Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2946/17.8T8BRG-D.G1
Relator: JOSÉ CARLOS PEREIRA DUARTE
Descritores: RESPONSABILIDADES PARENTAIS
ALTERAÇÃO DA REGULAÇÃO
VIOLAÇÃO DO PROCESSADO
NULIDADE DE PROCESSO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/29/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Uma sentença (ou um despacho) pode ser visto como trâmite ou como acto: no primeiro caso, atende-se à sentença/despacho no quadro da tramitação da causa; no segundo, considera-se o conteúdo admissível ou necessário da sentença.
II - Enquanto trâmite pode ser afetada por uma nulidade processual plasmada no artigo 195º do CPC, se se verificar alguma das situações nele referidas.
III - Uma das causas de nulidade processual é a prática de um acto em violação da sequência processual fixada pela lei.
IV – Se a nulidade processual estiver coberta por decisão judicial, o meio próprio para a invocar é o recurso e não a reclamação junto do tribunal que cometeu a irregularidade.
V – Está afectada por nulidade processual a sentença proferida em processo de alteração do regime das responsabilidades parentais (art.º 42º do RGPTC), por violação da tramitação legalmente estabelecida para tal processo, porquanto:
- foi proferida num momento em que já se encontrava ultrapassado o momento para “o juiz (…) considerar o pedido infundado, ou desnecessária a alteração”, pois havia sido designada data para a realização da conferência e, deste modo, foi determinado o prosseguimento dos autos (cfr. art.º 42º, n.º 4 do RGPTC);
- e num momento muito anterior ao da prolação da decisão final, nomeadamente, sem que tivessem sido realizados os actos previstos nos art.ºs 38º e 39º do RGPTC, aplicáveis ex vi art.º 42º, n.º 5 do RGPTC.
VI - A referida irregularidade influi na decisão da causa, ou seja, na sua instrução, discussão e julgamento, porque:
- no que respeita à opção pela mediação ou pela audição técnica especializada (art.º 38º), o art.º 4º, n.º 1, alínea b) do RGPTC consagra como um dos princípios orientadores dos processos tutelares cíveis o da “Consensualização - os conflitos familiares são preferencialmente dirimidos por via do consenso, com recurso a audição técnica especializada e ou à mediação, e, excecionalmente, relatados por escrito”;
- ainda que as partes se mantivessem em desacordo no termo da mediação ou da audição técnica especializada ou na continuação da conferência de pais, não foi possibilitado às partes apresentarem alegações ou indicar prova.
VII - Ainda que se pudesse sustentar, à luz do disposto nos artigos 130º, 6º, n.º 1 e 547º do CPC, passíveis de aplicação ao processo tutelar cível nos termos do art.º 33º do RGPTC, que não estaria vedado ao Tribunal adaptar o processado ou conhecer antecipadamente do mérito da causa (por dispor de todos os elementos de prova no processo), nunca o poderia fazer sem: a) previamente ouvir as partes para o efeito, por assim o impor o principio do contraditório, entendido como garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio; b) fundamentar essa decisão, como determina o art.º 154º do CPC.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

1. Relatório

AA intentou processo de Alteração da Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais, quanto ao filho menor, BB, contra CC.

Alegou para tanto e em síntese que as responsabilidades parentais relativas ao filho foram reguladas por acordo homologado na Conservatória do Registo Civil ..., na sequência do divórcio por mútuo consentimento dos progenitores; concretamente foi acordado que o requerente pagaria, a título de alimentos para o menor, a quantia mensal de € 320,00, a qual seria actualizada anualmente num montante nunca inferior a 3%; o referido acordo foi alterado a 03/11/2020, no âmbito do incidente de alteração das responsabilidade parentais, que constitui o apenso A, tendo ficado estipulado que o requerente passaria a pagar a título de alimentos a quantia de € 260,00; no apenso B, a 25/01/2022, em conferência de pais, ficou acordado que, para além do montante da pensão de alimentos, o requerente pagaria à requerida a quantia de € 50,00 relativos aos valores em dívida até ../../2020 e as despesas de saúde e educação, acima de € 50.00, deviam ser comunicadas ao requerente; actualmente o valor da pensão de alimentos é de € 275,85.

Mais alegou que tal regulação carece de alteração, em virtude de circunstâncias supervenientes, por se encontrar numa situação pior em relação àquela em que se encontrava à data em que a pensão de alimentos foi fixada, sendo que esta nova situação não lhe permite pagar o valor anteriormente fixado e atualmente em vigor.

Concretamente alegou que trabalha como técnico de manutenção de elevadores, auferindo mensalmente a remuneração de € 1.222,20; posteriormente ao acordo de regulação de 2020, a 18/03/2021 o requerente contraiu um crédito pessoal, encontrando-se a pagar uma prestação de € 447,87; tem despesas de electricidade, água e gás num montante médio de € 100,00 mensais; despesas com serviços de telecomunicações que rondam os € 75,00; despesas de alimentação mensais que rondam os € 300,00; mensalidade do veículo no valor de € 171,00; tem a sua cargo uma filha menor, com quem suporta encargos mensais não inferiores a € 200,00; suporta mensalmente a creche da filha no montante de € 163,00; desde ../../2022, que se encontra com uma depressão, sedo seguido em psiquiatria, despendendo mensalmente € 23,00 em medicação.

Alegou ainda que atendendo, quer às necessidades actuais do menor, quer às possibilidades do requerente, é de fixar em € 150,00 mensais a pensão de alimentos.

Citada a requerida, apresentou alegações, dizendo, em síntese, que: requerente e requerida casaram a 04/08/2007; dessa união nasceu a ../../2008 BB; requerente e requerida divorciaram-se a ../../2015, por decisão proferida pela CRCivil de ...; aquando do divórcio outorgaram o acordo de regulação das responsabilidades parentais; o valor da pensão de alimentos ali fixado foi calculado considerando as despesas do menor; em 2019 o requerente intentou incidente de alteração das responsabilidades parentais, que constitui o apenso A, invocando que tinha refeito a sua vida familiar, tendo uma companheira, com quem teria contraído empréstimos para a aquisição, quer de um apartamento, quer de um veículo automóvel; no decurso do referido apenso, o requerente foi pai, circunstância que, por efectivamente superveniente e acarretar uma mudança na vida financeira do casal, permitiu àquele a diminuição da pensão para a quantia mensal de € 260,00, a qual é, actualmente, de € 288,68; desde então a situação do requerente não sofreu qualquer modificação relevante que justifique uma nova redução da quantia alimentícia devida ao menor.

Mais alegou que desde a fixação das responsabilidades parentais, o valor dos rendimentos do requerente tem vindo a aumentar; a maioria das despesas invocadas pelo requerente não é relevante, nem sequer superveniente, nomeadamente as respeitantes à mensalidade referente ao veículo automóvel, despesas com telecomunicações, alimentação, água, electricidade, gás, bem como as despesas relativas à filha menor de 2 anos, as quais já foram tidas em consideração aquando da redução operada no âmbito do apenso A e que deram origem – mormente as referentes à criança – à dita diminuição, pelo que não podem ser novamente consideradas; o requerente não teve qualquer necessidade de adquirir um veículo automóvel, uma vez que tem carro de serviço, para uso profissional e pessoal, sendo todas as despesas suportadas pela entidade patronal; o veículo foi adquirido para a sua companheira, que é quem o utiliza no dia-a-dia; o empréstimo para aquisição de uma moradia, foi contraído após o acordo de responsabilidades parentais; o requerente decidiu vender o apartamento ... que já tinha adquirido com a companheira e adquirir a moradia, querendo enriquecer o seu património à custa da redução da prestação de alimentos a pagar ao filho; no requerimento inicial o requerente inclui as despesas que também cabem à sua actual companheira, designadamente metade das prestações bancárias, dos seguros, das despesas de água, electricidade, gás, comunicações, mas não contabiliza os rendimentos da mesma para fazer face a tais despesas; a moradia pertence em compropriedade à sua companheira; as despesas não são supervenientes ou, sendo-o, são a assunção voluntária de novas responsabilidades, nomeadamente a despesa relativa ao crédito-habitação; o requerente não podia destinar à satisfação de novas necessidades, uma parte da prestação de alimentos devida ao seu filho; o requerente não tinha necessidade de adquirir a moradia; as necessidades do BB são agora superiores às que presidiram à fixação da prestação de alimentos no apenso A; os rendimentos e despesas da requerida mantêm-se similares; o pedido de alteração deve ser julgado improcedente.

O requerente respondeu.

A requerida pronunciou-se dizendo que o incidente de alteração permite apenas dois articulados, pelo que o requerimento/resposta do requerente não era admissível, devendo ser desentranhado.

O Ministério Público teve vista e promoveu que o requerente fosse notificado para juntar certidão do assento de nascimento da filha, o que foi deferido, tendo o mesmo junto a certidão do assento de nascimento de DD.

A requerida pronunciou-se quanto à promoção do Ministério Público dizendo, em síntese, que foi a circunstância superveniente do nascimento da filha do Requerente que levou ao acordo alcançado no Apenso A, levando à diminuição da pensão inicialmente fixada, tendo o aludido nascimento sido expressamente invocado pelo próprio em audiência técnica especializada realizada a 22/09/2020.

Foi aberta vista ao Ministério Público que promoveu fosse designada data para a realização da conferência a que alude o art.º 35º, ex vi do art.º 42, n.º 5, ambos do RGPTC.

De seguida, foi proferido o seguinte despacho:
Para realização da conferência de pais a que aludem os arts. 42º, n.º1 e 5, e 35º, n.º1, do RGPTC, designo o próximo dia 29 de junho de 2023, pelas 11h30m.
Cumpra o disposto no art. 151º, n.º1, do CPCivil, sendo o requerente e a requerida advertidos nos termos do nº 4 do artigo 35º do RGPTC.
Notifique.

Teve lugar a referida Conferência de pais, constando da respectiva Ata, nomeadamente, o seguinte:
“(…)
Declarada aberta a conferência, pelas 12:00 horas, depois de cumpridas as formalidades legais, a M.mª Juiz de Direito procurou a conciliação dos progenitores (art. 37º, n.º 1 do RGPTC).
*
Ouvidas as partes, não tendo sido possível chegarem a um acordo, uma vez que mantinham as posições já exaradas nos autos, a M.mª Juiz concedeu a palavra à Digna Magistrada do MºPº, tendo esta promovido que os autos lhe fossem presentes com vista para análise e posterior promoção.
* * *
Seguidamente a M.mª Juiz proferiu o seguinte:
DESPACHO
Apresente os autos com vista ao Ministério Público, conforme promovido.
Notifique.
* * *
De imediato todos os presentes foram devidamente notificados, os quais disseram ficar bem cientes, declarando de seguida a M.mª Juiz encerrada a diligência pelas 12:06 horas.
Para constar se lavrou a presente ata que, depois de lida e achada conforme, é assinada.”

Foi aberta vista ao Ministério Público que terminou a sua promoção nos seguintes termos:
“Face ao exposto, inexistindo quaisquer factos que integrem o conceito de circunstâncias supervenientes e que, por sua vez, fundamentem a alteração do valor da pensão de alimentos em vigor, nem sendo esta alteração necessária ao superior interesse da criança, o Ministério Público é do parecer que o pedido formulado pelo Requerente é manifestamente infundado, e, em consequência, promove que o mesmo seja indeferido.”

De seguida foi proferida decisão, em que:
-  imediatamente antes da fundamentação de facto consta:
“(…)
Dispõe o art. 42º, nº 4 do RGPTC que caso o juiz considere o pedido infundado ou desnecessária a alteração manda arquivar o processo, condenando em custas o requerente.
(…)”
- e cujo decisório tem o seguinte teor:
“Pelo exposto, decido julgar totalmente improcedente a alteração da regulação das responsabilidades parentais.
*
Custas pelo requerente fixando em 3 Ucs a taxa de justiça.”

Interpôs o requerente recurso, pedindo a revogação da decisão recorrida, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:

1. O Requerente intentou a presente alteração, na data de 28 de fevereiro de 2023, uma vez que, ocorreram circunstâncias supervenientes, que fundamentam a presente alteração, de acordo com o art.º 42 RGPTC.
2. Sucede que, existe uma nulidade do ato de prolação da sentença, conforme prevê o art.º 195 CPC, em que a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, produz nulidade, quando esta possa influir no exame ou na decisão da causa. Acresce ainda o nº2, que :" Quando um ato tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente; a nulidade de uma parte do ato não prejudica as outras partes que dela sejam independentes."
3. Consagra o art.º 38 RGPTC que, estando as partes presentes na conferência, e não sendo possível a estas chegar a um acordo, o juiz decide provisoriamente sobre o pedido, suspende a conferência e remete as partes para mediação, ou audição de técnica especializada.
4.Ocorre que, o tribunal a quo, marcou conferência para a data de 29 de junho, sendo que não foi possível às partes chegar a acordo.
5.Desta forma, cumprindo-se o consagrado no art.º 38 RGPTC, devia o meritíssimo juiz ter suspendido a conferência e remetido as partes para mediação ou audição de técnica especializada.
6.Ora, a omissão desta formalidade constante no art.º 38, influi no exame e na decisão da causa, art.º 195 CPTC, assim sendo, conforme consagra o art.º 195/2 CPC, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente, designadamente a douta sentença.
7.Estamos perante uma nulidade do ato de ter sido proferida sentença.
8.O objeto do recurso é a improcedência da alteração da regulação das responsabilidades parentais, dado que, a prova produzida determinava decisão diversa, devendo o pedido do requerente ter sido julgado totalmente procedente.
9. O Requerente, intentou a ação de alteração das responsabilidades parentais, por forma a ver alterada a quantia que paga mensalmente a titulo de prestação de alimentos ao seu filho menor de nome, BB, de 288,68€ para 150,00€.
10. Para esta finalidade, alegou-se e produziram-se nos termos do previsto do nº1 do artigo 42 RGPTC, duas circunstâncias supervenientes que tornam necessário alterar a pensão de alimentos:
a) O facto de em 01.05.2020, ter tido outro filho suportando atualmente encargos com dois filhos menores.
b) O aumento exponencial do crédito de habitação, que se encontrava nos 447,87€ mensais e atualmente ronda os 800,00€ mensais.
11. A estas despesas, acrescem ainda a despesa relativa ao crédito automóvel junto da Banco 1..., atinente à aquisição de um veículo, no montante de 171,00 € mensais e as despesas mensais de alimentação, luz, água, gás, telecomunicações, que rondam os 500,00€ mensais.
12. Para além do montante da pensão de alimentos de 288,68 € e dos 50,00€ mensais a que se encontra adstrito, o Requerente vê-se ainda confrontado com as diversas despesas de educação e saúde que a Requerida lhe envia mensalmente, que perfazem aproximadamente 100,00€ mensais.
13. Sucede que, o      Requerente não tem condições financeiras para suportar os montantes acima referidos, nem para suportar possíveis aumentos da pensão de alimentos.
12. Considera o Tribunal a quo que a presente alteração não se demonstra verificada, por não existirem circunstâncias supervenientes que tornem necessário alterar o montante fixado de pensão de alimentos.
13. Desta forma, ao decidir em contrário, à matéria de facto alegada e provada a sentença violou por erro na apreciação da prova o disposto no artigo 662º n.º 1 do CPC.
14.Havendo desta forma, erro notório na apreciação da prova a legitimar a modificação da decisão sobre a matéria de facto, nos termos do disposto no artigo 662º do Código de Processo Civil.
15.Assim, o incidente de alteração das responsabilidades parentais deveria ter sido julgado procedente, uma vez que existem verdadeiras circunstâncias supervenientes, de acordo com o art.º 42/1 RGPTC, que tornem necessário alterar.
16.Nestes termos, e em face do exposto, sempre deverá ser concedido provimento ao recurso e, em consequência, revogar-se a decisão recorrida e substituída por outra que julgue em relação ao objeto do recurso, tal pedido totalmente procedente.

A requerida e o Ministério Público, contra-alegaram, pugnando pela confirmação da decisão recorrida.

A Sra. Juiz a quo pronunciou-se quanto à nulidade invocada, rejeitando a sua verificação e acrescentando que, mesmo que se verificasse, estaria sanada.

2. Questões a apreciar

O objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC), pelas conclusões (art.ºs 608º n.º 2, 609º, 635º n.º 4, 637º n.º 2 e 639º n.ºs 1 e 2 do CPC), pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso, cuja apreciação ainda não se mostre precludida.

O Tribunal ad quem não pode conhecer de questões novas (isto é, questões que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que “os recursos constituem mecanismo destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis” (cfr. António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª edição, Almedina, p. 139).

Pela sua própria natureza, os recursos destinam-se à reapreciação de decisões judiciais prévias e à consequente alteração e/ou revogação, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida.

As questões que cumpre apreciar são:
- verifica-se a nulidade da sentença à luz do disposto no art.º 195º, n.º 1 do CPC, por violação do disposto no art.º 38º, aplicável ex vi art.º 42º, n.º 5 do RGPTC?
- improcedendo a questão anterior, ocorreu erro de julgamento?

3. Da nulidade da sentença por violação do disposto no art.º 38º, aplicável ex vi 42º, n.º 5, ambos do RGPTC

Resulta do n.º 1 do art.º 42º do RGPTC que, quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, qualquer um dos pais ou o Ministério Público podem requerer ao tribunal, que no momento for territorialmente competente, nova regulação do exercício das responsabilidades parentais.

E consta do n.º 2 que o requerente deve expor sucintamente os fundamentos do pedido e:
a) Se o regime tiver sido estabelecido por acordo extrajudicial, juntar ao requerimento:
i) Certidão do acordo, e do parecer do Ministério Público e da decisão a que se referem, respetivamente, os n.os 4 e 3 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13 de outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 324/2007, de 28 de setembro, pela Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro, e pelo Decreto-Lei n.º 122/2013, de 26 de agosto; ou
ii) Certidão do acordo e da sentença homologatória;
b) Se o regime tiver sido fixado pelo tribunal, o requerimento é autuado por apenso ao processo onde se realizou o acordo ou foi proferida decisão final, para o que será requisitado ao respetivo tribunal, se, segundo as regras da competência, for outro o tribunal competente para conhecer da nova ação.

Foi o que sucedeu no caso: o requerente, pai do menor BB, invocando circunstâncias supervenientes, veio requerer a alteração do montante dos alimentos devidos ao filho.

Dispõe o n.º 3 do art.º 42º, que o requerido é citado para, no prazo de 10 dias, alegar o que tiver por conveniente.

Foi o que sucedeu in casu.

Dispõe o n.º 4 do art.º 42º que, junta a alegação ou findo o prazo para a sua apresentação, o juiz, se considerar o pedido infundado, ou desnecessária a alteração, manda arquivar o processo, condenando em custas o requerente.

Isto não sucedeu no caso dos autos.

O que sucedeu foi que, aberta vista ao Ministério Público, este promoveu que fosse designada data para a realização da conferência a que alude o art.º 35º, ex vi do art.º 42, n.º 5 (o qual dispõe que “[c]aso contrário, o juiz ordena o prosseguimento dos autos, observando-se, na parte aplicável, o disposto nos artigos 35º a 40º.”, ambos do RGPTC), o que foi deferido.

Deve aqui referir-se que, muito embora a Sra. Juiz a quo pudesse, ao abrigo do n.º 6 do art.º 42º, ter convocado os pais para obter determinados esclarecimentos quantos aos factos alegados, não foi isso que aconteceu, pois foi proferido despacho a designar data para conferência nos termos do art.º 35º ex vi art.º 42º, n.º 5 do RGPTC.

Por outro lado, com a designação de data para conferência nos termos do art.º 35º, ex vi art.º 42º, n.º 5, tem de entender-se que a Sra. Juiz a quo determinou o prosseguimento dos autos.

Realizou-se a conferência, em que não houve acordo.

Para esta situação rege o art.º 38º, também aplicável ex vi art.º 42º, n.º 5:
Se ambos os pais estiverem presentes ou representados na conferência, mas não chegarem a acordo que seja homologado, o juiz decide provisoriamente sobre o pedido em função dos elementos já obtidos, suspende a conferência e remete as partes para:
a) Mediação, nos termos e com os pressupostos previstos no artigo 24.º, por um período máximo de três meses; ou
b) Audição técnica especializada, nos termos previstos no artigo 23.º, por um período máximo de dois meses.

Porém, ainda na conferência, foi dada a palavra à Digna Magistrada do Ministério Público que promoveu que os autos lhe fossem presentes com vista para análise e posterior promoção, o que foi deferido, tendo a mesma promovido o indeferimento do pedido de alteração.

De seguida foi proferida a decisão recorrida, que julgou improcedente o pedido de alteração.

Invoca o recorrente que foi violado o disposto no art.º 38º, o que determina a nulidade da sentença nos termos do art.º 195º.

Opõe a recorrida que o tribunal poderia remeter as partes para a mediação ou audição técnica especializada, mas apenas se tais diligências se mostrassem necessárias ou convenientes, afirmando ainda que não se trata de um acto obrigatório. Mesmo que assim não se entenda, aquela irregularidade não influi no exame ou decisão da causa, uma vez que estava em causa uma questão de direito. E, mesmo que assim não se entenda, a nulidade em causa já se encontra sanada na medida em que no final da diligência a Sra. Juiz a quo determinou que os autos fossem com vista ao Ministério Público.

Opõe o Ministério Público dizendo que estamos perante uma decisão de manifesta improcedência do pedido, que pode ser tomada em qualquer fase do processo, desde que estejam reunidos os elementos para tal, sendo desadequado e injustificado prosseguir o processo e praticar actos inúteis para, a final, chegar à mesma conclusão. Opõe ainda que a nulidade em causa é uma nulidade secundária, a qual devia ter sido arguida perante o tribunal onde a irregularidade foi cometida, não podendo ser atacada através de recurso, pelo que a Relação não a pode conhecer.

O tribunal a quo pronunciou-se quanto à referida nulidade dizendo, em primeira linha, que inexiste um caminho processual taxativo que, depois da realização da conferência de pais, remeta, obrigatoriamente, sob pena de nulidade, os intervenientes para audição técnica especializada, mediação ou impunha uma solução provisória, parecendo entender que o tribunal pode, mesmo depois da conferência de pais, considerar o pedido infundado e, em segunda linha, que se trata de uma nulidade secundária, a qual devia ter sido invocada no tribunal a quo, o que, não tendo acontecido, a sana, não podendo a mesma ser invocada em recurso.

Vejamos

Uma sentença (ou um despacho) pode ser visto como trâmite ou como acto: no primeiro caso, atende-se à sentença/despacho no quadro da tramitação da causa; no segundo, considera-se o conteúdo admissível ou necessário da sentença (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, in https://blogippc.blogspot.com/2020/09/nulidades-do-processo-e-nulidades-da.html).
           
Enquanto trâmite pode ser afetada por uma nulidade processual plasmada no artigo 195º do CPC, se se verificar alguma das situações nele referidas: a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
           
Enquanto acto está sujeito à nulidade da sentença, se se verificar alguma das situações plasmadas nas diversas alíneas do n.º 1 art.º 615º do CPC, nomeadamente, a referida na alínea d), quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
           
À economia do recurso releva a sentença enquanto trâmite.

Assim dispõe o art.º 195º n.º 1 do CPC
1 - Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.

Uma das causas de nulidade processual é a prática de um acto em violação da sequência processual fixada pela lei.

Assim refere Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in CPC Anotado, 3ª edição, Volume 1º, pág. 381:
“(…) na verificação da nulidade, há que atender ao momento processual em que o ato é ou devia ter sido praticado, de tal modo que a prática de atos processuais por ordem inversa daquela por que deviam ter sido praticados, equivale, ao mesmo tempo, à prática inadmissível do ato praticado em primeiro lugar e à omissão do ato que, segundo a lei, o devia preceder (…)”

Em principio a nulidade processual deve ser invocada no tribunal que cometeu a irregularidade e no prazo previsto no art. 199º n.º 1:
a) se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar;
 b) se não estiver, o prazo para a arguição (de 10 dias, nos termos do n.º 1 do art.º 149º do CPC) conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência.

No entanto, Alberto dos Reis, in CPC Anotado, V, reimpressão, Coimbra, 1984, pág. 424, referia que “se a nulidade é consequência de decisão judicial, se é o tribunal que profere despacho ou acórdão com infração de disposição da lei, a parte prejudicada não deve reagir mediante reclamação por nulidade, mas mediante interposição de recurso. É que, na hipótese, a nulidade está coberta por uma decisão judicial e o que importa é impugnar a decisão contrária à lei; ora as decisões impugnam-se por meio de recursos e não por meio de arguição de nulidade do processo.”

Era também esta a posição de Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, pág. 183, que afirmava: “se a nulidade está coberta por uma decisão judicial (despacho), que ordenou, autorizou ou sancionou o respetivo ato ou omissão em tal caso o meio próprio para a arguir não é a simples reclamação, mas o recurso competente, a deduzir (interpor) e tramitar como qualquer outro do mesmo tipo.”

Por sua vez, Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, pág.133, pronunciava-se quanto ao modo de arguição das nulidades, dizendo: “Tradicionalmente entende-se que a arguição da nulidade só é admissível quando a infração processual não está, ainda que indireta ou implicitamente, coberta por qualquer despacho judicial; se há despacho que pressuponha o ato viciado, diz-se, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade cometida, não é a arguição ou reclamação por nulidade, mas a impugnação do respetivo despacho pela interposição do competente recurso, conforme a máxima tradicional – das nulidades reclama-se, dos despachos recorre-se. A reação contra a ilegalidade volver-se-á então contra o próprio despacho do juiz; ora, o meio idóneo para atacar ou impugnar despachos ilegais é a interposição do respetivo recurso (art.º 677.º, n.º 1), por força do princípio legal de que, proferida a decisão, fica esgotado o poder jurisdicional (art.º 666.º).”
 
Também Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, pág. 387 e segs. afirmava: “as nulidades, para cuja apreciação é competente o tribunal onde o processo se encontre ao tempo da reclamação, (…) serão julgadas logo que apresentada reclamação (…). Se, entretanto, o ato afetado de nulidade for coberto por qualquer decisão judicial, o meio próprio de o impugnar deixará de ser a reclamação (para o próprio juiz) e passará a ser o recurso da decisão.”

Destarte, desde que a nulidade esteja coberta por decisão judicial, o meio próprio para a invocar é o recurso e não a reclamação junto do tribunal que cometeu a irregularidade.

Feito este enquadramento jurídico, impõe-se verificar se ocorreu a imputada irregularidade na tramitação processual, se a mesma pode influir no exame ou na decisão da causa e, em caso afirmativo, se a nulidade devia ter sido invocada no tribunal de 1ª instância.

Retomando a análise do desenvolvimento dos autos, já tínhamos verificado que se realizou a conferência a que se refere o art.º 35º, em que os pais não chegaram a acordo.

Sendo assim, a tramitação subsequente imediata é a que está plasmada no art.º 38º, ou seja, o juiz decide provisoriamente sobre o pedido em função dos elementos já obtidos, suspende a conferência e remete as partes para a mediação ou audição técnica especializada.

A propósito da remessa das partes para a mediação ou para a audição técnica especializada refere Tomé d’Almeida Ramião, in Regime Geral do Processo Tutelar Cível, 3ª edição, pág. 127:
“A opção pela remessa das partes para a mediação ou audição técnica especializada compete ao juiz, segundo o seu alto critério de oportunidade e utilidade na realização dessa diligência, ponderando a natureza do conflito e disponibilidade dos pais para um consenso, pois se de acordo com um juízo de prognose se exclui qualquer possibilidade de obtenção do acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais não faz sentido sujeitar as partes à mediação devendo antes optar-se pela audição técnica especializada”.

A citada remessa integra a tramitação legalmente estabelecida para os autos de alteração da regulação das responsabilidades parentais, a qual, face à letra da lei - “decide”, “suspende”, “remete” -, se apresenta como obrigatória.

Sucede que ainda na conferência, foi dada a palavra à Digna Magistrada do Ministério Público que promoveu que os autos lhe fossem presentes com vista para análise e posterior promoção, o que foi deferido, tendo a mesma promovido o indeferimento do pedido de alteração.

E de seguida foi proferida a decisão recorrida, que julgou improcedente o pedido de alteração.

Esta decisão de mérito foi proferida em violação da tramitação legalmente estabelecida para o processo de alteração das responsabilidades parentais porquanto:
- foi proferida num momento em que já se encontrava ultrapassado o momento para “o juiz (…) considerar o pedido infundado, ou desnecessária a alteração”, pois havia sido designada data para a realização da conferência e, deste modo, foi determinado o prosseguimento dos autos;
- e num momento muito anterior ao da prolação da decisão final, nomeadamente, sem que tivessem sido realizados os actos previstos nos art.ºs 38º e 39º do RGPTC.

Destarte, a decisão recorrida foi proferida em violação da sequência processual fixada pela lei, o que constitui nulidade processual.

A lei não declara que esta irregularidade produz nulidade.

Mas não pode haver dúvidas que a referida  irregularidade influi na decisão da causa, ou seja, na  sua instrução, discussão e julgamento, porque:
- no que respeita à opção pela mediação ou pela audição técnica especializada (art.º 38º), o art.º 4º, n.º 1, alínea b) do RGPTC consagra como um dos princípios orientadores dos processos tutelares cíveis o da “Consensualização - os conflitos familiares são preferencialmente dirimidos por via do consenso, com recurso a audição técnica especializada e ou à mediação, e, excecionalmente, relatados por escrito”;
- ainda que as partes se mantivessem em desacordo no termo da mediação ou da audição técnica especializada ou na continuação da conferência de pais, não foi possibilitado às partes apresentarem alegações ou indicar prova.

Dito isto, importa ponderar o seguinte.

Nos termos do art.º 33º do RGPTC, nos casos omissos são de observar, com as devidas adaptações, as regras de processo civil que não contrariem os fins da jurisdição de menores.

E as normas do CPC convocáveis para o caso em apreço que não contrariam os fins da jurisdição de menores são:
- o art.º 130º, o qual dispõe que não é licito realizar no processo atos inúteis, sendo este normativo uma das manifestações do princípio da economia processual.
- o art.º 6º n.º 1, o qual dispõe que cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, ouvidas as partes, adotar mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável;
- o art.º 547º, o qual dispõe que o juiz deve adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo.
Este normativo tem em vista situações em que a tramitação processual prevista na lei não é a adequada às exigências do caso concreto e pressupõe “a detecção da ineficiência e/ou da ineficácia da forma processual predisposta segundo o principio da legalidade, cabendo ao juiz decidir qual a resposta mais ajustada em face da natureza do acto, do circunstancialismo do processo ou da necessidade do ajustamento a duas ou mais pretensões que, separadamente, seguiriam formas processuais distintas”. (cfr Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, in CPC Anotado, I, 2ª edição, pág. 621).
E permite ao tribunal adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais ao fim que visam atingir, ou seja, possibilita “ a construção, em bloco, de uma tramitação alternativa, quer a adaptação de aspectos parcelares e pontuais da tramitação legal, aqui se incluindo a dispensa da prática de actos que se revelem concretamente desnecessários ou a sua substituição por outros tidos por mais adequados à especificidades da causa” (auts. e ob cit. pág. 621).

Ainda que se pudesse sustentar que, à luz destes normativos do CPC, passíveis de aplicação ao processo tutelar cível nos termos do art.º 33º do RGPTC, não estaria vedado ao Tribunal adaptar o processado ou conhecer antecipadamente do mérito da causa (por dispor de todos os elementos de prova no processo), nunca o poderia fazer sem previamente ouvir as partes para o efeito, por assim o impor o principio do contraditório.

Este principio era, tradicionalmente, entendido como impondo que: a) formulado um pedido ou tomada uma posição por uma parte, devia ser dada à outra a oportunidade de se pronunciar, antes de qualquer decisão; b) oferecida uma prova por uma parte, a parte contrária devia ser chamada a controlá-la e sobre ela tinham, ambas, o direito de se pronunciar.

A esta noção substitui-se uma mais lata, com origem na garantia constitucional do rectliches Gehör germânico, entendida como garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objecto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão (Lebre de Freitas, in Introdução ao Processo Civil, Coimbra Editora, 3ª edição, pág.124-125).

Neste sentido, o principio do contraditório é uma decorrência do direito a um processo equitativo, consagrado no n.º 4 do art.º 20º da CRP.

E também o impõe o facto de, tendo os autos prosseguido para a conferência, as partes terem gerado determinadas expetativas quanto ao cumprimento da tramitação prevista na lei.

Uma segunda condição é que a prolação de decisão de mérito num momento diverso do legalmente previsto, deve ser fundamentada, como o impõe o art.º 154º do CPC.

Mas ainda que admitida tal possibilidade, verifica-se, no caso dos autos, que não foram observadas as duas referidas condições, nomeadamente, a prolação da decisão recorrida não foi acompanhada de qualquer justificação para o facto de ter sido proferida depois de designada data para a conferência e com preterição da tramitação legalmente prevista para a circunstância de os pais não terem chegado a acordo naquela conferência, sendo insuficiente referir-se, antes da fundamentação de facto, o disposto no art.º 42º, n.º 4.

Concluindo-se que a prolação da decisão recorrida viola a sequência processual fixada pela lei e que tal produz uma nulidade processual, por influir na decisão da causa, cabe agora verificar se a invocação da mesma devia ter sido feita no tribunal de 1ª instância.

Consta da Ata da Conferência de interessados que ouvidas as partes, não tendo sido possível chegarem a um acordo, uma vez que mantinham as posições já exaradas nos autos, a Mmª Juiz deu a palavra à Digna Magistrada do Ministério Público que promoveu que os autos lhe fossem presentes com vista para análise e posterior promoção, o que foi deferido, tendo a mesma promovido o indeferimento do pedido de alteração.

E de seguida foi proferida a decisão recorrida, que julgou improcedente o pedido de alteração.

É patente e manifesto que não tem cabimento a invocação de que o recorrente devia ter arguido a nulidade em causa no tribunal de 1ª instância, porquanto a mesma resulta, precisamente, da prolação da decisão recorrida, estando assim coberta pela mesma.

É totalmente irrelevante para o efeito, o facto de no final da Conferência a Sra. Juiz a quo ter determinado que os autos fossem com vista ao Ministério Público, pois o mesmo não consubstancia o acto que foi praticado em violação da tramitação legalmente estabelecida – a decisão recorrida -, o qual só foi praticado em momento posterior à dita conferência.

Destarte a nulidade em apreço apenas podia ser impugnada através de recurso, pelo que improcede a invocada sanação da mesma.

Dispõe o n.º 2 do art.º 195º do CPC:
2 - Quando um ato tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente; a nulidade de uma parte do ato não prejudica as outras partes que dela sejam independentes.

Em face de tudo o exposto impõe-se anular a decisão recorrida, devendo os autos prosseguir a tramitação subsequente ao facto de os pais não terem chegado a acordo na conferência a que alude o art.º 35º, se nenhuma outra circunstância obstar a tal, ficando prejudicada a apreciação do invocado erro de julgamento.

As custas da apelação ficam a cargo da recorrida por vencida – art.º 527º, n.º 1 e 2 do CPC.

4. Decisão

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da 1ª Secção da Relação de Guimarães em anular a decisão recorrida, devendo os autos prosseguir a tramitação subsequente ao facto de os pais não terem chegado a acordo na conferência a que alude o art.º 35º, se nenhuma outra circunstância obstar a tal, ficando prejudicada a apreciação do invocado erro de julgamento.

Custas da apelação pela recorrida

Notifique.
*
Guimarães, 29/02/2024
(O presente acórdão é assinado electronicamente)

Relator: José Carlos Pereira Duarte
1º Adjunto: Lígia Paula Ferreira de Sousa Santos Venade
2º Adjunto: Alexandra Maria Viana Parente Lopes