Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5220/20.9T8GMR.G2
Relator: AFONSO CABRAL DE ANDRADE
Descritores: INDEMNIZAÇÃO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/25/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. Quando a decisão recorrida está correcta, e bem fundamentada, a Relação não tem de procurar formulações alternativas para chegar ao mesmo resultado.
2. Quando o autor pede uma indemnização por danos causados por águas que, alega, provieram da fracção dos réus, mesmo por cima da sua, se os réus se limitarem a assentar a sua defesa na afirmação de que desconhecem de onde vem a água que entrou na fracção do autor, impugnando a afirmação deste, deixando a este o ónus de provar o que alegou, está no exercício legítimo do seu direito de defesa.
3. Quando em vez disso, negam a existência da própria inundação, que é incontroversa, inventam explicações alternativas que sabem ser falsas, ou se não sabem têm obrigação de saber, se ouvissem com atenção o que lhe foi dito e actuassem com a devida diligência, e ainda dizem que a autora contribuiu para o agravamento dos danos, porque abandonou a fracção, e não a vigiou nem cuidou bem dela, estão, não a exercer o seu legítimo direito de defesa, mas antes a litigar de má-fé.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I- Relatório

AA, melhor id. nos autos, propôs a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra BB e CC, melhor id. nos autos, peticionando a condenação destes no pagamento de indemnização por danos sofridos na fracção (e recheio) que lhe pertence e que foram provocados pela habitação pertença dos RR.
Alega, para tanto, que sofreu inundação de água na sua cozinha proveniente de fuga de água na fracção dos RR, que estes não cuidaram de conservar, que essa inundação lhes estragou a cozinha (móveis e electrodomésticos) e tornou inabitável aquela e que os transtornos e postura de demora na resolução da questão pelos RR lhe causou mau estar, tudo danos que quer ver ressarcidos.
Indicou meios de prova.

Citados, os RR apresentaram contestação. Impugnaram a ocorrência do evento e excepcionaram a ocorrência de causas naturais ou omissão de terceiros para a sua produção. Impugnaram os danos e excepcionaram a concorrência da omissão da Autora para o agravamento dos mesmos.
Indicaram meios de prova.
A Autora exerceu o contraditório, rejeitando tais excepções. Peticionou a condenação dos RR como litigantes de má-fé.
Os RR exerceram o contraditório quanto à litigância de má-fé.
A convite do tribunal, as partes aperfeiçoaram os seus articulados e alegações.
Com o acordo das partes, realizou-se prova pericial prévia ao saneamento dos autos.
Os autos foram saneados, o objecto do litígio e os temas da prova definidos e os actos processuais subsequentes programados.

DD veio requerer a sua intervenção principal espontânea, aderindo aos fundamentos de facto e de direito da Autora, com base em ser co-titular da fracção que sofrera os danos.
Após contraditório, foi a intervenção principal admitida.
Realizou-se audiência de julgamento.
Os RR interpuseram recurso do despacho que não admitiu produção de prova (declarações de parte), que teve provimento.
Foi proferida decisão final, que condenou os RR.
Os RR recorreram desta decisão, tendo o recurso ficado prejudicado pelo provimento do recurso quanto aos meios de prova.
Admitiram-se as declarações de parte dos RR e reabriu-se a audiência final para o efeito. Nela também se proferiram as alegações finais.

A final foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção e, consequentemente, decidiu

a. Condenar os RR no pagamento à Autora e ao Interveniente Principal da quantia de €7.210,00, a título de indemnização por danos patrimoniais sofridos;
b. Condenar os RR no pagamento à Autora e ao Interveniente Principal da quantia de € 500,00/mês desde Dezembro de 2019 e até efectiva cessação da privação àqueles das utilidades da fracção id. em 1 (liquidação do julgado);
c. Condenar os RR no pagamento à Autora da quantia de € 750,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos;
d. Absolver os RR da realização de obras na fracção id. em 3;
e. Absolver os RR do pagamento de sanção pecuniária compulsória; e
f. Condenar os RR no pagamento de multa de 10 UC’s, por litigância de má-fé.
Mais decidiu condenar a Autora e Interveniente Principal e os RR no pagamento das custas processuais que sejam devidas, atenta a proporção do seu decaimento (15%-85%, respectivamente) (sem prejuízo de isenção ou dispensa de que possam beneficiar ou do que resultar em caso de liquidação do julgado).

Inconformados com esta decisão, os réus dela interpuseram recurso, que foi recebido como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo (artigos 629º,1, 631º,1, 637º, 638º,1, 644º,1,a), 645º,1,a) e 647º,1 do Código de Processo Civil).

Terminam a respectiva motivação com as seguintes conclusões:
1º- A Autora alega que a causa da inundação na sua habitação foi uma fuga de água provinda de um tubo de água quente da casa dos Réus (cfr. nomeadamente o artigo 23 da PI “existência de uma fuga de água, que após detalhada averiguação se constatou ser de um tubo de água quente da casa dos Réus”. Porém, o tribunal a quo – no ponto F dos factos não provados – dá como não provado que a “fuga de água provinha de um tubo da água quente da casa dos Réus”.
2º- Verifica-se assim uma manifesta contradição entre os factos dados por assentes nos pontos 20, 21 e 25 dos factos provados e o ponto F dos factos não provados. De facto, nos pontos 20, 21 e 25 citados aponta-se que a causa da inundação é uma fuga de água proveniente da casa dos réus e no ponto F dá-se como não provada a tese da Autora que apontava a causa da inundação uma “fuga de água provinha de um tubo da água quente da casa dos Réus” (cfr. artigo 23º da PI, facto este impugnado na contestação dos réus);
3º- Com efeito, no artigo 22º da PI, a Autora alega que “constataram imediatamente que o contador de consumo de água, mesmo com as torneiras desligadas apresentava consumo constante, o que, segundo a mesma (artigo 23º da PI) “logo indiciou a existência de uma fuga de água, que após detalhada averiguação se constatou ser de um tubo de água quente da casa dos Réus tendo os peritos aconselhado os Réus a manter o passador da água desligado”. O tribunal a quo deu como não provado este facto (cfr. ponto F dos factos não provados).
4ª- Ou seja, a Autora não provou – ao contrário do alegado na PI - que as águas que inundaram e danificaram o seu apartamento resultaram de uma “fuga de água provinha de um tubo da água quente da casa dos Réus”, não se mostrando preenchido o ónus da prova (art. 342.º do CC) de que o facto danoso teve origem ou causa na coisa sob vigilância dos réus (art. 493.º, n.º 1, do CC).
5º- Desde logo, por aqui, a acção teria necessariamente de ser julgada improcedente, por não provada. De facto, não se provando que a inundação na sua habitação resultou de uma fuga de água que provinha de um tubo da água quente da casa dos Réus (como alegado na PI pela Autora no artigo 23) não é aplicável o disposto no artigo 493.º/1 do Código Civil, pois, para que a aludida presunção actuasse, impor-se-ia a prova de que a causa que originou a infiltração de água teve origem no apartamento dos RR.
6º- É certo que a lei admite que a presunção de culpa que incide sobre quem tem o dever de vigilância seja ilidida; uma coisa é a ilisão quanto à culpa, outra a prova de que o dano não teve origem na coisa sob vigilância. Ali há uma excepção, aqui, mais rigorosamente, uma contraprova, pois compete à Autora o ónus de provar (artigo 342.º/1 do Código Civil) que o facto danoso ocorreu ou foi causado pela coisa sob vigilância, o que não fez!
7ª- Ora, não conseguindo a lesada (Autora) provar que – como alegou - que as águas infiltradas tiveram a sua origem, proveniência ou causa numa fuga de água provinha de um tubo da água quente da casa dos Réus no interior da fracção dos réus, a Autora não produziu prova necessária e suficiente para ser imputada a estes últimos a responsabilidade pelos danos causados. A sentença recorrida fez assim uma interpretação, no caso, desconforme o disposto nos artigos 342º, 1; 493º, 1; 483º, 1, 496º, 1 CC, não se verificando os seus pressupostos.
8ª- Aliás, muito recentemente, o STJ, no Acórdão de 13-04-2023, disponível em www.dgsi.pt, concluiu que (processo 23707/19.4T8LSB.L1.S1, da 7ª Secção): I- O artigo 493º, nº1, do CCivil, consagra uma presunção de culpa quanto aos danos causados por coisas, móveis ou imóveis, que recai sobre quem tem o dever de vigiar o seu estado, de forma que não causem danos a terceiros; II - No entanto, é ao autor que cabe provar a ocorrência do dano e o nexo causal entre o mesmo e a coisa sujeita a vigilância; III – Assim, e pese embora a presunção de culpa do nº1 do art. 493º, se a autora não logrou provar que os danos na sua fracção tiveram origem, foram causados, pelas obras realizadas na fracção da ré, a acção de indemnização está votada ao insucesso.
9º- De facto, por constituir um pressuposto da obrigação de indemnizar (art. 483º do CC), o autor tem o ónus da prova de que os danos sofridos no imóvel de que é proprietário resultaram de inundações com origem no prédio do réu - não podia deixar de ser assim por força do nº1 do art. 342º do CC que consagra o princípio segundo o qual “aquele que invoca um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.”
10ª- O que o nº1 do art. 493º tem de particular é que, derrogando a norma do art. 487º, nº1 – “é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa” -, estabelece uma presunção de culpa, ficando o réu com o ónus de ilidir a presunção de culpa que sobre ele recai.
11º- Não dispensa, todavia, o autor de provar que os danos cuja ressarcibilidade pretende tiveram origem na coisa sujeita a vigilância do réu.
12º- No caso, nada se provou que permita imputar aos Réus a alegada inundação na fracção da Autora e os problemas descritos, tendo resultado não provado – ao contrário do alegado na PI - que as águas que inundaram e danificaram o apartamento da Autora resultaram de uma “fuga de água provinha de um tubo da água quente da casa dos Réus” (cfr. ponto F dos factos não provados).
13º- Ainda assim se diz que, na nossa modesta opinião, a sentença recorrida enferma de um erro na parte em que deu como provado a matéria constante nos pontos 12, 19, 20, 21, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44 dos factos provados acima elencados.
14ª- Por outro lado, atendendo ainda à prova documental junta aos autos e, bem assim, à prova testemunhal produzida, o Tribunal a quo, devia ter dado como provada a matéria factual constante nos pontos A, B, C, G, I, K, L, M, N, T, V, X, Y, Z, AA, BB dos factos não provados acima elencados.
15º- Na verdade, como resulta das declarações de parte dos RR, dos depoimentos de parte, dos depoimentos transcritos nas alegações deste recurso, nenhuma das testemunhas conseguiu precisar ao tribunal, de forma objectiva e clara, a origem da inundação, limitando-se a afirmar que a causa da inundação era uma consequência de uma fuga de água da casa dos Réus, sem precisar ao certo a origem.
16º- Desde logo, as testemunhas da Autora/peritos das companhias de seguro ouvidos seguiram o caminho mais fácil no apuramento da causa da inundação, pois ao afirmarem que a mesma provinha da fracção superior, sem realizarem qualquer teste de despistagem verosímil e completo, afastaram a responsabilidade das Seguradoras, que é quem lhes paga o salário ou o serviço prestado. Foram depoimentos directamente direccionados ou teleguiados no interesse das Seguradoras, por isso, parciais e não desprendidos dos interesses que representavam.
17º- De facto, as testemunhas da Autora/peritos das seguradoras não realizaram um único teste ou pesquisa de avarias para apurar a alegada fuga de água, limitando-se a darem a sua opinião com uma mera visita às fracções. Ao contrário do dado por assente no ponto 20, os peritos não fizeram qualquer “averiguação e análise” da situação.
18º- Actualmente, há meios técnicos que permitem apurar a causa de inundações em prédios constituídos por apartamentos, desde camaras térmicas, internas que percorrem as canalizações, a injecção de gás traçador, ou as intervenções que implicam romper paredes para saber onde está a origem da inundação. Basta uma mera pesquisa na internet para saber que estas técnicas existem e são muito utilizadas.
Nada disto foi feito.
19ª- Aliás, aquelas mesmas testemunhas/peritos acabam por reconhecer que para apurar a causa da inundação teria de se ir mais longe, nomeadamente fazer mais testes, destacando-se aqui os depoimentos supratranscritos das testemunhas EE, FF, GG e HH.
20º- Resulta de modo evidente que ficou por determinar a origem da inundação na casa da Autora, pois todas as testemunhas/peritos arrolados da Autora foram unanimes ao afirmarem que, para ter a certeza da origem da inundação tinham de ser realizados testes ou pesquisa de avarias, tendo apenas indícios de que causa estaria na fracção dos réus.
21º- E esses indícios limitarem-se a, olho nu, a verem as fracções (muito longe, por isso, da “averiguação e análise” que deveriam ter feito). Os indícios resultam do facto de os peritos terem reduzido a sua intervenção ao desligar as torneiras, tendo concluído – erradamente – que o contador de consumo de água dos RR, com as torneiras desligadas, apresentava consumo constante.
22º- Ora, isto não significa que exista fuga de água na fracção dos RR, pois como disse a testemunha arrolada pelos RR, canalizador II, pois para apurar, pois, se existe fuga de água é necessário desligar os passadores dos autoclismos, o que os peritos/testemunhas da autora não fizeram. Como teve oportunidade de o dizer, de forma clara e objectiva, se desligar as torneiras e não fechar os passadores dos autoclismos, o contador de consumo de água continua a trabalhar, dando a sensação errada de que, mesmo com as torneiras desligadas, existe consumo.
23º- Por outro lado, nunca é demais alegar que a fracção dos RR não apresentava qualquer fuga de água no seu interior, como o disse o Réu em depoimento de parte e as testemunhas supra arroladas bem como os peritos indicados pelo tribunal, não posto em causa por ninguém.
24º- Mas independentemente da prova testemunhal (sempre volátil e muitas vezes escondida por interesses ocultos que o tribunal não consegue descortinar, por muito esforço que faça), há um facto objectivo que o tribunal a quo desconsiderou no caso e que, a nosso ver, pela sua objectividade intrínseca (pois trata-se de prova documental), aponta necessariamente para a inexistência de qualquer fuga de água na fracção dos RR, afastando, por isso, a responsabilidade destes nos danos alegados.
25º- Referimo-nos às facturas dos consumos de água na fracção dos Réus no período antes e depois da alegada inundação – juntas aos autos pelos requerimentos de 22-04-2022, referencia ...88 e ...89 – não impugnadas pela Autora.
26º- Aliás, no relatório pericial, todos os peritos referem a necessidade de analisar as facturas de consumo água nos anos anterior e posterior à ocorrência - pág. 5 e 6.
27º- Se analisarmos estas facturas, concluímos que o consumo de água na fracção dos Réus não tem oscilações, é praticamente o mesmo, antes e depois da alegada inundação que a Autora reporta ao mês de Novembro de 2019. A média do consumo de água na fracção dos réus é de 18 M3 ou 19 M3, o que demonstra bem que não ocorreu qualquer fuga de água. Se tivesse ocorrido uma fuga de água, o consumo seria seguramente superior.
28º- Equivocou-se, pois, o tribunal a quo quando dá como não provado a matéria constante no ponto G dos factos não provados (“Os RR pagaram sempre o mesmo valor do consumo de água”). Errou ainda o tribunal a quo quando conclui na motivação que as facturas se reportam a estimativas de consumos de água. Não existem facturas com estimativas dos consumos de água na fracção dos Réus naquele período.
29º- Ora, facilmente concluímos pelas facturas que se o consumo de água na fracção dos RR no período alegado da inundação (Novembro de 2019) é praticamente o mesmo, não se verificou qualquer fuga de água na fracção destes que possa ter provocado a inundação de que se queixa a Autora.
30º- Sem apurar a origem da inundação, não se pode imputar responsabilidade aos Réus. Como se alegou em sede de contestação, podem ser múltiplas as causas de uma inundação. No caso, ela terá sido originada por uma causa ou causas estranhas aos RR, cuja responsabilidade não lhes pode ser atribuída.
31º- Como se disse, os RR negaram sempre que a origem da localização da alegada inundação que a Autora se queixa, tenha estado na sua fracção. E não é pelo simples facto de esta estar situada por cima da fracção da Autora que os torna directamente responsáveis.
32º- É certo que os RR têm o dever de vigilância da sua fracção. Mas, se não tinham qualquer fuga de água na sua fracção (como reconhecido por todos); se as facturas da água que iam recebendo não apresentam aumento dos consumos de água; se não foram efectuados testes ou pesquisa de avarias para apurar a origem da inundação, que falta de dever de vigilância pode ser assacado aos Réus?
33º- Não podem os RR serem condenados a pagar os montantes sentenciados com base em meros indícios, tal como decidiu a sentença recorrida que assim terá que ser revogada.
34º- Quanto aos alegados danos, a Autora juntou alegados orçamentos (cfr. docs. ...6, ...7 e ...8 juntos à PI) todos impugnados pelos RR na Contestação. Face a esta impugnação, caberia à Autora provar os danos alegadamente sofridos, o que, no nosso modesto entendimento, não o fez. Desde logo, nenhuma das testemunhas arrolada pela Autora (cfr. transcrições) referiu-se sequer àqueles orçamentos os valores que os RR vieram a ser condenados. O tribunal ficcionou indevidamente tais montantes, que deverão ser dados como não provados por manifesta falta de prova.
35º- Desde logo, nenhum dos autores de tais orçamentos se apresentou no tribunal para esclarecer os valores neles mencionados. Aliás, a Autora nem sequer os arrolou como testemunhas. Ficou assim por se perceber qual o caminho traçado pelo tribunal para condenar os réus, pois tais documentos foram todos impugnados e na falta de outra prova, nomeadamente testemunhal, não podia o tribunal condenar os Réus a pagar os montantes indevidamente assentes nos pontos 28 (substituição da mobília de cozinha orçamentado em € 3.820,50); ponto 29 (substituição do mármore orçamentado na quantia de € 1.150,80); ponto 30 (substituição dos electrodomésticos orçamentados na quantia de € 1000,00); ponto 31 e 32 (reparação dos tectos da cozinha e pintura; reparação da luminária orçamentados em € 760,00); ponto 33 (limpeza e arrumação dos escombros, electrodomésticos e mobília, transporte e descargas, orçamentados em € 480.00).
36º- Como alegado na contestação, (artigo 40) a Autora não alega sequer ser a dona e legítima proprietária dos alegados móveis e electrodomésticos, cuja reparação vem agora exigir (40); (41º) É que, como alega no artigo 1º da PI, a Autora é dona e legitima proprietária de “apenas” metade da fracção em causa, (42º) A Autora não junta sequer aos autos qualquer factura/recibo comprovativo da aquisição dos mesmos (43º) Nem alega o preço que pagou por eles; (44º) De qualquer modo, não se aceita que os citados móveis e electrodomésticos tenham ficado destruídos como a Autora alega, (45º) Nem se aceitam os valores orçamentados, exageradíssimos no mercado actual.
37º- Em consequência do alegado, nos artigos 67º, 68º, 69º da contestação, os Réus impugnaram o teor dos documentos juntos à PI (com excepção das certidões e cadernetas prediais), impugnando-os, nomeadamente, material e formalmente, quanto ao seu alcance, efeitos e valor probatório, não podendo dos mesmos se extrair as asserções, conclusões e ilações que a Autora pretendia, impugnando ainda o teor e reprodução mecânica dos referidos documentos, pondo em causa a respectiva força probatória material e formal – cfr. artigo 374º e 376º do CC e artigo 444º do CPC, com as legais consequências.
38º- Diante desta posição, caberia, pois, à Autora provar os danos alegadamente sofridos e não o tendo feito, errou o tribunal a quo ao dar os mesmos como provados.
39º- O mesmo se diz dos escorrimentos líquidos, manchas de humidade, bolores, fungos e maus cheiros de que a Autora se queixou existirem na fracção e o tribunal a quo erradamente deu como provados no ponto 31, pois resultam do facto de a Autora ter abandonado a casa, estar desabitada há mais de um ano, sem qualquer uso, como declarou a Autora e o companheiro dela. A testemunha JJ foi peremptória ao afirmar que a casa estava fechada, pois a Autora já lá não vivia. Obviamente que tal situação potencia o aparecimento e o fomento de humidades.
40º- Acresce que, se a Autora habitasse na fracção ou se, pelo menos, não a tivesse abandonado como fez, facilmente teria actuado não deixando chegar ao ponto em que chegou.
41º- Com efeito, como alegado na PI, só em 26 de Novembro de 2019 é que a Autora entrou no apartamento. Ora, a Autora alega que a inundação ocorreu no dia 22-11-2019, tendo-o sabido por uma vizinha, mas só se desloca ao apartamento quatro dias depois de tomar conhecimento (cfr. artigos 5º a 7º da PI).
42º- Esta atitude é demonstrativa da pouca importância que a Autora deu ao caso. Assim, se a fracção, em especial a cozinha, sofreu a inundação alegada e com os danos que invoca – o que não se concede – a culpa foi seguramente da Autora, pois sobre ela impende o dever de a vigiar e bem cuidar dela,
43º- O que não sucedeu, pois, como se disse, já lá não habitava, abandonando-a desde Setembro de 2019, como confessou no depoimento de parte acima transcrito. Pelo menos, a Autora contribuiu para o agravamento dos danos.
44º- E neste ponto concreto, importa ter em conta o regime jurídico previsto nos artigos 570º a 572º do Código Civil que a sentença recorrida desatendeu, violando-o.
45º- A culpa traduz-se num juízo de reprovabilidade da conduta do agente, que podia e devia agir de modo diverso, e assenta no nexo que existe entre o facto e a vontade do agente, podendo revestir a forma de dolo ou de negligência. A conduta omissiva do lesado, quando for censurável e concorrer para a produção dos danos, deve ser considerada, como culpa concorrente, na fixação da indemnização. Aliás, se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar.
46º- Ora, a conduta da lesada (Autora), sabendo que a inundação ocorreu no dia 22-11-2019, tendo-o alegadamente sabido por uma vizinha, mas que só se desloca ao apartamento quatro dias depois de tomar conhecimento (cfr. artigos 5º a 7º da PI), concorreu, pelo menos, para o agravamento dos danos alegados.
47º- Neste ponto, conforme supratranscrito e ao contrário do alegado no artigo 9º da PI, o companheiro da Autora (KK) declarou que foi ele quem tirou as fotografias à fracção da Autora juntas com a PI, mas só o fez em Agosto de 2020, ou seja, 9 meses depois da alegada inundação.
48º- Ao contrário, pois, do que a Autora alegou na PI, a fracção dela não estava em 22-11-2019 nas condições que as fotos revelam, pois como se disse, as mesmas apenas foram tiradas em Agosto de 2020.
49º- Ora, de Novembro de 2019 a Agosto de 2020, a Autora não quis saber do apartamento, deixou andar, nem sequer arrastou os móveis para o lado. Se, como alegado, existia algumas gotas no tecto da cozinha em Novembro de 2019, em Agosto de 2020, essas gotas transformaram-se num “rio”, pois a Autora nada fez para resolver o problema.
50º- Aliás, se a Autora habitasse naquela fracção, certamente teria resolvido a questão, não se limitando a uma atitude passiva como ficou patente. Aliás, a Autora confessou que não habitava naquela fracção desde Setembro de 2019. Por isso não se entende que o tribunal a quo tenha dado como não provado o facto constante no ponto T dos factos não provados, tendo-se ficado pela prova do facto constante no ponto 34 dos factos provados, ou seja, que a “Autora reside actualmente na casa do seu companheiro”.
51º- A Autora confessou (cfr. assentada) que vive na freguesia ... desde Setembro de 2019. Certo que, por confusão de nomes, dada a sua parecença, os RR alegam que a Autora tinha ido viver para a freguesia ... em ..., quando queriam dizer que ela foi viver para a freguesia ..., que fica, aliás, mais bem distanciada da fracção alegadamente danificada (...) pois ... é uma freguesia .... O próprio companheiro confirmou-o ao tribunal que vivem juntos na casa dele em ... desde Setembro de 2019.
52º- O que se passou, pois, é que a Autora, com a sua falta de negligencia e passividade, tornou-se responsável pelo aparecimento dos danos ou, pelo menos, pelo seu agravamento.
53º- Houve, pois, por parte da Autora um facto culposo concorrente para a produção dos danos. Isto é, a sua actuação está directamente relacionada com a produção destes ou, pelo menos, com o seu agravamento. Não se trata de simples causa remota entre a qual e a acção se veio a interpor a livre vontade do causador de tais danos. A sentença recorrida fez pois no caso uma interpretação desconforme os artigos 570º a 572º CC, violando-os.
54º- Haverá que ter sempre em conta que quando um facto culposo do lesado – como descrito – tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída, devendo, aliás, o tribunal conhecer oficiosamente da culpa do lesado, conforme determinado pelo artigo 572º CC, o que também o tribunal a quo não observou.
55º- Consequentemente, ajuizou mal o tribunal a quo quando deu como provado os factos no ponto 26 e 27 dos factos provados, desconsiderando que estes danos – a terem ocorrido – só se verificaram em Agosto de 2020 (data em que foram tiradas as fotos) e não no momento da alegada inundação de Novembro de 2019. Em Novembro de 2019, a fracção da Autora não estava no estado que descrevem as fotografias.
56º- Acresce que os RR não se conformam ainda com o facto de terem sido condenados a pagarem à Autora e ao Interveniente a quantia de € 500,00/mês desde Dezembro de 2019 até efectiva cessação da privação àqueles das utilidades da fracção id. em 1 (liquidação do julgado), por, além da ausência de prova que a justifique, tal condenação é manifestamente desproporcional e como tal injusta.
57º- A Autora juntou à PI um documento (doc. ...8 da PI), nele pretendendo suportar que um apartamento com aquelas características permitiria obter uma renda mensal de € 500,00. Tal documento foi impugnado na contestação pelos RR.
58º- Sobre esta questão concreta, pronunciou-se a testemunha arrolada pela Autora LL, costureira de profissão, que se intitulou a “melhor amiga” da Autora. Além de costureira, ficou por demonstrar que a amiga da Autora fosse conhecedora do mercado imobiliário, que lhe permitisse defender a tese de que um apartamento semelhante ao da Autora poderia render € 500.00/mês. Limitou-se a dizer que conhecia uma pessoa que arrendou um apartamento naquele prédio por essa renda, mas não soube precisar se a fracção era semelhante nem o estado de conservação do mesmo.
59º- É notório que esta testemunha proferiu um depoimento parcial, dirigido directamente aos interesses da Autora, de quem é “a melhor amiga”, sendo notório o frete que lhe foi prestar em tribunal.
60º- O autor do documento junto à PI que apontou para uma renda mensal de € 500,00 não compareceu em tribunal para suportar ou fundamentar a sua tese – nem arrolado foi – pelo que face à impugnação desse documento, restou-se o tribunal pelo depoimento da “melhor amiga” da Autora para dar como provado os factos dos pontos 34, 36, 37, manifestamente pouco para tão excessiva e desproporcional condenação.
61º- Aliás, a Autora confessou que não tinha colocado qualquer placa na fracção a alertar eventuais interessados do alegado arrendamento nem o publicitou em qualquer plataforma de arrendamento nem sequer invocou qualquer contrato com uma imobiliária, manifestando interesse no arrendamento.
62º- Por outro lado, é notório que a fracção da Autora está situada fora do centro de ..., longe do comércio, serviços, serviços públicos essenciais, de difícil acesso às principais vias e auto-estradas, onde as rendas de apartamentos com as mesmas características da Autora não atingem, de modo algum, o valor de € 500,00 de renda.
63º- Depois, há que ter em conta que a fracção da Autora se situa num prédio com cerca de 25 anos de idade, sem elevador, de “construção fraquita” como confessou a Autora e tal como consta no relatório pericial.
64º- Estes factos permitem-nos concluir que o valor da renda mensal de € 500,00 que os RR foram condenados a pagar não se pode manter por falta de prova, impugnando-se, pois, os pontos 34, 35, 36, 37, incorrectamente julgados provados, impugnando-se igualmente os pontos A (prédio de nível baixo de qualidade de construção) AA, BB, por entendermos incorrectamente dados como não provados.
65º- Acresce que a privação do uso é condição necessária, mas não suficiente, da existência de um dano correspondente a essa realidade de facto - cfr. o Ac. do STJ de 22.01.2013 (Nuno Cameira), proc. 3313/09.2TBOER.L1.S1, in www.dgsi.pt.
66º- De facto, tal privação «só constitui um dano indemnizável se o dono (ou possuidor) alegar e provar – o que a Autora não logrou fazer - a frustração de um proprietário real, concreto e efectivo de proceder à sua utilização, os termos em que o faria e o que auferiria não fora a ocupação – detenção pelo lesante.» - Cfr. o Ac. do STJ de 17.06.2008 (Sebastião Povoas), proc. 08A1700, in www.dgsi. No mesmo sentido, o Ac. do STJ de 04.07.2013 (Pereira da Silva), proc. 5031/07.7TVLSB.L1.S1, cujo sumário se encontra disponível no mesmo sítio.
67º- No caso concreto, não se provou que a Autora pretendia arrendar a fracção, e que devido à inundação invocada, ficou privada de exibir o apartamento a potenciais interessados. Não logrou, pois, a Autora provar o valor locativo de € 500,00. A factualidade descrita não permite concluir que a Autora alegou e provou o tal propósito de utilização imediata – por arrendamento – frustrado pela situação decorrente da inundação ocorrida na sua fracção. Deste modo, não se justifica uma indemnização pela privação do uso em que a Autora esteve impedida de mostrar a fracção a potenciais interessados.
68º- Tendo em conta a concreta individualidade do caso concreto, nomeadamente o tipo de imóvel em causa, o facto da Autora não o habitar, por ali não residir desde Setembro de 2019, a sua localização fora do centro da cidade, a ausência de qualquer prova verosímil face à impugnação do documento ...8 da PI, datado de 20-10-2020 (um ano depois da dita inundação), não se afigura justa e equitativa a indemnização de € 500,00 fixada na sentença, que neste particular merece também censura, devendo ser revogada.
69º- O mesmo se diga dos pontos 38, 39, 40, 41, dos factos provados. De facto, nenhuma prova foi produzida que permitisse dar como provados aqueles factos. Desde logo, o simples facto de a Autora ter abandonado a fracção para ir viver para outra habitação, em outra freguesia e concelho, com o seu novo companheiro, para iniciar nova vida, é demonstrativo da felicidade e alegria que tem vivido estes últimos tempos.
70º- É evidente que se a habitação do companheiro fosse de valor inferior à fracção em causa, a Autora não teria certamente mudado para ela, nem alterado o seu centro de vida. Permaneceria certamente a residir com o seu companheiro na fracção que lhe pertence.
71º- De qualquer modo, o valor da indemnização a que os RR foram condenados a título de danos morais é exageradíssimo e sem qualquer suporte legal e factual. Não se verifica no caso a “gravidade” a que alude o artigo 496º nº 1 do CC, pois os danos invocados não merecem a tutela do direito.
72º- Por outro lado, nenhum dano moral resulta do facto de a Autora vir-se alegadamente privada da fruição do imóvel, pois, como supra se disse, ela nem sequer ali vivia e continua a ali não viver, tendo até já alienado o seu imóvel, tendo-o colocado à venda (cfr. plataforma on-line ...).
73º- Dos factos dados como não provados nos pontos A, B, C, H, I, J, K, L, M, N, insurgem-se ainda os RR, por entenderem que foi produzida prova cabal dos mesmos. Desde logo, o tribunal a quo desconsiderou erradamente o relatório pericial, que define as características do prédio. Desconsiderou igualmente as declarações do Réu que, de modo objectivo, esclareceu a relação e a coincidência entre a intempérie de 13 a 20 de Outubro de 2019 e as queixas da Autora e o facto de ter começado a pingar no hall em Outubro de 2019, e de ter deixado de pingar após a reparação do telhado.
74º- Acresce que os RR não se limitaram a alegar a ocorrência da intempérie, demonstrando-o através de recortes de imprensa local e nacional que juntaram com a contestação. Aliás, ainda hoje, uma simples consulta ao site do IPMA permite aferir a quantidade intensa de chuva, a velocidade do vento e as consequências do mau tempo que se fez sentir naquele período. Os RR não ficcionaram a intempérie. Ela ocorreu de facto.
75º- Finalmente, a sentença recorrida errou ao considerar verificados os requisitos para a condenação como litigantes de má-fé, violando com a sua interpretação o disposto nas alíneas a) a d) do artigo 542.º do CPC.
76º- Desde logo, o dever de litigar de boa-fé, com respeito pela verdade é corolário do princípio da cooperação a que se reporta o art.º 7º do Código de Processo Civil, e vem consignado no art.º 8º, do mesmo diploma legal. Em qualquer caso a conclusão pela actuação da parte como litigante de má-fé será sempre casuística, não se deduzindo mecanicamente da previsibilidade legal das alíneas do art.º 542º do Código de Processo Civil».
77º- De acordo com a interpretação que se vem fazendo do estatuído pelo artigo 542.º do Código de Processo Civil, a responsabilização e condenação da parte como litigante de má-fé só deverá ocorrer quando se demonstre nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a acção da justiça, o que não sucedeu no caso.
78º- Exige-se para a condenação como litigante de má-fé que se esteja perante uma situação donde não possam surgir dúvidas sobre a actuação dolosa ou gravemente negligente da parte, o que não ocorre no caso.
79º- A sanção por litigância de má-fé apenas deve ser aplicada aos casos em que se demonstre, pela conduta da parte, que ela quis, conscientemente, litigar de modo desconforme ao respeito devido ao tribunal e às partes. A condenação por litigância de má-fé só deve ser proferida quando não haja dúvidas sobre a actuação dolosa ou gravemente negligente da parte. Daí que, para que se conclua que uma parte litigou de má-fé não basta que a parte não veja acolhida a sua pretensão ou a sua versão dos factos.
80º- Ora, da análise do comportamento processual dos réus não pode concluir-se pela sua litigância de má-fé. Com efeito, os réus negaram a sua responsabilidade na alegada inundação da casa da Autora e, embora reconhecendo que as causas de uma inundação são complexas, não deixaram de apontar, segundo a perspectiva deles, a causa ou as causas de tal inundação. Nomeadamente a intempérie que se verificou naquela altura, e procuraram-no demonstrar logo na contestação através de recortes de jornais que juntaram. Os réus não ficcionaram a intempérie.
81º- É certo que esta alegação e a causa efeito na inundação não foi dada por provada pela 1ª instância (ora impugnada) mas tal não denota um comportamento que possa ser considerado como de má-fé. Simplesmente não conseguiram provar o que alegaram.
82º- Por outro lado, como supra se disse, é a própria Autora quem confessa que deixou de viver na fracção em Setembro de 2019 e não mais lá regressou. Este comportamento da Autora é na perspectiva dos réus – e de muita gente certamente - um “abandono” da fracção. De igual modo, esta alegação não se integra num comportamento anti processual integrador de má-fé.
83º- Além do mais, note-se que é a Autora na PI quem invoca que a causa da inundação resulta de uma fuga de água provinda de um tubo da água quente da casa dos Réus, facto este que não provou, como se alcança do ponto F dos factos não provados. E, de facto, os réus negaram sempre que a origem de tal inundação tivesse na sua casa.
84º- Por defenderem convicta, séria e lealmente uma posição sem dela convencer o tribunal, não significa que os réus litigaram com má-fé. Não conseguimos, pois, ver que a actuação dos réus tenha desrespeitado o tribunal ou a parte contrária.
85º- Consequentemente, o montante da multa aplicada de 10UC é injusto, desproporcional, desadequado e indevido. Desde logo, não tendo sido aduzidos ou juntos aos autos elementos tendentes e necessários à fixação da indemnização por litigância de má-fé, não pode a sentença recorrida manter-se também nesta parte.
86º- Desde logo, na fixação da multa de 10 UC, depois de considerar de “mediana gravidade” a postura dos réus, o tribunal adoptou um critério de “patrocínio forense”, fazendo depender o valor da multa do facto dos réus terem constituído um mandatário, pois se tivessem um mandatário nomeado, a multa seria inferior.
87º- Não se descortina qual é a norma no nosso ordenamento jurídico que permite ao tribunal seguir aquele critério, não podendo o mesmo deixar de ser considerado, no mínimo, discriminatório, além de, como se disse, sem qualquer suporte legal. Destarte, e pelas razões acabadas de expender, impõe-se também a procedência da presente apelação nesta parte, com a consequente revogação da decisão recorrida.

Os recorridos contra-alegaram, defendendo a confirmação integral da decisão recorrida, e apresentando as seguintes conclusões:

Da análise das provas produzidas não se impunha diferente decisão quanto aos concretos pontos da matéria de facto provada e não provada que os RR. pretendem ver alterados.
Os RR não apresentam quaisquer meios probatórios que imponham decisão diversa, pois todos as testemunhas indicaram que a causa da inundação era a fuga de água proveniente da casa dos RR, todos afastaram a água das chuvas como causa da inundação alegada, como, aliás, bem esclareceu a sentença na sua fundamentação, com a aplicação dos princípios da livre apreciação da prova e da imediação.
Além disso, também as testemunhas com conhecimento directo, souberam perfeitamente indicar e enquadrar os danos, e até mesmo de forma coerente relataram a intenção da Autora de arrendar o apartamento como forma de ajuda nas suas despesas e encargos.
Na verdade, qualquer solução diferente daquela que resultou da sentença recorrida, não se coadunaria com a prova documental e testemunhal produzida em audiência de julgamento e, consubstanciaria uma solução violadora dos princípios jurídicos aplicáveis.
Afigura-se aos recorridos que a sentença deve manter-se, pois consubstancia uma absoluta solução que consagra uma justa e rigorosa interpretação e aplicação ao caso das normas e princípios jurídicos competentes.
A sentença recorrida não violou nenhuma das normas indicadas pelos recorrentes nas suas alegações.

II
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando as referidas conclusões, as questões a decidir consistem em saber:

a) se ocorreu erro no julgamento da matéria de facto
b) se o valor da indemnização por danos morais é exagerado
c) se a autora contribuiu para o agravamento dos danos
d) se os réus litigaram de má-fé

III
A sentença considerou provados os seguintes factos:
1. Existe uma realidade predial que se encontra descrita na CRP ...75.../... e inscrito na matriz urbana sob o art.º ...38, aí designada de fracção autónoma ..., correspondente a um apartamento Tipo 3 e como estando situada no ... andar nascente do prédio urbano sito na Rua ..., da cidade ....
2. O domínio da realidade id. em 1. encontra-se inscrito, na proporção de metade indivisa para cada um, a favor da Autora e do Interveniente Principal.
3. Por sua vez, existe uma realidade predial que se encontra descrita na CRP sob o n.º ...75.../... e inscrito na matriz urbana sob o art.º ...85, aí designada de fracção autónoma ..., correspondente a um apartamento Tipo 3 e como estando situada no ... andar nascente do mesmo prédio id. em 1.
4. O domínio sobre tal realidade consta como inscrito a favor dos RR.
5. A realidade id. em 3 situa-se imediatamente acima da id. em 1.
6. O prédio onde estão localizadas as fracções id. em 1 e em 3 tem mais de vinte e quatro anos.
7. Em dia não determinado do mês de Novembro de 2019, ocorreu uma inundação (presença) de água na realidade id. em 1.
8. Que foi detectada pela sua vizinha do lado poente, no dia 22 de Novembro de 2019.
9. Naquela data, a Autora encontrava-se ausente da fracção (não a estava a habitar).
10. No dia 26.11.2019, quando chegava ao prédio sito na morada mencionada em 1., a Autora foi advertida pelo responsável do Condomínio de que havia uma inundação de água na fracção id. em 1.
11. A Autora entrou no apartamento e verificou que a sua cozinha estava inundada com água.
12. Nesse mesmo momento, a Autora tentou localizar a origem da inundação, tendo percebido que vinha do tecto (que separa a fracção id. em 1 da fracção id. em 3).
13. A Autora aguardou que os RR regressassem a casa e, uma vez chegados, informou-os acerca do sucedido.
14. Os RR disseram à Autora que não tinham água no seu apartamento.
15. Perante o sucedido, a Autora solicitou aos Réus que fossem contactadas as seguradoras quer da Autora, quer dos Réus, pois os Réus alegaram-lhe ter também seguro de responsabilidade civil para eventuais danos causados a terceiros.
16. Os RR declinaram inicialmente o pedido da Autora.
17. Mediante conselho da sua seguradora, a Autora contactou o Posto da GNR ..., naquele mesmo dia 26 de Novembro de 2019, e três agentes da GNR deslocaram-se ao apartamento da Autora para aferir do sucedido.
18. A seguradora da fracção id. em 1., a EMP01... S.A., efectuou uma peritagem ao apartamento da Autora para que se averiguasse a causa da inundação.
19. Nesse seguimento, no dia 03.12.2019, deslocaram-se ao prédio peritos da empresa EMP02..., S.A., que constataram que o contador de consumo de água dos RR, mesmo com as torneiras desligadas, apresentava consumo constante.
20. Aqueles concluíram, após averiguação e análise, ser uma fuga de água proveniente da casa dos Réus a causa da inundação que se verificava no apartamento id. em 1.
21. Após a id. averiguação, a Autora recebeu uma missiva da Seguradora EMP01..., com os seguintes dizeres: “Reportamo-nos ao sinistro ocorrido na Rua ..., ... Nascente, ... ..., no dia indicado, e do qual resultaram prejuízos que foram objecto de avaliação. Concluídas as diligências de instrução do processo, constatamos que o evento não tem enquadramento contratual no âmbito das garantias da presente apólice, uma vez que os danos reclamados têm origem na fracção superior”.
22. A Autora continuou a insistir junto dos Réus para que estes assumissem o pagamento dos danos provocados na casa desta, conforme cópia das mensagens escritas enviadas pela A. aos RR.
23. Os RR celebraram seguro da habitação com a EMP03... SA, que teve a Apólice n.º ...94, após a inundação de água descrita supra.
24. A Companhia de Seguros EMP03... foi accionada pelos RR e, nessa conformidade, fez uma peritagem ao apartamento dos Réus.
25. Os averiguadores que realizaram a peritagem para a EMP03... verificaram que as causas dos danos provocados na fracção da Autora eram consequência de uma fuga de água da casa dos Réus.
26. Como consequência da inundação, do contacto com a água e sua quantidade na cozinha da fracção id. em 1.: os móveis presos à parede caíram; os móveis ficaram inchados, apodrecidos; uma placa de indução, um esquentador, um forno eléctrico e um exaustor, deixaram de poder funcionar.
27. O mobiliário e os electrodomésticos não têm qualquer possibilidade de reparação, uma vez que: i) a madeira ficou “podre e inchada” e/ou aluiu e rachou no chão da cozinha; ii) o interior dos equipamentos ficou afectado pela água que aí se introduziu, havendo risco de curto-circuito.
28. A substituição da mobília de cozinha orça na quantia de € 3.820,50.
29. A substituição do mármore – revestimento de granito preto e angola e rodamão nas mesmas características do que ficou destruído - orça na quantia de € 1.150,80.
30. A substituição dos electrodomésticos destruídos por outros da mesma marca e modelo equivalente, orçam na quantia de pelo menos, € 1.000,00 correspondente a placa de indução, forno eléctrico, exaustor e esquentador.
31. Para além disso, a inundação causou escorrimentos líquidos, manchas de humidade, bolores, fungos e maus cheiros.
32. O que impõem proceder à reparação dos tectos da cozinha e pintura em branco, bem como, proceder à reparação da luminária, trabalho este que orça na quantia de € 760,00.
33. Será ainda necessário proceder à limpeza e arrumação dos escombros, electrodomésticos e mobília destruídos para serem substituídos, bem como, ao transporte e descarga dos mesmos, cujos custos orçam em € 480,00.
34. Acresce que a Autora se viu privada da fruição do seu imóvel que não se encontra em condições de poder ser habitado, devido aos estragos e inutilização da cozinha, aos maus cheiros e humidades na casa.
35. A Autora, reside, actualmente, na casa do seu companheiro.
36. Na data em que sucedeu este sinistro era pretensão da Autora arrendar o seu imóvel.
37. Tendo até sido contactada por interessados, sendo a renda mensal a pagar de € 500,00, que é o preço praticado para aquele tipo de apartamento naquela localização.
38. A Autora sofreu inquietações, arrelias e tristeza por ver a sua casa neste estado de destruição e por não poder utilizá-la ou arrendá-la.
39. Tendo os Réus sido instados inúmeras vezes pela Autora, no sentido de realizarem as obras necessárias a cessar os danos causados na fracção desta,
40. Mas tendo estes demonstrado indiferença para com os bens da Autora, bem como para com o bem-estar da mesma.
41. A atitude de passividade e desprezo dos RR, fez com que os danos existentes na casa da Autora se agravassem.
42. Os RR já realizaram obras na sua fracção.
43. Depois de obras realizadas na fracção id. em 3, deixou de cair água na fracção id. em 1.
44. Os RR não se coibiram de deitar mão de todos os recursos, nomeadamente o mau tempo, para não serem responsabilizados.

II.A.2. Dos Factos Não Provados:

Com relevo para a boa decisão da causa, ficou por provar que:
A. O prédio onde estão localizadas as fracções id. em 1 e 3 é de nível baixo de qualidade de construção, tal como reconhecido por todos, não possui caleiras no fundo da caixa-de-ar, sobre a laje, com saída para o exterior, não permitindo a ventilação da caixa-de-ar, criando também problemas de humidade nas fracções do imóvel.
B. Entre a cozinha da Autora e o hall de entrada do prédio existe uma parede, vulgo caixa-de-ar, que percorre o prédio do rés-do-chão até ao tecto e vice-versa.
C. A cozinha da Autora confronta directamente com essa parede, caixa-de-ar.
D. Nessa ocasião, os RR referiram à Autora ter conhecimento da inundação.
E. E, pese embora tivessem o contacto da mesma, não a avisaram.
F. O tubo da fuga de água era de água quente, da casa dos Réus.
G. Os RR pagaram sempre o mesmo valor do consumo de água.
H. Em Outubro de 2019, pingava água no hall de entrada do prédio.
I. A água começou a cair naquele hall após um episódio de mau tempo, com chuva intensa, por vezes acompanhada de vento forte, ocorrido entre os dias 13 e 20 de Outubro de 2019.
J. Nenhum condómino sabia ao certo de onde vinha a água que ali pingava.
K. O prédio onde estão localizadas as fracções da Autora e Interveniente e dos RR foi atingido por essa intempérie,
L. Que causou vários danos na estrutura predial, paredes, janelas, varandas e no telhado do prédio.
M. A água das chuvas entrava pelo telhado, descia pela citada parede, caixa-de-ar, e infiltrava-se a nascente, daí pingar no hall de entrada, e a poente, caindo na cozinha da Autora.
N. A água deixou de pingar no hall após o telhado ter sido reparado meses mais tarde.
O. Após insistências por parte da Autora, os RR acabaram por assumir que à data do sinistro não tinham seguro celebrado,
P. Tendo os mesmos proposto à Autora que esta afirmasse perante a nova companhia de seguros que o sinistro tinha ocorrido mais tarde, porque assim a seguradora pagaria.
Q. O que a Autora rejeitou.
R. Os electrodomésticos inutilizados são da marca ... e ....
S. A substituição dos electrodomésticos destruídos por outros da mesma marca e modelo equivalente, orçam na quantia de € 1.992,00.
T. A Autora abandonou o seu apartamento no mês de Setembro de 2019, tendo ido viver para a freguesia ..., em ....
U. Quando fez as mudanças para ..., a Autora foi vista a retirar da fracção para uma carrinha todos os móveis que constituíam o seu recheio, nomeadamente mesas, adornos, sofás, cadeiras, quadros, móveis de quarto, cozinha, electrodomésticos de cozinha, copos, pratos, talheres, enfim, tudo aquilo que constituí o normal recheio de uma habitação.
V. Aqueles electrodomésticos estavam até avariados, sem funcionarem há bastante tempo.
W. Nem os RR nem qualquer outro habitante no prédio comentou ter ouvido qualquer barulho ou sentido qualquer estrondo semelhante à queda de móveis de cozinha.
X. O abandono pela Autora e o estar desabitada há mais de um ano, com portas e janelas fechadas, provocaram os alegados maus cheiros e humidades na fracção id. em 1.
Y. A Autora deslocou-se à fracção id. em 1 quatro dias depois de tomar conhecimento da inundação.
Z. Tal atitude contribuiu para o agravamento dos danos.
AA. O prédio id. em 1 e 3 está situado fora do centro de ..., longe do comércio, serviços, serviços públicos essenciais, de difícil acesso às principais vias e auto-estradas.
BB. Não tem nem há procura por arrendamento.
CC. É provável que os RR tudo façam para retardar a execução da obra necessária.

IV
Conhecendo do recurso.
Começam os recorrentes por querer impugnar a decisão sobre matéria de facto.
Como é sabido, há regras apertadas para poder impugnar a decisão sobre matéria de facto.
Constam do art. 640º CPC os requisitos formais de admissibilidade do recurso sobre matéria de facto. Como escreve Abrantes Geraldes (Recursos, 2017, fls. 158):
“a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em algumas das seguintes situações:
a) falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635º, nº 4 e 641º, nº 2, al. b);
b) falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados (art. 640º, nº 1, al. a);
c) falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (vg. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc);
d) falta de indicação exacta, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação”.

No caso concreto, os recorrentes indicam de forma clara quais os pontos de facto que consideram mal julgados e quais as respostas que entendem que o Tribunal deveria ter dado aos mesmos, e indica em concreto os meios de prova que em seu entender deveriam ter levado a decisão diversa.
Podemos, pois, conhecer desta parte do recurso.
A definição dos parâmetros que permitem ajuizar da existência de um erro de julgamento, ou de qualquer outro vício da decisão que leve a uma alteração da decisão da matéria de facto consta do artigo 662º,1 CPC, que dispõe que “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Depois de ter ouvido toda a prova gravada, e analisado os documentos juntos aos autos, estamos em condições de dizer que a decisão sobre a matéria de facto não padece de qualquer erro. Pelo contrário, faz a melhor interpretação dessa mesma prova, conjugando os vários elementos disponíveis de forma a chegar a uma conclusão globalmente bem fundamentada, e correcta.
Cada vez mais nos convencemos que quando a decisão recorrida está correcta, e bem fundamentada, a Relação não tem de procurar formulações alternativas para chegar ao mesmo resultado.
Antes de entrar na apreciação da prova importa fazer referência a uma limitação[1] com que esta Relação se depara, que não existiu no julgamento feito na primeira instância: “a gravação dos depoimentos por registo áudio ou por meio que permita a fixação da imagem (video) nem sempre consegue traduzir tudo quanto pôde ser observado no Tribunal a quo. Como a experiência o demonstra frequentemente, tanto ou mais importante que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, sendo que a mera gravação dos depoimentos não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que porventura influenciaram o juiz da 1ª instância. Na verdade, existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas são percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador[2].
Ou seja, o registo audio da prova não permite captar aquilo que a psicologia designa de “comunicação não-verbal”. E para um juiz que tem perante si testemunhos divergentes sobre os mesmos factos essenciais, essa comunicação não-verbal assume uma importância determinante na conclusão final sobre a veracidade dos depoimentos.
Assim, a priori, numa situação destas, um recurso da decisão sobre matéria de facto assente apenas no entendimento do recorrente, necessariamente divergente do entendimento do Tribunal, estará, na esmagadora maioria dos casos votado ao fracasso. Para obter vencimento, a recorrente tem de demonstrar que houve erro de julgamento por parte do Tribunal recorrido, e não apresentar apenas a sua interpretação da prova. Mais concretamente, teria de demonstrar que a análise integrada da prova feita na sentença está errada, e explicar porquê.
Dito isto, vejamos então porque é que a argumentação dos recorrentes não nos convence a alterar aquilo que a primeira instância decidiu.

“12. Nesse mesmo momento, a Autora tentou localizar a origem da inundação, tendo percebido que vinha do tecto (que separa a fracção id. em 1 da fracção id. em 3).”
O Tribunal recorrido explicou que a resposta positiva do tribunal à matéria constante de 7 a 13 baseou-se quer na valoração das declarações e depoimento de parte da Autora, que a descreveu e situou espaço-temporalmente e de forma espontânea, clara, congruente e coerente com a prova testemunhal, documental e pericial, como na prova documental, composta pelas fotografias e pela troca de mensagens via whatsapp (docs. n.ºs ..., ..., ..., ..., ..., ..., ...0, ...1, ...2 juntos com a p.i.) e que não merece reparo, antes foi suficientemente explicada e contextualizada pela Autora, pela testemunha KK, seu companheiro, que confirmou a sua autoria e de forma honesta e desprendida, pelas testemunhas EE, FF e GG, peritos averiguadores de sinistros de três entidades distintas e que se deslocaram à fracção da Autora e Interveniente e/ou à fracção dos RR para aferir do sucedido, que relataram terem percepcionado o cenário fotografado ou sinais claros e manifestos de inundação de água pelo tecto, como fotografados e relatado nas mensagens, pela testemunha MM, técnico de obras que, de forma genuína, referiu ter entrado na fracção e cozinha da Autora e presenciado o cenário fotografado, pelas testemunhas NN e JJ, ambos ligados ao condomínio do prédio e que demonstraram ter presenciado uma inundação de água a atingir a fracção da Autora e terem dado conhecimento ou terem dela falado à Autora, e pelas testemunhas LL e OO, vizinhos da Autora e que confirmaram o ocorrido e no sentido do fotografado, os termos como a Autora o ficou a saber, de forma espontânea e coerente e não obstante terem tido problema semelhante na sua fracção e estarem com os RR em tribunal para o resolver. O depoimento/declarações de parte dos Réus não mereceram, de todo, qualquer credibilidade, seja porque se mostraram algo ensaiados, propositadamente contidos e acompanhados de gestos e posturas opostas ao que foi afirmando seja no primeiro julgamento como na reabertura da audiência, como por não estar suportado em qualquer meio de prova produzido nos autos e que, a nosso ver, se destacaram pela isenção (prova pericial e prova documental). Note-se que entre eles até se contradisseram: o Réu referiu não haver fuga nenhuma, mas que depois o picheleiro e o seguro viram a borboleta a andar… viu pingos de água no tecto da cozinha e que foi a Autora quem disse à mulher para ligar para o seguro deles; a Ré, quando disse que o marido fora à casa da Autora, também referiu que foi o Réu quem decidiu accionar o seguro (que afinal não tinha) e que o picheleiro detectou sim a fuga e procurou resolvê-la. Continuou-se, então, sem perceber por que razão foram no dia imediatamente seguinte ao sucedido fazer um seguro e accionar essa apólice para o caso descrito nos autos. A falta de credibilidade surgiu também quando, não obstante a prova produzida (inclusive fotografias), o Réu veio dizer em julgamento e sob juramento que a água que viu na cozinha da Autora “não era suficiente para encher um copo de água” e que não havia odores nenhuns “talvez por não ter muito olfacto” !!!
Corroboramos integralmente esta interpretação da prova. Aliás, não nos parece que se possa acrescentar mais nada.
Ainda se poderia dizer que o facto aqui em causa não seria o facto objectivo mas sim a percepção que a autora teve que a inundação vinha do tecto que separa a sua fracção da dos réus. E aí não seria de todo impugnável. Mas sucede que no caso concreto as duas vertentes coincidem. Assim, não há aqui qualquer erro de julgamento.
“19. Nesse seguimento, no dia 03.12.2019, deslocaram-se ao prédio peritos da empresa EMP02..., S.A., que constataram que o contador de consumo de água dos RR, mesmo com as torneiras desligadas, apresentava consumo constante.
20. Aqueles concluíram, após averiguação e análise, ser uma fuga de água proveniente da casa dos Réus a causa da inundação que se verificava no apartamento id. em 1.
21. Após a id. averiguação, a Autora recebeu uma missiva da Seguradora EMP01..., com os seguintes dizeres: “Reportamo-nos ao sinistro ocorrido na Rua ..., ... Nascente, ... ..., no dia indicado, e do qual resultaram prejuízos que foram objecto de avaliação. Concluídas as diligências de instrução do processo, constatamos que o evento não tem enquadramento contratual no âmbito das garantias da presente apólice, uma vez que os danos reclamados têm origem na fracção superior”.
25. Os averiguadores que realizaram a peritagem para a EMP03... verificaram que as causas dos danos provocados na fracção da Autora eram consequência de uma fuga de água da casa dos Réus.”

Estes factos são talvez os mais importantes de toda a acção, pois lidam com a questão central: a origem das águas que entraram na fracção da autora e provocaram danos.
Mais uma vez, a fundamentação do Tribunal recorrido é completa e certeira:
Relativamente à causa da inundação, o tribunal convenceu-se da mesma pela valoração dos depoimentos de GG e de MM, prestados de forma isenta e esclarecedora, aliados à informação prestada pela EMP02... nos autos (fls. 76 dos autos físicos, 1240 do histórico), às declarações da Autora, espontâneas e suficientemente detalhadas, e ao depoimento isento e manifestamente esclarecedor de EE, averiguador de sinistro de entidade que presta serviços à EMP03... ( do “novo” seguro dos RR), pois por todos eles foi referido terem-se deslocado às respectivas fracções seguradas, terem-se apercebido de movimentação no contador dos RR de consumos de água, mesmo com a circulação de água fechada (torneiras fechadas), que fora pedido para fazer ao Réu e sem que tenham de ter sentido necessidade de fazer a pesquisa de avarias nas canalizações ocultas, através do teste de pressão (necessidade que não se sentiu em face do tipo de água visualizada, limpa, e do local por onde esta caia, tubos interiores – desconhecendo-se se de água quente ou fria - da habitação superior, não do condomínio, porque não passam entre as lages).
Sobre a causa da presença de água na fracção id. em 1 há também que enunciar o resultado da perícia feita e que, apesar de não apresentar de forma assertiva a fuga de água nas canalizações dos RR, admite-a como provável e afasta, de forma assertiva, as causas apontadas por estes RR quer em sede de contestação (de mau tempo e estragos nas partes comuns do prédio), como em sede de audiência final (primeira e segunda). A perícia não é conclusiva, porquanto, como se afere, foi realizada numa fase muito distante do ocorrido, após obras realizadas na habitação dos próprios RR – conforme confirmado pelo Réu, pela perícia e pela testemunha FF, o vizinho. Destes meios de prova, a resposta positiva a 42. e 43. – e, ainda, sem testes destrutivos. Aliás, o esclarecimento prestado pelos srs. peritos salienta a relevância de volumes reduzidos de água (0,5m3 = 500litros de água!) que saiam indevidamente da canalização poderem causar estragos significativos.
Aliás, quer este meio de prova, como a prova testemunhal foram manifestamente claros e assertivos ao dizer que o mau tempo, ainda que tivesse ocorrido– o que até nem foi confirmado – não fora a causa da inundação da fracção da Autora, nomeadamente pela entrada de água pelo telhado. A testemunha JJ, responsável pelo condomínio, negou qualquer intervenção no telhado após a ocorrência e antes da deslocação dos averiguadores de sinistros ao local e ao telhado e ter-lhes recolhido declaração que nenhum problema fora detectado no telhado. Aliás, também disse saber não haver qualquer problema no telhado. A testemunha II, picheleiro e primo da Ré, também admitiu não ser esta a causa da inundação, e os documentos oferecidos pelos RR na contestação, sob n.ºs 1, 2 e 3, que não merecem reparo quanto à sua autoria, genuinidade e conteúdo, também não permitem a que se chegue à conclusão que foram as chuvas “que poderá ser persistente e por vezes forte”, tendo “este domingo acordou com chuva em ...” (Outubro 13, 2019)” (doc. n.º...) e “41 ocorrências no distrito ...” (19.10.2019 – doc. ...), e “mau tempo” (17.10.2019) a causa da inundação de água na cozinha da fracção id. em 1.
De notar que o depoimento do Réu não mereceu qualquer credibilidade sobre este propósito, seja porque parco quanto a tal matéria, cingindo-se a “ver algumas pingas de água no hall do prédio” e que “depois secou” (1.º julgamento), “mais pingas no hall que na casa da Autora” (2.º julgamento), como por se ter revelado manifestamente contido: afirmou nem se lembrar se alguma vez a sua fracção foi vista por algum averiguador de sinistros (perito)… quando, perante a peculiaridade da situação e a circunstância de ter sido abordado por mais que uma vez sobre este assunto, apontam para que tal “falta de memória” seja, no mínimo, de estranhar… A Ré, por seu turno, de forma preparada, procurou colmatar as falhas do depoimento do marido no primeiro julgamento, pelo que não mereceu credibilidade. Sem prejuízo, sempre acabou por dizer que o problema da água no hall em Outubro e que fez “voar” a clarabóia foi resolvido pelo condomínio prontamente (puseram algo escuro) e que só agora em 2023 e após nova intempérie e que se voltou a ver água no hall, o que afasta o nexo causal da intempérie de Outubro e da elevada presença de água na fracção da Autora em finais de Novembro. Assim e em face de todo este conjunto de provas produzidas nos autos, a resposta positiva à matéria exarada 18 a 20 e 25 e a resposta negativa a F., H. a N.”
Mais uma vez, concordamos integralmente com esta visão da prova.
Quanto à apontada contradição entre os factos dados por assentes nos pontos 20, 21 e 25 dos factos provados e o ponto F dos factos não provados, é manifesto que a mesma não existe. Os três factos provados dizem-nos, em resumo, que a causa dos danos provocados na fracção da Autora foi uma fuga de água da casa dos Réus. E apenas não se provou o detalhe alegado de que o tubo onde ocorreu a fuga de água era o tubo da água quente. Conclusão final: a água veio efectivamente da casa dos réus, apenas não se tendo apurado se vinha do tubo de água quente ou do tubo de água fria. E é juridicamente irrelevante saber se a água vinha de um tubo de água quente ou de um tubo de água fria.
Quanto à consequência dessas infiltrações (factos provados 26 a 44), igualmente nos limitamos a reproduzir a fundamentação, com a qual se concorda integralmente, e, portanto, não é necessário dizer o mesmo por outras palavras.
“A convicção positiva do tribunal para 26 e 27 e negativa a U, V e W resulta tanto da valoração das fotografias juntas aos autos como das declarações da Autora, do depoimento do seu companheiro, dos depoimentos dos averiguadores de sinistros (EE, FF e GG), do técnico de avaliação de danos (MM), dos depoimentos dos vizinhos (FF e LL) e do depoimento da gestora do condomínio (JJ) que, de forma sincera, clara, congruente e coerente entre si e com as regras da experiência comum, descreveram os estragos detectados ao recheio da cozinha (e barulho ouvido e comentado), seja nos id. móveis como nos id. electrodomésticos – que ali continuaram, por encastrados, desde a compra e com a compra da fracção, após a saída da Autora para casa do seu companheiro no concelho .... Daí a resposta negativa a (U e) V -, tendo alguns até mencionado o perigo de se colocar os id. equipamentos eléctricos a funcionar, face à quantidade de água que os atingira. As regras da experiência e do senso comum dizem-nos, por um lado, que quando se compra um apartamento para habitação, a cozinha do mesmo contem móveis e electrodomésticos que são pagos pelo comprador nessa compra “global”, por outro, que a presença de água (nas quantidades que todos falaram e que as fotografias manifestamente evidenciam) em componentes electrónicos oxida-os e “queima-os”, havendo risco sério de provocar curto-circuito e descarga eléctrica até. Note-se que os equipamentos cujos danos se reclamam são de encastre na madeira que ficou toda molhada, inchada e apodrecida e situam-se precisamente na zona onde se deu (e durante tempos) a queda de água (cfr. fotografias: falam por si!).
Em adição, nenhuma prova foi feita e de forma credível de que os electrodomésticos não estavam em funcionamento ou aptos a funcionar, antes do evento, pois que desde logo e até à saída da Autora em Setembro de 2019, ela ali morou e presume-se, presunção legalmente admissível, que confeccionava alimentos neles para comer e dar de comer ao seu agregado familiar e que ali teria água quente para fazer a sua higiene (nenhum vizinho ou outro meio de prova relatou que a vizinha cheirasse mal, desse sinais de falta de higiene ou de subnutrição ou se queixasse de avarias nos equipamentos essências ao dia a dia como os identificados nos autos). Os RR em declarações de parte vieram no segundo julgamento dizer que o forno da Autora estava avariado porque ela teria vindo várias vezes pedir-lhe para aquecer pizza! Sem credibilidade ou sustento probatório outro. Só pediu para aquecer pizza; e assados, não? em que altura isso aconteceu: 1 semana, um mês, um ano antes do sucedido? Teria sido reparado entretanto? E mesmo que avariado, já não poderia era ser equacionada a reparação, por risco de curto-circuito. Por tudo, a resposta negativa a U e a V.
Outrossim, só não se provou, efectivamente, que os electrodomésticos eram da marca ... ou ..., não sendo possível de aferir isso através da visualização das fotografias juntas aos autos. Por conseguinte, a resposta negativa a este ponto R..
Nem se provou que a Autora omitira qualquer conduta relevante e desse modo tenha produzido ou agravado os danos apurados aos móveis e electrodomésticos, antes percebeu-se pelos depoimentos dos vizinhos, do companheiro, dos peritos, dos Senhores do condomínio, que actuou de imediato e com vista a resolvê-los ou, pelo menos, minimiza-los (limpando a água, arejando a casa, falando com os RR…). Daí, também a resposta negativa a X, Y, Z..
Por sua vez, a resposta positiva a 28, 29 e 30, este restritivamente (e, em consequência, a resposta negativa a S.), estribou-se na valoração das declarações da Autora, do seu companheiro e do orçamento apresentado com a p.i. sob doc. n.º ...7, conjugado ainda com as regras da experiência comum, que nos permitem inferir que o custo dos móveis e pedra de cozinha está mais que ajustado ao mercado, não sendo de todo excessivo, e que, não se fazendo referência aos preços das “marcas brancas” das grandes cadeias de distribuição, por não ser esse o normal acontecer quando se monta uma cozinha e se vende um apartamento pela primeira vez (a Autora referiu nunca ter feito obras na sua cozinha, que esta era igual às demais cozinhas de origem do prédio), o custo de (só) uma placa de indução, de um forno, de um exaustor e de um esquentador rondará, pelo menos, os € 1.000,00 e sem custos de montagem/instalação (cfr. ...; ...; ...; ...; ...; ...; ...; ...; ...;...). Acresce que os RR não trouxeram prova que infirmasse ou abalasse a prova trazida pelos sujeitos activos.
A resposta positiva a 31., 32 e 33 estribou-se, por sua vez, na valoração das declarações da Autora, dos documentos juntos sob n.º 16 e n.º 17 com a p.i., e no seu confronto com o documento junto pelos RR e que está junto a outra acção judicial (a proposta pelos vizinhos FF e LL), que revelam a razoabilidade dos valores indicados face aos danos encontrados (na casa da Autora ficou um buraco no tecto!) e os valores praticados no mercado… Acresce, outrossim que os RR não trouxeram prova que infirmasse ou abalasse a prova trazida pelos sujeitos activos.
Relativamente à matéria exarada em 34, a mesma foi positivamente respondida dada a extensa prova documental, declarativa e testemunhal nesse mesmo sentido. As fotografias juntas, que não merecem qualquer reparo quanto à sua autoria, genuinidade e conteúdo, demonstram clara e objectivamente a falta de salubridade, de condições, para se poder dispor da fracção para habitação. Os maus cheiros e as humidades foram relatados por todos, inclusive aceites pelos RR na sua defesa (ainda que lhes tenham procurado imputar outra origem: a ausência da autora da casa!!!).
Por sua vez, a resposta positiva a 35 e negativa a T estribou-se na valoração das declarações da Autora e no depoimento do seu companheiro KK e nos depoimentos dos vizinhos da Autora, FF e LL, e da sua amiga, PP, pois por todos foi esclarecido onde estava e desde quando a residir a Autor e as suas razões pessoais para tal, as quais nada tiveram a ver com este processo ou com qualquer abandono do imóvel… aliás, nenhum abandono houve, porque a Autora sempre cuidou e procurou auxilio no sentido de regularmente ir ao imóvel, areja-lo, cuidar do escoamento de águas pluviais,…., conforme estes meios de prova o confirmaram e de forma serena e genuína. Note-se que é de todo inverosímil que só há cerca de um ano atrás é que a Autora tenha pedido para arejar a fracção, como disse a Ré em declarações de parte, mais a mais depois da quantidade de água que houve naquela em 2019!….
No que respeita à matéria sobre o arrendamento, o tribunal dela se convenceu positivamente, daí a resposta a 36 e 37, e negativamente, dai a resposta a AA e BB, por ter atendido às declarações da Autora, aos depoimentos do companheiro da Autora, da vizinha da Autora, LL, da Sra do Condomínio, JJ, da amiga da autora, PP, prestados de forma espontânea, coerente e congruente, e, bem assim, da informação prestada pelo agente da EMP04..., conhecida agência imobiliária, junta aos autos, pois por todos pode perceber-se a boa localização do imóvel, a existência de procura por arrendamentos na zona – a Sra do Condomínio, por exemplo -, a existência de contratos de arrendamentos no prédio, os valores médios praticados no mercado para o arrendamento de fracções como a da Autora – a amiga PP falou e de forma desinteressada conhecer uma vizinha (QQ) que pagou €500,00 de renda por um T3 no prédio; a sra do condomínio, JJ, em € 300,00/€ 350,00, a informação da EMP04..., em € 500,00 e € 600,00 - e a pretensão da Autora em querer rentabilizar o imóvel, de modo a ter mais rendimento para as suas despesas pessoais (e patrimoniais), o que faz todo o sentido, atentas as regras da experiência comum, diante das razões que levaram a Autora a sair daquela fracção – neste sentido, foi o depoimento da vizinha, LL, e da amiga PP, que mencionou que o seu marido se preparava para ir pintar o imóvel para ser arrendado; por se ter ficado a saber que o imóvel, após a presente acção, foi efectivamente arrendado.
Finalmente, os factos exarados em 39 e 40 tiveram resposta positiva, por o tribunal deles se ter convencido perante as mensagens trocadas entre Autora e RR e juntas aos autos, pelo depoimentos manifestamente sereno e desinteressado dos vizinhos, quando se referiram que o Réu marido assumiu perante eles ser o responsável pelos danos na casa da Autora mas, por haver acção em tribunal, ela iria esperar, que não iam fazer nada… e por todo o cenário descrito pelas testemunhas e pelas fotografias serem idóneos a inferir-se as inquietações, arrelias e tristeza que a Autora sofreu ao ver a sua fracção naquele estado e ao se aperceber dos danos e da postura dos RR.
E os factos exarados em 41. e 44 resultam das fotografias e dos depoimentos das testemunhas, com excepção do picheleiro, primo dos RR (por nada de relevante ter trazido aos autos nesta parte), conjugados com a leitura da contestação oferecida: peremptoriamente, ficou demonstrado que não foi o mau tempo que provocou a inundação na fracção da Autora e consequentemente os estragos e que os RR demoraram muito tempo (pelo menos, cerca de um ano e após os sinais danosos terem começado a aparecer nos vizinhos FF e LL) a resolverem o problema de modo a deixar de cair água pelo tecto da cozinha da Autora, o que, claro está e como foi mencionado pelos peritos, a durabilidade e quantidade da água que caiu levou à queda e destruição de móveis e electrodomésticos na cozinha, o que se evitaria se prontamente se estanca-se a fuga.
Por último e como se percebeu, pelos depoimentos das testemunhas id., que já não existe água a cair no e pelo tecto da Autora provinda da casa dos RR, que estes fizeram obras entretanto – factos respondidos positivamente a 42 e 43 -, a resposta negativa a CC”.
Os recorrentes afirmam que das declarações de parte dos RR, dos depoimentos de parte, dos depoimentos transcritos nas alegações deste recurso, nenhuma das testemunhas conseguiu precisar ao tribunal, de forma objectiva e clara, a origem da inundação, limitando-se a afirmar que a causa da inundação era uma consequência de uma fuga de água da casa dos Réus, sem precisar ao certo a origem.
É verdade que a prova não foi ao ponto de permitir localizar o ponto exacto da fracção dos réus onde estava a fuga na canalização, que levou a água a ir inundar a cozinha da autora. Mas permitiu sem qualquer dúvida dizer que essa água provinha da fracção dos réus.
Não tendo sido possível partir as paredes da fracção dos réus para localizar o ponto onde ocorria a fuga, nem tendo sido usados outros meios tecnológicos para esse efeito, a verdade é que o grosso da prova é indiciária, e a mesma é mais que suficiente. Dizendo um truísmo, a água não podia vir de baixo, por causa da gravidade. Sendo evidente que vinha do tecto da cozinha da autora, o mais provável era que proviesse da fracção dos réus, mais concretamente da cozinha destes, por ser mesmo por cima.
A testemunha EE, Engenheiro Civil, perito de seguros patrimoniais e avaliação de danos, declarou que a água vinha muito possivelmente da fracção superior. Que foram a essa fracção e fizeram o teste do contador de água, fecharam as torneiras todas, e supostamente o contador não deveria registar consumo nenhum. Mas naquele caso, com as torneiras todas fechadas, o contador registava consumo. Mais declarou que aquela água não era da chuva. FF, Engenheiro civil, explicou também que com todas as torneiras fechadas e o contador a registar consumo é porque havia uma ruptura na canalização da fracção. Disse ainda que toda aquela água que viu lá era água que vinha de canalizações, e não da chuva, em sua opinião, porque no dia em que lá esteve não chovia e pingava constantemente. Do que apurei a água vinha da fracção por cima da da autora. GG disse igualmente que aquilo era água de tubos, sem dúvida, não era de chuva, peremptoriamente. Mais disse que os tubos naquele tipo de prédios não passam pelo tecto, passam pelo chão. Donde, a água viria certamente dos tubos da fracção de cima.
Os recorrentes pretendem valer-se do testemunho de II, canalizador, e primo da ré. Em resumo, declarou que não havia fuga nenhuma na fracção dos réus. Diz que fechou as torneiras e os autoclismos. Um deles tinha uma fuga pequenina. Fechou-a e o contador deixou de contar. Com todo o respeito pelos canalizadores, havendo divergência entre um canalizador e dois Engenheiros civis, este Tribunal tende a dar mais credibilidade aos Engenheiros, até ao ponto em que as evidências imponham posição contrária. O que não sucedeu aqui.
Finalmente, os recorrentes afirmam que há um facto objectivo que o tribunal a quo desconsiderou no caso e que pela sua objectividade intrínseca (pois trata-se de prova documental), aponta necessariamente para a inexistência de qualquer fuga de água na fracção dos RR, afastando, por isso, a responsabilidade destes nos danos alegados. Querem referir-se às facturas dos consumos de água na fracção dos Réus no período antes e depois da alegada inundação – juntas aos autos pelos requerimentos de 22-04-2022, referencia ...88 e ...89 – não impugnadas pela Autora. Se analisarmos estas facturas, concluímos que o consumo de água na fracção dos Réus não tem oscilações, é praticamente o mesmo, antes e depois da alegada inundação que a Autora reporta ao mês de Novembro de 2019. A média do consumo de água na fracção dos réus é de 18 M3 ou 19 M3, o que demonstra bem que não ocorreu qualquer fuga de água. Se tivesse ocorrido uma fuga de água, o consumo seria seguramente superior.
Porém, o Tribunal não desconsiderou tais documentos. Refere-se a eles, dizendo: “Ainda, sobre a resposta negativa a G, ela prendeu-se com o facto de os documentos oferecidos pelos Réus – facturas dos consumos de água - não espelharem a desejada regularidade dos consumos, por se tratarem de estimativas, com o facto de a factura do mês de Outubro e de Novembro de 2019 não ter sido junta e com a circunstância, perfeitamente, plausível à luz das regras da normalidade das coisas e do senso comum, de os RR terem fechado o circuito de água enquanto não estavam em casa e só a abrirem quando o estavam (durante o tempo em que não resolveram o problema)”.
E com efeito, assim é. Veja-se que a primeira factura junta refere-se ao período de 12/11 a 6/12, e não contém uma verdadeira leitura do consumo real, mas apenas por estimativa. Seria essencial a junção da factura do consumo nos meses de Outubro e Novembro, e consumo real, não por estimativa. Além disso, é do mais elementar bom senso a afirmação do Tribunal de que os réus, sabendo ou desconfiando que teriam um problema na sua canalização, teriam fechado o circuito de água enquanto não estavam em casa e só o abriam quando estavam. Donde estes documentos em nada contrariam as conclusões do Tribunal recorrido.

Quanto aos danos, entendemos que basta reproduzir, com total acordo, a fundamentação do Tribunal recorrido:
A convicção positiva do tribunal para 26 e 27 e negativa a U, V e W resulta tanto da valoração das fotografias juntas aos autos como das declarações da Autora, do depoimento do seu companheiro, dos depoimentos dos averiguadores de sinistros (EE, FF e GG), do técnico de avaliação de danos (MM), dos depoimentos dos vizinhos (FF e LL) e do depoimento da gestora do condomínio (JJ) que, de forma sincera, clara, congruente e coerente entre si e com as regras da experiência comum, descreveram os estragos detectados ao recheio da cozinha (e barulho ouvido e comentado), seja nos id. móveis como nos id. electrodomésticos – que ali continuaram, por encastrados, desde a compra e com a compra da fracção, após a saída da Autora para casa do seu companheiro no concelho .... Daí a resposta negativa a (U e) V -, tendo alguns até mencionado o perigo de se colocar os id. equipamentos eléctricos a funcionar, face à quantidade de água que os atingira” (e não faz qualquer sentido pensar que todas estas pessoas vieram mentir na audiência para prejudicar os réus).
As regras da experiência e do senso comum dizem-nos, por um lado, que quando se compra um apartamento para habitação, a cozinha do mesmo contem móveis e electrodomésticos que são pagos pelo comprador nessa compra “global”, por outro, que a presença de água (nas quantidades que todos falaram e que as fotografias manifestamente evidenciam) em componentes electrónicos oxida-os e “queima-os”, havendo risco sério de provocar curto-circuito e descarga eléctrica até. Note-se que os equipamentos cujos danos se reclamam são de encastre na madeira que ficou toda molhada, inchada e apodrecida e situam-se precisamente na zona onde se deu (e durante tempos) a queda de água (cfr. fotografias: falam por si!). Em adição, nenhuma prova foi feita e de forma credível de que os electrodomésticos não estavam em funcionamento ou aptos a funcionar, antes do evento, pois que desde logo e até à saída da Autora em Setembro de 2019, ela ali morou e presume-se, presunção legalmente admissível, que confeccionava alimentos neles para comer e dar de comer ao seu agregado familiar e que ali teria água quente para fazer a sua higiene (nenhum vizinho ou outro meio de prova relatou que a vizinha cheirasse mal, desse sinais de falta de higiene ou de subnutrição ou se queixasse de avarias nos equipamentos essênciais ao dia a dia como os identificados nos autos). Os RR em declarações de parte vieram no segundo julgamento dizer que o forno da Autora estava avariado porque ela teria vindo várias vezes pedir-lhe para aquecer pizza! Sem credibilidade ou sustento probatório outro. Só pediu para aquecer pizza; e assados, não? em que altura isso aconteceu: 1 semana, um mês, um ano antes do sucedido? Teria sido reparado entretanto? E mesmo que avariado, já não poderia era ser equacionada a reparação, por risco de curto-circuito. Por tudo, a resposta negativa a U e a V.
Outrossim, só não se provou, efectivamente, que os electrodomésticos eram da marca ... ou ..., não sendo possível de aferir isso através da visualização das fotografias juntas aos autos. Por conseguinte, a resposta negativa a este ponto R..
Nem se provou que a Autora omitira qualquer conduta relevante e desse modo tenha produzido ou agravado os danos apurados aos móveis e electrodomésticos, antes percebeu-se pelos depoimentos dos vizinhos, do companheiro, dos peritos, dos Sres do condomínio, que actuou de imediato e com vista a resolvê-los ou, pelo menos, minimizá-los (limpando a água, arejando a casa, falando com os RR…). Daí, também a resposta negativa a X, Y, Z..
Por sua vez, a resposta positiva a 28, 29 e 30, este restritivamente (e, em consequência, a resposta negativa a S.), estribou-se na valoração das declarações da Autora, do seu companheiro e do orçamento apresentado com a p.i. sob doc. n.º ...7, conjugado ainda com as regras da experiência comum, que nos permitem inferir que o custo dos móveis e pedra de cozinha está mais que ajustado ao mercado, não sendo de todo excessivo, e que, não se fazendo referência aos preços das “marcas brancas” das grandes cadeias de distribuição, por não ser esse o normal acontecer quando se monta uma cozinha e se vende um apartamento pela primeira vez (a Autora referiu nunca ter feito obras na sua cozinha, que esta era igual às demais cozinhas de origem do prédio), o custo de (só) uma placa de indução, de um forno, de um exaustor e de um esquentador rondará, pelo menos, os € 1.000,00 e sem custos de montagem/instalação (cfr. ...; ... ...; ...; ...; ...; ...; ...; ...;...). Acresce que os RR não trouxeram prova que infirmasse ou abalasse a prova trazida pelos sujeitos activos.
A resposta positiva a 31., 32 e 33 estribou-se, por sua vez, na valoração das declarações da Autora, dos documentos juntos sob n.º 16 e n.º 17 com a p.i., e no seu confronto com o documento junto pelos RR e que está junto a outra acção judicial (a proposta pelos vizinhos FF e LL), que revelam a razoabilidade dos valores indicados face aos danos encontrados (na casa da Autora ficou um buraco no tecto!) e os valores praticados no mercado… Acresce, outrossim que os RR não trouxeram prova que infirmasse ou abalasse a prova trazida pelos sujeitos activos.
Relativamente à matéria exarada em 34, a mesma foi positivamente respondida dada a extensa prova documental, declarativa e testemunhal nesse mesmo sentido. As fotografias juntas, que não merecem qualquer reparo quanto à sua autoria, genuinidade e conteúdo, demonstram clara e objectivamente a falta de salubridade, de condições, para se poder dispor da fracção para habitação. Os maus cheiros e as humidades foram relatados por todos, inclusive aceites pelos RR na sua defesa (ainda que lhes tenham procurado imputar outra origem: a ausência da autora da casa!!!).
Por sua vez, a resposta positiva a 35 e negativa a T estribou-se na valoração das declarações da Autora e no depoimento do seu companheiro KK e nos depoimentos dos vizinhos da Autora, FF e LL, e da sua amiga, PP, pois por todos foi esclarecido onde estava e desde quando a residir a Autor e as suas razões pessoais para tal, as quais nada tiveram a ver com este processo ou com qualquer abandono do imóvel… aliás, nenhum abandono houve, porque a Autora sempre cuidou e procurou auxilio no sentido de regularmente ir ao imóvel, arejá-lo, cuidar do escoamento de águas pluviais,…., conforme estes meios de prova o confirmaram e de forma serena e genuína. Note-se que é de todo inverosímil que só há cerca de um ano atrás é que a Autora tenha pedido para arejar a fracção, como disse a Ré em declarações de parte, mais a mais depois da quantidade de água que houve naquela em 2019!

Os recorrentes manifestam-se ainda contra o valor da renda dado como provado (conclusões 58 a 64).

Porém, mais uma vez, a sentença está bem fundamentada, e merece a nossa concordância:
No que respeita à matéria sobre o arrendamento, o tribunal dela se convenceu positivamente, daí a resposta a 36 e 37, e negativamente, dai a resposta a AA e BB, por ter atendido às declarações da Autora, aos depoimentos do companheiro da Autora, da vizinha da Autora, LL, da Sra do Condomínio, JJ, da amiga da autora, PP, prestados de forma espontânea, coerente e congruente, e, bem assim, da informação prestada pelo agente da EMP04..., conhecida agência imobiliária, junta aos autos, pois por todos pode perceber-se a boa localização do imóvel, a existência de procura por arrendamentos na zona – a Sra do Condomínio, por exemplo -, a existência de contratos de arrendamentos no prédio, os valores médios praticados no mercado para o arrendamento de fracções como a da Autora – a amiga PP falou e de forma desinteressada conhecer uma vizinha (QQ) que pagou €500,00 de renda por um T3 no prédio; a sra do condomínio, JJ, em € 300,00/€ 350,00, a informação da EMP04..., em € 500,00 e € 600,00 - e a pretensão da Autora em querer rentabilizar o imóvel, de modo a ter mais rendimento para as suas despesas pessoais (e patrimoniais), o que faz todo o sentido, atentas as regras da experiência comum, diante das razões que levaram a Autora a sair daquela fracção – neste sentido, foi o depoimento da vizinha, LL, e da amiga PP, que mencionou que o seu marido se preparava para ir pintar o imóvel para ser arrendado; por se ter ficado a saber que o imóvel, após a presente acção, foi efectivamente arrendado”.
E ainda podemos acrescentar, no mesmo sentido, que é um facto notório a enorme crise da habitação no nosso País, em geral, em que a procura de casa para morar é muitíssimo superior à oferta. O que significa aumento de preços.
Finalmente, “os factos exarados em 39 e 40 tiveram resposta positiva, por o tribunal deles se ter convencido perante as mensagens trocadas entre Autora e RR e juntas aos autos, pelo depoimentos manifestamente sereno e desinteressado dos vizinhos, quando se referiram que o Réu marido assumiu perante eles ser o responsável pelos danos na casa da Autora mas, por haver acção em tribunal, ela iria esperar, que não iam fazer nada… e por todo o cenário descrito pelas testemunhas e pelas fotografias serem idóneos a inferir-se as inquietações, arrelias e tristeza que a Autora sofreu ao ver a sua fracção naquele estado e ao se aperceber dos danos e da postura dos RR”.
“E os factos exarados em 41 e 44 resultam das fotografias e dos depoimentos das testemunhas, com excepção do picheleiro, primo dos RR (por nada de relevante ter trazido aos autos nesta parte), conjugados com a leitura da contestação oferecida: peremptoriamente, ficou demonstrado que não foi o mau tempo que provocou a inundação na fracção da Autora e consequentemente os estragos e que os RR demoraram muito tempo (pelo menos, cerca de um ano e após os sinais danosos terem começado a aparecer nos vizinhos FF e LL) a resolverem o problema de modo a deixar de cair água pelo tecto da cozinha da Autora, o que, claro está e como foi mencionado pelos peritos, a durabilidade e quantidade da água que caiu levou à queda e destruição de móveis e electrodomésticos na cozinha, o que se evitaria se prontamente se estancasse a fuga”.
E quanto aos factos 42 e 43 eles são a consequência necessária de se ter dado como provado que a fracção dos réus foi a origem da água que invadiu a fracção da autora. A este propósito o Tribunal recorrido refere: “por último e como se percebeu, pelos depoimentos das testemunhas id., que já não existe água a cair no e pelo tecto da Autora provinda da casa dos RR, que estes fizeram obras entretanto – factos respondidos positivamente a 42 e 43 -, a resposta negativa a CC”.

Aqui chegados, o único reparo que temos a fazer à matéria de facto provada incide sobre o ponto 44: “Os RR não se coibiram de deitar mão de todos os recursos, nomeadamente o mau tempo, para não serem responsabilizados”.
Este não é um facto substantivo, que tenha a ver com os direitos das partes: é um facto intra-processual, ainda por cima conclusivo, que tem a ver com o julgamento que se possa fazer sobre o comportamento processual dos réus. Como tal, não tem lugar numa lista de factos provados, e será tido como não escrito. O comportamento processual das partes será analisado em sede de condenação por litigância de má-fé, por ser aí o seu local adequado.
Em conclusão, salvo esta última referência, mantém-se integralmente a matéria de facto dada como provada.

Julgamento da matéria de direito
Lendo com atenção as conclusões de recurso, verificamos que os recorrentes não impugnam a aplicação do direito aos factos provados: eles impugnam, antes, a maioria dos factos dados como provados, e vão intercalando referências jurídicas durante a argumentação sobre os alegados erros de facto, querendo com isso dizer que com os factos que eles entendem que deveriam ter sido provados, outra seria a solução jurídica (cfr. conclusões 52, 53, 65, 66, 67, entre outros). Só que, como vimos, a matéria de facto foi bem julgado e manteve-se intocada.
Assim, nessa parte, nada temos a decidir.
Apenas colocam, com pertinência processual, a questão do valor da indemnização a título de danos morais, que consideram exageradíssimo. E ainda acrescentam que nenhum dano moral resulta do facto de a Autora ver-se alegadamente privada da fruição do imóvel. E, finalmente, afirmam que a autora contribuiu para o agravamento dos danos.
            Vejamos.
            Na sentença recorrida escreve-se: “ao nível dos danos, a Autora peticionou ainda o ressarcimento de danos morais, de natureza não patrimonial. Para tanto, alegaram terem sofrido inquietações, arrelias e tristezas por verem a sua fracção num estado de destruição e de assim ter permanecido por muito tempo, impedindo-os de a utilizarem, e pela atitude de indiferença dos RR perante tal circunstancialismo. A obrigação de indemnização neste âmbito decorre do disposto no art.º 496º, nº 1, do Código Civil, que estabelece que «na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito». A indemnização por danos não patrimoniais assume-se, mais propriamente, como uma compensação: «segundo a lei, o objectivo que lhe preside é o de proporcionar ao lesado a fruição de vantagens e utilidades que contrabalancem os males sofridos, e não o de o recolocar “matematicamente” na situação em que estaria se o facto danoso não tivesse ocorrido; a reparação dos prejuízos, precisamente porque são de natureza moral (e nessa exacta medida, irreparáveis) é uma reparação indirecta, comandada por um juízo equitativo que deve atender às circunstâncias referidas no art.º 494º.» (cfr. Ac. do STJ de 14.09.2010, Proc. n.º 267/06.0TBVCD.P1.S1, disponível para consulta em www.dgsi.pt). In casu, ficaram efectivamente provados os danos alegados. E tais danos parecem-nos graves o suficiente para merecerem a tutela do direito. Com efeito, trata-se de um imóvel destinado a habitação, em área residencial, que fora o lar e centro de vida da Autora até cerca de dois meses antes e que só o deixara de ser por razões pessoais desta. Traduzia-se em património pecuniário e em património emocional… E ficou e foi estando no estado retratado pelas fotografias juntas aos autos.
Os RR mostraram-se indiferentes a tal, protelando a resolução, “mandando-a esperar”, como os depoimentos dos vizinhos o referiram. Estabelece o art.º 496º, nº 3, que «o montante da indemnização será fixado equitativamente, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art.º 494.º». Isto é, o montante da indemnização por danos não patrimoniais, deve ser fixada de forma equilibrada e ponderada, atendendo em qualquer caso (quer haja dolo ou mera culpa do lesante) ao grau de culpabilidade do ofensor; à situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso, como por exemplo, o valor actual da moeda. O montante da indemnização «deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas de criteriosa ponderação da realidade da vida» (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. I, 3.ª Ed., pág 474). Considerando, então, a factualidade apurada e tendo presente que a fracção se destinava a habitação mas que já não era o centro de vida familiar da Autora (antes poderia vir a ser de terceiros), que a fracção se assumia, agora, na vida da Autora numa perspectiva mais económica e menos sentimental, atendendo ao facto de a situação não ter sido ainda resolvida pelos RR, o que subsiste e de forma intencional, mas se desconhecer qual a sua capacidade financeira, na ausência de outros factos provados, temos por equitativo, justo e adequado, fixar em € 750,00 o ressarcimento à Autora de tais danos.
Também aqui a decisão nos parece resultar do mais elementar bom senso. Não custa imaginar o que é o sofrimento psicológico de quem, não tendo uma situação económica abastada, vê o seu imóvel a degradar-se, sem ter culpa alguma, e não sabe quando (ou se) o responsável irá resolver o problema. Recordemos que a Autora entrou no seu apartamento e verificou que a sua cozinha estava inundada com água. O estado em que ficou a cozinha pode ser retirado com muito mais impressividade das fotografias juntas aos autos. E a Autora sofreu inquietações, arrelias e tristeza por ver a sua casa neste estado de destruição e por não poder utilizá-la ou arrendá-la.
Assim, também aqui a decisão não merece censura.
Quanto à alegação de que a autora contribuiu para o agravamento dos danos os réus alegam (não podemos deixar de dizer, com desfaçatez), que “se a Autora habitasse na fracção ou se, pelo menos, não a tivesse abandonado como fez, facilmente teria actuado não deixando chegar ao ponto em que chegou”. E, mais adiante: “se a fracção, em especial a cozinha, sofreu a inundação alegada e com os danos que invoca – o que não se concede – a culpa foi seguramente da Autora, pois sobre ela impende o dever de a vigiar e bem cuidar dela, o que não sucedeu, pois, como se disse, já lá não habitava, abandonando-a desde Setembro de 2019, como confessou no depoimento de parte acima transcrito”.
Os factos, agora, são incontroversos: em dia não determinado do mês de Novembro de 2019 ocorreu uma inundação de água na fracção da autora, em data em que a autora se encontrava ausente da fracção. Quando chegou ao prédio foi advertida pelo responsável do Condomínio de que havia uma inundação de água na sua fracção. Entrou no apartamento e verificou que a sua cozinha estava inundada com água. Percebeu que a água vinha do tecto (que separa a sua fracção da dos réus). Aguardou que estes regressassem a casa e, uma vez chegados, informou-os acerca do sucedido.
A partir daqui já sabemos o que se passou, com a constante e repetida fuga à responsabilidade dos réus, tendo até a autora tido necessidade de chamar a GNR.
E a Autora continuou a insistir junto dos Réus para que estes assumissem o pagamento dos danos provocados na casa desta.
Que mais pensam os recorrentes que poderia a autora fazer ? Não podia entrar à força na casa deles, nem obrigá-los sob coacção física a fazer as obras necessárias para que a água não continuasse a correr, por acção da gravidade, da fracção deles para a sua.
Só podia pedir-lhes que resolvessem a fuga. O que fez.
Mas de nada adiantou. 
Em conclusão, vir dizer que a autora contribuiu para o agravamento dos danos, porque abandonou a fracção, e não a vigiou nem cuidou bem dela, ultrapassa a linha vermelha do que é uma defesa aceitável.

O que nos leva à última questão, a da litigância de má-fé.
A sentença recorrida considerou que “quando em juízo (e não obstante a complexidade da controvérsia e a intensidade que colocam na defesa de posições próprias), as partes estão sujeitas aos deveres de cooperação, probidade e boa-fé na sua relação adversarial e em relação ao Tribunal, já que a lide visa a obtenção de decisão conforme à Verdade e ao Direito, sob pena da protecção jurídica que reclamam não ser alcançada, com desprestígio para si mesmas, para a Justiça e os Tribunais. Daí que o legislador há muito que impõe aos magistrados, partes e mandatários “o dever de cooperarem com vista à justa composição do litígio” (actualmente, art.º 7.º do Código de Processo Civil).
A conduta do agente, para ser censurável e censurada, deve apresentar-se como contrária a um padrão de conformidade da acção pessoal do sujeito processual com o dever de agir de acordo com a juridicidade e a lei. «A má fé processual (...) é toda a actividade desonesta, cavilosa, proteladora (para cansar o adversário) unilateral ou bilateral, verificada no exercício do direito de acção, quando desenvolvida com a intenção de prejudicar outrem, quer ela respeite ao mérito da causa (lide caluniosa, fraudulenta, etc.) quer às medidas instrumentais, desde que seja ilícita, isto é violadora das normais gerais e especificas da conduta processual, tendentes a criar as condições favoráveis a uma boa e justa decisão do pleito» (cfr. Cecília Silva Ribeiro, “Do dolo geral e do dolo instrumental em especial no processo civil”; ROA, ano 9, págs. 83 e sgs, citada por Paula Costa Ribeiro, in "A Litigância de Má Fé", 2008, pág. 389). Tecidas estas considerações e cotejada a contestação oferecida, as questões apresentadas pelos RR para a prova pericial, os factos provados e os factos não provados, a prova que ofereceram em juízo e o que se ouviu à globalidade da prova pessoal, podemos concluir que os RR apresentaram defesa cuja falta de fundamento não deviam ignorar (terem sido as águas pluviais a causa da presença de água na fracção id. em 1 e o abandono da fracção id. em 1 a concausa dos danos!), logo, litigaram de má fé”.
E por isso fixou em 10 UC’s a multa a pagar pelos RR por terem litigado de má-fé.
Os recorrentes obviamente não concordam.
Afirmam, em síntese, que da análise do seu comportamento processual não pode concluir-se pela sua litigância de má-fé. Com efeito, negaram a sua responsabilidade na alegada inundação da casa da Autora e, embora reconhecendo que as causas de uma inundação são complexas, não deixaram de apontar, segundo a perspectiva deles, a causa ou as causas de tal inundação. Nomeadamente a intempérie que se verificou naquela altura, e procuraram-no demonstrar logo na contestação através de recortes de jornais que juntaram. Os réus não ficcionaram a intempérie. É certo que esta alegação e a causa efeito na inundação não foi dada por provada pela 1ª instância (ora impugnada) mas tal não denota um comportamento que possa ser considerado como de má-fé. Simplesmente não conseguiram provar o que alegaram.
Vejamos.
O instituto da litigância de má-fé, consagrado nos artigos 542º e seguintes do C.P.C., visa sancionar uma conduta processual das partes censurável, por desconforme ao princípio da boa fé pelo qual as mesmas devem reger a sua conduta. Corresponde o instituto da litigância de má-fé a uma responsabilidade agravada, que assenta na culpa ou dolo do litigante. Se a parte actuou de boa-fé, sinceramente convencida de que tinha razão, a sua conduta é licita e é condenada apenas no pagamento das custas do processo, como risco inerente à sua actuação. "Se procedeu de má-fé ou com culpa, pois sabia que não tinha razão, ou não ponderou com prudência as suas pretensas razões, a sua conduta assume-se como ilícita, configurando um ilícito processual a que corresponde uma sanção, que pode ser penal e/ou civil (multa e indemnização à parte contrária), e cujo pagamento acresce ao pagamento das custas processuais."
A reforma processual levada a cabo pelo DL nº 329-A/95 de 12/12 introduziu alterações no Código de Processo Civil em sede de litigância de má-fé. Lê-se no preâmbulo do citado diploma “Como reflexo e corolário do princípio da cooperação, consagra-se expressamente o dever de boa-fé processual, sancionando-se como litigante de má-fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por acção ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjectivos; (…)”. Assim, ao lado da lide dolosa (que corresponde à violação das regras de conduta processuais de forma intencional ou consciente), passou a ser sancionada a lide temerária (que corresponde à violação das mesmas regras, mas com culpa grave ou erro grosseiro). É inquestionável que a conclusão pela actuação da parte como litigante de má-fé será sempre casuística, não se deduzindo mecanicamente da previsibilidade legal das alíneas do art.º 542º do Código de Processo Civil. E a responsabilização e condenação da parte como litigante de má-fé só deverá ocorrer quando se demonstre nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, de forma manifestamente reprovável. Tem-se entendido que para tal condenação se exige que se esteja perante uma situação donde não possam surgir dúvidas sobre a actuação dolosa ou gravemente negligente da parte.
Ora bem. Resumidamente, da petição inicial retira-se que a autora apresentou a sua pretensão da seguinte forma: ocorreu uma inundação no apartamento da Autora, proveniente do apartamento dos réus. Mais concretamente, havia uma fuga de água, que após detalhada averiguação se constatou ser de um tubo de água quente da casa dos Réus tendo os peritos aconselhado os Réus a manter o passador da água desligado.
Os réus contestaram, dizendo em síntese que é falso que a origem da água da alegada inundação na cozinha da Autora esteja localizada na fracção dos RR. O que eles sabem é que no mês anterior àquele em que a Autora se queixa de ter sofrido a alegada inundação, pingava água no hall de entrada do prédio. De onde vinha a água que ali pingava, nenhum condómino sabia ao certo. Mas foram mais longe, e nem sequer admitiram a existência de uma inundação na cozinha da Autora, dizendo que, a ter existido, terá tido origem no mau tempo.
E ainda dizem mais: se a fracção, em especial a cozinha, sofreu a inundação alegada e com os danos que invoca – o que não se concede – a culpa foi seguramente da Autora, pois sobre ela impende o dever de a vigiar e bem cuidar dela, o que não sucedeu, pois, como se disse, já lá não habitava, abandonando-a desde Setembro de 2019.
Considerando o que ficou provado, de forma cabal e definitiva, a posição dos réus tem de ser, de facto, caracterizada como, senão dolosa, pelo menos gravemente negligente. Primeiro, atreveram-se a negar na contestação a existência da inundação, quando até franquearam a entrada em sua casa de peritos para averiguar de onde viria a água que inundou a cozinha da autora. E segundo, tentaram defender em Juízo a hipótese de que as águas infiltradas provinham da chuva e da intempérie, quando tal hipótese foi cabalmente afastada por todos os peritos que se pronunciaram sobre o assunto. E nem sequer apresentaram prova com um mínimo de solidez sobre tal hipótese, sendo que até a própria testemunha que arrolaram, NN (testemunha comum), acabou por declarar que o mau tempo que houve foi em meados de Dezembro, e não teve nada a ver com a inundação da cozinha da autora). E ainda JJ, que declarou que o que se passava era uma inundação que vinha da casa dos réus. E não era da chuva, era mesmo infiltração. Estava tempo seco, e já tinham feito a limpeza aos telhados. E, como se costuma dizer, “a cereja em cima do bolo” foi vir dizer que a autora contribuiu para o agravamento dos danos, porque abandonou a fracção, e não a vigiou nem cuidou bem dela.
Rematando, se os réus se tivessem limitado a assentar a sua defesa na afirmação de que desconheciam de onde vinha a água que entrou na fracção da autora, impugnando a afirmação desta, deixando a esta o ónus de provar o que alegara, estariam no exercício legítimo do seu direito de defesa. Mas eles foram muito mais longe que isso, inventaram explicações alternativas que sabiam ser falsas, ou se não sabiam tinham obrigação de saber, se tivessem ouvido com atenção o que lhe foi dito e tivessem actuado com a devida diligência.
E assim, também aqui a sentença não merece reparo, nem sequer o valor fixado para a multa, que nos parece equilibrado e prudente.

V- DECISÃO

Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar o recurso totalmente improcedente e confirma na íntegra a sentença recorrida.

Custas pelos recorrentes (art. 527º,1,2 CPC).
Data: 25.1.2024
Relator (Afonso Cabral de Andrade)
1º Adjunto (Carla Maria da Silva Sousa Oliveira)
2º Adjunto (Alcides Rodrigues)


[1] Que, apesar de tudo, não são impeditivas de uma reapreciação total da prova com vista à formação da convicção do Juíz da Relação.
[2] Conselheiro Abrantes Geraldes, ob cit, fls. 286.