Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
427/23.0T8EPS.G1
Relator: EVA ALMEIDA
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
PRAZOS PARA O EXERCÍCIO DOS DIREITOS
CLÁUSULA CONTRATUAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/22/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - O juiz não pode substituir-se à parte, nem na alegação dos factos estruturantes da acção, (art.º 3º nº 1 e 5º nº 1 do CPC), nem na apresentação das provas dos factos que a mesma articulou e que se encontram na sua inteira disponibilidade.
II - As normas relativas ao contrato de arrendamento com prazo certo, como é o presente, ressalvam, no tocante à renovação automática, “estipulação em contrário” (ver art.º 1096º do CC) e, no tocante à oposição à renovação deduzida pelo senhorio (art.º 1097º do CC), apenas prevêem prazos mínimos, ou seja, só é imperativa no tocante ao prazo mínimo para o exercício do direito. Nada impedindo que se convencione um prazo superior.
III - É válida a cláusula contratual que estipula um prazo superior aos previstos nas alíneas do nº 1 do art.º 1097º do Código Civil, para o senhorio se opor à renovação.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I – RELATÓRIO

AA, instaurou ação de despejo contra BB, formulando os seguintes pedidos:

a) Se declare válida a cessação do contrato de arrendamento, por oposição à renovação pelo senhorio, com efeitos à data de 31/12/2022.
b) Se ordene a restituição imediata do imóvel ao Autor.
c) Se condenar a Ré no pagamento da compensação prevista no artigo 1045º n.º 1 e 2 do Código Civil, correspondente ao dobro da renda por cada mês de atraso na entrega do arrendado, que nesta data se computa em € 1780,00 (Janeiro a Maio), bem como os valores que se vencerem até à efectiva entrega do arrendado.
d) Se condene a Ré no pagamento da cláusula penal prevista na cláusula décima-terceira do contrato de arrendamento, de um ano de renda, pela falta de entrega atempada do arrendado, no valor de € 2.136,00.

Alegou, para tanto e em síntese:
– O autor é cabeça-de-casal da herança indivisa aberta por óbito de seus pais, CC e AA, falecidos em ../../2007 e ../../2022, e que a 31 de Dezembro de 2008, o pai do Autor, ainda em vida, e na qualidade de cabeça-de-casal da herança indivisa aberta por óbito de sua esposa, deu de arrendamento à Ré, um prédio de que é proprietária a herança, pelo prazo de cinco anos, com início em 01/01/2009 e termo em 31/12/2013.
– Em 15/07/2022 o Autor, no exercício dos poderes conferidos pelo cabecelato, remeteu à Ré uma carta registada com aviso de recepção, através da qual manifestou a sua oposição à renovação do contrato de arrendamento, informando a Ré que o referido contrato terminaria no dia 31/12/2022, ou seja, no final da terceira renovação de três anos.
– A Ré recebeu a carta do Autor em 21/07/2022, não tendo respondido à mesma e, apesar de o contrato de arrendamento em questão ter cessado por oposição à renovação do senhorio em 31/12/2022, até à presente data a Ré não procedeu à entrega do arrendado.
– Não obstante o estipulado na primeira parte da cláusula quarta do contrato de arrendamento, a oposição à renovação efectuado pelo Autor foi tempestiva, uma vez que respeitou o prazo de 120 dias previsto no artigo 1097º, n.º1, alínea b), do Código Civil, argumentando que, por um lado, as regras relativas à cessação do contrato de arrendamento habitacional são imperativas, não podendo ser livremente estipuladas pelas partes –  artigo 1097º e 1110º “a contrario”, ambos do Código Civil, sob pena de nulidade (art.º 280º n.º1 do Código Civil) – e, por outro lado, o conteúdo da cláusula quarta do contrato, concedendo o prazo de um ano para oposição à renovação por parte do senhorio, corresponde à mera reprodução da lei vigente à data da celebração do contrato de arrendamento..
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A ré devidamente citada para, querendo, contestar, não apresentou contestação.
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Proferiu-se despacho declarando provados os factos articulados pelos autores na petição inicial, nos termos do disposto no artigo 567.º, nº 1 do CPC.
Seguidamente, nos termos do art.º 567º nº 2 do CPC, determinou-se a notificação das partes para, querendo alegaram por escrito.
O Autor reiterou o teor da P.I.
A Ré apresentou alegações, defendendo, em primeiro lugar, que a matéria de facto atinente à notificação à autora da oposição à renovação depende de prova documental e o Autor não juntou prova que atestasse a concretização dessa notificação à Ré. Mais alegou, que foi contratualmente estipulado entre as partes que a oposição à renovação por parte do senhorio teria de ser feita com uma antecedência mínima de um ano, não tendo o Autor cumprido o prazo a que estava adstrito, sendo extemporânea a oposição apresentada. Concluiu pela sua absolvição dos pedidos.
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Proferiu-se sentença em que se decidiu:
 «Pelo exposto, julgo a ação totalmente improcedente, por não provada e, em consequência absolvo a ré BB dos pedidos contra si formulados.
Ficando vencido, vai o autor condenado no pagamento das custas processuais, artigo 527º, nº 2 do CPC.».
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Inconformado, o Autor interpôs o presente recurso, que instruiu com as pertinentes alegações, em que formula as seguintes conclusões:

«1. Entende o Recorrente que a douta sentença do Tribunal “a quo” é nula, e contém erro na aplicação do direito.
2. Com efeito, as questões levantadas pelo Recorrente no presente recurso são as seguintes:
Saber se a douta sentença enferma de nulidade por constituir uma verdadeira “decisão surpresa”, sem observância, quer do princípio do contraditório previsto no artigo 3º n.º 3 do Código de Processo Civil, quer do princípio do inquisitório previsto no artigo 411º do mesmo diploma legal.
3. E saber se houve erro na aplicação do direito quanto à determinação do prazo de oposição à renovação que tinha de ser observado pelo Recorrente.
4. Entende o Recorrente que a douta sentença é nula por não lhe ter permitido que se pronunciasse previamente sobre a questão levantada pelo tribunal, de considerar que a carta remetida à Recorrida não teria sido enviada através de correio registado com aviso de recepção.
5. Em face da falta de contestação da Recorrida, não houve produção de prova, para além dos documentos juntos na petição inicial pelo Recorrente.
6. Foi, então, proferida a douta sentença em crise que considerou, entre outras coisas, que não foi provado que a carta de oposição à renovação do contrato de arrendamento haja sido enviada com aviso de recepção.
7. No modesto entendimento do Recorrente, estamos perante uma manifesta “decisão surpresa”, uma vez que não foi observado o princípio do contraditório previsto no artigo 3º n.º 3 do CPC, que permitisse ao Recorrente esclarecer a dúvida do tribunal quanto à forma observada na carta que foi remetida à Recorrida, e eventualmente produzir prova adicional.
8. Existindo dúvida sobre a forma de envio da carta, impunha-se esclarecer inequivocamente, até pelo princípio do inquisitório previsto no artigo 411º do CPC, se realmente a carta foi ou não enviada com aviso de recepção.
9. No entender do Recorrente, o tribunal não poderia ter concluído, sem mais, pela análise do documento de fls. 11 e 12 (Doc. ... junto à p.i.), que a carta em causa não tivesse sido remetida através de correio registado com aviso de recepção.
10. O facto de não se encontrar junto o aviso de recepção, não permite concluir que a carta não tenha sido enviada com tal formalidade.
11. O Recorrente nunca equacionou sequer a hipótese de o tribunal considerar que a referida carta não tivesse sido enviada com aviso de recepção, uma vez que tem a certeza de que o envio da carta observou tal formalidade.
12. Ao não ter permitido ao Recorrente que se pronunciasse, ou que eventualmente produzisse prova adicional sobre tal questão, a qual se veio a revelar decisiva para a decisão da causa, a douta sentença violou o princípio do contraditório, previsto no artigo 3º n.º 3 do CPC, o qual prevê que “o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.”.
13. No entender do Recorrente, o tribunal “a quo” poderia e deveria ter notificado o Recorrente para se pronunciar quanto à falta do aviso de recepção nos autos e sobre a possibilidade de o tribunal considerar como inválida a oposição à renovação do contrato de arrendamento por inobservância da forma prescrita para a comunicação.
14. Assim como poderia, eventualmente, ter notificado os serviços postais portugueses ou até franceses, para esclarecer tal situação, em cumprimento do já citado artigo 411º do CPC.
15. Ao não ter cumprido o disposto no artigo 3º n.º 3, bem como o estipulado no artigo 411º do CPC, a douta sentença é nula, nos termos do artigo 195º/1 do CPC, dada a manifesta influência no exame ou decisão da causa.
Sem prescindir,
16. Entende o Recorrente que a douta sentença errou na aplicação o direito, ao entender que o prazo de oposição à renovação do contrato de arrendamento em causa nos presentes autos era de um ano, e não de 120 dias.
17. Com efeito, entendeu a douta sentença que o prazo de oposição à renovação do contrato de arrendamento em causa nos presentes autos seria de um ano, por ter sido o previsto pelas partes, e não o prazo de 120 dias que vem estipulado na lei, conforme dispõe o artigo 1097º/1 alínea b) do Código Civil. Nesta linha de raciocínio entendeu o tribunal “a quo” que deveria fazer uma interpretação correctiva do artigo 1110º do Código Civil, entendendo que o prazo de oposição à renovação dos contratos de arrendamentos habitacionais pode ser livremente estabelecido entre as partes, desde que o mesmo seja superior ao que vem estipulado na lei, sustentando tal entendimento na fundamentação do acórdão da Relação de Lisboa de 08/02/2022 (P. 966/21.7YLPRT.L1-7).
18. Entende o Recorrente que o tribunal “a quo” errou na aplicação da lei, não se concordando igualmente com a fundamentação do citado acórdão da Relação de Lisboa.
19. Com efeito, entende o Recorrente que o artigo 1110º do Código Civil é claro, e não merece quaisquer dúvidas, na sua leitura “a contrário” de que as regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento para fins habitacionais não são livremente estabelecidas pelas partes.
20. O facto de a lei, no seu artigo 1097º do Código Civil (mas também em inúmeros outros artigos que estipulam prazos de antecedência) prever que a oposição à renovação do contrato de arrendamento tenha de ser enviada com uma “antecedência mínima” de determinados dias, não significa, por si só, que as partes sejam livres de estipular prazos diferentes de oposição à renovação nos contratos de arredamento habitacionais, em derrogação do disposto no artigo 1110º do Código Civil.
21. No modesto entendimento do Recorrente, a expressão “antecedência mínima” não revela qualquer intenção do legislador em permitir a derrogação parcial da citada norma, nem a vontade de proteger o inquilino.
22. Note-se que o instituto da denúncia do contrato de arrendamento, previsto no artigo 1100º do Código Civil, também estipula uma antecedência “mínima” para o envio da comunicação do inquilino. Então pergunta-se se, de acordo com a linha de raciocínio da douta sentença, será possível às partes acordarem num prazo de denúncia mais alargado, protegendo, neste caso, o senhorio, e os seus interesses na manutenção de um contrato que lhe seja vantajoso?
23. Ora, a palavra “mínima”, faz sentido e impõe-se no contexto da redacção da lei, uma vez que caso não estivesse lá, seria necessário efectuar uma comunicação num dia concreto, de forma a respeitar uma concreta antecedência.
24. Não vislumbra o Recorrente, nas expressões “antecedência mínima” qualquer intenção do legislador de permitir a estipulação de um prazo contratual maior para a oposição à renovação, duração ou denúncia (em derrogação parcial do estipulado no artigo 1110º do CC), fundamentada numa suposta protecção ao inquilino, uma vez que, caso o legislador tivesse intenção de proteger o inquilino, não teria reduzido o prazo de oposição à renovação do contrato de arrendamento, o qual, à data da celebração do contrato em causa nos presentes autos, era de um ano.
25. Aliás, a legislação do arrendamento não tem como escopo proteger apenas uma das partes no contrato, mas sim conciliar os interesses de ambas. A história já nos mostrou que houve situações em que o senhorio ficou claramente desprotegido perante o inquilino, principalmente após 25 de Abril de 1974, antes da entrada em vigor do RAU, face a escalada da inflação quando, ao mesmo tempo, as rendas não podiam sofrer alterações, e os senhorios não tinham possibilidades de cessar os contratos de arrendamento.
26. não se vislumbra, no caso concreto, qualquer intenção do Recorrente e Recorrida, no exercício da liberdade contratual, em preverem um prazo de oposição superior ao que vem na lei. O contrato em causa nos presentes autos tinha previsto um prazo de oposição à renovação de um ano, uma vez que era esse o prazo imperativo à data de celebração do referido contrato, tratando-se de uma mera reprodução da lei vigente naquela data.
27. Isto posto, por todos os motivos supra expostos, também não se concorda com a fundamentação do acórdão da Relação de Lisboa (P. 966/21.7YLPRT.L1-7), citado na douta sentença.
28. Quer no douto acórdão citado, quer na douta sentença ora em crise, são efectuadas interpretações correctivas do artigo 1110º do Código Civil, quando, no entender do Recorrente, a lei não deixa margem para dúvidas.
29. A interpretação correctiva que é feita, quer na douta sentença em crise, quer no douto acórdão da Relação de Lisboa supra citado, parte do princípio de que é necessário corrigir a letra da lei, quando, na realidade, nada resulta dessa letra, da unidade do sistema jurídico, das circunstâncias em que a lei foi elaborada, ou das condições específicas do tempo em que é aplicada, que o legislador tenha expressado mal a sua intenção.
30. Pela leitura “a contrario” do artigo 1110º do Código Civil, constata-se, com clareza, que as regras de duração denúncia e oposição à renovação não são livremente estabelecidas entre as partes.
31. Da letra da lei não resulta que tal disposição legal tenha sido criada com vista à protecção do inquilino, sendo certo que, como já se referiu, a livre estipulação de um prazo maior para a denúncia, protege o senhorio e não o inquilino. Não podemos presumir que o referido artigo existe apenas para protecção do inquilino. No entender do Recorrente, o mesmo justifica-se no interesse de ambas as partes, para que seja permitido ao legislador, se necessário, uma maior possibilidade de intervenção, regulando os interesses de ambas partes, como tem acontecido ao longo dos anos, sendo certo que a referida disposição legal também permite uma maior certeza e segurança jurídicas no âmbito do arrendamento habitacional.
32. Pelos motivos expostos, entende o Recorrente que não existe necessidade de uma interpretação restritiva ou correctiva do artigo 1110º do Código Civil, uma vez que não se vislumbram motivos que justifiquem esse exercício interpretativo.
33. Em conclusão, entende o Recorrente, como acima alegou, que o prazo de oposição à renovação do contrato de arrendamento a aplicar será o previsto no artigo 1097º n.º 1 alínea b) do Código Civil, aplicável por sucessão de leis, à luz do disposto no artigo 12º n.º 2, segunda parte, do Código Civil, uma vez que a lei nova dispõe “directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem”, pelo que “abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor”.
34. Sendo certo que, as regras relativas à cessação do contrato de arrendamento habitacional são imperativas, não podendo ser livremente estipuladas pelas partes (cfr. artigo 1097º e 1110º “a contrário”, ambos do Código Civil), sob pena de nulidade (art. 280º n.º1 do Código Civil).
35. Deste modo a douta sentença violou os artigos 1097º/1 alínea b), 1110º, 280º/1 e 12º n.º 2, todos do Código Civil, devendo pois, ser revogada por douto acórdão que considere que o prazo de oposição à renovação do contrato em causa é de 120 dias.

TERMOS EM QUE
Sempre com o mui douto suprimento de V. Exas.,
Deve a douta decisão recorrida ser revogada, proferindo-se douto acórdão no qual se considere a sentença é nula por violação do princípio do contraditório e do inquisitório, de acordo com os fundamentos supra expostos,
E, sem prescindir,
Proferindo-se douto acórdão que revogue a douta sentença, por erro na aplicação do direito, de acordo com os fundamentos supra expostos, na parte em que determinou o prazo de um ano para a oposição à renovação do contrato de arrendamento.»
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Dos autos não constam contra-alegações.
*
O recurso foi admitido e os autos remetidos a este Tribunal da Relação, onde foi recebido nos termos em que o fora na 1ª instância.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A DECIDIR.

 O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do apelante, tal como decorre das disposições legais dos artºs 635º nº4 e 639º do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º nº2 do CPC). 
As questões a resolver são as que constam das conclusões da apelação, acima reproduzidas e que assim se sintetizam:
– Se ocorre nulidade da sentença, por violação do princípio do contraditório e do inquisitório.
– Se a oposição à renovação do contrato de arrendamento foi efectuada pela forma prevista na Lei e com a devida antecedência.

III - FUNDAMENTOS DE FACTO

A) Factos julgados provados na sentença recorrida:
«1) Por acordo escrito, denominado “Contrato de arrendamento para habitação com prazo certo”, datado de 31 de Dezembro de 2008, AA, na qualidade de cabeça de casal da herança indivisa aberta por óbito de CC, declarou dar de arrendamento à ré a fração autónoma, designada pela letra ... do prédio urbano sito na Rua ..., freguesia ..., contra uma renda mensal de €160, conforme documento junto aos autos a fls. 9v., cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
2) O acordo referido foi celebrado por período de 5 anos, “com início em 1 de Janeiro de 2009 e termo no dia 31 de Dezembro de 2013, eventualmente renovável por períodos sucessivos de 3 anos, caso não exista oposição à renovação por qualquer das partes.”, conforme documento junto aos autos a fls. 9v e seguintes, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
3) Acordaram ainda as partes que “O senhorio poderá impedir a renovação automática mediante comunicação à arrendatária, efetuada nos termos legais, com uma antecedência mínima não inferior a um ano do termo do contrato. …”, conforme documento junto aos autos a fls. 9v e seguintes, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
4) AA faleceu em ../../2022, conforme documento junto aos autos a fls. 6v. e seguintes, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
5) Por escritura pública, outorgada no Cartório Notarial da Dra. DD em 21/04/2022, o autor foi habilitado como herdeiro de seus pais, CC, falecida em ../../2007 e AA, conforme documento junto aos autos a fls. 6v. e seguintes, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
6) Em 15/07/2022 o Autor, remeteu à Ré uma carta registada, na qual declarou a sua oposição à renovação do contrato de arrendamento, informando a Ré que o referido contrato terminaria no dia 31/12/2022, conforme documento junto aos autos a fls. 11 e 12, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
7) A Ré recebeu a carta do Autor em 21/07/2022, não tendo respondido à mesma.
8) Até à presente data a Ré não procedeu à entrega do arrendado.»

IV – FUNDAMENTOS DE DIREITO

A) Nulidade da sentença
O apelante defende que, “ao não ter cumprido o disposto no artigo 3º, n.º 3, bem como o estipulado no artigo 411º do CPC, a douta sentença é nula, nos termos do artigo 195º, n.º 1 do CPC, dada a manifesta influência no exame ou decisão da causa”.
Invoca o apelante, não a nulidade da sentença, mas uma nulidade processual, pois o art.º 195º do CPC insere-se no capítulo dos actos processuais, concretamente das nulidades dos actos, e a nulidade da sentença, como seu vício intrínseco, está prevista no art.º 615º do CPC.
As nulidades processuais devem ser arguidas perante o Tribunal onde foram praticadas e não mediante recurso, salvo quendo estão a coberto de um despacho.
Contudo, considerando que se vem entendendo que a omissão do contraditório, além de constituir uma nulidade processual com influência na decisão da causa, inquina a própria decisão, acarretando a sua nulidade, por vício previsto na alínea d), do nº 1, do art.º 615º do CPC – O juiz (…) conheça de questões de que não podia (ainda) tomar conhecimento – por nela se compreender o vício gerado pela ausência de contraditório [[1] ] [[2] ], vamos apreciar a questão suscitada como nulidade da sentença.
Na presente acção o Autor pede, em primeira linha, que se declare válida a cessação do contrato de arrendamento, por oposição à renovação pelo senhorio, com efeitos à data de 31-12-2022 e, em consequência, se ordene a restituição imediata do imóvel ao Autor.
Face a este pedido, competia ao Autor alegar e provar que efectuou a oposição à renovação do contrato pela forma prescrita na Lei, concretamente no art.º 9º nº 1 do NRAU, que assim dispõe:
1 - Salvo disposição da lei em contrário, as comunicações legalmente exigíveis entre as partes relativas a cessação do contrato de arrendamento, atualização da renda e obras são realizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de recepção.
Assim, a apreciação da validade da cessação do contrato, por oposição do senhorio à sua renovação, dependia, em primeiro lugar, de se alegar o facto constitutivo dessa oposição à renovação, ou seja, o envio por carta registada, com aviso de recepção, da declaração assinada pelo senhorio de oposição à sua renovação.
O autor alegou, sob o nº 9: “Em 15/07/2022 o Autor, no exercício dos poderes conferidos pelo cabecelato, remeteu à Ré uma carta registada com aviso de recepção (Doc. ...), através da qual manifestou a sua oposição à renovação do contrato de arrendamento, informando a Ré que o referido contrato terminaria no dia 31/12/2022, ou seja, no final da terceira renovação de três anos”. E no n.º 10. alegou: “A Ré recebeu a carta do Autor em 21/07/2022 (Doc. ...), não tendo respondido à mesma”.
Para prova destes factos juntou apenas o escrito (declaração de que se opunha à renovação), o envelope de expedição através do correio francês, onde consta “fiche de dépôt d’un recommandé internacionale” e a folha extraída da página da internet dos Correios ..., com o resultado da pesquisa de objectos, em que consta que o envio foi aceite, foi encaminhado para o país de destino e foi entregue com sucesso.
Como a ré não contestou, declararam-se confessados os factos articulados pelo autor na petição inicial, nos termos do disposto no artigo 567.º, nº 1 do CPC e determinou-se a notificação das partes nos termos e para os efeitos previstos no art.º 567º nº 2 do CPC, ou seja, para as alegações finais antes de ser proferida sentença.
O art.º 567º nº 1 do CPC diz-nos, que, na ausência de contestação, se consideram confessados os factos articulados pelo autor.
Contudo, há excepções a esta regra, previstas no art.º 568º do CPC.
Assim, a alínea d) deste artigo estabelece que não se aplica o disposto no número anterior quando se trate de factos para cuja prova se exija documento escrito.
Ora, considerando que o envio de carta registada com aviso de recepção é formalidade essencial da comunicação da oposição à renovação do contrato, ao Autor competia ter juntado aos autos tal prova documental, no caso, o registo e o aviso de recepção devidamente assinado.
Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes (art.º 423º do CPC). No caso, com a petição inicial.
Se não forem juntos com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado (n.º 2).
Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como, aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior (nº3).
Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento 425.º do CPC.
A audiência encerrou-se com a apresentação das alegações.
O art.º 567º, nº 2, do CPC não contempla a possibilidade de resposta às alegações, estatuindo “e em seguida é proferida sentença, julgando-se a causa conforme for de direito”.
Nem até essa data, nem posteriormente, o autor apresentou o aviso de recepção.
 Não compete ao juiz notificar a parte para juntar os documentos que deveriam acompanhar a P.I., por serem constitutivos do direito que se arroga, nem encetar diligências no sentido de os obter.
O princípio do inquisitório, previsto no art.º 411º CPC, tem lugar na fase de instrução, que no caso dos autos, face à não apresentação de contestação, se mostra excluída, sendo certo que não se trata de documentos em poder da parte contrária ou de terceiro, ou que o Autor não pudesse apresentar.
Este mesmo princípio também “não permite a derrogação do regime legal estabelecido, designadamente, no art.º 423.º do Cód. Proc. Civil, quanto ao momento para a apresentação e admissão da prova documental, sob pena de violação dos princípios do dispositivo, da preclusão e da autorresponsabilidade das partes”[[3]].
Não tem aqui aplicação o princípio do contraditório, que o CPC consagra no seu artigo 3º, como princípio basilar e estrutural do processo.

Nos termos desse dispositivo legal:
1- O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.
2 - Só nos casos excepcionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida.
3 - O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
Efectivamente, como referimos em vários nos nossos acórdãos, nomeadamente no de 31-10-2019 (Proc. 6980/18.2T8VNF-B.G1) publicado em “www.dgsi.pt”  :
– «Decorre dos princípios vazados na Constituição, mormente do seu art.º 20º, o direito a um processo equitativo.
O direito ao processo equitativo pressupõe a sua estruturação de forma a garantir uma efectiva tutela jurisdicional, o que se concretiza através de outros princípios, entre os quais «o direito de defesa e o direito ao contraditório traduzido fundamentalmente na possibilidade de cada uma das partes invocar as razões de facto e de direito, oferecer provas, controlar as provas da outra parte, pronunciar-se sobre o valor e resultado destas provas» (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. i, 4.ª Edição, Coimbra Editora, 2007, p. 415).
Entre as várias dimensões do princípio do contraditório temos a proibição da indefesa, traduzida não só no direito a impugnar uma decisão, como também na possibilidade de ver apresentada a argumentação antes de uma decisão judicial ser tomada.
Este princípio liga-se à «regra fundamental da proibição da indefesa, de sorte que nenhuma decisão pode ser tomada pelo tribunal sem que previamente tenha sido dada a efectiva possibilidade ao sujeito demandado de a discutir, contestar e valorar».
A que se associa uma dimensão de “influência no juízo, um princípio de participação efectiva das partes no desenvolvimento do litígio, materializado no «direito de cada um a ser ouvido em juízo», preferencialmente antes de a decisão ser tomada (…) «o escopo do princípio do contraditório deixou assim de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à actuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito a incidir activamente no desenvolvimento do processo» (Lebre de Freitas, cit., p. 127).” »

“Influência em juízo” e “participação efectiva” que neste caso concreto não foi sonegada ao aqui recorrente pelo Tribunal “a quo”, pois o Tribunal limitou-se a decidir sobre questão que o mesmo colocou e nos termos por si alegados, em face da prova que lhe competia apresentar e não apresentou.
O juiz não pode substituir-se às partes, nem na alegação dos factos estruturantes da acção, (art.º 3º nº 1 e 5º nº 1 do CPC), nem na apresentação das provas dos factos que o mesmo articulou e que se encontram na sua inteira disponibilidade.
Pelo exposto entendemos que a sentença não padece da assacada nulidade.

B) Da oposição à renovação do contrato
Mesmo que assim não se entendesse e que decidíssemos notificar o Autor, aqui apelante, para juntar aos autos o “aviso de recepção” da carta que enviou opondo-se à renovação do contrato, ou que considerássemos que o facto alegado no art.º 9º da P.I. se encontrava provado por falta de impugnação (confessado), a solução jurídica da presente acção sempre redundaria na sua improcedência, sendo assim inútil a hipotética procedência da questão analisada em A).

Com efeito no contrato de arrendamento clausulou-se:


Ora o Autor enviou a comunicação da oposição à renovação do contrato em 15-07-2022, terminando tal renovação em 31-12-2022, conforme alegado no art.º 9º da P.I., ou seja, com antecedência inferior a um ano.
As normas relativas ao contrato de arrendamento com prazo certo, como é o presente, ressalvam, no tocante à renovação automática, “estipulação em contrário” (ver art.º 1096º do CC) e, no tocante à oposição à renovação deduzida pelo senhorio (art.º 1097º do CC), apenas prevêem prazos mínimos, ou seja, só é imperativa no tocante ao prazo mínimo para o exercício do direito. Nada impedindo que se convencione um prazo superior, como sucedeu no caso.
Assim, a cláusula contratual quarta (sendo indiferente se a mesma se limitava a replicar o regime legal então vigente ou não, pois, a partir do momento em que foi inserida no contrato traduz a vontade das partes), só se poderia considerar nula e, por isso, inaplicável, se previsse um prazo para o senhorio se opor à renovação inferior aos elencados nas alíneas do nº 1 do art.º 1097º do Código Civil.
Sendo o prazo superior, tal cláusula é válida.
A questão tem sido analisada por vários autores e pela jurisprudência, sobretudo no tocante à aplicação no tempo do disposto no art.º 1097º do CC e, especificamente, do seu nº 3, nunca se tendo suscitado dúvidas, nem na doutrina, nem na jurisprudência, até pelo elemento literal do citado nº 1 do art.º 1097º, da possibilidade de as partes estipularem prazos superiores. A norma apenas impõe que se respeite o prazo mínimo que fixa, abaixo do qual cede a convenção das partes. Mas se for superior, prevalece o convencionado.
Em sentido similar se pronunciou este Tribunal da Relação no Acórdão de 23-3-2023 (1824/22.3T8VCT.G1), relatado por Raquel Batista Tavares, bem como o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 12-7-2023 (19506/21.1T8PRT-A,.P1) relatado por Ana Paula Amorim, entre muitos outros, debruçados essencialmente sobre as questões supra referidas e, especificamente sobre a questão dos autos, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08-02-2022 (966/21.7YLPRT.L1-7), publicado em www.dgsi.pt  (citado na sentença recorrida), onde se lê:
A imperatividade do art.º 1097 do C.C. não abarca o estabelecimento de prazos mais alargados dos aí previstos quanto à antecedência da comunicação, pelo senhorio ao inquilino, da oposição à renovação do contrato de arrendamento, devendo considerar-se aplicável, por isso, o prazo de antecedência superior, de um ano, previsto para o efeito no contrato celebrado.
Pelo exposto improcedem as conclusões do apelante, impondo-se confirmar a sentença recorrida.

V - DELIBERAÇÃO

Nestes termos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.
Guimarães, 22-02-2024

Eva Almeida      
Alexandra Rolim Mendes
Raquel Batista Tavares


[1] Acórdão do TRE de 18-10-2018 (937/15.2T8TMR.E1) e Acórdão do TRC de 2-5-2023 (5576/17.0T8CBR-B.C1), publicados em dgsi.pt, publicados in dgsi.pt
[2] A este propósito veja-se o comentário de Miguel Teixeira de Sousa in https://blogippc.blogspot.com/2019/04/jurisprudencia-2018-208.html
Bem como, em Manual do Processo Civil”, AAFDL Editora - 2022, Vol. I, p.632-633, de João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, onde referem, que, a nulidade prevista na al. d), do nº1, do art.º 615º – quando conheça de questões de que não podia tomar conhecimento –, tanto abarca a não possibilidade absoluta de conhecimento de uma questão, se o tribunal não pode conhecer, em circunstância alguma, dessa questão (por ex., quando a questão não foi levantada entre as partes e não é de conhecimento oficioso), como quando o tribunal não pode conhecer, em certas condições, dessa questão, mas poderia conhecê-la em outras circunstâncias [por ex., não pode conhecer da falta de um pressuposto processual sanável sem convidar a parte a suprir o vício (art. 6º, nº2) ou o tribunal não pode proferir uma decisão surpresa (art.3 nº3), mas pode decidir com base num fundamento não alegado depois de ouvir as partes.
[3] Acórdão do TRP de 25-10-2023 (1585/22.6T8GMR-A.P1) publicado em www.dgsi.pt