Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
187/19.9Y3BRG-B.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
ILEGITIMIDADE PASSIVA
EMPREGADOR
INOBSERVÂNCIAS DAS NORMAS DE SEGURANÇA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I - O Réu é parte legítima quando tem interesse em contradizer, exprimindo-se este pelo prejuízo que advenha da procedência da acção, avaliado em função do pedido e da causa de pedir formulados pelo Autor, independentemente da veracidade ou não do alegado.
II - Decorre do regime especial aplicável a este tipo de acidentes que apenas o empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, verificadas determinadas circunstâncias, podem ser responsabilizados por outras prestações que as não que resultam do princípio geral previsto em tal regime cfr. art.º 23.º da Lei n.º 98/2009, de 4/09, designadamente pelo pagamento de indemnização por danos não patrimoniais.
III - Cabia ao Autor alegar que o acidente ocorreu por inobservância de normas de segurança, bem como alegar que e mostrava verificado o nexo de causalidade entre esse comportamento e o acidente e tal não sucedeu.
IV - Não sendo a Ré empregadora titular da relação controvertida, tal como é configurada pelo Autor na petição inicial, no que respeita aos pedidos de condenação no pagamento de indemnização por dano não patrimonial e perda de ganhos, da procedência dela não lhe adviria qualquer prejuízo ainda que viesse a ser demonstrada toda a factualidade aí alegada, que apenas poderá conduzir à condenação das Rés na reparação do acidente em termos gerais, na medida da responsabilidade que se vier a apurar em sede de julgamento.

Vera Sottomayor
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

APELANTE: A. B.
APELADA: X – ENGENHARIA E CONSTRUÇÃO, S.A.
- SEGURADORAS …, S.A.
Tribunal da Comarca de Braga, Juízo do Trabalho de Braga – Juiz 1

I – RELATÓRIO

Na fase contenciosa dos presentes autos de processo especial emergente de acidente de trabalho, em que é Autor A. B. e Rés. X – ENGENHARIA E CONSTRUÇÃO, S.A. e SEGURADORAS …, S.A., veio o sinistrado apresentar petição inicial, uma vez que na fase conciliatória dos autos não foi possível obter o acordo em face da discordância quanto ao valor da retribuição auferida pelo sinistrado à data do acidente e quanto ao grau de incapacidade de que ficou portador.

Alega o Autor em resumo o seguinte:

No dia 28/03/2018, pelas 10h30m, quando trabalhava por conta da Ré empregadora, exercendo as funções de Encarregado de 1ª de Obra de Construção Civil, no seu local de trabalho, sofreu um acidente que consistiu no seguinte: quando passava ao nível do 4 piso da obra caíram desamparados em cima da sua perna direita vários sacos de micro-betão, que aí se encontravam empilhados, no momento em que ia a passar. Os sacos de micro-betão eram elevados por grua e colocados em ponto específico para serem distribuídos e empilhados um a um pelos andares superiores da obra onde fossem necessários, formando vários lotes de 10 de altura, sendo que cada saco tinha o peso de 25 kg.
Em consequência do acidente sofreu fratura da diáfise do perónio direito e fratura do maléolo externo.
Na altura auferia a retribuição de €1.250 x 14 meses, acrescida do respectivo subsídio de alimentação de €141,02 x 11, acrescida ainda de outras remunerações com carácter de regularidade mensal no valor médio de €1.072,37 x 12 meses, que apesar de ter valor variável não se destinavam a compensar custos aleatórios.
Reclama as prestações devidas pela ocorrência do acidente de trabalho acrescidas dos danos patrimoniais referentes à perda da capacidade de ganho que alega ter tido, para além dos que resultam da aplicação da TNI, acrescido das despesas efectuadas em face das incapacidades de que é e foi portador. Por fim, reclama a reparação dos danos morais por si sofridos.

Em suma o autor peticiona a condenação das Rés a pagar-lhe o seguinte:

1. Pelos danos não patrimoniais a quantia de €50.000,00, conforme, artigos 92º a 95º da petição inicial;
2. Pelo dano patrimonial: Indemnização pelas IT`S desde o acidente até à alta médica o valor de €1.608,42, considerando o valor já recebido e o que ainda deve receber por força da disposição dos art.ºs 50º a 71º da Lei n.º 98/2009, de 4/09;
3. Indemnização por perda de ganhos na profissão que desempenhava, para além da incapacidade parcial permanente (IPP) sofrida uma indemnização nunca inferior a €20.000,00, conforme artigo 88º;
4. O capital de remição correspondente à pensão anual, respeitante aos valores indemnizatórios até à idade da reforma, com base no vencimento e na IPP, de 8%, (perfazendo um total de €2.536,84 por ano) conforme, artigo 67º desta petição ou outra % que venha a ser determinada por médicos especialistas;
5. O pagamento de todos os tratamentos, intervenções cirúrgicas, consultas, aparelhos, medicamentos e deslocações derivados do acidente, no valor de €231,75, conforme, artigo 23.º da Lei n.º 98/2009, de 4/09;
6. Juros de mora até efectivo e integral pagamento;
7. Em alternativa deverão ser as RR. Condenadas a pagar ao sinistrado na medida das respectivas responsabilidades e nos termos da LAT (Lei n.º 98/2009 de 4/09).

As Rés contestaram a presente acção.
A Ré empregadora alega que a retribuição do sinistrado é apenas a que assumiu em sede de conciliação, a qual se encontrava integralmente transferida para a Ré Seguradora. Mais alega que o ressarcimento de alguns dos danos cuja reparação o autor reclama não se encontram incluídos nos danos reparáveis em consequência de acidente de trabalho. Conclui assim pela improcedência da acção com a sua consequente absolvição de todos os pedidos formulados pelo autor.
A Ré Seguradora alega que a sua responsabilidade se encontra limitada ao valor da retribuição para si transferida, sendo apenas responsável nessa medida pela reparação do acidente nos termos previstos na Lei nº 98/2009 de 4/09, pelo que só responde pelas prestações normais e tendo em conta o salário transferido.
Por despacho proferido em 16/01/2020 foi o autor convidado a aperfeiçoar a petição inicial, tendo o autor sido convidado a concretizar concretamente em que consistia a sua retribuição mensal. O autor aperfeiçoou a petição em conformidade com o solicitado e ambas as Rés se pronunciarem.
Seguidamente veio a ser proferido despacho saneador, no âmbito do qual foi apreciada a excepção da ilegitimidade da Ré empregadora, tendo o Tribunal a quo concluído da seguinte forma:
“Pelo exposto, decido julgar verificada a excepção dilatória da ilegitimidade das rés entidade patronal e ré seguradora relativamente aos pedidos de pagamento de uma indemnização por perda de ganhos e por danos não patrimoniais e, em consequência, absolvo-as da instância nesta parte.
Custas nesta parte a cargo do autor.”

Inconformado com tal despacho interlocutório veio o sinistrado interpor recurso de apelação, no qual formula as seguintes conclusões que passamos a transcrever:

I. O Tribunal a quo, fundamentando-se nos artigos 18 .º, n.º 1 e 23.º, alíneas a) e b) da Lei 98/2009 de 4 de Setembro, decidiu pela ilegitimidade da entidade empregadora.
II. Porquanto, considerar que o pedido não poderia ser procedente por carecer na alegação do recorrente, a imputação da culpa à 1ª ré na existência do acidente, absolvendo ambas as rés da instância. Ora, não se conformando o recorrente com tal decisão, pelo presente articulado recorre dessa da mesma.
III. Desde logo, a culpa é um elemento essencial para compor determinados factos típicos da responsabilidade civil, podendo para tanto, ser dolosa como negligente.
IV. No entanto, para a aferir da existência e da graduação da culpa, sempre se dirá, que apenas com a produção de prova se poderá averiguar se, efetivamente, houve ou não culpa da 1.ª ré, e a que título.
V. Pelo que, além de alegado, este elemento carece de prova concreta nos casos em que não opera qualquer presunção legal que a constitua e que só por prova de afastamento pode ser ilidida, sendo na fase de audiência e discussão de julgamento que a prova deve ser produzida.
VI. Dos factos alegados pelo recorrente no seu petitório e correspondente pedido, no que tange aos pedidos de indemnização por danos morais e perda de ganho, só se pode interpretar que, está o autor disposto a provar a culpa da Entidade Empregadora na fase processual adequada para o efeito, como resulta da lei, sendo que, só assim poderia fazer o seu pedido, ou seja, em audiência de julgamento.
VII. Apoiado nos artigos 5.º, n.º 2, al) b) e c), 410º e 411º do Código de Processo Civil, no sentido de que, sendo obrigatória a alegação da culpa é também de conhecimento legal que o seja.
VIII. Assim, não se aceita, salvo melhor opinião, que o Tribunal a quo tenha absolvido a 1.ª ré, com o fundamento na falta de alegação de culpa, uma vez que, os factos relatados quando conjugados com o pedido, necessariamente pressupõem a existência dessa culpa.
IX. Além do mais, como tem vindo a entender a jurisprudência, nos casos em que a responsabilidade se funda na violação pelo empregador de normas legais ou regulamentares ou ainda de diretivas sobre higiene e segurança no trabalho, é desnecessária a prova de existência de culpa pelo empregador e consequentemente, a alegação de tal culpa – nesse sentido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 06S3209.
X. No caso dos presentes autos, no que concerne ao acidente de trabalho, é referido que o mesmo ocorreu em consequência da queda de vários sacos de microbetão com 25Kg sobre a perna do autor: “Quando passava ao nível do piso 4 da obra caíram desamparados em cima da sua perna direita vários sacos de microbetão, que aí se encontravam empilhados, no momento em que ia (o sinistrado) a passar.” “Os sacos de microbetão eram elevados por grua e colocados em ponto específico para serem distribuídos e empilhados um a um pelos andares superiores da obra onde fossem necessários, formando vários lotes de 10 de altura, sendo que cada saco tinha o peso de 25 Kg.” “no fatídico dia sucedeu que, vários dos mencionados lotes caíram sobre a perna do sinistrado e lhe causaram o acidente.
XI. Tendo em conta os factos descritos pelo autor, verifica-se um incumprimento da 1ª ré em relação ao disposto nos artigos 93º, n.º 2, 95º, 157º e 159º do Decreto de Lei n.º 41821/58 de 11 de Agosto, nomeadamente, por não ter salvaguardado as necessárias condições de segurança ao recorrente, enquanto seu trabalhador.
XII. Assim sendo, e com base na jurisprudência fixada, mesmo que não haja alegação da culpa da entidade empregadora no acidente de trabalho, a violação de preceitos legais por parte desta, nomeadamente, do Decreto n.º 41821/58 de 11 de Agosto, deve fazer proceder a petição inicial nos moldes apresentados, mantendo-a na instância, relativamente aos pedidos apresentados – no mesmo sentido pronunciou-se também o Tribunal da Relação do Porto em acórdão n.º 2795/15.8PNF.P1, tendo também aí referido, no n.º 4 do Sumário, que para que a seguradora seja absolvida, por ser parte ilegítima, tem de alegar e provar igualmente que existe violação das regras de segurança e de preceitos legais de modo a desonerar-se da sua responsabilidade.
XIII. Pelo que, não se aceita que o Tribunal a quo tenha absolvido a 1ª ré pela fata de alegação da culpa, uma vez que, os factos alegados conjugados com o pedido, pressupõem a existência da culpa, tanto mais que, conjuntamente, existiu incumprimento por parte da 1ª ré, de preceitos legais e normas de segurança que não deveria ter incumprido e que retiram a prova da culpa ao recorrente.
XIV. Assim, e pelo exposto, deve ser corrigida a decisão proferida em despacho saneador, devendo dar-se como partes legítimas ambas as rés relativamente aos pedidos de indemnização a título de danos não patrimoniais e de perda de ganho.
Termina peticionando a revogação do despacho saneador, revertendo a decisão de modo a que as Rés sejam partes legítimas, no que se refere aos pedidos de indemnização por danos não patrimoniais e por perda de ganhos.
A Ré empregadora apresentou contra alegação, pugna pela manutenção da decisão recorrida e pela improcedência da apelação.
O recurso foi admitido como apelação a subir imediatamente em separado e com efeito devolutivo.
Remetidos os autos à 2ª instância, depois de aperfeiçoadas as conclusões do recurso, foi determinado que se desse cumprimento ao disposto no artigo 87º n.º 3 do C.P.T., tendo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitido douto parecer no sentido da improcedência da apelação.
Não foi apresentada qualquer resposta ao parecer do Ministério Público.
Colhidos os vistos dos Exmos. Desembargadores Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.

II OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões do Recorrente (artigos 635º, nº 4, 637º n.º 2 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil), coloca-se à apreciação deste Tribunal da Relação uma única questão que consiste em apurar da (i)legitimidade da Ré empregadora relativamente aos pedidos de pagamento de indemnização por perda de ganhos e por danos não patrimoniais.

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Aos factos materiais relevantes para a decisão da causa são os que constam do relatório que antecede.

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

Da (i)legitimidade da Ré empregadora

Como resulta das conclusões que antecedem a única questão a apreciar consiste em apurar se a Ré empregadora é parte legítima no que respeita aos pedidos contra si formulados de pagamento de indemnização por perda de ganhos e por danos não patrimoniais e isto porque apesar das conclusões de recurso terminarem com o pedido de reconhecimento das Rés como partes legítimas, no que se refere aos pedidos de indemnização por danos não patrimoniais e por perda de ganhos, o certo é que da alegação e respectivas conclusões de recurso não é alegado qualquer facto do qual pudesse resultar a legitimidade da Ré Seguradora no que respeita à eventual condenação em tais pedidos.
Assim sendo, apenas se irá apreciar da legitimidade da Ré empregadora deixando consignado, que a decisão proferida em sede de despacho saneador, no que respeita à legitimidade da Ré seguradora, transitou em julgado.

O conceito de legitimidade das partes, tendo em conta a posição processual que cada uma pode assumir na acção, é-nos dado pelo artigo 30.º do Código do Processo Civil, sob a epígrafe de «Conceito de legitimidade», o qual prescreve o seguinte:
«1 - O autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer.
2 - O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha.
3 - Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.»
Daqui resulta que as partes, tal como o autor as determina ao propor a acção contra o(s) réu(s), devem ser aquelas que, perante os factos descritos na petição apresentada em juízo, o direito substantivo considera como sendo aquelas que podem ocupar-se do objecto do processo. Se não forem, há ilegitimidade processual. Neste sentido cfr. José Lebre de Freitas, “A Ação Declarativa À Luz do Código de Processo Civil de 2013”, Coimbra Editora, 3ª edição, pág. 110.
Na verdade, a legitimidade enquanto pressuposto processual relativo às partes entronca na titularidade da relação material controvertida tal, como a configura o Autor, razão pela qual para se apreciar a legitimidade das partes importa apenas aferir quais são os sujeitos dessa relação nos termos em que se mostra configurada pelo Autor, não sendo adequado nem necessário, para apreciar esta questão entrar no domínio do discussão do mérito da causa.
Em suma e no que aqui releva, o Réu é parte legitima quando tem interesse em contradizer, exprimindo-se este pelo prejuízo que advenha da procedência da acção, avaliado em função do pedido e da causa de pedir formulados pelo Autor, independentemente da veracidade ou não do alegado.
Importa desde já deixar assente que estando em causa a reparação de um acidente de trabalho, decorre do regime especial aplicável a este tipo de acidentes que apenas o empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, verificadas determinadas circunstâncias, podem ser responsabilizados por outras prestações para além das que resultam do princípio geral previsto em tal regime -cfr. art.º 23.º da Lei n.º 98/2009, de 4/09-, designadamente pelo pagamento de indemnização por danos não patrimoniais e por perdas de ganhos.
Decorre quer do código do trabalho, quer da legislação que regula os acidentes de trabalho que apesar da responsabilidade pela reparação do acidente de trabalho em regra ser do empregador, este está obrigado a transferi-la para entidades legalmente autorizadas a realizar este tipo de seguro – cfr. art.º 283.º n.ºs 1 e 5 do CT e 79.º n.ºs 1 e 2 do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais, aprovado pela Lei n.º 98/2009, de 4/09 (doravante NLAT). No entanto, caso a transferência da responsabilidade seja apenas parcial o empregador é responsável pela reparação do acidente de trabalho perante o sinistrado ou beneficiários, em relação ao valor da retribuição não transferida – cfr art.º 79.º n.ºs 4 e 5 da NLAT.
Por fim, cabe-nos mencionar a situação prevista no n.º 3 do art.º 79.º da NLAT, do qual resulta que o empregador fica obrigado a satisfazer o pagamento das prestações resultantes de acidente de trabalho, verificando-se alguma das situações referidas no art.º 18.º da NLAT, sendo certo que a seguradora responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso.
Vejamos o que prescreve o art.º 18.º sob a epígrafe “Actuação culposa do empregador”
«1 - Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais.
2 - O disposto no número anterior não prejudica a responsabilidade criminal em que os responsáveis aí previstos tenham incorrido.
3 - Se, nas condições previstas neste artigo, o acidente tiver sido provocado pelo representante do empregador, este terá direito de regresso contra aquele.
4- No caso previsto no presente artigo, e sem prejuízo do ressarcimento dos prejuízos patrimoniais e dos prejuízos não patrimoniais, bem como das demais prestações devidas por actuação não culposa, é devida uma pensão anual ou indemnização diária, destinada a reparar a redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte, fixada segundo as regras seguintes:
a)(…)
b) (…)
c) Nos casos de incapacidade parcial, permanente ou temporária, tendo por base a redução da capacidade resultante do acidente.
(…)»

De acordo com o citado preceito a responsabilidade agravada do empregador pode ter dois fundamentos a saber:
- que o acidente tenha sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada, e por uma empresa utilizadora de mão de obra;
- que o acidente resulte da falta de observância, por parte daqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho.

Em qualquer das mencionadas situações exige-se, não só o comportamento culposo ou a violação normativa, consoante o caso, mas também é necessário a prova do nexo de causal entre o acto ou omissão que os corporizam e o acidente que veio a ocorrer.
O agravamento da responsabilidade na reparação do acidente justifica-se porque o acidente resulta duma actuação culposa ou da violação de regras de segurança do próprio empregador ou de alguém que, pela relação jurídica que tem com o mesmo, podem ser imputadas a este.
Nestas situações o sinistrado ou os seus beneficiários podem reclamar junto do empregador o ressarcimento dos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais, bem como as demais prestações devidas por actuação não culposa, sendo devida pensão anual ou indemnização diária, destinada a reparar a redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte fixada segundo as regras previstas nas alíneas do n.º 4 do art.º 79 da NLAT.
Resulta ainda do exposto, que caso ocorra agravação da responsabilidade do empregador, ainda que exista seguro válido, a seguradora apenas responde perante o sinistrado ou seus beneficiários pelas prestações que seriam devidas caso não houvesse a actuação culposa e sem prejuízo do direito de regresso, nelas não se incluindo os danos não patrimoniais sofridos, nem os danos patrimoniais que não resultem expressamente previstos na legislação especial respeitante à reparação de acidente de trabalho (cfr. art.º 23.º da NLAT).
Por fim, de acordo com as regras de distribuição do ónus da prova estabelecidas no art.º 342.º do Código Civil, é à parte que pretende tirar proveito do agravamento da responsabilidade do empregador que compete provar os factos que a ela conduzem, designadamente o comportamento culposo por pessoa relevante e o nexo de causalidade entre o mesmo e o acidente, enquanto factos constitutivos do seu direito.
Daqui podemos concluir que para que o empregador possa vir a ser responsabilizado nos termos acima expostos é imperioso que tal resulte da factualidade alegada, no caso pelo Autor, uma vez que é este que pretende valer-se de tal direito.
Ora, estando alegados factos dos quais possa resultar a responsabilidade do empregador nos termos previstos no n.º 1 do art.º 18.º da NLAT, a acção deverá ser proposta necessariamente contra o empregador ou terá de ser chamado à acção, por ser, sem margem para dúvida, titular da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor, pois da sua procedência advirá inquestionável prejuízo. Dai ter interesse directo em contradizer, ainda que a sua responsabilidade esteja totalmente transferida para a Ré seguradora.
Importa agora apurar se a factualidade alegada pelo autor na petição inicial, pois só esta releva, caso se venha a provar, fará incorrer o empregador em responsabilidade agravada nos termos acima expostos.
Antes de mais começamos por dizer, que em sede de tentativa de conciliação o sinistrado, acompanhado pelo seu advogado prestou declarações sem que tivesse mencionado ou invocado factos que fundamentassem o agravamento da responsabilidade por actuação culposa do empregador, cingindo-se a discordância das partes apenas quanto à questão do valor da retribuição auferida e da incapacidade de que ficou portador em consequência do acidente.
No que respeita aos factos invocados na petição inicial, referentes à dinâmica do acidente e responsabilidade pela sua reparação o autor limitou-se a fundamentar a sua pretensão contra as rés, alegando o seguinte:
12. No dia 28/03/2018 pelas 10:30m o sinistrado, quando se encontrava a proceder à sua atividade laboral normal, e no local de trabalho que lhe havia sido designado pela entidade empregadora, numa obra sita em Lisboa, apesar de ter sempre muito cuidado e sempre respeitar todas as normas e segurança, durante essa circulação, quando passava ao nível do piso 4 da obra caíram desamparados em cima da sua perna direita vários sacos de micro-betão, que aí se encontravam empilhados, no momento em que ia a passar.
13. Os sacos de micro-betão eram elevados por grua e colocados em ponto específico para serem distribuídos e empilhados um a um pelos andares superiores da obra onde fossem necessários, formando vários lotes de 10 de altura, sendo que cada saco tinha o peso de 25kg.
14. Quotidianamente, ao desempenhar a sua tarefa enquanto encarregado de obra, o sinistrado dava uma volta de vistoria à obra que fazia diariamente para supervisionar os trabalhos e o pessoal que lhe estava atribuído conforme fazia parte da obrigação da sua função.
15. No fatídico dia sucedeu que vários dos mencionados lotes caíram sobre a perna do sinistrado e lhe causaram o acidente.
16. Acidente esse que ocorreu dentro do período normal de trabalho e no desempenho das suas funções.
17. Deve, e tem de se considerar o sucedido, como acidente de trabalho, pois, todo o acidente que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza direta ou indiretamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte, a morte ou redução na capacidade de trabalho ou de ganho.
18. O acidente de trabalho foi devidamente participado à seguradora e preenche as condições particulares acordadas entre esta e a entidade empregadora. (fls. n.º 39, 40 e 37).
(…)”

Da transcrita factualidade resulta manifesto que o Autor alegou apenas factualidade de forma a fundamentar a responsabilidade por acidente de trabalho em termos gerais, e não nos termos especiais do agravamento por actuação culposa do empregador.
Com efeito, a narração dos factos que consta da petição inicial não conduz de forma alguma a que o acidente tenha sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada, ou por uma empresa utilizadora de mão de obra ou que o acidente tenha resultado da falta de observância por parte daqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho.
Além do mais também os pedidos formulados pelo autor não o foram nos termos previstos nas alíneas do n.º 4 do art.º 18.º, conjugadas com o n.º 3 do art.º 79.º da NLAT.
Na verdade, o Autor não alegou qualquer facto material e concreto reconduzível, designadamente à falta de observância, por parte do empregador das regras sobre segurança e saúde no trabalho, como pretende agora que lhe seja reconhecido em sede de recurso, nem formulou os respectivos pedidos em consonância com os direitos decorrentes do agravamento da responsabilidade.
A alegação “de ter sempre muito cuidado e sempre respeitar todas as normas e segurança, durante essa circulação” e ao passar “ao nível do piso 4 da obra caíram desamparados em cima da sua perna direita vários sacos de micro-betão, que aí se encontravam empilhados” acrescido do facto “os sacos de micro-betão eram elevados por grua e colocados em ponto específico para serem distribuídos e empilhados um a um pelos andares superiores da obra onde fossem necessários, formando vários lotes de 10 de altura, sendo que cada saco tinha o peso de 25kg” não tem qualquer relevo para efeitos de agravamento da responsabilidade nos termos a que alude o art.º 18.º da NLAT.
Da mera descrição dos factos ficamos sem saber que culpa terá tido o empregador na queda dos sacos, quais as normas de segurança violadas e mais não foram alegados quaisquer factos dos quais se pudesse concluir pela existência do nexo de causalidade entre a alegada inobservância das regras de segurança e o acidente.
Importa referir que para que exista responsabilidade agravada não basta a inobservância das normas de segurança (que aliás nem sequer foi invocada pelo autor na petição inicial), sendo ainda necessário que exista o nexo de causalidade entre a inobservância e a ocorrência do acidente e consequentes danos (art.º 563º do CC), não se exigindo, todavia, que aquela seja a única causa mas apenas que seja idónea e adequada.
Não tendo sido alegados quaisquer factos naturalísticos susceptíveis de constituir objecto de prova referentes à inobservância das normas de segurança, nem tendo sido invocado tal fundamento jurídico determinante do agravamento da responsabilidade da empregadora, não se mostra preenchido o pressuposto da legitimidade da ré entidade empregadora relativamente aos pedidos de condenação no pagamento de uma indemnização por perda de ganhos e por danos não patrimoniais contra si formulados pelo autor/recorrente.
Na verdade, do teor da petição inicial não resulta que seja imputada ao empregador responsabilidade agravada, quer porque não foi formulado qualquer pedido de agravamento da responsabilidade que tivesse como causa de pedir a inobservância pela entidade empregadora das regras de segurança ou a actuação culposa do empregador, quer porque não foram formulados pedidos em conformidade com o previsto no n.º 4 al. c) do art.º 18.º da NLAT, não podendo por isso haver lugar à condenação da Ré empregadora na indemnização por dano não patrimonial ou em quaisquer outros danos que não os decorrentes da reparação geral do acidente de trabalho, tal como resulta do disposto no art.º 23.º da NLAT.
Cabia ao Autor alegar que o acidente ocorreu por inobservância de normas de segurança, bem como alegar que e mostrava verificado o nexo de causalidade entre esse comportamento e o acidente e tal não sucedeu.
Toda a construção do Autor, plasmada na petição inicial, se estriba na argumentação de que face ao acidente por si relatado, a sua reparação caberá às Rés, que serão responsáveis por reparar todos os danos sofridos e não aqueles que decorrem em regra do direito à reparação do acidente de trabalho.
Nesta perspectiva não podemos concordar com tal construção, já que em face do regime geral de reparação de acidentes de trabalho, conjugado com os factos materiais e concretos alegados na petição inicial, as Rés só poderão ser obrigadas a reparar o acidente nos termos previstos no art.º 23.º da NLAT, daí que a Ré empregadora não tenha interesse em contradizer os pedidos referentes ao dano não patrimonial e à perda de ganhos.
Em face do exposto, teremos de dizer que bem andou o tribunal a quo ao julgar o empregador parte ilegítima no que respeita aos pedidos referentes à reparação de perda de ganho e dano não patrimonial, pois não sendo a Ré empregadora titular da relação controvertida, tal como é configurada pelo Autor na petição inicial, no que respeita aos referidos pedidos, da sua procedência não lhe adviria qualquer prejuízo ainda que viesse a ser demonstrada toda a factualidade aí alegada, que apenas poderá conduzir à condenação das Rés na reparação do acidente em termos gerais, na medida da responsabilidade que se vier a apurar em sede de julgamento.
Improcede, assim o recurso

V - DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em conceder negar provimento ao recurso de apelação do Autor A. B. e consequentemente confirma-se o despacho recorrido.
Custas pelo Apelante.
Notifique.
17 de Dezembro de 2020

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Maria Leonor Barroso
Antero Dinis Ramos Veiga