recuperação da família biológica, a todo o custo, esquecendo que o tempo das crianças, não é necessariamente o mesmo das suas famílias de origem”).
Todavia, como decorre da 1ªparte do nº1 do referido art. 1978º do C.Cvil, é pressuposto da aplicação da medida de confiança com vista a futura adopção a inexistência ou o sério comprometimento dos vínculos próprios da filiação, que só pode ser decidida nas situações elencadas nas diversas alíneas da 2ªparte daquele nº1. O STJ tem defendido este entendimento: entre outros, no seu já referido aresto de 05/04/2018 (46), decidiu-se que “A medida de confiança a instituição com vista à adopção pressupõe que se encontrem seriamente comprometidos os vínculos próprios da filiação, mercê da verificação objetiva das situações enunciadas no art. 1978º do CC” (47).
Tendo o legislador consagrado no texto da lei, de forma expressa, que o pressuposto é «a inexistência ou o sério comprometimento dos vínculos próprios da filiação», afigura-se-nos exagerado, e carecido de base legal, o entendimento de que para a aplicação daquela medida é necessário «um esvaziamento, de forma absoluta, da relação parental» (como parece resultar do Ac. do STJ de 14/07/2016 (48)), uma vez que a expressão «sério comprometimento» não significa, nem pode significar, uma absoluta/total falta de relação parental (a expressão «inexistência» é que tem esse significado), e até é incompatível com a situação prevista na alínea d), na qual o que efectivamente se exige é a colocação «em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança», o que pode ocorrer mesmo quando existe relação parental (como se acentua no já referido Ac. da RC de 04/04/2017 (49), “Há situações em que e apesar dos laços afectivos inegáveis entre pais e filhos, aqueles põem em perigo grave a segurança, a saúde, a educação e o desenvolvimento dos filhos. Não porque não os amem mas porque não têm capacidade para os proteger e para lhes proporcionar as condições essenciais ao seu desenvolvimento saudável…”).
As medidas de promoção dos direitos e de proteção das crianças e dos jovens em perigo estão consagradas no referido art. 35º da LPCJP por ordem de preferência, o que é um sinal inequívoco da preocupação em resguardar e acautelar a família da criança/jovem e em dar satisfação ao princípio da menor intervenção possível: segundo tal ordem, deve dar-se preferência às medidas a executar no meio natural de vida (apoio junto dos pais, apoio junto de outro familiar, confiança a pessoa idónea, apoio para a autonomia de vida e confiança a pessoa selecionada para a adopção) sobre as medidas executadas em regime de colocação (acolhimento familiar, acolhimento em instituição e confiança com vista a futura adopção), pelo que a decisão a proferir sobre a medida a decretar deve pressupor uma prévia exclusão das soluções daquela «primeiro grupo» antes de aplicar alguma deste «segundo grupo».
E não se pode olvidar que, de todas as que estão consagradas neste preceito, a medida de confiança a instituição com vista a adopção “é a que maior e mais expressivo impacto tem na vida e no futuro da criança, não só porque determina a inibição do exercício das responsabilidades parentais por parte dos pais e a cessação dos laços afetivos eventualmente existentes entre a criança e a sua família biológica, mas também porque, em princípio, perdura, sem lugar a revisão, até ser decretada a adopção, salvo o caso excepcional de se vir a revelar manifestamente inviável a sua execução” (50).
Só excepcionalmente é que a criança (ou jovem) deve ser retirado dos cuidados dos seus progenitores e no caso de esse afastamento se justificar, ou seja, quando «na companhia de seus pais» a segurança da criança (ou do jovem) está potencialmente em perigo, o que ocorre quando é colocada numa situação de incerteza física ou psicológica sobre o seu bem-estar, por não lhe estarem a ser ministrados os cuidados considerados e tidos como razoavelmente necessários (quanto à saúde, está em risco o seu equilíbrio físico/psíquico, a sua capacidade de resistência e o seu próprio equilíbrio mental e social, com diminuição do seu sentido de autoestima ou o valor e utilidade como membro da comunidade em que se insere; o perigo para a formação revela-se em situações que podem fazer distorcer o seu desenvolvimento integral da personalidade, a sua equilibrada maturação afetiva, emocional e social; o perigo para a educação nasce da circunstância de existindo uma educação incompleta e carente, com a inconsequente incapacidade de o visado se poder afirmar com todo o seu potencial, sendo que uma boa educação escolar é, cada vez mais, imprescindível para obter condições de sucesso na sociedade e no mercado de trabalho futuro, do que, em grande parte, depende a integração e coesão social com todos os reflexos e consequências que daí advêm; e, por fim, o perigo para o seu desenvolvimento é o corolário de todos os anteriores itens visando o crescimento, quer físico quer psíquico das crianças e jovens, com vista ao seu desenvolvimento são e harmonioso (51)). Frise-se que a situação de perigo deve resultar de uma situação de facto que configure a provável e actual violação da devida educação em qualquer dos fatores anteriormente enunciados, bastando-se com uma situação de um real, ou muito provável, perigo actual (52): como explicam Helena Bolieiro e Paulo Guerra (53), para a aferição da subsistência da atualidade do perigo que ditou anterior medida de promoção e proteção basta a história pessoal passada dos pais e a prognose de que este comportamento disfuncional não se inverteu nem existe a probabilidade de se vir a inverter num futuro próximo.
Portanto, mesmo apesar das diversas transmutações que vem sofrendo, a família continuar a perspectivar-se como a mais importante “instituição social de solidário abrigo” da criança ou do jovem, mas a circunstância de os progenitores se alienarem deste demarcado factor de segurança familiar, impõe que o legislador tenha de enfrentar e remediar este imperativo social, e essas renovadas funções haverão de ser afirmadas por instituições de acolhimento e centros de hospitalidade, onde se procurará materializar o adequado equilíbrio entre a família e a criança (ou jovem), desta forma se prosseguindo o desejável desenvolvimento psico-somático da criança (ou do jovem), o que foi regulado nos arts. 38º-A (confiança a instituição com vista a futura adopção) e 35º/1f), ambos da LPCJP (acolhimento residencial/acolhimento institucional prolongado) (54).
Como se explica no já referido Ac. desta RG de 17/05/2015 (55), “a matriz fundante da intervenção, o critério da decisão, como determinante da escolha da providência a adoptar para afastar a criança do perigo em que se encontra ou pode vir a encontrar-se e proporcionar-lhe as condições que permitiam protegê-la e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e integral desenvolvimento, está no princípio do superior interesse da criança. Os demais princípios são desenvolvimento e concretização daquele - coadjuvam-no, visando, afinal, o seu alcance -, podendo ser definidos pelas ideias da proporcionalidade, da adequação, da necessidade e da menor intervenção possível. Assim a providência a adoptar deve ser a adequada e a necessária à concreta situação do menor, devendo importar a mínima interferência na sua vida e na da sua família (deve, aliás, privilegiar-se, tanto quanto possível, desde que tal se mostra adequado, a sua integração na família e promover-se que os pais assumam as suas responsabilidades parentais) - a escala da interferência aumentará na exacta medida em que se mostre imprescindível, face à adequação e necessidade da providência a adoptar, considerando os superiores interesses da criança, ao afastar do perigo e à criação das condições para o seu integral desenvolvimento”.
Neste “quadro”, concorda-se com entendimento expresso no já referido Ac. desta RG de 30/03/2017 (56) no sentido de que “A medida de confiança a pessoa seleccionada para a adopção ou a instituição com vista a futura adopção só deverá ser adoptada quando esteja afastada a possibilidade de retorno da criança ou do jovem à sua família natural (princípio da prevalência da família biológica, expresso no art.º 4.º, alínea g) da LPCJP) e não puder salvaguardar-se a continuidade das ligações afectivas (os sublinhados são nossos), no qual se remete para outros arestos que vão no mesmo sentido: “… Nesta linha de pensamento, pode ver-se o Acórdão da Relação de Lisboa de 23.4.2009,… «[o] interesse da criança ou jovem, deve ser realizado na medida do possível no seio do seu grupo familiar. Porém, em caso de colisão, sempre sobrelevará o interesse em se alcançar a plena maturidade física e intelectual da criança/jovem, ainda que, o interesse de manter a criança/jovem no agregado familiar seja postergado. Do reconhecimento de que é direito fundamental da criança «poder desenvolver-se numa família (art. 67 CRP) deriva que se a criança ou o jovem tem uma família que quer assumir as funções parentais, de forma satisfatória, ainda que com o apoio da comunidade, haverá que a respeitar e aplicar a medida de apoio junto dos pais ou de outro familiar. A aplicação das medidas que provoquem o afastamento da criança ou do jovem da família e consequente institucionalização ou colocação familiar é, assim, o último recurso (…) sendo subsidiárias daquelas que promovam a sua adopção.» Como se pode ler no Acórdão da Relação de Évora de 08.09.2010… «[s]ó perante a impossibilidade de integração da criança na sua família se pode decretar medida dirigida à adopção da criança.
Se é certo que quando a lei afirma o princípio da prevalência dos superiores interesses da criança está a admitir implicitamente a secundarização, perante ele, do princípio da prevalência da família, o corte radical dos laços entre os progenitores e a criança, há-de porém, assentar num quadro factual de tal gravidade que seja forçoso concluir que se esgotaram todas as possibilidades de a mesma se conservar no meio natural sem correr riscos definitivamente comprometedores de um são e equilibrado desenvolvimento físico e psíquico». E no Acórdão da Relação de Guimarães de 11.11.2009, proferido no processo 286/09.5TBPTL,… «[a] consciência da importância da primazia da família biológica impõe dar apoio às famílias que, não obstante apresentarem disfuncionalidades, não comprometem o estabelecimento de uma relação afectiva gratificante para a criança e manifestam a possibilidade de encontrarem o respectivo equilíbrio em tempo útil; Só tal não ocorrendo deveremos partir para soluções fora do âmbito familiar, tanto mais que hoje é pacificamente adquirida a menor valia destas alternativas»…”
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Por último, nesta sede de considerações jurídicas, afigura-se-nos importante realçar aqui algumas decisões jurisprudenciais em que se considerou estarem verificados os pressupostos da medida de confiança a instituição com vista a adopção:

- no Ac. do STJ de 28/02/2019 (57) entendeu-se ser aplicável tal medida porque se considerou “improvável a aquisição pela progenitora das capacidades e condições que lhe permitam, de forma segura e adequada, assumir as suas responsabilidades parentais, sendo inconciliável com a tutela e prossecução do superior interesse dos menores a adopção de soluções experimentais, que se consideram de viabilidade e eficácia duvidosa e que a frustrarem-se, conduziriam seguramente a acrescidos danos para a segurança e estabilidade e projecto de vida dos menores”;
- no já referido Ac. do STJ de 25/09/2018 (58), entendeu-se que “revelando a factualidade provada que os progenitores não chegaram a criar verdadeiros laços de afetividade com a criança, mostrando-se comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação, conclui-se ser a situação dos autos subsumível no art. 1978.º, n.º 1, al. d), do CC, sendo, por isso, adequada a medida de confiança do menor a instituição com vista a futura adopção”;
- no Ac. do STJ de 20/11/2014 (59), decidiu-se que “é de concluir pelo comprometimento sério do vínculo afectivo, próprio da filiação, face ao circunstancialismo provado, que evidencia (i) que o relacionamento da criança com a mãe se revela de fraca qualidade e sem uma componente afectiva intensa (tendo em atenção que o menor tem apenas 3 anos); (ii) uma indiferença da criança quando confrontada com o afastamento da mãe, no final das visitas; (iii) uma apatia e falta de interacção da recorrente/mãe com o filho, no decurso dessas mesmas visitas; (iv) mesmo quando a mãe permaneceu durante um ano e meio na instituição que acolhia a criança – sem daí poder ausentar-se –, apesar do contacto intenso e da vivência diária, não se estabeleceram, ao contrário do que seria expectável, laços de afectividade intensos, próprios da filiação”;
- no Ac. da RL de 26/01/2017 (60), decidiu-se que se os progenitores não estabelecerem com os filhos uma relação afectiva segura e estável, encontram-se seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação”, pelo que “verificando-se a falência da família natural… a solução que melhor se ajusta ao seu caso, por ser a que mais se aproxima da família natural, é a do seu encaminhamento para a adopção”;
- no Ac. desta RG de 06/10/2016 (61), considerou-se que “resultando dos factos provados a absoluta incapacidade dos progenitores do menor em o acolher e de forma continuada, securizante e adequada proverem à sua segurança e protecção da sua saúde e educação e harmonioso desenvolvimento, mostram-se seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação, não se revelando, ainda, em concreto, a capacidade dos progenitores para adquirirem tais competências, e, em tempo útil para a protecção dos interesses da criança”;
- e no já referido Ac. desta RG de 17/09/2015 (62), entendeu-se que “resultando do quadro factual apurado, objectivamente, situação de inexistência ou, no mínimo, de sério comprometimento dos vínculos afectivos próprios da filiação e mostrando-se insuficiente e inadequada a promoção da integração do menor na sua família natural (pois de nenhum dos progenitores recebeu o menor os cuidados e afeição adequados, não se vislumbrando que os possa receber de quem quer seja que integre a sua família alargada - o progenitor demitiu-se da sua responsabilidade e a progenitora também e não goza de qualquer retaguarda familiar), é conforme aos princípios do superior interesse da criança, da proporcionalidade e actualidade e da prevalência das soluções familiares sobre as institucionais, a aplicação da medida de confiança a instituição com vista a futura adopção”.
Realizado este enquadramento jurídico (tão longo quanto necessário), abordemos o caso sub judice.
Verifica-se que a Progenitora/Recorrente defende, essencialmente, que: «a sentença violou os direitos da progenitora; violou o disposto no artigo 4º da L.P.C.J.P., o qual estabelece os princípios orientadores da intervenção, nomeadamente o da defesa do interesse superior da criança e do jovem, o da intervenção mínima, o da proporcionalidade e atualidade, o da responsabilidade parental e o da prevalência na família; de todas as medidas previstas e consagradas no artigo 35º das L.P.C.J.P., a prevista na alínea g) é a mais gravosa e irreversível, não sendo raros os casos de adopção que têm redundado em insucesso, apesar de todo o empenho dos adoptantes e que nos mostram jovens ansiosos pelo conhecimento e regresso à sua verdade biológica; podemos constatar dos relatórios elaborados que a mãe da menor evoluiu favoravelmente desde a data que começou a ser acompanhada pela equipa médica conforme referem os relatórios clínicos tornou-se mais comunicativa, mais estável, discurso coerente, alterou a sua forma de vida, nunca deixou de visitar a menor na instituição, sempre na medida do permitido manteve laços de afeição e grande apego com a sua filha; não se demonstrou ou provou a existência de qualquer doença de foro mental que impeça ou ponha em causa as capacidades da mãe, logo não poderia decidir-se como se decidiu; a medida decretada pelo Tribunal a quo não encontra apoio na matéria de facto provada, pois não se demonstrou com elementos concretos e atualizados que mãe da menor padeça de uma condições de saúde que a torne incapaz; a decisão violou o artigo 69° da CRP e artigos 3°, n° 1,4°, alíneas a) e e) e 34°, alíneas a) e b) todos da LPCJP; a sentença violou o n°s 5 e 6 do artigo 36°, o n° 1 do artigo 67° e 68° da CRP; a alínea g) do n" 4 da LPCJP, o artigo 1903° do CC e artigo 9° da Convenção Sobre os Direitos da Criança; o superior interesse da menor não foi minimamente acautelado na decisão sob censura, não conseguimos alcançar qualquer prova feita que justifique a confiança judicial para futura adopção, quando no seio da sua família pode alcançar-se a finalidade da lei removendo a existência de um eventual perigo e alcançar um processo de desenvolvimento saudável e afetivo para esta criança; tem um companheiro que se prontificou a colaborar e a fazer o melhor por essa criança, mas como o Sr. Técnico da Segurança Social o considerou velho não explorou, não indagou, não elaborou qualquer relatório nesse sentido, não emitiu qualquer parecer, omitindo essa possibilidade de retaguarda para uma eventual fragilidade por parte da mãe; acresce o facto do irmão da E. S., o F. S. ter sido entregue aos avós paternos que possuem mais de 80 anos; o tribunal decidiu como decidiu tendo por base documentos, relatórios desajustados, desatualizados, não tendo promovido ou providenciado por relatórios atualizados e ajustados à realidade» - cfr. conclusões «II» a «XIII» e «XXX» a «XXXIII».
Daqui resulta, de forma inequívoca, que a Progenitora/Recorrente apenas se manifesta contra a aplicação da medida de confiança a instituição com vista a futura adopção (que foi a medida concretamente aplicada), mas não questiona a necessidade de aplicação de qualquer uma das outras medidas de promoção e proteção, elencadas no nº1 do art. 35º da LPCJP, limitando-se a peticionar (no final das conclusões) a sua substituição por outra medida, que não indica nem concretiza. Ou seja: não coloca em causa a necessidade de intervenção judicial para promoção dos direitos e proteção da Criança (E. S.), resultantes da efetiva existência de perigo, e apenas discute a “justeza” da medida que lhe foi aplicada, mas omitindo, em absoluto (e de forma que lhe se mostra muito conveniente para si), a concretização de qual deveria ser a medida a aplicar em sua substituição, o que, desde logo, revela a falta de coerência da sua posição.

Na decisão recorrida, considerou-se, essencialmente, que:
“No caso em concreto foi alcançada uma solução já fora do âmbito da família biológica, tendo-se entregue a guarda da criança a uma instituição de acolhimento a qual, na prática, nunca foi alterada porque a E. S. acabou porque nunca ir com os avós paternos do irmão uterino para França.
Face à factualidade constante dos autos é por demais evidente que a situação que determinou a aplicação da medida de promoção e protecção ainda se mantém…
De facto, a progenitora não alterou substancialmente o comportamento que esteve na base legitimação da intervenção estadual através de uma medida de promoção e protecção.
A progenitora há um ano que não frequenta as consultas de psiquiatria e o acompanhamento psicológico, apesar de lhe terem sido marcadas as consultas.
Tal revela uma enorme incerteza não só quanto ao actual estado mental e psicológico da progenitora, como solidifica as reservas à sua aptidão de ter a E. S. a seu cargo.
De facto, alguém como a progenitora da E. S. que se propõem cuidar de uma criança de 5 anos (ou melhor, continuar a visitá-la na casa de acolhimento) não pode estar desacompanhada medicamente e não pode deixar de tomar a medicação.
O futuro da E. S. não se compadece com um carrossel ou montanha russa de comportamentos da progenitora que ora estará equilibrada, ora não está.
Relembre-se que E. S. foi institucionalizada com apenas meses de idade e em decorrência da constatada incapacidade da progenitora em prover às necessidades básicas dos filhos em decorrência do seu estado psicológico/mental.
Mas mais relevante é que em 5 anos(!) a progenitora pura e simplesmente não concretizou nenhuma atitude essencial que permitisse concluir que estava apta a ter a E. S. a seu cargo.
Não deixa de ser atendível que a progenitora deu o seu acordo para que a E. S. fosse para França com os avós paternos do seu irmão uterino, o que revela, quiçá, que a recusa em dar o consentimento para adopção poderá estar mais ligada à carga emocional que tal contém do que estar afastada da filha (o que aconteceria se a mesma tivesse ido para França).
Este é um momento crucial na vida da E. S., pois que as possibilidades de um projecto que passa pela adopção têm um tempo próprio e o mesmo está, rapidamente, a esgotar-se (atenta a idade da E. S.).
Sejamos claros: nem sequer se equaciona a decisão entre a E. S. ser encaminhada para adopção ou ficar com a mãe….
Do ponto de vista da família alargada inexiste qualquer facto que permita, sequer, equacionar tal situação, sendo que a aventada hipótese do companheiro da progenitora poder valer, é absolutamente vazia de factos: a E. S. nem conhece o companheiro da mãe(!).
Fica assim afastada qualquer solução a encontrar no seio da família alargada.
Com o seu comportamento a progenitora da E. S. colocou-a em perigo, consubstanciando o seu comportamento o previsto no art.º 3.º, n.º 2, al. c) da LPCJP, que prescreve que “Considera-se que a criança ou o jovem está em perigo quando(...) não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal”.
Situação essa que se mantém actual, já que o quadro factual relevante continua a perdurar…
Aqui chegados, não nos quedam dúvidas que o projecto de vida da E. S. passa pela sua integração numa família, mas ao invés de biológica, adoptiva. Isto mesmo impõe o já referido princípio da prevalência da família…
No caso em análise encontram-se reunidos os pressupostos constantes das alíneas a), d) e e) do n.º 1 do art.º 1978.º do CCivil.
Desde logo, não se sabe quem é o pai da E. S..
Que há perigo, nos termos da alínea d) e n.º 3 do art.º 1978.º do C.Civil, não quedam dúvidas atenta toda a factualidade assente que motivou a aplicação e manutenção da medida de promoção e protecção.
De facto, desde os poucos meses de idade da E. S. que a progenitora demonstrou não ter capacidade para a ter a seu cargo porquanto não é capaz de prover às suas necessidades mais básicas.
Acresce que a situação mental/psiquiátrica da progenitora - não comprovadamente debelada - em conjugação com o não acompanhamento médico e medicamentoso da progenitora ainda acentua mais a tónica da actualidade do perigo a que E. S. está exposta.
Este perigo é tão pungente e tão, potencialmente danoso, que é lícito equacionar que numa altura de descompensação a progenitora ponha em causa a própria vida da E. S.. Relembre a sua condição médica, a falta de tratamento e o que é verbalizado pela progenitora…já para não falar dos episódios recorrentes em que a mesma se mostra descompensada.
Cremos, com o devido respeito, e porque o presente processo se reporta, primordialmente, à E. S., que não é sequer avisado poder equacionar que a progenitora fique com a mesma a seu cargo.
Por fim, entendemos que o desinteresse legalmente exigido igualmente não se deixa de verificar.
Neste conspecto o Tribunal conjuga a duração da institucionalização (5 anos!) com a manutenção do comportamento da progenitora.
Na verdade, a progenitora apenas visita a E. S. na instituição, com cadências variadas e com atitudes variadas.
O desenrolar, ao longo de 5 anos, de uma e mesma atitude por banda da mãe apenas revela, para o que ora releva, que a mesma se acomodou a tal dinâmica e rotina, desinteressando-se em se munir de competências bastantes para ter a E. S. a seu cargo.
Sejamos claros: a progenitora que vê a sua filha de poucos meses de idade ser institucionalizada e não muda, de forma substancial e efectiva, o seu comportamento ao longo de 5 anos(!), claramente revela manifesto desinteresse pela filha.
E a consequência de tudo isto está patente e é inelutável: inexistem vínculos próprios da filiação pois que a única coisa que liga a E. S. à mãe, que desperta interesse naquela, são as ofertas que esta lhe leva!...
Constata-se que a E. S. não revela anseio pela visita, nem se mostra agastada pela ida embora da progenitora.
O ponto de contacto entre E. S. e progenitora é, tão só, a questão material, das ofertas.
Quer-nos parecer que ninguém questiona que uma relação baseada tão só na expectativa do que vai receber é uma relação com vínculos próprios da filiação (a qual tem um espetro muito maior).
Esta constatação é tão real que uma das consequências é a da progenitora não ter nenhum tipo de autoridade sobre a E. S., não lhe impondo regras, nem a esta obedecendo ao que a progenitora lhe diz.
Não pode a criança estar à espera que a sua progenitora decida – se é que vai decidir, com actos concretos – em investir no futuro da mesma.
Como supra ficou explanado, a situação da progenitora da criança não assegura de forma profícua, num juízo de prognose segundo as regras de normalidade e experiência comuns, um desenvolvimento livre e harmonioso.
Estar a entregar a guarda da criança à progenitora ou prolongar a mediada aplicada é protelar um problema e, ao mesmo tempo, potencia-lo.
Se, como ficou dito, o tempo das crianças não é o dos adultos, esta asserção também se reflecte na realidade da adopção, uma vez que à medida que as crianças vão crescendo, mais difícil é conseguir uma família que esteja disposta a recebê-las.
A estabilidade das condições de vida da E. S., a nível social, físico e, sobretudo dos afectos, só pode ser conseguida através do encaminhamento para uma família que esteja apta e disposta a dar aquela tudo o que uma criança deve ter…”.
No seu essencial esta fundamentação merece a concordância deste Tribunal ad quem, sendo que, em face da factualidade apurada (incluindo a alteração da matéria de facto que supra se determinou), mostra-se inequívoco que estão preenchidos todos os pressupostos legais de aplicação da medida de confiança a instituição com vista a futura adopção. Concretizando.
O ponto fulcral da decisão não é o interesse da mãe (a Progenitora/Recorrente), mas sim o interesse superior da criança (a E. S.), pelo que existindo conflito entre ambos os interesses, a lei impõe sempre que a decisão seja a favor do interesse da criança.
Logo, o juízo que cabe ao Tribunal formular é se, perante o princípio interesse superior da criança E. S., esta deve ser confiada a instituição com vista a futura adopção (como decidiu o Tribunal a quo), ou deve ser entregue à sua família biológica, ou continuar com o acolhimento institucional em que se encontra (frise-se que os demais princípios são desenvolvimento e concretização daquele, coadjuvando-o, mas sempre com vista a alcançá-lo).
A criança nasceu a 18/08/2016, é filha da Progenitora/Recorrente, desconhecendo-se o seu progenitor (cfr. facto provado nº1).
Com a concordância da Progenitora/Recorrente, em Novembro de 2016, a criança (quando tinha cerca de 3 meses de idade) foi objecto da medida de promoção dos direitos e de proteção das crianças em perigo, consistente no acolhimento residencial, que foi deliberada pela CPCJ de Braga, medida essa que abrangeu também o seu irmão uterino (o F. S., nascido em -/08/2010) - cfr. factos provados nºs. 2, 3 e 8.
Importa ter presente o “quadro factual” que legitimou a intervenção e motivou a aplicação desta medida à criança: em Junho de 2016, na CPCJ de Braga, foi efectuada uma sinalização pela pediatra do irmão uterino que temia pela sua segurança porque a progenitora tinha alucinações auditivas, mas não recorria a ajuda médica de qualquer espécie, sinalização essa que determinou a reabertura de processo que já fora instaurado por duas vezes (Agosto/2012 e Abril/2014, sempre por negligência/comportamentos inadequados da progenitora, em que, inicialmente foi aplicada, em benefício do irmão uterino, a medida de apoio junto da mãe, que veio a ser prorrogada por duas vezes); a progenitora por diversas vezes, essencialmente de noite, deixava o F. S. aos cuidados de vizinhos ou pessoas amigas da mesma, para exercer prostituição; desde o início de 2016, a progenitora era acompanhada pelo Corpo Clínico do Departamento de Psiquiatria e Psicologia do Hospital de ..., e evidenciava sintomatologia psicótica, alterações de pensamento e percetivo cognitivos e alucinações auditivas; a progenitora entretanto ficou grávida da E. S. e, na sequência da gravidez e do nascimento desta, agravou-se a sua instabilidade emocional, psicológica e psiquiátrica, assumindo-se impotente para cuidar dos filhos (cfr. factos provados nºs. 3 a 7, 28 e 29).
Existiu, portanto, um comportamento da Progenitora/Recorrente que colocou a criança E. S. (e, na altura, também o seu irmão uterino) numa situação de perigo para a sua segurança, saúde, e desenvolvimento, que se enquadra na situação prevista na alínea c) do nº2 do art. 3º da LPCJP, situação que jamais foi questionada pela própria. Acresce que, ao ter dado o seu consentimento expresso para o acolhimento residencial, reconheceu a sua incapacidade para cuidar da filha (e também do filho) nessa altura, sendo que o concreto motivo de tal incapacidade foi a doença mental que a afectava e que se agravou.
Desde esse momento (Novembro de 2016) até à data em que foi promovido pelo Ministério Público o presente processo de judicial de promoção e protecção (em 25/01/2019), mas também ao longo de todo o processo e até ao momento em que foi proferida a decisão ora impugnada (em 18/11/2021), verifica-se que, decorridos cinco anos e quando está quase a perfazer 6 anos de idade, a criança mantém-se sujeita à medida de acolhimento residencial, nunca viveu com a Progenitora/Recorrente (tal apenas sucedeu nos primeiros 3 meses de vida e antes da aplicação da medida) e esta mantém uma incapacidade estrutural para cuidar da sua filha.
Ao contrário do que se pretendeu fazer crer em sede de recurso (em termos tais que “roçam” uma litigância de má fé, já que, sempre que foi ouvida nos autos, o reconheceu), resulta inequivocamente da factualidade provada (cfr. factos provados nºs. 28 e 29) que, pelo menos desde o início de 2016, a Progenitora/Recorrente padece de patologia do foro mental (sintomatologia psicótica), cujos efeitos se revelam como graves porque conduzem a alterações da realidade (ao nível do pensamento, da percepção cognitiva e da audição), o que impõe o seu acompanhamento clínico e respectivo tratamento com medicação, sendo que este “quadro clínico” se manteve pelo menos até Março de 2019. Durante todo este período temporal (de quase três anos), a criança manteve-se institucionalizada, inexistindo qualquer iniciativa da Progenitora/Recorrente para alterar a respectiva medida de acolhimento residencial, o que, por si só, configura um reconhecimento da própria da manutenção da situação que conduziu à aplicação da medida, sendo que, em 08/05/2019, voltou a dar o seu consentimento para que a criança se mantivesse sujeita à medida de acolhimento residencial (cfr. facto provado nº12).
Mas ficou demonstrado que, a partir de Abril/Maio de 2019 até pelo menos Julho de 2020, a Progenitora/Recorrente melhorou o seu “quadro clínico” em virtude de tomar medicação injectável regularmente, comparecer às consultas e de estar em abstinência alcoólica, deixando de apresentar sintomatologia psicótica, e alterações de percepção e de pensamento (cfr. facto provado nº29A). Sucede que, apesar desta progressão positiva dos efeitos da sua doença, aquela continuou sem assumir qualquer iniciativa para altera a medida de acolhimento residencial, nunca demonstrando uma concreta e efectiva vontade de ser ela própria a cuidar da filha, e fazer cessar a institucionalização. Acresce que, decorridos 2 meses sobre este período de melhoria (em Setembro de 2020), deu o seu acordo para que as responsabilidades parentais sobre a criança fossem atribuídas aos avós (paternos) do irmão uterino e que, nesse âmbito, a criança fosse viver para França (cfr. factos provados nºs. 17 a 22), o que representa, simultaneamente, que aceitou um afastamento permanente entre si e a filha (por força daquela deslocação para França) e que continuava (mesmo apesar da melhoria) a não se assumir como capaz de cuidar da filha.
E, prosseguindo este comportamento de sentido completamente contrário ao de procurar cuidar da filha na sequência dessa melhoria, a Progenitora/Recorrente assume a gravíssima atitude de, pelo menos, a partir de Novembro de 2020, não ir às consultas de psiquiatria e de psicologia e deixou de tomar a medicação injectável (cfr. facto provado nº30). Ou seja: depois de ter sido necessário um período de mais de 3 anos de acompanhamento médico, medicamentoso e psicológico, para que fosse alcançada uma concreta melhoria da sua patologia, e estando consciente que dos efeitos graves dessa patologia a impediam de cuidar da sua filha, ao invés de aproveitar a melhoria do seu estado de saúde para procurar começar a exercer algumas responsabilidades parentais relativamente à sua filha (guardar a sua pessoa, manter relações pessoais com ela, assegurar a sua educação e sustento), tomou a “opção” de abandonar, por completo, o acompanhamento médico, medicamentoso e psicológico essencial à estabilidade da sua doença do foro mental, sendo que nem a sua filha constituiu razão e motivação suficientes para manter tal acompanhamento (ou seja, nem neste momento, “priorizou” as necessidades da sua filha).
Logo, ao contrário do que se invoca em sede de recurso, foi concretamente apurado o seu estado de saúde actual: a Progenitora/Recorrente padece de patologia psicótica que há mais de um ano não é objecto de qualquer acompanhamento clínico e tratamento porque a própria recusa (no fundo, voltou à situação que conduziu à sinalização de Junho de 2016, quando não recorria a qualquer ajuda médica - cfr. factos provados nºs. 3 e 4). Deste modo, a alegação de que «o tribunal decidiu tendo por base documentos, relatórios desajustados, desatualizados, não tendo promovido ou providenciado por relatórios atualizados e ajustados à realidade» configura (mais) uma situação que “roça” a litigância de má fé já que foi a própria que abandonou o acompanhamento médico e o tratamento, sendo-lhe assim imputável a inexistência de relatórios (documentos) clínicos posteriores a Novembro de 2020 (frisando-se que também nunca demonstrou querer apresentar quaisquer relatórios clínicos, mesmo que fossem emitidos por outros clínicos).
Acresce que, embora seja omitido em sede de recurso, foram também apurados comportamentos actuais da Progenitora/Recorrente que comprovam novas alterações de percepção da realidade: com efeito, desde o início de maio do corrente ano de 2021, nas visitas à C.A., a progenitora tem-se apresentado mais agressiva verbalmente, ansiosa, implicativa, instável emocionalmente, pouco colaborante, maldisposta, inconstante, não aceitando nada do que lhe é dito ou sugerido, manifestado alterações repentinas de humor e com discurso incoerente, assumindo que deixou de tomar a medicação porque não confia nos psiquiatras e que eles querem pôr-lhe a cabeça adormecida para ela fazer tudo o que elas querem, e verbaliza não ter doença nenhuma e que, sem medicação, sente-se mais capaz de tomar decisões; nas últimas visitas à C.A. a progenitora tem implicado com diversas colaboradoras daquela instituição, construindo histórias sem nexo nem sentido; no sábado, dia 25 de setembro de 2021, a progenitora telefonou para a E. S. que, porque estava a brincar, recusou falar com a mãe; no dia seguinte, a progenitora telefonou para a casa de acolhimento, alterada, referindo que no dia anterior a filha recusou falar com ela ao telefone porque a colaboradora M. G. estava a trabalhar e que esta não deixava a menina falar com ela; ao final da tarde e aos fins de semana, a progenitora tem telefonado incessantemente para a casa de acolhimento para falar com a filha e para saber se ela está bem. Quando a E. S. não pode atender, a progenitora descontrola-se e é desagradável com as colaboradoras; e sempre que contrariada ou chamada a atenção, a progenitora protesta e mostra-se agressiva verbalmente, não aceitando o que lhe é dito ou sugerido, falando de forma desconexa (cfr. factos provados nºs. 40 a 47). Também aqui há um retroceder à situação que conduziu à sinalização de Junho de 2016, quando, por não recorrer a qualquer ajuda médica, apresentava alucinações (cfr. factos provados nºs. 3 e 4).
Nestas circunstâncias, temos que concluir que, ao longo dos mais de 5 anos que a sua filha se mantém sujeita à medida de acolhimento residencial, a Progenitora/Recorrente não conseguiu alcançar uma estabilização permanente e segura da sua patologia do foro mental, podendo mesmo afirmar-se que voltou ao “ponto de partida”, porque em termos clínicos apresenta o mesmo “quadro” que fundamentou a sinalização de Junho de 2016 e subsequente aplicação da medida: por vontade própria, não tem qualquer acompanhamento médico, medicamentoso e psicológico à doença mental de que padece, apresentando, novamente, inequívocas alterações do pensamento e da percepção cognitiva.
Mantém-se, e na nossa perspectiva até se agravou, o ponto fulcral da incapacidade da Progenitora/Recorrente para exercer as responsabilidades parentais: a patologia do foro mental de que padece e os relevantes e graves efeitos que daí decorrem. E decorrido este extenso período temporal (mais de 5 anos) e perante o seu comportamento (em especial, o actual de absoluta recusa de acompanhamento médico, medicamentoso e psicológico), o Tribunal está absolutamente impedido de formular um juízo de prognose no sentido de, a curto prazo (e em tempo útil para a criança), aquela fazer um esforço sério para vir a alcançar uma significativa melhoria da sua situação clínica. Aliás, todo o contexto é de sentido contrário, pelo que temos de considerar muito improvável a aquisição pela Progenitora/Recorrente das capacidades e condições que lhe permitam, de forma segura e adequada, assumir as suas responsabilidades parentais sobre a sua filha (que expectativas sustentáveis pode o Tribunal ter de que tudo será diferente para futuro? Não se vislumbra nenhuma, e aquela também não as indica, e até “procura” negar o seu estado actual de saúde, sendo facilmente descortináveis os riscos que corre, e correria, a criança caso fosse entregue à guarda de uma progenitora que padece de sintomatologia psicótica e não se trata, e recusa esse tratamento).
No que concerne ao vínculo afectivo próprio da filiação entre a criança e a Progenitora/Recorrente, todo o manancial factual apurado configura, inequivocamente, uma situação em que nem sequer se chegaram verdadeiramente a constituir.
Importa começar por relembrar que a progenitora e a filha apenas viveram juntas os primeiros 3 meses de vida, sendo que, desde aí e há mais de 5 anos, jamais voltaram a viver juntas, sendo que aquele curtíssimo período de vivência conjunta é manifestamente insuficiente para o estabelecimento efectivo do referido vínculo (quando muito estar-se-ia no início da constituição de um vínculo afectivo, mas que foi, desde logo, interrompido com a medida de acolhimento residencial que se manteve e mantém há mais de 5 anos).
E mais se relembre que, neste extenso período temporal, nunca procurou alterar a medida de acolhimento residencial com vista a ter a guarda da filha e/ou começar a exercer algumas responsabilidades parentais (antes pelo contrário, já que sempre foi dando a sua concordância à prorrogação da medida), e até deu o seu acordo a que as responsabilidades parentais sobre a criança fossem atribuídas aos avós (paternos) do irmão uterino e que, nesse âmbito, a criança fosse viver para França, o que a ter ocorrido representaria um absoluto afastamento permanente entre si e a filha, o que tudo configura uma situação de falta de interesse na assunção das responsabilidades parentais e traduz, também e necessariamente, “reduzido laço afectivo” da Progenitora para com a filha (não se discute aqui os sentimentos que esta nutre pela filha, mas é manifesto que a “falta de efectiva vivência entre ambas particamente desde o nascimento, não permitiu à Progenitora alcançar um vínculo com o mesmo grau que constituiu com o irmão uterino, com quem ainda viveu vários anos – cfr. factos provados nºs. 2, 3 e 8).
Mais se verifica que, ao longo deste período de mais de 5 anos, a “vivência” entre ambas resume-se ao seguinte: a progenitora visita a E. S. no Colégio da Nossa ..., uma vez por semana, durante 60 minutos; as visitas decorrem no parque e são sempre monitorizadas; ultimamente a progenitora tem alterado frequentemente o dia da visita por estar indisposta; durante as visitas, continua a existir interação entre a E. S. e a mãe; a progenitora brinca com a E. S., dá mimo, colo e atenção, levando roupa, produtos de higiene, brinquedos, guloseimas e lanches para a filha; e no dia de aniversário da E. S. (18.082021) a progenitora preparou a festa da filha na casa de acolhimento (cfr. factos provados nºs. 31 a 36). Esta escassa e reduzida “vivência”, nunca alterada, é insusceptível de constituir e/ou de manter, por si só e sem mais, um concreto vínculo afectivo entre ambas, sendo que se apurou outro manancial factual que o comprova: a E. S. não revela vínculo afetivo pela progenitora, centrando-se o interesse da criança nos presentes, nos lanches e nas guloseimas que a mãe trás e em jogar no telemóvel da mesma; a E. S. recusa-se muitas vezes a conversar com a mãe, remetendo-se ao silêncio e raramente corresponde aos mimos da mãe; e, no final das visitas, a E. S., recorrentemente, não quer dar um beijo nem abraço à mãe e quando o faz é com esforço ou por sugestão de terceiros, não apresentado choro nem tristeza no momento da separação (cfr. factos provados nºs. 37 a 39).
Para se concluir pela inexistência, ou pelo sério comprometimento, dos vínculos efectivos próprios da filiação, não é necessário que pais (no caso, apenas mãe) deixem de nutrir sentimentos de afeição pelos filhos, mas perante uma criança que está institucionalizada desde os três meses de idade e assim se mantém durante mais de 5 anos, não basta visitá-la, trazer-lhe roupa, produtos de higiene, brinquedos, guloseimas e lanches, sendo preciso muito mais e é esse mais que, apesar do largo tempo já decorrido, continuou e contínua a faltar: os cuidados que uma criança da sua faixa etária necessita (dos 3 meses aos 5 anos de idade) foram, e estão a ser, proporcionados pela casa de acolhimento em que está institucionalizada, verificando-se que a Progenitora/Recorrente nunca alterou ou melhorou a sua vida, essencialmente ao nível da patologia de que padece, para poder acolher e responsabilizar-se pelo acompanhamento do processo de desenvolvimento da filha (como já supra se assinalou, quando após muito tempo conseguiu obter uma melhoria do “quadro clínico”, não tentou sequer alterar a medida de acolhimento residencial no sentido de assumir alguma responsabilidade parental, antes optando por “prescindir” do acompanhamento clínico e do tratamento que lhe tinha permitido melhorar, retrocedendo, assim, ao momento que determinou a intervenção).
Nestas circunstâncias, temos que concluir que, no curto espeço de tempo em que viveu com a filha (nos 3 meses iniciais de vida) e no longo período que se lhe seguiu de institucionalização (de mais de 5 anos), a Progenitora/Recorrente não conseguiu, nem inicialmente nem posteriormente, constituir com a filha uma verdadeira relação de vinculo afectivo próprio da filiação, e muito menos conseguiu estabelecer qualquer vínculo seguro, forte e de confiança.
E no que concerne às condições da família natural (mesmo numa perspectiva alargada), verifica-se que, para além de ser desconhecido o progenitor da criança, a Progenitora/Recorrente padece de doença mental que lhe acarreta uma grave incapacidade para cuidar da filha (que se mantém há mais de 5 anos), sendo que uma hipotética entrega da criança à mesma acarretaria um grave perigo para a segurança, formação, educação e desenvolvimento da mesma.
E apurou-se que a progenitora vive sem qualquer suporte social de amizade ou familiar, vive com um companheiro que nunca demonstrou interesse, efectivo, pela E. S., e a família materna alargada da E. S. reside no Brasil e durante todo este percurso temporal nunca estabeleceu contactos ou tentou sequer envolver-se com esta criança (cfr. factos provados nºs. 49 e 50). Não se vislumbra, deste modo, qualquer tipo de “laço afectivo” da criança com a família materna e/ou com o companheiro da mãe, sendo mesmo inexistente, ocorrendo até uma situação de absoluto desinteresse dessa família materna e desse companheiro relativamente à criança (frise-se que a alegação produzida em sede de recurso no sentido de que «tem um companheiro que se prontificou a colaborar e a fazer o melhor por essa criança, mas como o Sr. Técnico da Segurança Social o considerou velho não explorou, não indagou, não elaborou qualquer relatório nesse sentido, não emitiu qualquer parecer, omitindo essa possibilidade de retaguarda para uma eventual fragilidade por parte da mãe», mostra-se improcedente perante a factualidade provada que atesta o desinteresse do companheiro na criança, e mostra-se absolutamente inconsequente a alegação de que «acresce o facto do irmão da E. S., o F. S. ter sido entregue aos avós paternos que possuem mais de 80 anos», apenas se relembrando que esta “entrega” mereceu o total acordo da Progenitora/Recorrente). E releve-se ainda a factualidade que resultou não provada (cfr. factos não provados nºs. 51 a 54).
Acresce que, ao longo deste período de mais de 5 anos, a única solução “familiar” que se vislumbrou para acolher a criança foram os avós (paternos) do irmão uterino, tendo mesmo, com o acordo da Progenitora/Recorrente, sido atribuídas as responsabilidades parentais sobre a criança (e sobre o irmão uterino) a esses avós (cfr. factos provados nºs. 17 a 22). Porém, como resulta da factualidade apurada, esses avós acabaram por nunca retirar a criança da casa e acolhimento (ao contrário do que sucedeu com o irmão uterino) e por recusar as responsabilidades parentais sobre a criança (cfr. factos provados nºs. 22 a 26).
Nestas circunstâncias, temos que concluir que, ao longo período de mais de 5 anos em que se encontra institucionalizada, a criança não tem uma família natural (mesmo considerando a família alargada) que reúna condições mínimas para assumirem as responsabilidades parentais em termos que salvaguardem a sua segurança, saúde, formação, educação e desenvolvimento e de forma a evitar perigos (frise-se que não existe qualquer elemento familiar cuja participação nas responsabilidades parentais pudesse suprir a incapacidade da Progenitora/Recorrente).
Perante as conclusões supra alcançadas, é inequívoco que, para proporcionar-lhe condições que permitam protegê-la e promover o seu harmonioso e completo desenvolvimento físico, intelectual, afectivo e emocional, se mostra desadequada e insuficiente qualquer medida a executar na família natural, incluindo a alargada, da criança (ou no seu meio natural de vida), as quais se encontram previstas nas alíneas a) a d) do nº1 do art. 35º da LPCJP (frise-se que ainda que reportada ao irmão uterino, no ano de 2012 e 2014, já tinha sido aplicada a medida de apoio junto da Progenitora/Recorrente - cfr. factos provados nºs. 3 e 5).
E também é inequívoco ter que considerar desproporcionada e desadequada a medida de acolhimento familiar [prevista no art. 35º/1e) da LPCJP], uma vez que não é minimamente perspetivável e expectável que, no curto ou mesmo médio/longo prazo, seja viável o retorno da criança à sua família natural (a Progenitora/Recorrente) sem riscos para a sua segurança, saúde, formação, educação e desenvolvimento: com efeito, por um lado, a incapacidade da Progenitora para gerir as suas responsabilidades parentais, em razão da patologia que padece e da repetição do comportamento de recusar o necessário acompanhamento clínico e terapêutico, não se assume como meramente temporária e conjuntural (e mais se frise que também deu o acordo para que as responsabilidades parentais do irmão uterino, seis anos mais velho que a E. S. fossem atribuídas aos avós paternos e que o mesmo fosse viver para França, o que representa um assumir de não ter condições para exercer tais responsabilidades também relativamente a este filho), e, por outro lado, nunca constituiu com a filha um verdadeiro vínculo afectivo próprio de filiação, quer inicialmente, quer ao longo de mais de 5 anos da respectiva institucionalização.
Em rigor, estamos perante um caso em que Progenitora/Recorrente nunca pretendeu nem pretende qualquer alteração da situação de institucionalização em que a filha se encontra, sendo que, desde o respectivo nascimento e ao longo de cinco anos, não conseguiu alcançar as capacidades e condições mínimas que lhe permitissem, de forma segura e adequada, assumir as suas responsabilidades parentais (nem mesmo no período em que teve uma melhoria do seu “quadro clínico”): ao longo do presente processo e mesmo em sede de recurso (relembre-se que, nem mesmo nesta sede, propõe a aplicação de outra medida ou indica um projecto de vida), mostrou-se “conformada” com a situação da filha se manter há vários anos em acolhimento residencial (dando sempre o seu acordo às respectivas prorrogações) e continua a mostrar-se (mesmo em sede de recurso) “conformada” que assim permanece nos anos futuros (quiçá até atingir a maioridade), não procurando assumir qualquer concreta e efectiva responsabilidade parental, limitando-se a propor a continuação das visitas e das “ofertas”.
Tal tipo de “posicionamento” mostra-se absolutamente inconciliável com a tutela e prossecução do superior interesse da criança, jamais se podendo esquecer (como efectivamente esquece a Progenitora/Recorrente) que a criança tem direito a uma perspectiva de vida equilibrada e saudável, com um projecto, que não se compadece com a espera de que a sua progenitora tenha uma vida adequada (o que nem sequer se afigura estar próximo de suceder, perante a doença que padece e mais uma recusa de acompanhamento clínico e medicamentoso): não estamos perante uma “coisa” que pode «esperar em armazém ou em depósito» pela verificação de um momento cuja demora se desconhece e é incerta (até pode não ocorrer), sendo um dado absolutamente certo e seguro que as crianças crescem e têm um tempo adequado para que as coisas aconteçam na sua vida.
Sendo este o “quadro global” do caso concreto, então temos necessariamente que considerar verificada a situação prevista na alínea d) do nº1 do art 1978º do C.Civil, uma vez que (como supra já se concluiu) tanto pelo comportamento que motivou a intervenção da CPCJ como pelo comportamento que manteve ao longo destes mais de cinco anos, em razão da patologia do foro mental de que padece, a Progenitora/Recorrente continua a não ter capacidade para exercer as responsabilidades parentais por forma a cuidar da sua filha sem se manter o perigo para a sua saúde, formação, educação e desenvolvimento, conduta não pode deixar de ser considerada grave e que não permitiu sequer a constituição de um verdadeiro vínculo afectivo próprio da filiação [frise-se que não se subscreve aqui a decisão recorrida na parte em que considerou também preenchidas as situações que integram as alíneas a) e e) do nº1 do referido art. 1978º: não se verifica a situação da alínea a) porque não existe um desconhecimento de quem sejam ambos os pais, e não se verifica a situação da alínea d) porque a Progenitora manteve as visitas durante todo o período de acolhimento residencial, o que impede a verificação do requisito do «manifesto desinteresse»].
Não sendo viável, por inadequação, a promoção da integração da criança na sua família natural, a sua integração em ambiente familiar só será alcançado através da adopção. Com efeito, importa ter presente que prolongar mais a decisão sobre esta questão revela-se totalmente desaconselhável sob o ponto de vista do superior interesse da criança, tendo em conta que o seu crescimento equilibrado, principalmente em termos afetivos, não se compadece com mais demoras já que:
- o internamento no Centro de Acolhimento não pode ser nem é uma solução definitiva, sendo que as instituições não substituem uma família e não são uma família;
- a criança não pode esperar indefinidamente que a família biológica reúna as condições necessárias ao exercício seguro das responsabilidades parentais;
- a personalidade da criança constrói-se nos primeiros tempos de vida, pelo que qualquer decisão tem que ser tomada em tempo útil para a mesma, sendo que o tempo de uma criança não coincide com o tempo de um adulto e que prolongar da ausência de uma relação familiar cria uma situação de risco grave para a criança;
- cinco anos são tempo mais que suficiente para se aferir se a situação que existia aquando do início do acolhimento residencial se modificou e a criança pode ou não voltar a viver com a Progenitora/Recorrente;
- a criança irá em breve fazer seis anos, pelo que necessita já de uma família estruturada, merecendo ter “a oportunidade” de ter uma família que exerça conveniente e adequadamente as funções parentais e lhe preste os adequados cuidados e afeto, tudo no âmbito de relacionamento securizante que lhe sirva de arrimo de afectividade e estabilidade;
- não se trata aqui de avaliar a afetividade da sua Progenitora nem de questionar a primazia da filiação biológica, uma vez que é inquestionável que a solução ideal para qualquer criança seria viver com os pais biológicos;
- e trata-se sim de averiguar se a Progenitora conseguiu, durante o tempo em que a sua filha esteve institucionalizada, reestruturar e modificar as suas capacidades em termos de, em tempo útil para a criança, puder cuidar dela sem colocar em perigo a sua segurança, a sua saúde, a sua formação, a sua educação ou a sua formação, o que, com supra já bastamente se demonstrou, infelizmente não sucedeu, não tendo aquela capacidade para assumir esse “papel”, em razão da doença mental de que padece.

Assim sendo, não só se verificam todos os pressupostos legais da medida decretada na decisão recorrida (confiança a instituição com vista a futura adopção – cfr. art. 38ºA da LPCJP e art. 1978º do C.Civil), como que a mesma se mostra integralmente adequada à prossecução das finalidades que presidiram à sua aplicação (afastar a criança da situação de perigo em que se encontrava logo após o seu nascimento por força da incapacidade da função parental da Progenitora em razão de doença mental e proporcionar-lhe as condições apropriadas ao seu normal e sadio desenvolvimento integral, num ambiente de de segurança e bem-estar), e também se revela necessária e imprescindível para alcançar tais finalidades, em face do primordial interesse superior da criança (como supra se viu, todas as outras medidas são desadequadas e insuficientes, sendo que manter por mais tempo a medida de acolhimento residencial significa hipotecar o seu futuro, retirando-lhe a possibilidade de vir a ser adoptada e ter uma vida mais igual à generalidade das crianças). E assinale-se que o superior interesse das crianças ou jovens em risco não pode ceder perante os interesses de “posse” da família natural, sob pena de subversão dos princípios que regem a proteção das crianças e jovens que se encontrem numa situação de perigo (mostra-se, portanto, completamente improcedente a conclusão formulada em sede de recurso de que «a sentença violou os direitos da progenitora»).
Nesta conformidade, impõe-se a conclusão final no sentido de que se justifica o “corte” (legal) total dos laços da criança com a família de origem e a sua integração numa nova família, situação que salvaguarda os seus superiores interesses e que passa pela aplicação da medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista a futura adopção, assim se delineando um projecto de vida consistente para a mesma.
Por conseguinte, inexiste qualquer fundamento legal para alterar a medida aplicada na decisão recorrida, a qual se revela proporcionada e adequada, e respeita, em primeira linha, o superior interesse da criança (improcedendo todas as conclusões formuladas em sede de recurso no sentido de que foram violados os «artigos 3º, 4º e 34º da L.P.C.J.P.», os «artigos 36°, n°s 5 e 6, 67°, nº1, 68° e 69° da CRP», o «artigo 1903° do CC» e o «artigo 9° da Convenção Sobre os Direitos da Criança»).
Consequentemente, e sem necessidade de outras considerações, perante tudo o que supra se expôs e concluiu, a resposta à presente questão, que no âmbito do recurso incumbe a este Tribunal ad quem apreciar, é necessariamente no sentido de que não deve ser substituída a medida de confiança a instituição com vista a futura adopção e, por via disso, o recurso tem igualmente de improceder quanto a esta questão.
*
4.4. Do Mérito do Recurso

Perante as respostas alcançadas na resolução das questões supra apreciadas, deverá julgar-se totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pela Progenitora/Recorrente e, por via disso, deverá manter-se a decisão recorrida.
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4.6. Da Responsabilidade quanto a Custas

Improcedendo o recurso da Progenitora/Recorrente, porque ficou totalmente vencida, deverá suportar as respectivas custas (cfr. art. 527º/1 e 2 do C.P.Civil de 2013), sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido.
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5. DECISÃO

Face ao exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela Progenitora/Recorrente e, em consequência, mantêm a decisão recorrida.
Custas do recurso de apelação pela Progenitora/Recorrente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido.
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Guimarães, 30 de Junho de 2022

O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relator - Pedro Manuel Quintas Ribeiro Maurício;
1.º Adjunto - José Carlos Pereira Duarte;
2.º Adjunto - José Fernando Cardoso Amaral.



1. A presente decisão é redigida segundo a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990.
2. Na conclusão «XXXIV» alude-se ao facto provado nº47, mas trata-se de um manifesto lapso de escrita, uma vez que, como resulta quer das alegações, quer das conclusões «XXIV a XXVIII», o facto provado efectivamente impugnado é o nº48, pelo que aqui se corrige tal lapso (cfr. art. 146º/1 do C.P.Civil de 2013).
3. António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 6ªedição actualizada, Almedina, p. 139.
4. Ac. STJ de 07/07/2016, Juiz Conselheiro Gonçalves da Rocha, proc. nº156/12.0TTCSC.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
5. Ac. RG de 13/01/2022, Juiz Desembargador Afonso Cabral de Andrade, proc. nº1194/16.9T8VCT.G1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.
6. In Código de Processo Civil Anotado, II vol., p. 670.
7. Ac. RL de 09/07/2014, Juiz Desembargador Pedro Brighton, proc. nº1021/09.3 T2AMD.L1-1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrl.
8. Ac. RP de 02/05/2016, Juiz Desembargador Correia Pinto, proc. nº1556/14.6T8LOU-A.P1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp.
9. Juiz Conselheiro Ribeiro Cardoso, proc. nº2913/14.3TTLSB.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
10. Juiz Conselheiro Lopes do Rego, proc. nº233/09.4TBVNC.G1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
11. Juíza Conselheira Ana Luísa Geraldes, proc. nº824/11.3TTLRS.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
12. No mesmo sentido, entre outros, Acs. STJ de 31/05/2016, Juiz Conselheiro Garcia Calejo, proc. nº1572/12.2TBABT.E1.S1, de 19/02/2015, Juiz Conselheiro Tomé Gomes, proc. nº299/05.6TBMGD.P2.S1, e de 28/04/2016, Juiz Conselheiro Abrantes Geraldes, proc. nº1006/12.2TBPRD.P1.S1, disponíveis em http://www.dgsi.pt/jstj.
13. In obra citada, p. 331, 332 e 338.
14. Ac. STJ de 22/10/2015, Juiz Conselheiro Tomé Gomes, proc. nº212/06.3TBSBG.C2.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
15. Juíza Conselheira Rosa Tching, proc. nº588/12.3TBPVL.G2.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
16. Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, 1993, p. 384.
17. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2ªEdição, Revista e Actualizada, p. 435 a 436.
18. P.J.Pimenta, in Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, p. 325.
19. Neste sentido, o Ac. RG de 13/07/2021, Juíza Desembargadora Raquel Baptista Tavares, proc. nº3625/20.4T8VCT.G1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.
20. In Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, p. 609.
21. Juíza Conselheira Fernanda Isabel Pereira, proc. nº809/10.7TBLMG.C1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
22. Juiz Conselheiro Abrantes Geraldes, proc. nº1568/09.1TBGDM.P1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
23. António Abrantes Geraldes, in obra referida, p. 351.
24. Juíza Desembargadora Raquel Baptista Tavares, proc. nº671/20.1T8BGC.G1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.
25. Cfr. Ac. do STJ de 23/09/2009, Juiz Conselheiro Bravo Serra, proc. nº238/06.7TTBGR.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
26. Juiz Desembargador Filipe Caroço, proc. nº338/17.8YRPRT, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp.
27. Este mesmo entendimento foi sufragado pelo Ac. da RG de 30/09/2021, Juiz Desembargador Paulo Reis, proc. nº899/19.7T8VCT.G1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.
28. O já referido Ac. do STJ de 28/09/2017, Juíza Conselheira Fernanda Isabel Pereira, proc. nº809/10.7TBLMG.C1.S1.
29. Cfr. Ac. do STJ de 28/09/2017, Juíza Conselheira Fernanda Isabel Pereira, proc. nº659/12.6TVLSB.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.
30. Juiz Desembargador Paulo Reis, proc. nº899/19.7T8VCT.G1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.
31. Juíza Conselheira Rosa Ribeiro Coelho, proc. nº17/14.8T8FAR.E1.S2, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
32. Cfr. o já citado Ac. STJ 05/04/2018, Juíza Conselheira Rosa Ribeiro Coelho, proc. nº17/14.8T8FAR.E1.S2.
33. Publicada no DR nº211/90, Série I, 1ºSuplemento, de 12/09/1990.
34. Juíza Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, proc. nº1203/12.0TMPRT-B.P1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
35. In DR, IIªSérie A, nº088, 26/04/2003, p. 3618 e ss.
36. Juiz Desembargador Pires Robalo, proc. nº39/14.9T8CBR-C1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrc.
37. In Interesse do Menor, Contributo para uma definição, Revista Infância e Juventude, nº1, 1985, p. 18 e 19.
38. In Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio, 6ªedição, p. 42.
39. Juíza Conselheira Rosa Ribeiro Coelho, proc. nº17/14.8T8FAR.E1.S2.
40. Juiz Desembargador Pires Robalo, proc. nº39/14.9T8CBR-C1.
41. Juiz Conselheiro Ferreira Lopes, proc. nº2279/17.0T8GMR.G1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
42. Juíza Desembargadora Helena Lopes, proc. nº1397/16.6T8BCL-G1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.
43. Juíza Desembargadora Elizabete Valente, proc. nº530/16.3T8BRG-G1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.
44. Juíza Desembargadora Maria da Purificação Carvalho, proc. nº322/14.3TBVLN.G1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.
45. Juíza Desembargadora Maria do Rosário Morgado, proc. nº948/09.7TBCSC.L1-7, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrl.
46. Juíza Conselheira Rosa Ribeiro Coelho, proc. nº17/14.8T8FAR.E1.S2.
47. Neste sentido, também os já referidos Acs. do STJ de 14/01/2021, Juiz Conselheiro Ferreira Lopes, proc. nº2279/17.0T8GMR.G1.S1, e de 16/03/2017, Juíza Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, proc. nº1203/12.0TMPRT-B.P1.S1, e também o Ac. do STJ de 25/09/2018, Juiz Conselheiro Acácio das Neves, proc. nº20085/16.7PRT.P1.S1.S1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
48. Juiz Conselheiro António da Silva Gonçalves, proc. nº8605/13.3TBCSC.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
49. Juiz Desembargador Pires Robalo, proc. nº39/14.9T8CBR-C1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrc.
50. O referido Ac. STJ 05/04/2018, Juíza Conselheira Rosa Ribeiro Coelho, proc. nº17/14.8T8FAR.E1.S2.
51. Cfr. Beatriz Marques Borges, in Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, Almedina, 2007, págs. 37 e 38.
52. Cfr. Tomé d`Almeida Ramião, in Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, Anotada e Comentada, Quid Juris, 5ªEdição Revista e Aumentada, 2007, p. 27.
53. In A Criança e a Família - Uma Questão de Direitos, 2009, Coimbra Editora, págs. 346 e 347.
54. Cfr. o já referido Ac. STJ 14/07/2016, Juiz Conselheiro António da Silva Gonçalves, proc. nº8605/13.3TBCSC.L1.S1.
55. Juíza Desembargadora Maria da Purificação Carvalho, proc. nº322/14.3TBVLN.G1.
56. Juíza Desembargadora Elizabete Valente, proc. nº530/16.3T8BRG-G1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.
57. Juiz Conselheiro Ilídio Sacarrão Martins, proc. nº18595/12.4T2SNT.L1.S2, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
58. Juiz Conselheiro Acácio das Neves, proc. nº20085/16.7PRT.P1.S1.S1.S1.
59. Juíza Conselheira Fernanda Isabel Pereira, proc. nº99/10.1TMCBR-A.C1.S1, cujo sumário se encontra publicado Boletim Anual do STJ, ano de 2014.
60. Cujo sumário se encontra publicado na internet no sítio da PGDL.
61. Juíza Desembargadora Maria Luísa Ramos, proc. nº291/11.1TBVPAT.G2, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.
62. Juíza Desembargadora Maria da Purificação Carvalho, proc. nº322/14.3TBVLN.G1.