Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
11062/20.4T8PRT.G1
Relator: ROSÁLIA CUNHA
Descritores: AGENTE DE EXECUÇÃO
REMUNERAÇÃO ADICIONAL
VALOR RECUPERADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/15/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - No tocante ao sistema de remuneração do agente de execução é de concluir que a Portaria nº 282/2013, de 29.8, consagra um sistema misto, constituído por uma remuneração fixa, calculada em função dos atos praticados no processo nos termos da tabela do anexo VII (art. 50º, nº 1), e por uma remuneração variável, calculada nos termos da tabela do anexo VIII, que constitui a remuneração adicional (art. 50º, nº 9).
II - A remuneração adicional, na medida em que acresce à remuneração fixa devida pela atividade do agente de execução no processo e constitui um prémio pela atividade desenvolvida, sendo instituída como incentivo para que o mesmo tenha uma atividade que potencie a eficácia e eficiência da recuperação e garantia do crédito, só é devida desde que tal finalidade seja concretamente alcançada, ou seja, desde que exista um nexo de causalidade entre a concreta atividade desenvolvida e a obtenção, para o processo executivo, de valores recuperados ou garantidos ao exequente.
III - Tal remuneração adicional não é devida de forma automática por os valores serem pagos ou recuperados depois da prática de atos pelo agente de execução, mas sem que entre uns e outros exista qualquer nexo de causalidade, mas tão só uma mera sequência cronológica.
IV - Estando apenas provado que o pagamento foi feito no âmbito de uma cessão de créditos realizada entre a exequente e um dos executados, ocorrida em data posterior à da realização da penhora e já na fase de venda, e não permitindo a factualidade provada sustentar que exista nexo de causalidade entre a atividade desenvolvida pela Sr.ª AE e o pagamento, mas tão só uma mera sucessão cronológica de atos, não é devida a remuneração adicional.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

RELATÓRIO

No âmbito da ação executiva que a Banco 1..., S.A. instaurou contra AA, BB e EMP01..., S.A., o cargo de agente de execução foi exercido por CC.

Em 14.8.2023, a Sr.ª Agente de Execução (doravante AE) veio apresentar a nota de honorários e despesas (requerimento ref. Citius ...03), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, no valor de € 6 454,43.
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Notificada da mesma, por requerimento de 4.9.2023 (ref. Citius ...40), EMP01..., S.A. veio apresentar reclamação, considerando não ser devido o valor constante da nota.
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Por requerimento de 11.9.2023 (ref. Citius ...56), a Sr.ª AE respondeu à reclamação, pugnando pelo seu indeferimento.
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Em 11.10.2023 foi proferido despacho (ref. Citius ...91) que indeferiu a reclamação apresentada pela sociedade EMP01..., S.A. à nota de honorários e despesas.
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EMP01..., S.A.  não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:

“I) A decisão recorrida assenta na “ficção” de que, ao ter sido adquirido um crédito ao primitivo exequente, terá de considerar-se que ocorreu o pagamento do crédito exequendo ao exequente primitivo, e por isso a A.E. adquiriria imediatamente o direito a receber a remuneração adicional como se, na realidade (o que não acontece), tivesse ocorrido o pagamento do crédito exequendo;
II) Se tivesse ocorrido o pagamento do crédito exequendo, com aquela cessão de créditos, tal, necessariamente, teria de levar à extinção do processo (pelo pagamento), o que não sucede no presente caso;
III) A sociedade EMP01..., S.A. nunca foi devedora à Banco 1... (primitiva exequente), figurando apenas como executada pelo facto de ter adquirido um imóvel aos verdadeiros devedores à Banco 1...., pagando-o, imóvel esse que continuou hipotecado à Banco 1...., dado que os devedores não o desoneraram, pelo que a EMP01..., s.a. foi executada apenas nos termos do artigo 54º nº 2 e 4 do C.P.C., porque a Banco 1.... pretendeu fazer valer a garantia em causa;
IV) A dívida em causa encontra-se garantida por hipotecas sobre diversos imóveis (que os devedores alienaram a terceiros), pelo que o trabalho da Srª. A.E. cingiu-se a meras conversões das hipotecas já existentes em penhoras, e em rigor não existiu qualquer trabalho meritório da sua parte para “garantir” qualquer valor, nem se pode afirmar que foi garantido qualquer valor “na sequência” de diligências da A.E., pois o mesmo já anteriormente estava garantido por aquelas hipotecas;
V) A EMP01..., S.A. adquiriu à Banco 1.... o crédito exequendo, crédito esse garantido por hipotecas sobre vários imóveis, tendo na altura da negociação da aquisição daquele crédito a Srª. A.E. emitido uma nota de honorários e despesas onde não está previsto qualquer pagamento a título de montante recuperado (pois que com aquela aquisição do crédito nada foi recuperado) conforme nota junta ao requerimento apresentado nos autos de 18/09/2023);
VI)  Como decorre da Lei, ocorre a cessão de um crédito quando o credor, mediante negócio jurídico, transmite a terceiro o seu direito, verificando-se então a substituição de credor originário por outra pessoa – modificação subjetiva da obrigação –, mantendo-se inalterados os restantes elementos da relação obrigacional (Cfr. Mário Júlio de Almeida Costa, Noções Fundamentais de Direito Civil, 4ª Edição, págs. 179 e segs), tratando-se de uma simples transferência da relação obrigacional pelo lado ativo;
VII) Quando a EMP01..., S.A. adquiriu o crédito exequendo à Banco 1...., verificou-se apenas uma modificação da relação jurídica, passando a titularidade do direito de crédito da esfera do cedente (Banco 1....) para a do cessionário (EMP01..., S.A.), mas o crédito continuou a existir e o seu valor continuou a ser devido pelos executados, e tanto é assim que a exequente, se o pretender, poderá livremente alienar o crédito a uma terceira entidade, e o crédito exequendo continua sem se mostrar liquidado;
VIII) Na sequência da aquisição do crédito, a EMP01..., S.A. requereu por apenso à execução (apenso B) a sua habilitação como adquirente do crédito, tendo sido proferida sentença, em 26/11/2021 a habilitá-la enquanto adquirente, reconhecendo-se naquela sentença que o crédito exequendo existe, não foi pago, não está extinto e encontra-se na titularidade da cessionária (EMP01..., S.A.), referindo-se expressamente em tal sentença (aliás proferida pela Mª. Juiz “a quo”) – os sublinhados e negritos são nossos:
Assim sendo, e considerando o teor dos documentos juntos, especificamente o contrato de venda de créditos, demonstrado está que ocorreu uma substituição de um interessado na titularidade do crédito exequendo, por um outro interessado, que o adquiriu. Pelo exposto, e de harmonia com o estatuído no artigo 356º, nº 1, alíneas a) e b), última parte, do Código de Processo Civil, habilito EMP01..., S.A., como adquirente do crédito exequendo.
IX) Assim, apesar daquela cessão de crédito, e ao contrário da ficção que a Mª. Juiz “a quo” fez na decisão, o crédito exequendo não ficou extinto e não foi pago, tendo apenas mudado a titularidade do credor, que deixou de ser a Banco 1..., passando a ser a EMP01..., S.A., sendo que da própria escritura de cessão de crédito resulta que a cedente do crédito garantiu que, apesar de o mesmo ter sido cedido, o mesmo continua a existir e é exigível;
X) Se o crédito existe e foi transmitido com a cessão de créditos, ninguém poderá afirmar que o crédito, aquando da cessão, foi pago e que isso daria lugar ao pagamento da remuneração adicional à A.E., não podendo olvidar que os valores continuam a ser devidos pelos devedores, agora não à Banco 1...., mas sim à EMP01..., S.A., que adquiriu aquele crédito e passou a figurar como credora dos mesmos;
XI) Se o crédito exequendo tivesse de facto sido pago à cedente (Banco 1....), não haveria qualquer fundamento para a EMP01..., S.A. se ter habilitado no processo como exequente, e para a Mª. Juiz “a quo” ter referido naquela sentença de habilitação que “habilito EMP01..., S.A., como adquirente do crédito exequendo”;
XII) São numerosos os processos onde os créditos exequendos são cedidos, várias vezes, a entidades distintas, e pela lógica da Mª. Juiz “a quo”, de cada vez que existisse uma cessão daquele crédito, o A.E. teria direito a receber a remuneração variável!!!
XIII) Apesar de o processo não ter tido outra evolução, os bens não terem sido alienados, nem existindo qualquer pagamento do crédito exequendo à exequente, a A.E. remeteu à EMP01..., S.A. (nova exequente no processo) uma nota discriminativa donde consta que teria recuperado um valor de € 325.000,00 (!), pretendendo cobrar a esse título o valor de € 5.242,20, para além de outras despesas que identifica, tendo a EMP01..., S.A. (atual exequente) reclamado dessa nota nos termos constantes do seu requerimento de 04/09/2023;
XIV) Após ter adquirido aquele crédito, e também porque os bens que garantem a dívida haviam sido alienados pelos devedores a uma terceira entidade, que é executada noutro processo executivo, a ora exequente requereu a suspensão da instância, e quer anteriormente àquele requerimento de suspensão, quer posteriormente, não foi recebido dos executados qualquer valor pela exequente (ou pela anterior detentora do crédito que veio a ser cedido à exequente), e entretanto, como consta dos autos, a exequente veio a desistir da instância executiva, com o acordo dos executados, pelo que nada foi recuperado e não há qualquer fundamento para a A.E. ter direito a cobrar aquele valor de € 5.242,20, não sendo devido esse valor;
XV) Seguindo de perto a jurisprudência firmada no douto acórdão da Relação de Lisboa de 20/06/2023, disponível em www.dgsi.pt (que faz alusão, aliás, à jurisprudência mais expedita do Colendo Supremo Tribunal de Justiça), ali se sumaria “Conforme jurisprudência predominante, o Agente de Execução só tem direito a remuneração adicional mediante a demonstração da ocorrência de um nexo de causalidade entre a atividade desenvolvida pelo Agente de Execução e a satisfação da quantia exequenda, no todo ou em parte. Tendo a execução e os embargos findado na sequência de transação, nos termos da qual exequente/embargado e executada/embargante desistiram reciprocamente dos pedidos formulados na execução e nos embargos de executado, não estando demonstrado que o exequente tenha recebido da executada qualquer valor monetário, não pode afirmar-se que a atividade do Agente de Execução – de forma atual ou potencial – tenha assumido relevância para o êxito da ação executiva do ponto de vista do exequente, não sendo devida remuneração adicional.”
XVI) O mesmo sucede no caso dos autos, em que não está demonstrado que tenha existido (como não existiu) qualquer pagamento à exequente, tendo o processo terminado por desistência da instância.
XVII) Se assim não fosse, qualquer exequente, ainda que pretenda simplesmente perdoar o valor em dívida ao executado, desistindo da execução que antes havia instaurado, não o poderia fazer livremente, pois teria sempre de pagar ao A.E. um valor a título de remuneração adicional, com base na ficção de que teria recuperado o valor que, ao invés, havia perdoado! Não é seguramente este o espírito da Lei, sem olvidar que o A.E. tem sempre direito a receber a remuneração fixa, que já paga o trabalho efetivamente prestado;
XVIII) Os pagamentos devidos ao Agente de Execução representam um custo do processo executivo, tal como prevê expressamente o art.º 541.º do CPC, sendo que a obrigação da parte em suportar os custos do processo tem de ser razoável, proporcionada e adequada, o que se traduz também numa exigência constitucional de acesso ao direito;
XIX) A posição atualmente dominante a respeito da remuneração adicional do A.E. considera que a atribuição da remuneração depende da existência como que de um nexo de causalidade entre a atividade concretamente desempenhada pelo agente de execução e o êxito da ação executiva, isto é, a cobrança ou garantia do crédito exequendo, devendo, pois, aferir-se se a atividade do agente de execução foi processualmente relevante para a obtenção do resultado final, atendendo-se à sua “eficiência e eficácia”;
XX) Como vai dito naquele douto acórdão acima referido, do Tribunal da Relação de Lisboa, “interpretar consiste em retirar do texto um determinado sentido ou conteúdo de pensamento. O elemento gramatical (letra da lei) e o elemento lógico (espírito da lei) têm sempre que ser utilizados conjuntamente. Não pode haver uma modalidade de interpretação gramatical e uma outra lógica, pois que o enunciado linguístico, que é a letra da lei, é apenas um significante, portador de um sentido (espírito) para que nos remete.”; “O texto constitui o ponto de partida da interpretação (art. 9.º, n.º 1, e n.º 2, do CC). O intérprete deve, em princípio, optar por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico-jurídico, no pressuposto de que o legislador soube exprimir com correção o seu pensamento (art. 9.º, n.º 3, do CC). O elemento racional ou teleológico da interpretação da lei (art. 9.º, n.º 1, do CC) consiste na razão de ser da lei (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao elaborar a norma. O conhecimento deste objetivo constitui um auxílio da maior relevância para determinar o sentido com que a norma deve valer. O esclarecimento da ratio legis revela a "valoração" ou ponderação dos diversos interesses em jogo que a norma regula e, por conseguinte, o peso relativo dos mesmos interesses, a preferência de um deles em detrimento do outro traduzida na solução consagrada na norma.
XXI) O legislador estabelece regras de cálculo da retribuição adicional que não abstraem da concreta intervenção do agente de execução para o sucesso da lide executiva;
XXII) Como se refere naquele mesmo douto acórdão, A ponderação dos diversos cânones hermenêuticos permite afirmar a exigência da verificação como que de um nexo causal entre a atividade do agente de execução e a realização (ainda que voluntária) do crédito exequendo enquanto requisito da remuneração adicional. O an e o quantum desta remuneração estão dependentes da atividade desenvolvida pelo agente de execução com vista à obtenção da quantia exequenda, surgindo o resultado dessa atividade como conditio sine qua non da mesma retribuição. Assim, o resultado obtido pelo exequente de modo alheio à atividade empreendida pelo agente de execução, em virtude de não ter havido qualquer contributo da sua parte, direto ou indireto, para a obtenção da quantia exequenda, não permite atribuir-lhe o direito à remuneração adicional. Não pode, mediante o argumento a contrario, deduzir-se da disciplina estabelecida para certos casos no art. 50.º nº 12 da Portaria n.º 282/2013 (“Nos processos executivos para pagamento de quantia certa em que haja lugar a citação prévia, se o executado efetuar o pagamento integral da quantia em dívida até ao termo do prazo para se opor à execução não há lugar ao pagamento de remuneração adicional”), um princípio-regra de sentido oposto para os casos não abrangidos pela norma. Na verdade, não se mostra adequado, a partir da regra contida no art. 50.º, n.º 12, deduzir-se a contrario que os casos que ela não contempla na sua hipótese seguem um regime oposto. (negrito e sublinhado nosso).
XXIII)   Mais se refere “Conforme resulta dos diversos cânones hermenêuticos, não se afigura apropriado atribuir ao agente de execução o direito à remuneração adicional nos casos em que a sua atividade não assume relevância – atual ou potencial – para o sucesso da lide executiva. De qualquer modo, se tal preceito – reconhecimento do direito à remuneração adicional em todas as hipóteses não contempladas no art. 50.º, n.º 12 – se pudesses deduzir, a contrario, sempre careceria de uma redução teleológica. A norma restritiva seria, com efeito, exigida pelo fim da regulação. Só assim esse preceito, que se deduziria da regra contida no art. 50.º, n.º 12, concebido demasiado amplamente, se reconduziria e seria reduzido ao âmbito de aplicação que lhe corresponde segundo o fim da regulação ou a conexão de sentido do mesmo preceito. Tal resulta do imperativo de justiça de tratar desigualmente o que é desigual, de proceder às diferenciações postuladas pela valoração.” (sublinhado e negrito nosso).
XXIV)  “Não pode igualmente descurar-se que “os pagamentos devidos ao AE representam um custo do processo executivo, tal como prevê expressamente o art.º 541.º do CPC, sendo que a obrigação da parte em suportar os custos do processo tem de ser razoável, proporcionada e adequada, o que também por esta via somos levados a concluir que a contribuição efetiva do AE com a sua atividade para o resultado do processo tem de estar associada à remuneração adicional por ele reclamada” (sublinhado e negrito nosso)”;
XXV) Ora, tal como naquele douto acórdão vindo de referir, nos presentes autos, fazendo a análise casuística, temos que:
- a ora exequente adquiriu à Banco 1.... o crédito que estava a ser executado nos presentes autos, verificando-se apenas uma mudança do titular do crédito, que deixou de pertencer à Banco 1.... e passou a pertencer à EMP01..., S.A., conferindo-lhe o direito de se habilitar – como habilitou – na execução, como exequente;
- mediante requerimento apresentado no processo, a exequen-te desistiu da instância executiva, o que foi aceite pelos executados, pelo que não se verificou qualquer pagamento da quantia exequenda;
- não está demonstrado (muito pelo contrário) que a exequente tenha recebido dos executados qualquer valor monetário;
XXVI)  Neste contexto, não pode enunciar-se que a exequente (EMP01..., S.A.) tenha logrado recuperar e/ou garantir o pagamento da quantia exequenda, muito pelo contrário, ou dito de outra forma, face a este factualismo não pode afirmar-se que a atividade do Agente de Execução – de forma atual ou potencial – tenha assumido relevância para o êxito da ação executiva do ponto de vista do exequente, êxito esse que não existiu;
XXVII) Não teria qualquer sentido – ferindo o mais elementar sentido de justiça e constitucionalidade – que o exequente não pudesse livremente desistir da instância executiva, sem nada receber (mesmo que existindo bens a garantir a dívida) sem ter de liquidar ao A.E. a remuneração variável com base na “ficção” de que teria recuperado o valor exequendo;
XXVIII) Como se diz no douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28/03/2023, disponível em www.dgsi.pt, “Quando o elevado montante devido por remuneração adicional, decorrente sobremaneira do elevado valor da execução, se revele excessivo face à natureza dos actos praticados pelo agente de execução, uma interpretação constitucionalmente conforme da norma do artigo 50º, n.º 5, em conjugação com a tabela do Anexo VIII da Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto, em observância do princípio constitucional do acesso à justiça e aos tribunais e dos princípios da proporcionalidade e da proibição de excesso, deve admitir a sua redução.”;
XXIX)  O art.º 59.º nº 1 al. a) da CRP estabelece os princípios fundamentais a que deve obedecer uma justa retribuição do trabalho, devendo esta ser conforme à quantidade de trabalho (à sua duração e intensidade), assim como à sua natureza e qualidade e no caso sub judice, a A.E. não desenvolveu trabalho (em quantidade ou qualidade) suscetível de justificar a remuneração adicional que reclama, sendo certo que sempre será remunerada pela tramitação do processo e restantes atos praticados através da retribuição fixa prevista no art.º 50.º n.º 1 da Portaria n.º 282/2013, e como o Supremo Tribunal de Justiça já teve oportunidade de mencionar, o que poderá revelar-se desconforme à Lei Fundamental, porque atentatório do princípio da proporcionalidade e do direito de acesso à justiça e à tutela jurisdicional efetiva (art.ºs 18.º, n.º 2 e 20.º, n.º 1, da CRP), seria remunerar o agente de execução pela satisfação do interesse do credor-exequente, sem que aquele tivesse desempenhado qualquer atividade profissional relevante para o efeito;
XXX)   Assim sendo, não assiste direito à Agente de Execução à remuneração adicional que pretende receber, sendo certo, por outro lado, que caso lhe fosse devido algum valor a este título, sempre tal remuneração deveria ser reduzida em conformidade, a não mais de 20% do valor pretendido.”
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A AE contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, tendo formulado as seguintes conclusões:

“1. O presente Recurso assenta numa verdadeira ficção: a de que não houve qualquer pagamento da quantia exequenda, mas apenas e tão-somente uma Cessão de Créditos, facto este que não se coaduna com a realidade emergente dos Autos.
2. A Recorrente é Cessionária do Crédito exequendo, mas é também, ela própria, Executada neste processo, pelo que não é, para os devidos e legais efeitos, um Terceiro estranho à execução. 
3. Consequentemente, e com a sua habilitação no processo, não se opera uma mera “transferência da titularidade do direito de crédito da esfera do cedente (Banco 1....) para a do cessionário (EMP01..., S.A.)”. A verdade é que a dita Cessionária, por ter dado plena satisfação ao Crédito Exequendo, deixou de ser Executada no processo, passando a ser Exequente. 
4. Da factualidade emergente dos Autos, resulta demonstrado que o pagamento à Exequente, efectuado no âmbito da dita Cessão de Créditos, evitou a venda judicial dos bens pertencentes à Cessionária, penhorados nos Autos e onerados com hipoteca a favor do Exequente. Esta Cessão de Créditos, levada a cabo pelo próprio Executado, não pode, assim, confundir-se com a Cessão de Créditos prevista na Lei, em que o cessionário é um Terceiro estranho à Execução.
5. Na verdade, o Exequente, nos termos do disposto nos n.º 2 e 3, do art. 54.º, do CPC, poderia ter demandado “ab initio” apenas o terceiro garante (aqui cessionário), o que determinaria que a cessão de créditos operada implicaria necessariamente a extinção da execução, pois que a mesma entidade seria, simultaneamente Exequente e Executada.
6. A seguirmos a tese da Recorrente, estava encontrada a forma de evitar, em qualquer acção executiva, o pagamento da remuneração adicional ao Agente de Execução: bastaria que Executado, ao invés de efectuar o pagamento no âmbito da execução, adquirisse o crédito à Exequente e, em seguida, habilitando-se nessa qualidade, desistisse da instância, com a qual ele próprio (Exequente e, simultaneamente, Executado) concordaria!
7. A lei não faz depender o direito do Agente de Execução à remuneração adicional do facto de a execução se extinguir pelo pagamento da quantia exequenda. O que é determinante, para que tenha lugar tal pagamento, é que haja produto recuperado ou garantido, na sequência das diligências do agente de execução; que exista “algum nexo de causalidade entre a actividade do agente de execução e um resultado positivo da execução, nos termos das alíneas a) e b) do nº6 do art. 50º. Nexo que existirá sempre que dos factos apurados se possa concluir com alguma segurança, lógica e razoabilidade que a actividade do agente de execução contribuiu, criou as condições, para a obtenção de um acordo, ou para que haja valor recuperado” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 02.06.2011 - Processo n.º 3252/17.3T8OER-E.L1.S1).
8. A presente Execução, independentemente do formalismo subjacente, extinguiu-se pelo pagamento efectuado à primitiva Exequente e por causa dele. Tal pagamento não foi efectuado à margem da Execução, mas como uma consequência directa desta e da sua tramitação processual, por via dos actos praticados pela Senhora Agente de Execução.
9. A Executada “garante”, em consequência das diligências efectuadas pela Agente de Execução no âmbito do processo e quando os seus bens se encontravam em venda judicial, entendeu evitar essa mesma venda, pagando à Exequente o valor que lhe era devido, acrescido das respectivas custas judiciais e honorários do Agente de Execução (ainda que tal tenha sido feito a coberto da dita “Cessão de Créditos”).
10. O cálculo da remuneração variável está ligado ao valor recuperado ou garantido, quer seja por meio da obtenção dos valores para pagamento da quantia exequenda, ou pela obtenção de meios que possibilitem a sua realização e destinase a premiar a eficácia e eficiência da recuperação ou garantia de créditos na execução – o que sucedeu neste caso concreto –, pelo que tem a Senhora Agente de Execução direito a receber honorários pelos serviços prestados, designadamente a remuneração adicional prevista na Portaria (cf. art. 43.º, da Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto).
11. A douta sentença proferida não merece qualquer reparo, sendo que os factos em que a Recorrente faz assentar a sua pretensão não se coadunam com toda a factualidade apurada, o que não poderá deixar de merecer análise e consideração por parte deste Venerando Tribunal, que, julgando improcedentes as Conclusões do Recurso, fará Justiça.”
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O recurso foi admitido na 1ª instância como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito devolutivo, não tendo sido objeto de alteração neste Tribunal da Relação.
Foi ainda fixado ao recurso o valor de € 5 242,20.
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Foram colhidos os vistos legais.

OBJETO DO RECURSO

Nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC, o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações do recorrente, estando vedado ao Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso, sendo que o Tribunal apenas está adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para o conhecimento do objeto do recurso.
Nessa apreciação o Tribunal de recurso não tem que responder ou rebater todos os argumentos invocados, tendo apenas de analisar as “questões” suscitadas que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Por outro lado, o Tribunal não pode conhecer de questões novas, uma vez que os recursos visam reapreciar decisões proferidas e não analisar questões que não foram anteriormente colocadas pelas partes.

Neste enquadramento, as questões relevantes a decidir, elencadas por ordem de precedência lógico-jurídica, são as seguintes:

I - saber se a Sr.ª AE tem direito a receber remuneração adicional;
II - na hipótese afirmativa, saber se essa remuneração deve ser reduzida a 20% do valor constante da nota de honorários.

FUNDAMENTAÇÃO

FUNDAMENTOS DE FACTO

A decisão recorrida foi proferida com base na seguinte factualidade, que aqui se transcreve nos seus exatos termos (com exceção da numeração, que é da nossa lavra, e da correção de manifestos lapsos de escrita):

1. Os presentes autos executivos iniciaram-se em 07.07.2020, figurando como exequente Banco 1..., SA, e executados AA, BB e EMP01..., S.A.
2. A dívida exequenda encontrava-se garantida por hipotecas que incidiam sobre as frações autónomas designadas pelas letras ..., ..., ..., ... e ..., todas partes integrantes do prédio urbano descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o n.º ...00/... e inscrito na matriz predial urbana sob o art. ...91.º.
3. A referida hipoteca foi registada a favor da Banco 1..., em cada uma das descrições prediais, pela inscrição lavrada com base na apresentação ...5 de 2006/06/01.
4. Também existia a garantia hipotecária sobre a fração autónoma designada pelas letras ... descrita na Conservatória de Registo Predial ... sob o n.º ...07...-...-“...” e inscrita na matriz predial urbana sob o art. ...87.º-“...”.
5. A referida hipoteca foi registada a favor da Banco 1..., ora Exequente, pela inscrição lavrada com base na apresentação ... de 2006/06/02.
6. Ainda para garantia do capital mutuado pelo empréstimo supra descrito, respetivos juros e despesas, os mutuários constituíram hipoteca voluntária, em benefício da Exequente, sobre a fração autónoma designada pelas letras ... descrita na Conservatória de Registo Predial ... sob o n.º ...50/...” e inscrita na matriz predial urbana sob o art. ...2.º-“...”.
7. A referida hipoteca foi registada a favor da Banco 1..., ora Exequente, pela inscrição lavrada com base na apresentação ... de 2006/06/02.
8. Foi efetuada a penhora, em 2020.08.21, da fração ..., pertencente à executada EMP01..., S.A, que se encontrava na fase de venda aquando da celebração do contrato de habilitação de cessionário.
9. Após citação, os executados AA e BB deduziram oposição à execução mediante embargos de executado, tendo desistido do pedido, desistência homologada por decisão de 29.10.2021, transitada em julgado.
10. Em 2021.10.27, veio EMP01..., S.A. deduzir incidente de habilitação de cessionário, alegando a celebração de escritura de cessão de créditos outorgada no dia 26/10/2021, no Cartório Notarial do Dr. DD, adquirindo à Banco 1..., S.A. a totalidade do crédito exequendo nos autos principais, resultando da referida escritura que a Banco 1... recebeu o valor da quantia exequenda, acrescida das despesas de contencioso e os valores adiantados à Sr.ª agente de execução e que a cessionária aceitou que as custas processuais dos processos executivos são da sua responsabilidade, tendo sido proferida sentença, transitada em julgado, a declarar EMP01... habilitada na qualidade de exequente.

FUNDAMENTOS DE DIREITO

I -  Direito a remuneração adicional

A Srª A.E. emitiu nota de honorários e despesas na qual consta como valor recuperado a quantia de € 325 000,00, ao qual corresponde a quantia de € 5.242,20 a título de remuneração adicional.

Deduzida reclamação pela EMP01..., com base no entendimento de que não é devida essa remuneração adicional porquanto o valor de € 325 000,00 não foi recuperado, veio a mesma a ser indeferida.

A recorrente sustenta que o referido valor de € 325 000,00 não foi recuperado com base na argumentação constante das alegações e sintetizada nas conclusões supra transcritas, defendendo a Sr.ª AE posição contrária, com base na argumentação constante das contra-alegações e sintetizada nas conclusões igualmente supra transcritas.

Por conseguinte, a questão a dilucidar no presente recurso consiste em saber se a Sr.ª AE tem, ou não, direito a receber remuneração adicional, com base no valor recuperado de € 325 000,00, questão esta que tem de ser decidida unicamente à luz da factualidade provada e supra transcrita.

O art. 50º, da Portaria 282/2013, de 29 de agosto, regula a fixação dos honorários do agente de execução.
Assim, do seu nº 1, consta o princípio geral sobre esta matéria, aí se referindo que “o agente de execução tem direito a ser remunerado pela tramitação dos processos, atos praticados ou procedimentos realizados de acordo com os valores fixados na tabela do anexo VII da presente portaria, os quais incluem a realização dos atos necessários com os limites nela previstos.”
Para além deste direito geral de remuneração, prevê-se ainda o direito a uma remuneração adicional, dispondo o art. 50º, na parte que para a questão releva, o seguinte:
5 - Nos processos executivos para pagamento de quantia certa, no termo do processo é devida ao agente de execução uma remuneração adicional, que varia em função:
a) Do valor recuperado ou garantido;
b) Do momento processual em que o montante foi recuperado ou garantido;
c) Da existência, ou não, de garantia real sobre os bens penhorados ou a penhorar.
6 - Para os efeitos do presente artigo, entende-se por:
a) «Valor recuperado» o valor do dinheiro restituído, entregue, o do produto da venda, o da adjudicação ou o dos rendimentos consignados, pelo agente de execução ao exequente ou pelo executado ou terceiro ao exequente;
b) «Valor garantido» o valor dos bens penhorados ou o da caução prestada pelo executado, ou por terceiro ao exequente, com o limite do montante dos créditos exequendos, bem como o valor a recuperar por via de acordo de pagamento em prestações ou de acordo global.
9 - O cálculo da remuneração adicional efetua-se nos termos previstos na tabela do anexo VIII da presente portaria, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.

Portanto, no tocante ao sistema de remuneração do agente de execução, é de concluir que a lei consagra um sistema misto, constituído por uma remuneração fixa, calculada em função dos atos praticados no processo nos termos da tabela do anexo VII (art. 50º, nº 1), e por uma remuneração variável, calculada nos termos da tabela do anexo VIII que constitui a remuneração adicional (art. 50º, nº 9).

Segundo o anexo VIII da Portaria “o valor da remuneração adicional do agente de execução destinado a premiar a eficácia e eficiência da recuperação ou garantia de créditos na execução nos termos do artigo 50.º é calculado com base nas taxas marginais constantes da tabela abaixo, as quais variam em função do momento processual em que o valor foi recuperado ou garantido e da existência, ou não, de garantia real sobre os bens penhorados ou a penhorar” (sublinhado nosso).

De acordo com o preâmbulo da referida Portaria “procura-se igualmente estimular o pagamento integral voluntário da quantia em dívida bem como a celebração de acordos de pagamento entre as partes, que pretendam pôr termo ao processo. Para tanto, prevê-se o pagamento de uma remuneração adicional ao agente de execução quando a recuperação da quantia tenha tido lugar na sequência de diligências por si promovidas, ou a dispensa do pagamento de qualquer remuneração adicional ao agente de execução quando, logo no início do processo, a dívida seja satisfeita de modo voluntário, sem a intermediação do agente de execução. Este regime visa, em última linha, tornar mais simples e mais célere a fiscalização da atividade dos agentes de execução, no que respeita a esta matéria em particular, e promover uma mais rápida ação em caso de atuações desconformes” (sublinhados nossos).

No âmbito deste regime legal, a jurisprudência tem-se dividido no que respeita aos requisitos necessários para que seja devida a remuneração adicional, como nos é dado conta no Acórdão do STJ, de 18.1.2022 (P 9317/18.7T8PRT.P1.S1, in www.dgsi.pt), onde se citam diversos arestos que apreciaram esta matéria, com resumo dos argumentos utilizados em abono de cada uma das correntes jurisprudenciais que se formaram sobre a questão.
Assim, e como se refere no acórdão citado, uma corrente jurisprudencial defende que “a remuneração adicional do agente de execução prevista na Portaria n.º 282/2013, de 29.08, é sempre devida desde que haja produto recuperado ou garantido, excepto, nos processos executivos para pagamento de quantia certa em que há lugar à citação prévia do executado, se este efectuar o pagamento integral da quantia em dívida até ao termo do prazo para se opor à execução”. O agente de execução tem direito à remuneração adicional ainda que a extinção da execução resulte de ato individual do devedor (pagamento voluntário), de ato conjunto de credor e devedor (acordo de pagamento) ou, até, de ato do próprio credor (desistência da execução). Para fundamentar esta posição, invocam-se os elementos teleológico (retirado da exposição de motivos da Portaria n.º 282/2013) e gramatical da interpretação da lei, assim como a natureza mista da remuneração do agente de execução.

De outro lado, a posição atualmente dominante considera (...) que a atribuição da remuneração adicional depende da existência como que de um nexo de causalidade entre a atividade concretamente desempenhada pelo agente de execução e o êxito da ação executiva – i.e., a cobrança ou garantia do crédito exequendo. Deve, pois, aferir-se se a atividade do agente de execução foi processualmente relevante para a obtenção do resultado final, atendendo-se à sua “eficiência e eficácia”.

Importa referir ainda uma posição como que intermédia ou mitigada, segundo a qual, desde que hajam sido efetuadas no processo executivo diligências concretas dirigidas à cobrança coerciva do crédito exequendo, o resultado obtido, ainda que por acordo das partes, deve presumidamente ser considerado como ocorrendo na sequência da atividade desenvolvida pelo agente de execução.”

Depois de exposição de vários argumentos, o citado acórdão do STJ opta pela corrente atualmente dominante que exige a existência de um nexo de causalidade entre a atividade concretamente desempenhada pelo agente de execução e o êxito da ação executiva constando designadamente no seu sumário que “[p]oderia revelar-se desconforme à Lei Fundamental, porque atentatório do princípio da proporcionalidade e do direito de acesso à justiça e à tutela jurisdicional efetiva (arts. 18.º, n.º 2 e 20.º, n.º 1, da CRP), remunerar o agente de execução pela satisfação do interesse do credor-exequente, sem que aquele tivesse desempenhado qualquer atividade profissional relevante para o efeito.”
Também nós consideramos ser de sufragar a posição que exige a verificação de um nexo causal entre a atividade do agente de execução e a recuperação de valores como condição para ser devida a remuneração adicional, nomeadamente pelas razões que a aqui relatora já fez constar do acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães, de 24.9.2020 (P 5149/19.3T8GMR-A.G1 in www.dgsi.pt), que também relatou.

Retomando o que nesse acórdão se escreveu:

“Consideramos ser de sufragar a segunda posição que exige a verificação de um nexo causal entre a atividade do agente de execução e a recuperação de valores como condição para ser devida a remuneração adicional.
Parece-nos ser esta a conclusão a extrair da interpretação do art. 50º, tendo em consideração o sistema misto de remuneração do agente de execução, o referido no preâmbulo da Portaria 282/20913 e o consignado no seu Anexo VIII, sendo certo que, de acordo com o disposto no art. 9º do CC, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, devendo, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Com efeito, e como resulta da própria designação, a remuneração adicional constitui um acréscimo à remuneração normal a que o agente de execução tem direito pela atividade que exerce no processo. Essa remuneração adicional, de acordo com o anexo VIII da Portaria, destina-se a premiar a eficácia e eficiência da recuperação ou garantia de créditos na execução e, de acordo com o preâmbulo da mesma, prevê-se o pagamento de uma remuneração adicional ao agente de execução quando a recuperação da quantia tenha tido lugar na sequência de diligências por si promovidas. Inversamente, prevê-se a dispensa do pagamento de qualquer remuneração adicional ao agente de execução quando, logo no início do processo, a dívida seja satisfeita de modo voluntário, sem a intermediação do agente de execução.
Portanto, é de concluir que a remuneração adicional, na medida em que acresce à remuneração fixa devida pela atividade do agente de execução no processo e constitui um prémio pela atividade desenvolvida, sendo instituída como incentivo para que o mesmo tenha uma atividade que potencie a eficácia e eficiência da recuperação e garantia do crédito, só é devida desde que tal finalidade seja concretamente alcançada, ou seja, desde que exista um nexo de causalidade entre a concreta atividade desenvolvida e a obtenção, para o processo executivo, de valores recuperados ou garantidos ao exequente. Dito de outro modo, a remuneração adicional não é devida de forma automática por os valores serem pagos ou recuperados depois da prática de atos pelo agente de execução, mas sem que entre uns e outros exista qualquer nexo de causalidade, mas tão só uma mera sequência cronológica.
Daí que, como se refere no Acórdão da Relação de Lisboa, de 26.9.2019, já citado e cujo entendimento sufragamos, “para existir lugar à remuneração adicional, deve o valor recuperado ou garantido no processo executivo derivar da actividade ou das diligências promovidas pelo agente de execução.
Donde, seria logicamente um desvirtuar das finalidades ínsitas a tal acréscimo de remuneração, reconhecer a sua existência e exigibilidade quando o resultado obtido não emerge ou decorre daquela actividade ou diligências, por às mesmas ser alheio, por as mesmas terem-se desenvolvido independentemente da sua vontade ou contributo, por não ter tido qualquer intervenção ou participação naquela recuperação ou garantia do crédito.
Deste modo, constitui-se o direito a tal acréscimo remuneratório quando, existindo, por um lado, sucesso nas diligências executivas (...) este decorra ou provenha em consequência, decorrência ou como fruto da actividade ou diligências realizadas pelo agente de execução. (...)
Ademais, não se olvide, nos termos já expostos, que a remuneração do agente de execução deve ser proporcional e adequada, eivada de um juízo de razoabilidade e de adequação à sua actividade concretamente desenvolvida, empenho revelado, diligência evidenciada e real contributo para o resultado obtido no respectivo processo executivo.
Em abono da tese que considera necessário o nexo de causalidade como requisito para a atribuição da remuneração adicional, chama-se ainda à colação o facto de, nos termos do art. 50º, nº 12, não haver lugar ao pagamento de tal remuneração nos processos executivos para pagamento de quantia certa em que haja lugar a citação prévia quando o executado efetuar o pagamento integral da quantia em dívida até ao termo do prazo para se opor à execução. Nestas circunstâncias o agente de execução apenas intervém para a realização da respetiva citação e, por isso, o cumprimento voluntário ocorre sem a sua intermediação, motivo pelo qual a lei estabelece expressamente a exclusão do pagamento de remuneração adicional.”

Aqui chegados, e volvendo ao caso concreto, importa em primeiro lugar referir que, à luz da factualidade provada, se encontra arredada a pertinência da argumentação apresentada pela recorrente no sentido de que não foi recuperado nenhum valor porque houve apenas uma cedência de créditos e a Banco 1..., exequente inicial, não recebeu a quantia exequenda.
Na verdade, conforme se provou, resulta da referida escritura de cessão de créditos que a Banco 1... recebeu o valor da quantia exequenda, acrescida das despesas de contencioso e dos valores adiantados à Sr.ª agente de execução (facto 10).
Por conseguinte, à luz da factualidade provada não restam dúvidas de que a quantia exequenda foi paga à Banco 1... pela cessionária, a qual, na altura, figurava nos autos na posição de executada, tendo posteriormente sido habilitada e passado a ocupar a posição da exequente/cedente Banco 1....

Ora, relembramos que, de acordo com o disposto no art. 50º, nº 6, al. a) da Portaria 282/2013 se entende por «valor recuperado» o valor do dinheiro restituído, entregue, o do produto da venda, o da adjudicação ou o dos rendimentos consignados, pelo agente de execução ao exequente ou pelo executado ou terceiro ao exequente. Assim sendo, à luz da factualidade provada constante do facto nº 10, o valor pago pela executada à exequente pela cedência de créditos constitui valor recuperado.

Importa agora aferir se entre a concreta atividade desenvolvida no processo pela Sr.ª AE e o pagamento efetuado no âmbito da cedência de créditos ocorrida entre a Banco 1... e a EMP01... existe, ou não, o necessário nexo de causalidade, aferido nos moldes que atrás se expuseram e que é condição necessária para a atribuição da remuneração adicional.

Provou-se que, em 21.8.2020, foi efetuada a penhora da fração ..., pertencente à executada EMP01..., S.A, que se encontrava na fase de venda aquando da celebração do contrato de habilitação de cessionário (facto 8), o que significa que o pagamento documentado na escritura de cessão ocorreu depois de a Sr.ª AE ter efetuado quer a penhora, quer diligências tendentes à venda do bem penhorado.
Porém, não obstante esta sucessão cronológica de acontecimentos, entendemos que, no caso em concreto, à luz da factualidade provada, não se pode concluir, nem sequer de forma presumida, que o pagamento do valor da cessão de créditos decorreu de atos ou diligências praticados pela Sr.ª AE. Nada na factualidade provada aponta nesse sentido e da mesma não se consegue extrair qualquer nexo de causalidade, sequer remoto, entre a atividade desenvolvida pela Sr.ª AE e a existência da cessão de créditos e pagamento do respetivo preço. A factualidade provada nada mais suporta do que uma mera sucessão cronológica de atos em termos de o pagamento ter ocorrido em data posterior à penhora e diligências para venda, não permitindo concluir, ou sequer presumir, que exista um nexo de causalidade entre esses atos da Sr.ª AE e a cessão de créditos.

Por outro lado, e salvo o devido respeito por opinião contrária, não acompanhamos o entendimento perfilhado na decisão recorrida de que o art. 50º, nº 10 da Portaria contém uma presunção de que os valores recuperados após a realização da penhora ocorreram na sequência de diligências promovidas pelo AE.
Este é o argumento essencial em que se apoia a terceira corrente jurisprudencial designada no acórdão do STJ de 18.1.2022 supra citado como corrente “intermédia ou mitigada, segundo a qual, desde que hajam sido efetuadas no processo executivo diligências concretas dirigidas à cobrança coerciva do crédito exequendo, o resultado obtido, ainda que por acordo das partes, deve presumidamente ser considerado como ocorrendo na sequência da atividade desenvolvida pelo agente de execução”.

Já supra referimos que aderimos à segunda orientação jurisprudencial, que considera que o direito à remuneração adicional depende da existência de um nexo de causalidade entre a atividade desenvolvida pelo AE e o valor recuperado, e explicámos os motivos deste nosso entendimento, o qual, aliás, constitui hoje o entendimento dominante.
Acrescentamos apenas que, em nosso entender, e sempre com o devido respeito por opinião divergente, não existe presunção legal de nexo de causalidade entre a atividade do agente de execução e a recuperação do valor, sendo assim, necessária “em ordem à atribuição da remuneração adicional, a apreciação da relevância – atual ou potencial - da intervenção do agente de execução para a satisfação do crédito exequendo” a qual “não pode deixar de ser casuística”, tal como se afirma no Acórdão do STJ, de 18.1.2022 já anteriormente citado.

O art. 50º, nº 10 da Portaria estabelece que nos casos em que, na sequência de diligência de penhora de bens móveis do executado seguida da sua citação seja recuperada ou garantida a totalidade dos créditos em dívida, o agente de execução tem direito a uma remuneração adicional mínima de 1 UC, quando o valor da remuneração adicional apurada nos termos previstos na tabela do anexo VIII seja inferior a esse montante.

Por um lado, esta norma rege unicamente para a penhora de bens móveis, e não para as penhoras de bens em geral.
Por outro lado, de acordo com a interpretação que dela fazemos, a norma não rege sobre os requisitos de que depende o direito de recebimento de remuneração adicional, mas unicamente sobre o valor mínimo dessa remuneração, desde que ela seja devida, matéria que a norma em análise não regula.
O nº 10 do art. 50º pressupõe que há lugar a remuneração adicional, mas que ela é de valor inferior a 1UC, de acordo com os critérios previstos no anexo VIII da tabela, e determina que, quando assim suceder, no mínimo, o AE tem sempre direito a receber 1 UC.
Esta norma nada estabelece quanto aos critérios de que depende o direito ao recebimento da remuneração adicional e, por isso, no nosso entendimento, e sempre ressalvado o respeito que nos merece opinião díspar, dela não se pode retirar a conclusão de que se presume que o valor recuperado após a penhora ocorreu na sequência de diligências realizadas pelo AE.

Por conseguinte, a remuneração adicional só é devida se se puder concluir pela existência de um nexo de causalidade entre a atividade desenvolvida pelo AE e o valor recuperado.
Não estando, no caso, demonstrada a existência de tal nexo de causalidade, mas tão só uma sucessão temporal, é de concluir que não é devida qualquer remuneração adicional à Sr.ª AE.
Por conseguinte, o recurso procede, sendo de revogar a decisão recorrida, e devendo a reclamação ser julgada procedente, excluindo-se da nota apresentada pela Sr.ª AE o valor relativo à remuneração adicional.
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Perante esta conclusão fica prejudicada a apreciação da segunda questão recursória relativa à redução em 20% da remuneração adicional, pois a mesma tinha como pressuposto que essa remuneração fosse devida.
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Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º, do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que a elas houver dado causa, entendendo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção, ou, não havendo vencimento, quem do processo tirou proveito.
Tendo o recurso sido julgado procedente, é a recorrida responsável pelo pagamento das custas, em conformidade com a disposição legal citada.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogam a decisão recorrida e consideram procedente a reclamação deduzida por EMP01..., S.A. quanto à nota de honorários apresentada pela Sr.ª AE, determinando que seja excluída dessa nota a quantia de € 5 242,20 relativa à remuneração adicional, devendo a nota ser reformulada em conformidade com esta exclusão.

Custas pela recorrida.
Notifique.
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Sumário (da responsabilidade da relatora, conforme art. 663º, nº 7, do CPC):

I - No tocante ao sistema de remuneração do agente de execução é de concluir que a Portaria nº 282/2013, de 29.8, consagra um sistema misto, constituído por uma remuneração fixa, calculada em função dos atos praticados no processo nos termos da tabela do anexo VII (art. 50º, nº 1), e por uma remuneração variável, calculada nos termos da tabela do anexo VIII, que constitui a remuneração adicional (art. 50º, nº 9).
II - A remuneração adicional, na medida em que acresce à remuneração fixa devida pela atividade do agente de execução no processo e constitui um prémio pela atividade desenvolvida, sendo instituída como incentivo para que o mesmo tenha uma atividade que potencie a eficácia e eficiência da recuperação e garantia do crédito, só é devida desde que tal finalidade seja concretamente alcançada, ou seja, desde que exista um nexo de causalidade entre a concreta atividade desenvolvida e a obtenção, para o processo executivo, de valores recuperados ou garantidos ao exequente.
III - Tal remuneração adicional não é devida de forma automática por os valores serem pagos ou recuperados depois da prática de atos pelo agente de execução, mas sem que entre uns e outros exista qualquer nexo de causalidade, mas tão só uma mera sequência cronológica.
IV - Estando apenas provado que o pagamento foi feito no âmbito de uma cessão de créditos realizada entre a exequente e um dos executados, ocorrida em data posterior à da realização da penhora e já na fase de venda, e não permitindo a factualidade provada sustentar que exista nexo de causalidade entre a atividade desenvolvida pela Sr.ª AE e o pagamento, mas tão só uma mera sucessão cronológica de atos, não é devida a remuneração adicional.
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Guimarães, 15 de fevereiro de 2024

(Relatora) Rosália Cunha
(1º/ª Adjunto/a) Maria João Marques Pinto de Matos
(2º/ª Adjunto/a) Fernando Manuel Barroso Cabanelas