Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6414/18.2T8GMR.G1
Relator: ALDA MARTINS
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
VIOLAÇÃO DE REGRAS DE SEGURANÇA
NEXO DE CAUSALIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/04/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I. A imputação ao empregador da responsabilidade pela reparação de acidente de trabalho por violação de regras de segurança pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: (i) que sobre o empregador impenda o dever de observância de determinadas normas ou regras de segurança; (ii) que aquele não as haja, efectivamente, observado; (iii) que se verifique uma relação de causalidade adequada entre a omissão e o acidente.
II. O artigo 563.º do Código Civil, ao estatuir que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, tem sido visto como expressão do acolhimento no sistema jurídico português da teoria da causalidade adequada, segundo a qual deve considerar-se como causa jurídica do prejuízo a condição que, pela sua natureza e em face das circunstâncias do caso, se mostre apropriada para o gerar, pelo que, no juízo de prognose a realizar, se deve ponderar se, em condições regulares, o resultado lesivo é uma consequência normal, típica, provável da conduta ou omissão concretamente verificada.
III. Tendo-se provado que o trabalhador se encontrava a passar massa de pão numa máquina de cilindros sovadores e que uma parte daquela ficou colada e, ao soltar-se, arrastou a sua mão esquerda, que ficou presa entre os dois cilindros em movimento, não dispondo a máquina dum protector que impedisse o acesso aos cilindros móveis ou dum dispositivo que interrompesse o seu movimento antes do acesso aos mesmos, é de concluir pela existência de nexo de causalidade entre a omissão daquelas medidas (prescritas pelos arts. 3.º, n.ºs 1 e 2 e 16.º, n.º 1, do DL n.º 50/2005, de 25 de Fevereiro, e pelo art. 40.º do Regulamento Geral de Segurança e Higiene no Trabalho nos Estabelecimentos Industriais) e o acidente de trabalho.

Alda Martins
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães:

1. Relatório

Nos presentes autos de acção especial emergente de acidente de trabalho que J. P. move a X- Companhia de Seguros, S.A. e Y Surpresa, Lda., foi proferida sentença, que terminou com o seguinte dispositivo:

«Assim, e nos termos expostos, julgo a ação procedente por provada e, consequentemente:

a. condeno a ré X – Companhia de Seguros, S.A., sem prejuízo dos juros que se mostrem devidos (art.º 135.º do Código de Processo do Trabalho), no pagamento ao autor J. P. das seguintes quantias:
a) 206,45€ (duzentos e seis euros e quarenta e cinco cêntimos) a título de parte em falta das indemnizações por incapacidades temporárias;
b) 15,00€ (quinze euros) a título de reembolso de despesas de transporte;
c) o capital de remição da pensão anual e vitalícia, devida em 06/11/2018, no montante de 700,80€ (setecentos euros e oitenta cêntimos);
b. absolvo a ré Y Surpresa, Lda. dos pedidos contra si deduzidos.
Custas exclusivamente pela ré seguradora.»

A ré seguradora, inconformada, veio interpor recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões:

«I. A Recorrente interpôs o presente recurso visando, desde logo, a reapreciação da prova gravada, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 80.º do Código de Processo de Trabalho, por entender que a matéria de facto dada como provada e não provada pelo Meritíssimo Juiz de 1.ª encontra-se incorrectamente julgada, atenta a prova documental junta aos autos e, bem assim, a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, impondo-se, por essa razão, a sua reanálise e alteração, nos termos do presente recurso.
II. Atente-se no ponto 1) da matéria de facto dada como não provada, que dispõe que não ficou provado “Que o acidente se tenha ficado a dever a: a. inexistência de qualquer utensílio/acessório (rede) de proteção – colectiva – que impedisse o contato mecânico dos membros superiores do manobrador com os seus cilindros e, designadamente, os riscos de esmagamento golpeamento e decepamento; b. falta de formação e informação do trabalhador quanto ao funcionamento da máquina e das regras de segurança a observar na sua utilização”.
III. É entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores que as conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto dada como provada e não provada.
IV. Atente-se no teor do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Março de 2014, Processo n.º 590/12.5TTLRA.C1.S1, e no teor do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28 de Janeiro de 2016, Processo n.º 1715/12.6TTPRT.P1.S1.
V. É manifesto que a expressão constante do ponto 1 da matéria de facto não provada “que o acidente se tenha ficado a dever” não pode, de todo, fazer parte do elenco da matéria de facto, dado que é, desde logo, um juízo valorativo e hipotético, susceptível de integrar o thema decidendum, pois, discute-se a violação das regras de segurança por parte da Entidade Empregadora, ora Recorrida, no deflagar do acidente sofrido pelo Autor, devido à falta de implementação de medidas de segurança.
VI. Assim, deve ter-se por não escrito e, nessa sequência, deve ser eliminado o ponto 1) da matéria de facto dada como não provada.
VII. Ainda que assim não se entenda, quanto ao teor conclusivo do número 1), ponto a., da matéria de facto dada como não provada, sempre se dirá que o Tribunal a quo andou mal quando considerou como não provada “a inexistência de qualquer utensílio/acessório (rede) de protecção – colectiva – que impedisse o contacto mecânico dos membros superiores do manobrador com os seus cilindros e, designadamente, os riscos de esmagamento golpeamento e decepamento”.
VIII. O Meritíssimo Juiz a quo incorreu num erro de julgamento, desconsiderando a prova produzida na sua globalidade, designadamente a prova testemunhal produzida em Audiência de Julgamento, bem como na prova documental junta aos autos, uma vez que resultou de toda a prova produzida que não existia qualquer utensílio/acessório que impedisse o contacto das mãos do trabalhador com as partes mecânicas da máquina.
IX. Tal decorre dos depoimentos das testemunhas A. F., R. A. e J. M..
X. Dos depoimentos ora analisados, e bem assim, da prova documental junta aos autos, designadamente as fotografias juntas a fls. (documento n.º 1 junto aos autos com a Contestação da ora Recorrente), é por demais evidente que a máquina onde ocorreu o acidente em causa nos presentes autos não dispunha de qualquer mecanismo de segurança que impedisse o contacto dos membros superiores do trabalhador sinistrado.
XI. O único mecanismo que a máquina em causa dispunha era uma barra frontal inferior destinada a inverter a marcha dos cilindros, mas que não se destina a evitar qualquer acidente, dado que a actuação deste pedal, em caso de acidente, é a posteriori, ou seja, depois do acidente ocorrer.
XII. Isto porque, o trabalhador sinistrado, por forma a conseguir laborar com a máquina em causa nos presentes autos, é forçado a colocar os membros superiores, nomeadamente as mãos, muito perto dos cilindros em funcionamento, por forma a chegar a massa a cilindrar aos mesmos, e, no acidente em apreço nos presentes autos, inadvertidamente colocou a mão esquerda perto de mais, sendo a mesma puxada pelos cilindros.
XIII. Face à inexistência de qualquer acessório que impedisse o contacto das mãos do trabalhador sinistrado com os cilindros, não havia forma de impedir que o acidente em causa nos autos ocorresse.
XIV. No caso em concreto nos presentes autos, a aludida barra inferior não seria capaz de evitar o acidente em causa, uma vez que apenas parava a máquina ou invertia o sentido dos rolos, e o trabalhador não podia laborar na máquina com a mesma parada ou com os rolos invertidos, como é bom de ver…
XV. A máquina em causa era passível de ser adaptada, por forma a ser instalada uma protecção que evitasse por completo o contacto físico entre os membros superiores do trabalhador e os cilindros sovadores.
XVI. Ainda que tal não fosse possível, ou não pretendesse a Entidade Empregadora adaptar a aludida máquina, sempre poderia ter adquirido outras que existem no mercado, com as mesmas funções, ou seja, com cilindros sovadores, mas cujos acessórios impedem o contacto dos membros superiores do trabalhador com os cilindros sovadores, como por exemplo, o modelo de cilindro sovador que se encontra anexo ao documento n.º 2 da Contestação da ora Recorrente.
XVII. Nesta conformidade, deve a matéria de facto dada como não provada no ponto n.º 1, a) ser considerada provada, e nessa medida, passar a constar da matéria de facto dada como provada que:
“Aquando da ocorrência do acidente, a máquina em que o Autor laborava não dispunha de qualquer utensílio/acessório de protecção que impedisse o contacto dos membros superiores com os dois cilindros, que ficam em contínuo movimento enquanto a máquina está ligada”;
“ Teria sido possível instalar utensílio/acessório de protecção por forma a evitar o contacto dos membros superiores com os dois cilindros”; e
“Existem máquinas cilindros sovadores cujas características impedem o contacto dos membros superiores do corpo do trabalhador com os cilindros”.
XVIII. Dispõe o artigo 18.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009 que “quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais”.
XIX. Por sua vez, dispõe o artigo 79.º, n.º 3 da Lei 98/2009, que “verificando-se alguma das situações referidas no artigo 18.º, a seguradora do responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso”.
XX. Para aplicação do disposto no artigo 18.º da Lei n.º 98/2009, é necessário que se verifique o nexo de causalidade entre inobservância das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho e a produção do acidente, ainda que não seja necessário tratar-se do único nexo causal.
XXI. Nos presentes autos, resultou provado que o acidente ocorreu quando o Autor operava com um cilindro sovador, e que, quando se encontrava a passar a massa de pão pelo cilindro sovador, a mão esquerda foi arrastada, ficando presa entre os dois cilindros que compõem a máquina, ou seja, o acidente deu-se porque, inadvertidamente, o Autor aproximou demasiado a mão esquerda dos cilindros, levando a que esta fosse puxada.
XXII. Atenta a dinâmica do acidente em causa nos presentes autos, e, bem assim, a matéria de facto que deve ser aditada à matéria de facto dada como provada, foi a omissão da obrigação de protecção que causou o acidente: a possibilidade de contacto de partes do corpo com os elementos móveis da máquina, dado que, se a máquina fosse dotada do exigível protector de acesso aos cilindros não teria ocorrido o acidente de trabalho em causa nos presentes autos, já que, mesmo inadvertidamente, a mão do Autor nunca entraria em contacto com os cilindros.
XXIII. Atento o exposto, o acidente de trabalho em causa nos presentes autos, resulta da falta de observação, por parte da Entidade Empregadora das regras sobre segurança no trabalho, a que omitiu a adaptação da máquina às exigências constantes dos artigos 3.º e 16.º do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25 de Fevereiro.
XXIV. Razão pela qual deve a sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada, e substituída por outra que absolva a Recorrente do pedido ou, ser julgada em conformidade, sem prejuízo do direito de regresso que assiste à ora Recorrente, por se reconhecer a verificação dos pressupostos legais nos termos do disposto dos artigos 18.º e 79.º da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, com todas as consequências legais.»
A ré empregadora apresentou resposta ao recurso da ré seguradora, pugnando pela sua improcedência.
Recebidos os autos nesta Relação, pelo Ministério Público foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso, tendo a Recorrente respondido a discordar.
Vistos os autos pelas Exmas. Adjuntas, cumpre decidir.

2. Objecto do recurso

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil –, as questões que se colocam a este tribunal são as seguintes:

- alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto;
- imputação do acidente de trabalho a violação de regras de segurança por parte da ré empregadora, com as legais consequências.

3. Fundamentação de facto

a) Provaram-se os seguintes factos:
A) J. P. nasceu a -/08/1994 (fls. 43);
B) No dia 17/03/2018, cerca das 08 horas, o autor trabalhava sob as ordens, direcção e fiscalização da 2.ª ré, com a categoria profissional de auxiliar de fabrico, mediante a retribuição anual bruta de 9.184,80€ (580€ x 14 + 96,80€ x 11, respectivamente, salário base e subsídio de alimentação), e, quando se encontrava a passar a massa de pão pelo cilindro sovador, uma parte daquela ficou colada no referido cilindro e, ao soltar-se, a sua mão esquerda foi arrastada, ficando presa entre os dois cilindros que compõem a máquina;
C) A máquina em causa tem as seguintes características:
a. é uma máquina concebida para, entre outros, cilindrar massa no fabrico de pão;
b. consiste numa mesa baixa, composta por um cilindro superior e outro inferior, motor e polias;
c. possui um botão de accionamento e outro para suspensão, localizados na lateral direita da máquina, atenta a posição do manobrador;
d. o autor encontrava-se a colocar massa de pão entre os dois cilindros que compõem o cilindro sovador;
e. o autor encontrava-se a desempenhar as aludidas funções de acordo com as instruções da empregadora, transmitidas através do seu superior hierárquico;
f. a máquina estava nas circunstâncias descritas a laborar em modo automático, ou seja, ininterrupto;
g. momentos antes da ocorrência do sinistro, o autor colocou a massa do pão entre os dois cilindros;
h. no entanto, nesse momento a sua mão foi puxada, junto com a massa do pão, pelo movimento rotacional dos cilindros;
i. razão pela qual ficou entalada entre os cilindros;
D) Como consequência desse acidente resultou-lhe trauma compressivo da mão esquerda, com fracturas ósseas;
E) As lesões sofridas pelo autor determinaram-lhe uma ITA (incapacidade temporária absoluta) de 18/03/2018 a 27/09/2018, uma ITP (incapacidade temporária parcial) de 30% de 28/09/2018 a 05/11/2018;
F) Na data do acidente, a 2.ª ré tinha transferido para a 1.ª ré a responsabilidade por acidentes de trabalho, através do contrato de seguro, reportado à retribuição anual bruta do autor de 9.184,80€;
G) Mercê do acidente de trabalho sofrido, o autor, a título de deslocações para a comparência obrigatória ao Gabinete Médico Legal de Braga e a este tribunal despendeu a quantia de 15€;
H) A 1.ª ré pagou ao autor a título de indemnização pelos períodos de IT a quantia de 3.399,27€;
I) Como consequência directa e necessária das lesões sofridas, o autor é portador de sequelas que lhe determinam uma incapacidade permanente parcial de 10,90% (0,1090) desde o dia 06/11/2018 (dia seguinte ao da alta);
J) A máquina dispõe de uma barra frontal inferior destinada a inverter a marcha dos cilindros;
L) Não existia uma rede de protecção que impedisse o contacto dos membros superiores do manobrador com os cilindros da máquina. (aditado nos termos do ponto 4.1.)
b) Não se provaram os seguintes factos:
1) Que o trabalhador não tivesse formação e informação quanto ao funcionamento da máquina e das regras de segurança a observar na sua utilização; (alterado nos termos do ponto 4.1.)
2) Que a máquina não dispusesse de certificação CE ou declaração de conformidade;
3) Nem tão pouco de manual de instruções ou registo de verificação e ensaios.

4. Apreciação do recurso

4.1. Vejamos em 1.º lugar a pretensão da Recorrente de alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, no sentido de ser eliminado o ponto 1) da factualidade não provada, por ser conclusivo, e de ser a matéria de facto constante da respectiva alínea a) considerada provada nos seguintes termos:
“Aquando da ocorrência do acidente, a máquina em que o Autor laborava não dispunha de qualquer utensílio/acessório de protecção que impedisse o contacto dos membros superiores com os dois cilindros, que ficam em contínuo movimento enquanto a máquina está ligada”;
“Teria sido possível instalar utensílio/acessório de protecção por forma a evitar o contacto dos membros superiores com os dois cilindros”; e
“Existem máquinas cilindros sovadores cujas características impedem o contacto dos membros superiores do corpo do trabalhador com os cilindros”.

Consta da sentença recorrida que não se provou:
«1) Que o acidente se tenha ficado a dever a:
a. inexistência de qualquer utensílio/acessório (rede) de protecção colectiva que impedisse o contacto mecânico dos membros superiores do manobrador com os seus cilindros e, designadamente, os riscos de esmagamento, golpeamento e decepamento;
b. falta de formação e informação do trabalhador quanto ao funcionamento da máquina e das regras de segurança a observar na sua utilização.»

Dispunha o n.º 4 do art. 646.º do Código de Processo Civil de 1961 que se têm por não escritas as respostas do tribunal sobre questões de direito, assim como as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes. E, embora não se contemplassem directamente as respostas sobre a matéria de facto vagas, genéricas e conclusivas, foi-se consolidando na jurisprudência o entendimento de que aquela disposição era de aplicar analogicamente a tais situações, sempre que a matéria em causa se integrasse no thema decidendum, por se reconduzirem à formulação de juízos de valor que se devem extrair de factos concretos, objecto de alegação e prova.
Ora, não obstante a eliminação do preceito mencionado no Código de Processo Civil de 2013, é de considerar que se deve manter aquele entendimento, interpretando, a contrario sensu, o actual n.º 4 do art. 607.º, segundo o qual, na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados.
Isto é, o que o tribunal pode e deve considerar como provado em resultado da prova produzida são os factos e não as conclusões ou juízos de valor a extrair dos mesmos à luz das normas jurídicas aplicáveis, que é uma operação intelectual distinta (1).
Retornando ao caso em apreço, e tendo em atenção que a questão a decidir é essencialmente a do nexo de causalidade entre o acidente e a omissão de regras de segurança por parte da empregadora, o que é atendível como objecto da actividade probatória, nos sobreditos termos, são as características concretas da máquina em causa e as demais circunstâncias concretas atinentes ao seu funcionamento e manuseamento pelo sinistrado, extravasando esse âmbito a valoração jurídica pelo tribunal dos factos que se provem, com vista a decidir se os mesmos podem ou não ser tidos como causa do sinistro, na medida em que a causalidade relevante para o efeito não é meramente naturalística mas normativa (art. 563.º do Código Civil).

Assim, o constante do mencionado ponto 1) só é atendível na medida em que seja extirpado das considerações valorativas e conclusivas, ou seja, nos seguintes termos:
a. Não existia uma rede de protecção que impedisse o contacto dos membros superiores do manobrador com os cilindros da máquina;
b. O trabalhador não tinha formação e informação quanto ao funcionamento da máquina e das regras de segurança a observar na sua utilização.

Posto isto, concorda-se que a factualidade constante do ponto a. seja considerada como provada, com base nos meios probatórios invocados pela Apelante, nomeadamente a fotografia da máquina que constitui o documento n.º 1 junto com a sua contestação e os depoimentos das testemunhas A. F., R. A. e J. M., que efectivamente a confirmam. Aliás, a veracidade da inexistência duma rede de protecção que impedisse o contacto dos membros superiores do manobrador com os cilindros da máquina está pressuposta na fundamentação do tribunal a quo atinente a não considerá-la como causa do acidente.
Em face do exposto, determina-se o aditamento de tal facto à factualidade provada, mantendo-se o constante da alínea b. na factualidade não provada.
Quanto à restante factualidade que a Recorrente pretende ver aditada, ou seja, que era possível instalar utensílio/acessório de protecção por forma a evitar o contacto dos membros superiores com os dois cilindros e que existem máquinas cilindros sovadores cujas características impedem o contacto dos membros superiores do corpo do trabalhador com os cilindros, constata-se que não foi alegada como tal na sua contestação, pois o que a Apelante aí referiu foram as alternativas concedidas à ré empregadora pela “actual legislação em vigor” (sic) – cfr. o art. 22.º da sua contestação –, o que é bem diferente.
Em conformidade, aquela factualidade não integrou os temas de prova consignados no despacho saneador, sendo certo que também não foi introduzida na actividade instrutória através do mecanismo previsto no art. 72.º do Código de Processo do Trabalho (que a ré seguradora poderia ter impulsionado, ou, constatando a não utilização oficiosa pelo tribunal até ao início dos debates, deveria ter imediatamente invocado como fundamento de nulidade). Deste modo, tratando-se de factualidade que não foi objecto de discussão com observância das garantias legais de cumprimento do contraditório, nem de decisão do tribunal como estando provada ou não provada, não pode agora ser alvo de impugnação pela Apelante.
Em face do exposto, não se atende a pretensão da Recorrente nessa parte.
4.2. Importa, então, apreciar a 2.ª questão acima enunciada, isto é, se, ao contrário do entendido pelo tribunal recorrido, se verifica nexo de causalidade entre o acidente de trabalho e a violação de regras de segurança por parte da ré empregadora, com as legais consequências.
Na verdade, estabelece o n.º 1 do art. 18.º do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais (doravante RRATDP), aprovado pela Lei n.º 98/2009, de 4/09, sob a epígrafe «Actuação culposa do empregador», que, quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais.
Por seu turno, dispondo o n.º 1 do art. 79.º que o empregador é obrigado a transferir a responsabilidade pela reparação prevista naquela lei para entidades legalmente autorizadas a realizar este seguro (cfr. ainda o art. 283.º, n.º 5 do Código do Trabalho), o n.º 3 esclarece que, verificando-se alguma das situações referidas no artigo 18.º, a seguradora do responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso.

Sobre os princípios gerais que norteiam este regime, veja-se, por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Outubro de 2018, proferido no âmbito do processo n.º 92/16.0T8BGC.G1.S2 (2), com o seguinte sumário:

“I - O agravamento da responsabilidade acidentária sucede quando o acidente se deve à culpa do empregador ou quando seja consequência da inobservância de regras de segurança, higiene e saúde que lhe seja imputável.
II - A diferença entre os dois fundamentos reside na prova da culpa, que tem que ser necessariamente feita no primeiro caso e que é desnecessária no segundo.
III - A responsabilidade prevista no artigo 18º da Lei 98/2009, de 04.09, pressupõe a verificação cumulativa do incumprimento do dever de observância de regras de segurança e saúde no trabalho e de uma relação de causalidade adequada entre tal omissão e o acidente.
IV - O ónus de alegação e prova dos factos que integram a violação de regras de segurança e o nexo de causalidade entre essa violação e o acidente impende sobre a parte que invoca o direito às prestações agravadas, ou que venha a beneficiar da situação.”

Isto é, a responsabilidade do empregador por acidente de trabalho, em termos agravados, por inobservância de regras de segurança no trabalho, supõe a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos:
- que ao empregador incumba o dever de observância de determinadas normas de segurança;
- que o empregador não haja, efectivamente, observado tais normas de segurança;
- que se demonstre o nexo de causalidade adequada entre a omissão e o acidente.

No caso em apreço, provou-se que, no dia 17/03/2018, cerca das 8 horas, quando o autor se encontrava a passar a massa de pão pelo cilindro sovador, uma parte daquela ficou colada no referido cilindro e, ao soltar-se, a sua mão esquerda foi arrastada, ficando presa entre os dois cilindros que compõem a máquina.

A máquina em causa tem as seguintes características:
- é uma máquina concebida para, entre outros, cilindrar massa no fabrico de pão;
- consiste numa mesa baixa, composta por um cilindro superior e outro inferior, motor e polias;
- possui um botão de accionamento e outro para suspensão, localizados na lateral direita da máquina, atenta a posição do manobrador;
- dispõe de uma barra frontal inferior destinada a inverter a marcha dos cilindros;
- não existe uma rede de protecção que impeça o contacto dos membros superiores do manobrador com os cilindros da máquina.

O autor encontrava-se a colocar massa de pão entre os dois cilindros que compõem o cilindro sovador, desempenhando tais funções de acordo com as instruções da empregadora, transmitidas através do seu superior hierárquico. A máquina estava nas circunstâncias descritas a laborar em modo automático, ou seja, ininterrupto. Momentos antes da ocorrência do sinistro, o autor colocou a massa do pão entre os dois cilindros. No entanto, nesse momento a sua mão foi puxada, junto com a massa do pão, pelo movimento rotacional dos cilindros, razão pela qual ficou entalada entre os cilindros.
Ora, não se questionando que o autor foi vítima dum acidente de trabalho indemnizável, importa simplesmente apreciar se a responsabilidade pelo mesmo deve ser fixada nos termos das acima citadas normas constantes dos arts. 18.º e 79.º do RRATDP.
Estabelece o art. 281.º do Código do Trabalho, sob o título «Princípios gerais em matéria de segurança e saúde no trabalho», além do mais, que o empregador deve assegurar aos trabalhadores condições de segurança e saúde em todos os aspectos relacionados com o trabalho, aplicando as medidas necessárias tendo em conta princípios gerais de prevenção (n.º 2), e que, na aplicação das medidas de prevenção, o empregador deve mobilizar os meios necessários, nomeadamente nos domínios da prevenção técnica, da formação, informação e consulta dos trabalhadores e de serviços adequados, internos ou externos à empresa (n.º 3).

No caso em apreço, equaciona-se a violação pela ré empregadora do disposto no DL n.º 50/2005, de 25 de Fevereiro, que transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2001/45/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Junho, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho.

Estabelece tal diploma, na parte relevante:

Artigo 3.º
Obrigações gerais do empregador
Para assegurar a segurança e a saúde dos trabalhadores na utilização de equipamentos de trabalho, o empregador deve:
a) Assegurar que os equipamentos de trabalho são adequados ou convenientemente adaptados ao trabalho a efectuar e garantem a segurança e a saúde dos trabalhadores durante a sua utilização;
b) Atender, na escolha dos equipamentos de trabalho, às condições e características específicas do trabalho, aos riscos existentes para a segurança e a saúde dos trabalhadores, bem como aos novos riscos resultantes da sua utilização;
(…)

Artigo 16.º
Riscos de contacto mecânico
1 - Os elementos móveis de um equipamento de trabalho que possam causar acidentes por contacto mecânico devem dispor de protectores que impeçam o acesso às zonas perigosas ou de dispositivos que interrompam o movimento dos elementos móveis antes do acesso a essas zonas.
2 - Os protectores e os dispositivos de protecção:
a) Devem ser de construção robusta;
b) Não devem ocasionar riscos suplementares;
c) Não devem poder ser facilmente neutralizados ou tornados inoperantes;
d) Devem estar situados a uma distância suficiente da zona perigosa;
e) Não devem limitar a observação do ciclo de trabalho mais do que o necessário.
(…)

Tenha-se em conta que já o Regulamento Geral de Segurança e Higiene no Trabalho nos Estabelecimentos Industriais, aprovado pela Portaria n.º 53/71, de 3 de Fevereiro, e alterado pela Portaria n.º 702/80, de 22 de Setembro, estabelecia com interesse para o caso:

Artigo 40.º
Protecção e segurança das máquinas
1 - Os elementos móveis de motores e órgãos de transmissão, bem como todas as partes perigosas das máquinas que accionem, devem estar convenientemente protegidos por dispositivos de segurança, a menos que a sua construção e localização sejam de molde a impedir o seu contacto com pessoas ou objectos.
2 - As máquinas antigas, construídas e instaladas sem dispositivos de segurança eficientes, devem ser modificadas ou protegidas sempre que o risco existente o justifique.

Não restam dúvidas, pois, que a ré empregadora estava obrigada a escolher ou adaptar uma máquina de cilindros sovadores que, por estes constituírem elementos móveis susceptíveis de causar acidentes por contacto mecânico, dispusesse de protectores que impedissem o acesso às zonas perigosas ou de dispositivos que interrompessem o movimento dos elementos móveis antes do acesso a essas zonas.
Ora, a máquina utilizada pelo sinistrado não tinha uma rede de protecção que impedisse o contacto dos membros superiores do manobrador com os cilindros da máquina e também não tinha qualquer dispositivo que interrompesse o movimento dos cilindros antes do acesso aos mesmos.
Na verdade, para efeitos de prevenção dos riscos no trabalho, e como alternativa a um protector que imponha a separação física, não pode deixar de estar em causa um dispositivo de interrupção do movimento dos elementos móveis, electrónico ou outro, que funcione automaticamente à mera aproximação em demasia do corpo humano, pois de nada ou pouco valeria um dispositivo que estivesse dependente da previsão pelo manobrador da iminência do sinistro e da antecipação pelo mesmo do accionamento de botões, pedais ou alavancas que existissem para parar o movimento. Estes mecanismos – nomeadamente, na concreta situação em apreço, o botão de suspensão, localizado na lateral direita da máquina, atenta a posição do manobrador, e a barra frontal inferior destinada a inverter a marcha dos cilindros – têm óbvia utilidade na óptica das operações de produção, de modo a que o manobrador possa parar ou inverter o movimento dos cilindros em função das respectivas contingências, mas de pouco podem servir na perspectiva da prevenção do risco de contacto dos membros superiores do manobrador com os cilindros em movimento por inadvertência, distracção ou ocorrência imprevisível, afigurando-se como bem mais provável que só possam ser accionados – e dificilmente pelo próprio – já depois de consumado o dano.
Em face do exposto, verificada a inobservância da indicada regra de segurança por parte da ré empregadora, cumpre aferir da existência de nexo de causalidade entre a mesma e a produção do acidente, para efeitos do citado art. 18.º, n.º 1 do RRATDP.
O artigo 563.º do Código Civil, sob a epígrafe «Nexo de causalidade», ao estatuir que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, fundamentando a responsabilidade na probabilidade de não ter havido prejuízo se não fosse a lesão, tem sido visto como expressão do acolhimento no sistema jurídico português da teoria da causalidade adequada, segundo a qual deve considerar-se como causa jurídica do prejuízo a condição que, pela sua natureza e em face das circunstâncias do caso, se mostre apropriada para o gerar, pelo que, no juízo de prognose a realizar, se deve ponderar se, em condições regulares, o resultado lesivo é uma consequência normal, típica, provável da conduta ou omissão concretamente verificada. Isto é, como sintetiza Pessoa Jorge (3), a “orientação hoje dominante é a que considera causa de certo efeito a condição que se mostra, em abstracto, adequada a produzi-lo”, traduzindo-se essa adequação “em termos de probabilidade, fundada nos conhecimentos médios: se, segundo a experiência comum, é lícito dizer que, posto o antecedente x se dá provavelmente o consequente y, haverá relação causal entre eles” (4).
Assim sendo, como se refere no Acórdão desta Relação de Guimarães de 16 de Novembro de 2017, proferido no processo n.º 63/14.1TTGMR.G1 (5), “[o] dano haverá que se apresentar como consequência normal típica ou provável do facto, mas havendo, para o efeito, que se ter em conta, não o facto e o dano isoladamente considerados, mas sim o processo factual que, em concreto, conduziu ao dano, sendo este, processual factual, que caberá na aptidão geral e abstrata do facto para produzir o dano. E, não sendo embora indispensável, para que haja causa adequada, que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano, não sendo a responsabilidade afastada na hipótese de concorrência de causas, é todavia necessário que seja feita a prova do nexo de causalidade, no seu sentido naturalístico, o que compreende a prova de todas as circunstâncias que numa cadeia reacional de causalidade adequada, integram o processo que conduz ao evento danoso.”

Ora, no caso em apreço, resulta da dinâmica do sinistro que este não teria ocorrido se a ré empregadora tivesse cumprido o dever imposto pelas disposições legais acima transcritas, facultando ao autor uma máquina que dispusesse dum protector que impedisse o acesso aos cilindros móveis ou dum dispositivo que interrompesse o seu movimento antes do acesso aos mesmos, pois, se o tivesse observado, a mão esquerda do autor, ainda que fosse arrastada/puxada pela massa de pão, não teria chegado a entrar em contacto com os cilindros em movimento.
Não procede a argumentação da sentença quando, em sede de interpretação e aplicação do direito, invoca que «foi afirmado pelo colega de trabalho do autor e pelo comercial da empresa distribuidora das máquinas que, mesmo com aquela proteção, o operador continua frequentemente a ter de aproximar as mãos dos cilindros para corretamente executar as tarefas, não se excluindo a possibilidade de ocorrência de um evento como aquele que vitimou o aqui autor», na medida em que: o facto alegadamente afirmado pelas testemunhas não foi considerado como provado, e, por conseguinte, não pode ser atendido como fundamento da decisão; ainda que fosse verdadeiro, a sua execução sem prévia suspensão ou paragem da máquina constituiria violação pelo trabalhador das regras legais de segurança de que se vem falando; e, principalmente, trata-se de hipótese alheia à situação em apreço, pois o que se provou é que o autor se encontrava a passar a massa de pão pelo cilindro sovador e uma parte daquela ficou colada no referido cilindro e, ao soltar-se, arrastou a sua mão esquerda, que ficou presa entre os dois cilindros. Isto é, não se tratou de o sinistrado ter tido uma necessidade especial, fora do normal, de aproximar as mãos dos cilindros para correctamente executar a tarefa (o que, repete-se, seria inadmissível que fizesse sem previamente suspender ou parar o seu movimento, pois as regras de segurança em referência não são de cumprimento facultativo – cfr. o art. 16.º, n.º 2, al. c) do DL n.º 50/2005), pelo que, na concreta situação que nos ocupa, é inequívoco que a observância pela ré empregadora das medidas de segurança aludidas era apta à prevenção do risco que causou o acidente dos autos e os danos no autor.
Com efeito, como acima se explicitou, a causalidade adequada abarca todo o facto que actue como condição do dano, excepto se, numa perspectiva de prognose normal, se mostrar completamente indiferente para a verificação do dano/evento, tendo-o provocado somente porque interferiram no processo causal concreto circunstâncias extraordinárias, anómalas ou excepcionais. Nessa conformidade, vejam-se os Acórdãos desta Relação de Guimarães de 6 de Fevereiro de 2020, proferido no processo n.º 2930/18.4T8BRG.G1, e de 7 de Outubro de 2021, proferido no processo n.º 5403/18.1T8VNF.G1 (6), sobre acidentes com semelhanças às dos autos, em que, no 1.º, se ajuizou que o acidente era consequência normal e típica da inobservância das regras de segurança, e, no 2.º, que não, por ter decorrido da execução de tarefa de limpeza com a máquina ligada em desobediência a instruções expressas do empregador (7).
Ora, procedendo a tal juízo de prognose no caso sub judice, não pode deixar de se concluir que a omissão da implementação da protecção ou dispositivo mencionados, em abstracto e em condições normais, tinha aptidão genérica para produzir o acidente de trabalho, que é, assim, sua consequência normal, na medida em que não se provaram condições anormais ou excepcionais que tivessem interferido no processo causal.
Por todo o exposto, estando estabelecido o nexo de causalidade entre a omissão verificada e a produção do acidente, existe fundamento para a responsabilização da ré empregadora em termos agravados, sendo a ré seguradora responsável pelo pagamento das prestações nos termos normais, sem prejuízo do direito de regresso, por aplicação dos citados arts. 18.º, n.º 1 e 79.º, n.º 3 do RRATDP.

Assim, o sinistrado tem direito a que a ré empregadora lhe pague as seguintes quantias:
- pelos 193 dias de ITA (9.184,80€ : 365 x 193), a quantia de 4.856,62€, e pelos 39 dias de ITP a 30% (9.184,80€ : 365 x 0,30 x 39), a quantia de 294,42€, num total de 5.151,04€;
- o capital de remição da pensão anual de 1.001,14 € (9.184,80€ x 0,1090);
- a título de reembolso de despesas de transportes, a quantia de 15,00€.
Termos em que procede o recurso da ré seguradora.

5. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação procedente e, em consequência:
1) condena-se a ré Y Surpresa, Lda. no pagamento ao autor J. P. das seguintes quantias, acrescidas de juros de mora:
a) 5.151,04€ a título de indemnização por incapacidades temporárias;
b) o capital de remição da pensão anual e vitalícia, devida desde 6/11/2018, no montante de 1.001,14€;
c) 15,00€ a título de reembolso de despesas de transporte;
2) condena-se a ré X – Companhia de Seguros, S.A., sem prejuízo de direito de regresso sobre a ré empregadora, no pagamento ao autor J. P. das seguintes quantias, acrescidas de juros de mora:
a) 3.605,72€ a título de indemnização por incapacidades temporárias, de que falta pagar a quantia de 206,45€;
b) o capital de remição da pensão anual e vitalícia, devida desde 6/11/2018, no montante de 700,80€;
c) 15,00€ a título de reembolso de despesas de transporte.
Custas em ambas as instâncias pela ré empregadora.
4 de Novembro de 2021

Alda Martins
Vera Sottomayor
Maria Leonor Barroso



1. Neste sentido, entre muitos outros, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Abril de 2015, proferido no processo n.º 306/12.6TTCVL.C1.S1 (disponível em www.dgsi.pt).
2. Disponível em www.dgsi.pt.
3. “Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil”, in Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, p. 392.
4. Cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Novembro de 2012, proferido no processo n.º 43/08.6TTVRL.1.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
5. Disponível em www.dgsi.pt.
6. Ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
7. Também sobre o juízo de prognose em referência, mas aplicado a sinistros com menos semelhanças, cfr., entre outros, os Acórdãos desta Relação de 17 de Maio de 2018, proferido no processo n.º 92/16.0T8BGC.G1, e de 20 de Maio de 2021, proferido no processo n.º 2147/16.2T8BCL.G1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.