Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4375/21.0T8VNF-A.G1
Relator: MARIA AMÁLIA SANTOS
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
CONTRADIÇÃO
AMBIGUIDADE
ININTELIGIBILIDADE
SUBSTITUIÇÃO AO TRIBUNAL RECORRIDO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/01/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- É nula a sentença proferida por contradição entre os fundamentos e a decisão (art.º 615º nº1, alínea c) do CPC). II- Não é de suprir esse vício na Relação, nos termos do art.º 665º nº1 do CPC, quando o sentido da decisão for ambíguo, e se tornar o mesmo ininteligível para os seus destinatários. III- Deverá então remeter-se o processo à primeira instância para que a nulidade seja aí suprida pelo tribunal que proferiu a decisão.
Decisão Texto Integral:
Relatora: Maria Amália Santos
1º Adjunto: Jorge Santos
2ª Adjunta: Maria da Conceição Bucho
                                                     
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Por apenso à execução de sentença que lhe movem AA, BB, e CC, vieram os Executados, DD, e EE, deduzir oposição à execução mediante embargos, pedindo a procedência dos Embargos e a condenação dos Exequentes como litigantes de má fé, em multa a favor do tribunal em montante não inferior a 2.500,00€, e a favor dos executados em igual montante.
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Alegam para tanto em síntese, que as obras em que foram condenados foram integralmente realizadas. E que embora não tivessem sido todas concluídas até à data fixada de 31-05-2021, por tal não ter sido possível em face da complexidade de algumas delas, foram sempre mantidas conversações entre os mandatários das partes e concedido aos Executados prorrogações de prazo de conclusão, até ao dia 19 de junho, data em que ficaram prontas.
Concluem, assim, que os Exequentes agem manifestamente de má fé.
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Notificados, os Exequentes/Embargados vieram apresentar contestação, mantendo que os Executados não cumpriram o que ficou acordado em sentença, nem no tempo estipulado na mesma. Afirmam ainda desconhecer os contactos existentes entre o seu Mandatário, que os representou na ação declarativa, e os Executados.
Mais referem que durante o decurso da obra o mandatário dos exequentes se deslocou à obra duas vezes, sendo que na segunda vez verificou que faltavam executar alguns trabalhos. Pelos executados foram pedidos mais 10 dias para concluir os trabalhos identificados, ao que os exequentes se opuseram, pois o prazo em muito já havia sido excedido.
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Tramitados regularmente os autos foi proferida a seguinte decisão:
“IV. Decisão:
Pelo exposto julgo parcialmente procedentes os presentes embargos de executado;
a) Determino o prosseguimento da execução para a realização da seguinte obra: - demolição do canto com arestas de 1,20 m e 2,86 m que extravasa a linha delimitadora que consta das plantas da perícia efectuada nos autos declarativos, e que corresponde a uma área da cozinha.
b) Considerando que os Embargantes procederam à realização das obras em que foram condenados, com exceção dos trabalhos referidos em a), em 19-06-2021, e, em consequência reduzo a sanção pecuniária compulsória fixada para os €10,00 a contar de 20-06-2021.
c) Condeno Embargante2 e Embargado(a)(s) nas custas, na proporção dos respectivos decaimentos que fixo em 20% e 80% respectivamente.
Registe, notifique e comunique ao (à) Sr. (ª) Agente de Execução”.
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Não se conformando com a decisão proferida, dela vieram os embargantes interpor o presente recurso de Apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

“1º A sentença de que se recorre padece de nulidade, por ter condenado em objeto diferente, excedendo o âmbito da pronuncia, nos termos do disposto no artigo 615º nº 1, alínea d) e e), do CPC, devendo, em conformidade, anular - se a decisão nessa parte, porquanto;
2º Os Exequentes deram entrada da presente execução com vista ao pagamento da quantia de 6.000,00€, cujo valor pretendem seja atualizado em 100,00€ por cada dia até ao trânsito em julgado desta decisão – único pedido que formulam.
3º No entanto, excedendo os seus poderes, o Tribunal quo condenou os executados em objeto diverso, ao determinar o prosseguimento da execução com vista à demolição da obra que concretiza na decisão, alínea a).
4º Ora, como se disse, a pretensão dos exequentes cinge-se, de forma clara e inequívoca, ao pagamento de determinada quantia que alegam ter direito e não a qualquer prestação de facto – execução de qualquer obra seja de construção/de demolição, ainda que realizada por terceiros.
5º Nessa medida, aquela decisão é nula, devendo ser revogada naquela parte, o que expressamente se requer.
6º A sentença de que se recorre, padece ainda de nulidade nos termos do disposto no artigo 615º nº 1, alínea c), porquanto, os Embargantes peticionaram a condenação dos Exequentes como litigantes de má fé.
7º Da sentença que ora se recorre, fez o douto Tribunal a quo constar da sua fundamentação, fundada em factos que deu como provados, que os Exequentes litigam neste autos de má- fé, não surgindo dúvidas quanto à fundamentação, raciocino jurídico e factual formulado pelo julgador na apreciação dos factos e subsunção jurídica, quanto ao pedido formulado pelos Executados.
8º Da sua fundamentação fez o Tribunal a quo constar que “Cremos por isso, que devem os Exequentes ser condenados como litigantes de má - fé no pagamento de uma multa processual que se fixa em 6 UC (…) . Impõe-se, ainda, condenar os embargantes/executados no pagamento de uma indemnização à parte contrária. ( …) Em face do que fica sobredito, tomando em consideração a dimensão da litigância de má-fé, dos Embargados(a)(s) entende-se ser razoável e adequado fixar em 5UC a indemnização devida aos Exequentes por via da apontada litigância de má-fé.”
9º Não obstante a sua fundamentação, o Tribunal a quo não fez constar da sua decisão/não condenou aos Exequentes como litigantes de má-fé e nos termos que melhor consta da sua fundamentação, ocorrendo, desta forma, nulidade da sentença, nesta parte, já que os fundamentos estão em oposição com a decisão, devendo suprir-se nesta parte, condenando-se os Exequentes como litigantes de má-fé e nos termos a que se alude em 8º destas conclusões.
10º Ainda que assim se não entenda, o que não se concebe, sempre a sentença seria nesta parte nula por omissão de pronuncia, nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea d), já que o douto Tribunal a quo não se pronunciou, na decisão final, quanto ao pedido formulado pelos Exequentes quanto à litigância de má-fé, nulidade que expressamente se invoca.
11º Decidiu o Tribunal a quo julgar parcialmente procedente os embargos, determinando o prosseguimento dos embargos quanto à demolição de um canto com arestas de 1,20m e 2,86m, que extravasa essa linha delimitadora, e que corresponde a uma área da cozinha, e consequentemente, na condenação dos mesmos no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória no montante de 10,00€ a contar desde 20-06-2021, data do então incumprimento.
12º O Tribunal a quo, deu, ainda, e erradamente como não provado, o cumprimento do vertido na cláusula Décima Primeira do titulo dado à execução, ao considerar que os Executados não avisaram com antecedência de 15 dias os exequentes do início dos trabalhos.
13º Deu ainda como não provado as várias comunicações havidas entre I. Mandatários alegadas no requerimento inicial, por considerar que as mesmas comunicações/documentos nunca foram juntos aos autos, nem podiam, já que se encontravam abrangidos pelo sigilo profissional do advogado e o Conselho Regional da Ordem dos Advogados não autorizou o seu levantamento.
14º Nessa medida, toda essa prova documental, validamente junta aos autos não foi, erradamente, valorada/apreciada, efetuado qualquer juízo critico sobre a mesma pelo Tribunal a quo e que, caso fosse, levaria a decisão diversa.
15º A aludida prova documental (emails e anexos) a que se alude na oposição, e respetiva autorização de dispensa do sigilo profissional pela Ordem dos Advogados foi junta no dia 02 de dezembro de 2021, (referência ...33), e 03 de fevereiro de 2022 (referência ...08) como resulta dos autos, pelo que deveria ter sido valorada pelo Tribunal – tendo o executado EE nas suas declarações de parte, sido confrontado com tais documentos (emails e anexos).
16º Os Exequentes foram notificados para o exercício do contraditório não tendo impugnado o teor daqueles documentos e anexos.
17º E, nessa medida, o Tribunal a quo deveria ter dado como provado a existência das várias comunicações havidas entre os II. Mandatários das partes e que vêm alegadas no requerimento inicial, estando, assim, incorretamente julgado este facto, o qual deveria ter sido julgado como provado.
18º E, consequentemente e entre o mais, que os executados informaram os exequentes com pelo menos 15 dias de antecedência do início das obras – para cumprimento da cláusula décima primeira – doc nº 1 e 2 ( email) junto em 2 de dezembro de 2021 e 3 de fevereiro de 2022, estando, assim, incorretamente julgado este facto.
19º Deu o Tribunal a quo como não provado que os Exequentes tivessem autorizado os Executados a não procederam à demolição da construção que extravasa a linha delimitadora que consta da planta da perícia realizada nos autos declarativos/titulo executivo, designadamente quanto ao canto da cozinha.
20º Ora, o Tribunal a quo está manifestamente em erro, porquanto, a não demolição da construção que extravasa a linha delimitadora e que corresponde a um canto da cozinha ficou a constar expressamente do acordo judicial/ do titulo dado à execução.
21º Em momento algum do processo, os Executados alegam terem proposto aos Exequentes a não demolição da construção que excedesse a referida linha delimitadora e naquela parte.
22º Resulta, expressamente, do titulo dado à Execução, na cláusula QUARTA que “Os Réus obrigam-se a proceder à demolição com respeito pela linha delimitadora que consta das plantas dessa perícia e que constam de fls. 5 a 9 do relatório de peritagem, com exceção da parte da construção que corresponde ao atual alinhamento das paredes exteriores delimitador do canto da cozinha”.
23º As referidas paredes/ arestas, excediam a linha divisória, mas ficou expressamente ressalvada - excecionou-se a sua não demolição – não tinham de ser demolidas e, consequentemente, o canto/área da cozinha, cuja área em si não ficou a constar do acordo judicial já que irrelevante, pois o limite da demolição seria sempre o alinhamento das paredes exteriores da cozinha, sendo irrelevante a área que excedia.
24º Os próprios Exequentes, no seu requerimento executivo alegam que “BEM COMO A DEMOLIR NA VERTICAL TODA A CONSTRUÇÃO NESTA DATA EXISTENTE, DESIGNADAMENTE VARANDA, PILAR E SUPORTE DESTA E COBERTURA DESSA VARANDA QUE SE SITUE PARA ALÉM DA REFERIDA PAREDE DELIMITADORA DA COZINHA DO LOGRADOURO DO PRÉDIO DOS AUTORES.
25º No seu articulado de resposta/contestação ( ponto 15) os Exequentes confessam que “ Assim, e durante o decurso da obra, o mandatário dos exequentes deslocou-se á obra duas vezes, sendo que na segunda vez verificou que faltava fechar a janela, construir o parapeito de 1.5m de altura da varanda de um ponto que se situe a mais de 1,5m da extrema, construir o parapeito de 1,5m do terraço do 1º andar e colocar a rede e substituir a que esta cortada ou esmagada, quer no terreno quer no socalco”. – tendo a deslocação ocorrido no dia 28 de Maio de 2022 – doc nº 4 junto em 2 de dezembro de 2021 e 3 de fevereiro de 2022.
26º Daqui resulta de forma clara e inequívoca que os Executados tinham cumprido, pelo menos, com o demais – não sendo feita qualquer referência ao aludido canto, já que se encontrava conforme o acordado em sede de ação declarativa/titulo executivo.
27º Aquando da ida do Sr. Dr. FF ao local – em 28 de maio de 2021, vid doc nº 4 ( email remetido pelo I. Mandatário) - era perfeitamente e inequivocamente percetível a não demolição das referidas arestas/canto/área – mas porque em conformidade com o titulo, nada foi referido no email a que se alude por aquele Sr. Mandatário ( nem pelos Exequentes), documentos que o douto Tribunal, erradamente, não valorou e deveria ter valorado – reitere-se que nunca foram impugnados.
28º Era absolutamente percetível, in locu, a não demolição do referido canto que excedia a linha delimitadora, ( e esteticamente falando), e também nas fotos/imagens remetidas, do qual também resulta pela conclusão dos trabalhos realizados na varanda com a sua demolição parcial e a subsistência/permanência do referido canto, que corresponde a parte da construção que corresponde ao atual alinhamento das paredes exteriores delimitador do canto da cozinha” ( cláusula QUARTA do titulo dado à execução).
29º A ida ao local pelo Sr. Mandatário ocorreu na sequência da comunicação efetuada por email datado de 26 de maio de 2021, informando que as obras já se encontravam concluídas, solicitando que o mesmo verificasse se estava tudo em conformidade. Conforme doc nº 3 juntos aos autos em 02 de dezembro de 2021 e 3 de fevereiro de 2022 – tendo aquele I. Mandatário respondido por email – vid o aludido doc nº 4.
30º De seguida foram trocados diversos emails entres os mandatários com vista à concessão de prazo adicional, o que foi concedido . vid doc nº 5, 6, 7,8 e 9 e imagens anexas juntos aos autos em 02 de dezembro de 2021 e 3 de fevereiro de 2022, sem nunca ser feita qualquer alusão ao dito canto, sendo estes, de resto, bem visível no local.
31º No dia 22 de junho de 2021, é remetido pela Mandatária email ao I. Mandatário dos Exequentes, informando-o que as obras tinham ficado concluídas no dia 19, remetendo algumas imagens, tendo obtido como resposta, “Pelas fotos parece-me tudo realizado como conversámos. Os meus Clientes nada disseram até hoje , nem reclamaram nada, pelo que penso estar tudo realizado. Caso assim não seja, o que me parece não ser o caso, entro em contacto.” Conforme doc nº 9 e imagens anexas juntos aos autos em 02 de dezembro de 2021 e 3 de fevereiro de 2021.
32 º Pelo que se encontra incorretamente julgado a aqui mencionada alínea d) dos factos dados como não provados, isto é, e do que se pode daquele extrair - que os Exequentes e Executados tenham acordado na não demolição quanto ao canto da cozinha que excede a linha delimitadora que consta das plantas da perícia realizada nos autos declarativos e que disso não fizeram prova – na verdade não tinham de fazer, pois essa questão nunca foi levantada.
33º Tal como se incorretamente julgado o ponto nº 4, dos factos dados como provados, parte final – pelo menos no sentido que o Tribunal a quo lhe atribui – e com base no qual determina o prosseguimento dos autos para demolição daquela área.
34º O Tribunal funda ainda a sua convicção nos relatórios periciais juntos aos autos.
35º No entanto, faz um errada interpretação das respostas dadas, em conjunção com a Cláusula QUARTA do titulo executivo e demais prova, nomeadamente, documental e confessória.
36º Sendo que a resposta aos quesitos e nesta parte em nada contrairia o vertido na Cláusula QUARTA do titulo dado à execução – confirmando apenas o seu integral cumprimento.
37º A primeira perícia realizada, e nesta parte, confirma que, Com exceção da linha delimitadora das paredes exteriores da cozinha, não existe construção que exceda a referida linha.”
38º Relativamente à segunda perícia, e nesta parte, refere o Sr. Perito que “Portanto, pode dizer-se que, com exceção do canto da cozinha, foi procedido à demolição com respeito pela linha delimitadora”.
39º Sendo que esta resposta, uma vez mais, não contraria/colide com o vertido na Cláusula QUARTA, porquanto, o que o Sr. Perito fez, foi determinar a área da construção que excedia a linha delimitadora – sendo que, naquela cláusula ( quarta) não se fixou a área que excedia a linha delimitadora, mas impondo-se/excecionando-se como limite de demolição, parte da construção que corresponde ao atual alinhamento das paredes exteriores, delimitadoras da cozinha desse anexo – isto é, o limite da demolição terminava nas paredes exteriores da cozinha, independentemente da área que a construção ( cozinha e paredes) que excedia, ocupasse.
40º Pelo que fez o douto Tribunal uma errada interpretação da prova pericial no que respeita a esta matéria em conjunção com o teor da Cláusula QUARTA do titulo dado á execução.
41º Pelo que andou mal o douto Tribunal a quo ao dar como provado o ponto 4 dos factos provado, nos termos em que o fez, e, consequentemente, ao condenar/decidir nos termos que melhor consta da decisão de que se recorre - alíneas a ) e b ) da decisão.
42º A decisão proferida nos presentes, viola a decisão preferida nos autos de ação declarativa/titulo executivo, ao determinar o prosseguimento da execução nos termos referidos – já que determina/ ordena o seu incumprimento.
43º Pelo que, deveria ser dado como provado que “ Os Executados(a) (s) procederam às demolições referidas na cláusula QUARTA e QUINTA da transação, isto é, com respeito pela linha delimitadora que consta da planta da perícia ai efetuada, com exceção da parte da construção que corresponde ao atual alinhamento das paredes exteriores, delimitadoras da cozinha desse anexo”.
44º Ainda que assim se não entenda, o que não se concebe, parece-nos, quanto a nós e com o devido respeito, que ainda que não ocorra a pretendia alteração da matéria de facto, ( ponto 4) o que não se concebe, a mesma não colide/contraria o vertido na cláusula QUARTA, no sentido em que, ainda assim se pode concluir/afirmar que os Embargados cumpriram integralmente com a obrigação que daquela cláusula resulta, revogando-se a decisão proferida.
45º Decidindo como decidiu, o Tribunal fez uma errada interpretação de toda a prova produzida e no que aos pontos aqui referidos, - matéria de facto provada ( ponto 4, parte final) e matéria de facto dada como não provada que se aludiu neste recurso, - fazendo, ainda, uma errada interpretação do titulo dado à execução, concluindo, erradamente, do mesmo, que os embargantes estavam obrigados a proceder à demolição de um canto com arestas de 1,20m e 2,86m, que extravasa essa linha delimitadora, e que corresponde a uma área da cozinha.
46º Por outro lado ainda, e erradamente, o Tribunal a quo não apreciou /valorou a prova documental legitimamente junta aos autos em 2 de dezembro de 2021 e 3 de fevereiro de 2022, e que, entre o mais, reforça a convicção de que o douto Tribunal interpretou erradamente a Cláusula QUARTA constante do titulo executivo, devendo ser interpretado no sentido de que nada há a demolir.
47º Violou, assim, o disposto no artigo 609º do CPC, 615º, do CPC, 607º, nº 5 do CPC, 619º CPC, o disposto no artigo 341º e 342º do Código Civil e o artigo 413º do CPC.
Termos em que deve (…) ser a decisão proferida nos presentes autos revogada, substituindo-se por outra que condene os exequentes como litigantes de má-fé e nos termos que da fundamentação da sentença consta…”
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Os embargados vieram apresentar Resposta ao recurso, pugnando pela sua improcedência.
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Conclusos os autos à sra. Juíza, nomeadamente para efeitos do disposto no art.º 617º do CPC, pela mesmo foi proferido o seguinte despacho:
“Coligida devidamente a decisão proferida e salvo melhor opinião, não se vislumbra onde possam existir na decisão as nulidades arguidas pelos Embargantes, pelo que, quanto a este particular, considero não haver motivos para reparar o decidido…”.
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Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso (artigos 635º e 639º do CPC), as questões a decidir no presente recurso de Apelação (por ordem lógica de conhecimento) são as seguintes:

I- A de saber se a decisão recorrida é nula, por contradição entre os fundamentos e a decisão, e/ou por omissão de pronuncia (art.º 615º nº 1, alíneas c) e d) do CPC);
II- Se a decisão recorrida é nula por condenação além do pedido (art.º 615º nº 1, alínea e) do CPC);
II- Se é de alterar a decisão da matéria de facto, no sentido propugnado pelos recorrentes; e
III- Se deveriam ser julgados procedentes os embargos.
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Foram dados como provados na primeira instância os seguintes factos:

“1) AA, BB e CC, instauraram, em 28-06-2021, contra os Executados DD e EE a execução com diversas finalidades, apresentando como título executivo a sentença homologatória de transacção, proferida em 16-10-2020, no âmbito do Processo n.º 1214/18...., que correu termos pelo Juízo Local Cível ... - Juiz ..., já transitada em julgado.
2) No requerimento executivo os Exequentes expuseram: «Factos: DECORRE A DECISÃO DOS PRESENTES AUTOS A CONDENAÇÃO DOS EXECUTADOS A CUMPRIR O ESTIPULADO NAS CLÁUSULAS QUARTA, QUINTA, SEXTA, SÉTIMA, OITAVA A DÉCIMA SEGUNDA DA DOUTA ATA DE AUDIENCIA. DO SUPRA EXPOSTO RESULTA QUE OS EXECUTADOS ERAM OBRIGADOS AO SEGUINTE:
- A DEMOLIR COM RESPEITO DA LINHA DELIMITADORA QUE CONSTA DAS PLANTAS;
- A FECHAR A JANELA VOLTADA PARA O TERRENO DOS AUTORES ASSINALADA NO RELATÓRIO DE PERÍCIA, BEM COMO A DEMOLIR NA VERTICAL TODA A CONSTRUÇÃO NESTA DATA EXISTENTE, DESIGNADAMENTE VARANDA, PILAR E SUPORTE DESTA E COBERTURA DESSA VARANDA QUE SE SITUE PARA ALÉM DA REFERIDA PAREDE DELIMITADORA DA COZINHA DO LOGRADOURO DO PRÉDIO DOS AUTORES;
- A RETIRAR TODAS AS TUBAGENS IMPLANTADAS NO TERRENO DOS AUTORES;
- APÓS AS DEMOLIÇÕES ATRÁS REFERIDAS, OS RÉUS OBRIGAM-SE AINDA A CONSTRUIR PARAPEITO COM PELO MENOS 1,5 M DE ALTURA A DELIMITAR A RESTANTE VARANDA QUE PERMANECE VOLTADA PARA O TERRENO DOS AUTORES;
- A CONSTRUIR MURO DE BLOCOS DE CIMENTO, COM PELO MENOS 1,5 M DE ALTURA A IMPLANTAR NO TERRENO QUE AOS AUTORES PERTENCE, DE MODO QUE O MESMO FIQUE ENCOSTADO E ACOMPANHE A FACE EXTERIOR DA CONSTRUÇÃO DOS RÉUS, APÓS DEMOLIÇÕES;
- A CONSTRUIR TOTALMENTE À SUA CUSTA E COM IMPLANTAÇÃO NOS LIMITES DO SEU TERRENO UM MURO DE VEDAÇÃO DE 1,5 M DE ALTURA EM BLOCOS, RESPEITANDO O ALINHAMENTO EM LINHA RETA QUE CONSTA DO LEVANTAMENTO TOPOGRÁFICO;
- A RETIRAR TODO O ENTULHO OU RESTO DE MATERIAIS QUE RESULTEM DAS OBRAS A REALIZAR, TOTALMENTE À SUA CUSTA;
- SE PARA AS REFERIDAS OBRAS FOR NECESSÁRIO PASSAR OPERÁRIOS, MATERIAIS OU MAQUINARIA PELO TERRENO DOS AUTORES (AQUI EXEQUENTES) ESTES DÃO DESDE JÁ O SEU CONSENTIMENTO NOS TERMOS DO ARTIGO 1349.º DO CC, SEM PREJUÍZO DOS RÉUS DEVEREM AVISAR COM ANTECEDÊNCIA DE 15 DIAS OS AUTORES E INDEMNIZAR A ESTES SE ALGUM DANO CAUSAREM NAS CULTURAS, A PARTIR DE 30/04/2021;
- A REALIZAR TODAS AS OBRAS ACIMA REFERIDAS ATÉ 31/05/2021, FICANDO AINDA ESTABELECIDO UMA CLÁUSULA PENAL DE 100,00 EUROS POR CADA DIA DE INCUMPRIMENTO;
- E, EM CASO DE INCUMPRIMENTO, ESTÃO OBRIGADOS A PAGAR A QUANTIA DE 100,00 EUROS POR DIA A CONTAR DO DIA 30/4/2021.
ASSIM, OS EXECUTADOS ENCONTRAM-SE EM INCUMPRIMENTO, E DEVEM LIQUIDAR A QUANTIA DE 6.000,00 EUROS, CUJO VALOR SERÁ ATUALIZADO EM 100,00 EUROS POR CADA DIA ATÉ AO TRÂNSITO EM JULGADO DESTA DECISÃO.»
3) A transacção alcançada pelas partes no processo declarativo e homologada pela sentença oferecida à execução, tem o seguinte teor:
«PRIMEIRA
Autores e réus declaram que os autores são donos e proprietários do prédio identificado no nº 1 da petição inicial e que aos réus pertence a parcela de terreno identificada no nº 16 da petição inicial.
SEGUNDA
Definitivamente autores e réus reconhecem ser a linha divisória de tais prédios aquela que foi demarcada no processo nº ...01 do extinto ... juízo cível deste Tribunal, conforme doc. nº ... junto com a petição inicial.
TERCEIRA
Os réus reconhecem que a perícia realizada nestes autos a fls. 230 e seguintes datada de 18/7/2019 corresponde ao levantamento topográfico da parte das construções de um anexo por parte dos réus, na parte em que invade o logradouro do prédio dos autores.
QUARTA
Os réus obrigam-se a proceder à demolição com respeito da linha delimitadora que consta das plantas dessa perícia e que constam das fls. 5 e 9 do relatório de peritagem, com exceção da parte da construção que corresponde ao actual alinhamento das paredes exteriores, delimitadoras da cozinha desse anexo.
QUINTA
Mais se obrigam os réus a fechar a janela voltada para o terreno dos autores assinalada nesse mesmo relatório de perícia nas referidas fls 5 e 9, bem como a demolir na vertical toda a construção nesta data existente, designadamente varanda, pilar e suporte desta e cobertura dessa varanda que se situe para além da referida parede delimitadora da cozinha e linha delimitadora do logradouro do prédio dos autores.
SEXTA
Também se obrigam os réus a retirar todas as tubagens implantadas no terreno dos autores e representadas na planta da perícia de fls. 9, de modo a que não ocupem qualquer área do terreno dos autores.
SÉTIMA
Após as demolições atrás referidas os réus obrigam-se ainda a construir parapeito com pelo menos 1,5 m de altura a delimitar a restante varanda que permanecer voltada para
o terreno dos autores.
OITAVA
Para rematar as referidas demolições os réus obrigam-se ainda, totalmente à sua custa, a construir muro de blocos de cimento, com pelo menos 1,5 m de altura a implantar no terreno que aos autores pertence, de modo que o mesmo fique encostado e acompanhe a face exterior da construção dos réus, após demolições e ao longo da linha tracejada identificada na mesma planta de fls. 9 do relatório da perícia, muro que terá um acabamento de cerzite a cimento pelo seu lado exterior, podendo colocar material de isolamento entre o muro e a casa, ficando este muro exclusivamente nessa parte propriedade dos autores.
NONA
Os réus obrigam-se ainda a construir totalmente à sua custa e com implantação nos limites do seu terreno, ficando por isso também deles proprietários, um muro de vedação de 1,5 m de altura em blocos, respeitando o alinhamento em linha reta que consta do levantamento topográfico do processo de demarcação.
DÉCIMA
Os réus obrigam-se ainda a retirar todo o entulho ou resto de materiais que resultem das obras a realizar, totalmente à sua custa.
DÉCIMA PRIMEIRA
Se para as referidas obras for necessário passar operários, materiais ou maquinaria pelo terreno dos autores estes dão desde já o seu consentimento nos termos do art. 1349º do C.C., sem prejuízo dos réus deverem avisar com antecedência de 15 dias os autores e indemnizar a estes se algum dano causarem nas culturas, a partir de 30/4/2021.
DÉCIMA SEGUNDA
Os réus obrigam-se a realizar todas as obras acima referidas até 31/5/2021, ficando ainda estabelecido uma cláusula penal de € 100,00 por cada dia de incumprimento.
DÉCIMA TERCEIRA
Os autores declaram que só lavrarão o seu prédio a partir de 30/4 inclusive, pelo que a autorização acima referida na cláusula 11) é válida até esta data.
DÉCIMA QUARTA
Face ao acordado, e condicionado à realização de todas as obras acima expostas, os autores declaram que reconhecem, assim como os réus, que a linha delimitadora dos 2 prédios passa a ser aquela que resulta no identificado processo nº ...01, com a alteração que corresponde à face exterior da parede da cozinha referida na cláusula 4), que os autores reconhecem ser propriedade dos réus.
DÉCIMA QUINTA
Os réus desistem do pedido reconvencional.
DÉCIMA SEXTA
Custas em partes iguais.»
4) Os Executado(a)(s) procederam às demolições referidas na cláusula QUARTA e QUINTA da transacção, isto é, com respeito da linha delimitadora que consta das plantas da perícia aí efectuada, com exceção de um canto com arestas de 1,20 m e 2,86 m que extravasa essa linha delimitadora, e que corresponde a uma área da cozinha.
5) Os Executado(a)(s) retiraram as tubagens referidas na cláusula SEXTA da transacção.
6) Na varanda voltada para o tereno dos Exequentes (referida na cláusula SÉTIMA da transacção) os Executados procederam à sua vedação numa parte inicial, na zona do recorte, por vidro fosco até ao teto; numa parte seguinte por chapa de policarbonato (material translúcido, semelhante a vidro fosco) numa altura mínima de 1,60 m, situando-se o términus do parapeito a cerca de 1,60cm do prédio dos Exequentes.
7) Os Executado(a)(s) construíram no terreno dos Exequentes o muro de vedação referido na cláusula OITAVA da transacção, em bloco de cimento rebocado com 1,565m de altura, que respeita o alinhamento constante do levantamento topográfico realizado no processo declarativo.
8) E construíram o muro referido na cláusula NONA da transacção, respeitando o alinhamento do levantamento topográfico realizado na acção declarativa.
9) Os Executados, uma vez terminada a obra retiraram os entulhos e materiais dela resultantes.
10) Os Exequentes e os Executado(a)(s) são todos familiares entre si existindo entre eles um clima de grande conflituosidade;
11) Pelo que, no decurso das obras fixadas na sentença, as comunicações e conversações decorreram entre mandatários das partes, sendo que no que respeita aos Exequente estes foram representados pelo Sr. Dr. FF, na ação declarativa.
12) Os Executado(a)(s) presenciaram a realização das obras.
13) Na primeira semana de Maio os Exequentes procederam ao cultivo dos seus campos.
14) No dia 19 de Junho os Executados terminaram as obras que acima se deram como provadas.
15) No dia 23 de junho de 2021 os Executado(a)(s) remeteram carta registada, com AR, para a morada dos Exequentes, comunicando-lhes a conclusão dos trabalhos.
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2.2. Matéria de Facto não Provada

Não se provaram quaisquer outros factos, designadamente, não se provou:
- que os Executado(a)(s) houvessem avisado os Exequentes, em 23 de Março de 2021, através do seu mandatário, que iriam iniciar os trabalhos;
- que a 30 de Abril os Exequentes já houvessem cultivado o seu campo;
- as várias comunicações havidas entre os Il. Mandatários das partes e que vêm alegadas no requerimento inicial;
- que em face da complexidade da obra, - demolição de parte da varanda, entre o mais - foram surgindo situações/imprevistos que não foram contemplados aquando da redação do acordo, tendo os Executado(a)(s) (…) autorizado a realização de obras distintas daquelas que constam da sentença oferecida à execução, designadamente quanto ao canto da cozinha que excede a linha delimitadora que consta das plantas da perícia realizada nos autos declarativos;
-que os Exequentes houvessem dificultado constantemente a realização dos trabalhos”.
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I- Da nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão:

Alegam os recorrentes que a sentença recorrida padece de nulidade, por contradição entre os fundamentos e a decisão, nos termos do artigo 615º nº 1, alínea c), porquanto os Embargantes peticionaram a condenação dos Exequentes como litigantes de má fé, questão que foi apreciada e decidida pelo tribunal recorrido, não ficando, no entanto, a constar da Decisão final a condenação daqueles como tal.
Dizem que o tribunal a quo fez constar da fundamentação da decisão recorrida, fundada em factos que deu como provados, que os exequentes litigam nestes autos com má-fé, mas não fez constar tal decisão no dispositivo da sentença, isto é, não condenou os exequentes como litigantes de má-fé, ocorrendo, desta forma, nulidade da sentença nesta parte, já que os fundamentos estão em oposição com a decisão, devendo suprir-se a nulidade da decisão, condenando-se aqueles em conformidade.
Ainda que assim se não entenda, o que não se concebe, sempre a sentença seria nula nesta parte, por omissão de pronuncia, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), já que o tribunal a quo não se pronunciou, na decisão final, quanto ao pedido formulado pelos embargantes quanto à litigância de má-fé dos embargados.
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E temos de concordar com os recorrentes.
Analisada a sentença recorrida, da mesma consta, no ponto 3.3., intitulado “Da litigância de má fé” que “…Os Embargantes pediram a condenação dos Exequentes como litigantes de má fé, em multa a reverter a favor do Tribunal em montante não inferior a 2.500,00€ e a favor dos executados em igual montante (…).
Nos termos do disposto no artigo 542º, nº2, do Código de Processo Civil, diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão de impedir a descoberta da verdade.
No artigo 8º, do mesmo diploma legal, consagra-se o chamado dever de boa-fé ou de probidade processual. A mais grave violação desses deveres consubstancia-se na litigância de má-fé. A má-fé é sancionada com condenação em multa e indemnização à parte contrária, se esta o requerer – cfr. nº1, do artigo 542º, do Código de Processo Civil.
Concernente à indemnização, esta pode consistir no reembolso das despesas a que a má-fé deu causa, aqui se incluindo os honorários do mandatário, bem como na satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência directa ou indirecta da má-fé. O dever de litigar de boa-fé, isto é, com respeito pela verdade, mostra-se como um corolário do princípio do dever de probidade e de cooperação, fixado no artigo 7º, do Código de Processo Civil, para além dos deveres que lhe são inerentes, imposto sempre às respectivas partes.
Se a parte, com propósito malicioso, ou seja, com má-fé material, pretender convencer o tribunal de um facto ou de uma pretensão que sabe ser ilegítima, distorcendo a realidade por si conhecida, ou se, voluntariamente, fizer do processo um uso reprovável ou deduzir oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar – má-fé instrumental – deve ser condenada como litigante de má-fé. Claro está que importa identificar a fronteira entre o processualmente admissível e acto ilícito. Assim, tal sanção apenas tem cabimento nos casos em que se demonstre, pela conduta da parte, que ela quis, conscientemente, litigar de modo desconforme ao respeito devido não só ao tribunal, cujo fim último é a busca em descobrir a verdade e cumprir a justiça, como também ao seu antagonista no processo.
Desta actuação da parte, exige-se – como não podia deixar de ser – que haja dolo ou negligência grave do agente (vide MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, pp.343 e ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, Coimbra, pp.259).
A condenação por litigância de má-fé pode fundar-se, além de numa situação de dolo, em erro grosseiro ou culpa grave.
Mesmo que se esteja entre uma lide dolosa e uma lide temerária, mas não sendo seguros os elementos para se concluir pela existência de dolo, a condenação como litigante de má-fé não se deve operar, entendimento que pressupõe prudência e cuidado do julgador e para existir condenação como litigante de má-fé que se esteja perante uma situação donde não possam surgir dúvidas sobre a actuação dolosa ou gravemente negligente da parte.
A propositura de acção judicial sem fundamento ou a apresentação de contestação que não se mostre apta a abalar os fundamentos da acção não constitui necessariamente facto susceptível de qualificação como litigância de má-fé: esta pressupõe que, ultrapassando questões de incerteza da lei, de dificuldade de apurar os factos ou de os interpretar – factores que poderão levar as consciências mais honestas a afirmarem um direito que não possuem –, o autor formule um pedido a que conscientemente saiba não ter direito, ou que o réu contradiga uma obrigação que conscientemente saiba ter de cumprir; pressupõe, ainda, que tal consciência ou negligência grave decorram de circunstâncias que nesse sentido induzam a convicção do tribunal.
Numa outra perspectiva, a condenação por litigância de má-fé não deve sancionar a simples circunstância de a parte não conseguir provar os factos que alegou, até porque, como se sabe, nem sempre um facto não provado não é verdadeiro.
No caso vertente, os Exequentes apresentam um requerimento executivo em que alegam que os Executados não procederam a qualquer dos trabalhos a que ficaram obrigados na sentença oferecida à execução e peticionam uma cláusula penal como se nenhum trabalho tivesse sido executado.
E já em sede de contestação, mesmo após os Embargantes terem salientado que estes não indicaram os trabalhos que ficaram por fazer, os Exequentes persistem em alegar que aqueles não realizaram as obras a que ficaram obrigados na sentença.
O que originou que se tivesse ordenado a realização de duas perícias, que tiveram por objecto todas as obras em que os Executado(a)(s) foram condenados.
Ora, os Executado(a)(s) não podiam desconhecer que a maior parte das obras já se encontrava realizada desde 19 de junho de 2021, desde logo porque os mesmos presenciaram a realização dessas obras e tratam-se de prédios vizinhos.
Cremos, por isso, que devem os Exequentes ser condenados como litigantes de má-fé no pagamento de uma multa processual que se fixa em 6 UC (cfr. artigo 27º, nºs3 e 4, do Regulamento das Custas Processuais).
Impõe-se, ainda, condenar os embargantes/executados no pagamento de uma indemnização à parte contrária.
O nº1, do artigo 543º, do Código de Processo Civil, em sede de indemnização por litigância de má-fé, prevê duas modalidades: a denominada indemnização simples (cfr. alínea a)), em função da qual quem for condenado como litigante de má-fé deverá liquidar à contraparte o valor das despesas originadas pela litigância de má-fé, incluindo os honorários dos advogados e dos técnicos, e a denominada indemnização agravada (cfr. alínea b)) a qual deverá abarcar essas despesas e os demais prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência directa ou indirecta da má-fé.
Tanto num caso, como no outro, a indemnização incide não sobre a totalidade dos danos que a contraparte possa ter sofrido em consequência do processo, mas apenas sobre aqueles que foram produzidos na sua esfera e que são imputáveis à litigância de má-fé (vide LEBRE DE FREITAS/ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 3ª edição, Março, 2018, p.463).
Por outro lado, cumpre ao juiz optar entre as duas modalidades de indemnização com base na gravidade da infracção perpetrada, fixando a indemnização sempre em quantia certa (cfr. artigo 543º, nº2, do Código de Processo Civil).
No caso vertente optaremos pela denominada indemnização simples.
A propositura da execução contra os Embargantes, alegando que estes não haviam procedido a qualquer obra, quando estes tinham realizado praticamente tudo a que se obrigaram, para além do transtorno que provoca, exigiu da parte daquela um esforço, designadamente, processual, com vista a demonstrar o cumprimento.
De todo o modo, não pode olvidar-se que ainda assim os Embargos de Executado procedem apenas parcialmente pois que se comprovou que os Executado(a)(s) não demoliram o canto da cozinha que ultrapassa a linha delimitadora dos prédios.
Em face do que fica sobredito, tomando em consideração a dimensão da litigância de má-fé dos Embargado(a)(s) entende-se se ser razoável e adequado fixar em 5 UC a indemnização devida aos Exequentes por via da apontada litigância de má-fé (…).
IV. Decisão
Pelo exposto julgo parcialmente procedentes os presentes embargos de executado;
a) Determino o prosseguimento da execução para a realização da seguinte obra: - demolição do canto com arestas de 1,20 m e 2,86 m que extravasa a linha delimitadora que consta das plantas da perícia efectuada nos autos declarativos, e que corresponde a uma área da cozinha.
b) Considerando que os Embargantes procederam à realização das obras em que foram condenados, com exceção dos trabalhos referidos em a), em 19-06-2021, e, em consequência reduzo a sanção pecuniária compulsória fixada para os €10,00 a contar de 20-06-2021.
c) Condeno Embargante2 e Embargado(a)(s) nas custas, na proporção dos respectivos decaimentos que fixo em 20% e 80% respectivamente…”.
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Como se vê da sentença proferida, há uma evidente contradição entre os fundamentos da decisão e a decisão propriamente dita, ou seja, a sua parte dispositiva.
Nos termos do art.º 607º nº 2 e 3 do CPC, inserido no capítulo referente à “Elaboração da sentença”, “A sentença começa por identificar as partes e o objeto do litígio, enunciando, de seguida, as questões que ao tribunal cumpre solucionar. Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final”.
E nos termos do art.º 615º nº1, alínea c) do mesmo Código, “a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão…”, o que nos remete para o princípio da coerência lógica da sentença, de que não pode haver entre os fundamentos e a decisão contradição lógica. Não está em causa o erro de julgamento, quer quanto aos factos, quer quanto ao direito aplicável, mas antes a estrutura lógica da sentença, ou seja, quando a decisão proferida seguiu um caminho diverso daquele que apontava os seus fundamentos (Ac. da RE de 3.11.2016 (disponível em www.dgsi.pt).
Sobre a nulidade da sentença, prevista na alínea c) do citado art.º 615º do CPC, escreve Lebre de Freitas (“A Ação Declarativa Comum”, 4ª ed., pág. 381/2) que “Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se na fundamentação da sentença o julgador segue determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decide noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição é causa de nulidade da sentença…”
Efetivamente, ao consagrar este regime de nulidades, visou a lei nelas incluir todas as situações em que a construção ou elaboração da sentença se encontra viciada, por virtude dos fundamentos nela mencionados conduzirem, inelutavelmente, a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente, daquela que foi tomada (Amâncio Ferreira, “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 9ª edição, p. 56.).
Isto considerado, e revertendo à situação em análise, da leitura da sentença proferida (cujo trecho transcrevemos) descortina-se na mesma essa evidente contradição lógica entre os fundamentos e a decisão, sendo bem percetível pelos fundamentos da mesma que foi entendimento do tribunal recorrido que os exequentes merecem ser sancionados como litigantes de má-fé. No entanto, não se condenou os mesmos como tal, omitindo-se essa condenação do dispositivo da sentença, equivalendo essa omissão, em nosso entender, a uma decisão diversa ou contraditória com os fundamentos enunciados, à luz da coerência lógica esperada da estrutura da decisão.
Afigura-se-nos assim ser manifesta a nulidade da sentença, por contradição entre os fundamentos e a decisão.
Como bem se refere no recente Ac. desta RG de 28.9.2023 (relatado pela Sra. Desembargadora Conceição Bucho, ora 2ª adjunta, processo 1385/22.3T8FAF-G1), “Conforme jurisprudência do S.T.J., tem-se entendido que essa nulidade está relacionada, por um lado, com a obrigação imposta pelos artºs 154º e 607º nºs. 3 e 4, de o Juiz fundamentar os despachos e as sentenças e, por outro, pelo facto de a Sentença dever constituir um silogismo lógico-jurídico, em que a decisão deverá ser a conclusão lógica da norma legal com os factos…”
A contradição entre os fundamentos e decisão surge, assim, quando a análise da lei e/ou a subsequente argumentação jurídica estão em oposição com a resolução jurídica do caso, mais precisamente a sua parte dispositiva. Tais situações correspondem a antinomias jurídicas entre a tese e a conclusão, porquanto a primeira aponta para um caminho e a segunda acaba por seguir e findar noutro, gerando um paradoxo decisório, tornando este absurdo ou despropositado.
Ora, perante tudo quanto fica exposto, e sem necessidade de maiores considerações, parece-nos evidente a nulidade existente entre os fundamentos da sentença e a sua decisão (a sua parte dispositiva).
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Aqui chegados, cumpre chamar à colação a norma do art.º 665º nº1 do CPC, sob a epígrafe “Regra da substituição ao tribunal recorrido”, relacionada com o suprimento da nulidade, a qual estabelece que “Ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação”.
Colhe-se da norma legal em análise que não ocorre um efeito “invariável” de remessa imediata do processo para o tribunal a quo, devendo a Relação proceder à apreciação do objeto do recurso, salvo se não dispuser dos elementos necessários para o efeito, já que só «nesta eventualidade se justifica a devolução do processo para o tribunal a quo» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, julho de 2013, pág. 261).
Ou seja, a nulidade da decisão recorrida (na parte afetada) não determina necessariamente a baixa dos autos à 1ª instância, cabendo a este tribunal, no exercício dos poderes de substituição que a lei lhe confere (art.º 665º nº 1 do CPC) suprir essa nulidade, mediante a prolação da decisão que se impunha proferir, se os autos contiverem todos os elementos necessários à decisão da causa (Ac. desta RG, de 17.12.2018, disponível em www.dgsi.pt).
Outras situações, porém, podem obstar a que o tribunal de recurso supra a nulidade detetada e profira decisão sobre o objeto do recurso, sendo uma delas a de, por essa via, poder coartar à parte contrária o direito ao recurso (que eventualmente poderia exercer).
Vejamos:
A contradição verificada na sentença entre os seus fundamentos e a decisão, pode tornar a sentença também nula por ambiguidade ou obscuridade que a tornem ininteligível perante os seus destinatários (art.º 615º nº1, alínea c), parte final), sendo certo que, no que diz respeito à ambiguidade ou obscuridade conducente à ininteligibilidade decisória, estas características tanto dizem respeito à fundamentação, como à própria decisão.
Acresce que, como bem refere Lebre de Freitas (A Ação Declarativa Comum, à luz do CPC de 2013, 3ª ed. pág. 334, nota 48ª), e resulta da própria redação do art.º 615º nº1, c) do CPC, a ambiguidade ou obscuridade só releva “quando gere ininteligibilidade”, isto é, quando um declaratório normal não possa retirar da parte decisória um sentido inequívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar.
A ambiguidade ocorre quando estamos perante uma argumentação ou decisão duvidosa, em virtude de a mesma conter ou possibilitar dois ou mais sentidos, apresentando, por isso, plurissignificações argumentativas ou decisórias.
Já a obscuridade é aquela que conduz a uma decisão ininteligível, o que acontece quando a fundamentação ou decisão não exteriorizam, respetivamente, o que foi argumentado ou deliberado, bloqueando qualquer compreensão analítica do seu substrato legal ou da racionalidade do seu discernimento jurídico, tendo repercussões tanto a nível declarativo, como da sua consequência prática (Ac. RP de 6/02/2020, disponível em www.dgsi.pt).
Referindo-se à ininteligibilidade da decisão, Lebre de Freitas afirma (“A Ação Declarativa Comum”, 4ª ed., pág. 381/2) que ela se verifica quando não seja percetível qualquer sentido da parte decisória (obscuridade) ou quando esta encerre um duplo sentido (ambiguidade), tornando-se ininteligível para um declaratário normal.
No mesmo sentido se pronunciam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol I, pág 764, 2ª edição), dizendo que a decisão judicial é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível, e é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes.
Como se refere também no Ac. RP de 15.12.2021 (disponível em www.dgsi.pt) “…ocorre ambiguidade sempre que certo termo ou frase sejam passíveis de uma pluralidade de sentidos e inexistam meios de, com segurança, determinar o sentido prevalecente. Verifica-se obscuridade, sempre que um termo ou uma frase não têm um sentido que seja percetível, determinável. Quer a ambiguidade, quer a obscuridade têm que se projetar na decisão, tornando-a incompreensível, insuscetível de ser apreciada criticamente por não se alcançarem as razões subjacentes e comprometendo a sua própria execução por força de tais vícios”.
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Ora, à luz das considerações expostas, é bom de ver que a sentença proferida, nos moldes em que o foi – com uma contradição tão evidente entre os fundamentos e a decisão -, gera ambiguidade na sua parte decisória, e é suscetível – em termos objetivos -, de se tornar ininteligível para os seus destinatários, quer para os embargantes, quer para os embargados, que ficarão sem perceber qual o sentido da decisão: se foram ou não condenados como litigantes de má-fé, e se deverão - ou se poderão sequer, por falta de legitimidade -, reagir contra a decisão proferida.
Aliás, tal ininteligibilidade é bem patente nas alegações de recurso e na resposta ao mesmo.
Efetivamente, das alegações de recurso resulta que para os embargantes/recorrentes, é evidente que os embargados foram alvo, por parte do tribunal recorrido, de uma condenação como litigantes de má-fé, havendo apenas uma contradição entre os fundamentos e a decisão, contradição essa a ser sanada em sede de recurso, com a condenação daqueles na respetiva multa e indemnização a seu favor. Já os embargados/recorridos consideram que não foram sancionados como tal, pelos argumentos que aduzem na Resposta ao recurso.
Resulta assim do exposto, que não se encontra este tribunal da Relação em condições de sanar a nulidade declarada, substituindo-se ao tribunal recorrido; a ambiguidade da decisão proferida torna-a ininteligível à luz de uma análise objetiva, e impõe que seja o tribunal recorrido a sanar a nulidade detetada, impondo-se, consequentemente, a remessa dos autos àquele tribunal para o efeito.
Ordenando-se a remessa dos autos ao tribunal recorrido, fica prejudicado o conhecimento das demais questões colocadas (tanto mais que é por ora desconhecido o sentido que irá ser dado à decisão recorrida).
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III – DECISÃO

Pelo exposto, declara-se a nulidade da sentença proferida, por contradição entre os fundamentos e a decisão, e ordena-se a remessa dos autos à primeira instância para suprir essa nulidade.
Custas (da Apelação) pela parte vencida a final.
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Sumário do Acórdão (art.º 663º nº 7 do CPC).
I- É nula a sentença proferida por contradição entre os fundamentos e a decisão (art.º 615º nº1, alínea c) do CPC).
II- Não é de suprir esse vício na Relação, nos termos do art.º 665º nº1 do CPC, quando o sentido da decisão for ambíguo, e se tornar o mesmo ininteligível para os seus destinatários.
III- Deverá então remeter-se o processo à primeira instância para que a nulidade seja aí suprida pelo tribunal que proferiu a decisão.
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Guimarães, 1.2.2024.