Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
737/17.5T8VNF-A.G1
Relator: ALEXANDRA VIANA LOPES
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
INSOLVÊNCIA
CASO JULGADO
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/21/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. Não existe identidade de objeto processual entre o processo de insolvência, na sua fase inicial declarativa que aprecia o pedido de insolvência, e o processo executivo posterior instaurado pela mesma parte, para efeitos da exceção de caso julgado, nos termos dos arts.577º/e), 580º e 581º do C. P. Civil, ainda que o crédito do requerente/credor invocado na petição inicial da insolvência corresponda à causa de pedir incorporada nos títulos executivos dados à execução na ação executiva subsequente, tendo em conta:
a) Que na fase declarativa do processo insolvência é thema decidendum o apuramento da impossibilidade do devedor em satisfazer as suas obrigações vencidas (art.3º do CIRE), configurando a justificação do crédito do requerente/credor a sua legitimidade e sendo o seu apuramento sumário realizado em função do apuramento da situação da insolvência (arts.20º/1-b) e 25º/1 do CIRE) e do efeito jurídico da sua (ou não) da decretação no dispositivo da sentença (art.36º do CIRE).
b) Que na ação executiva deve ser apresentado o título executivo, que incorpora os factos aquisitivos do crédito, com vista à satisfação coerciva da obrigação exequenda (arts.817º, 601º ss do C. Civil, 703º ss do C. P. Civil).

2. A sentença de improcedência da insolvência, decretada com base na falta de apuramento de crédito para efeitos do art.20º/1 do CIRE e na falta de apuramento de impossibilidade de cumprir obrigações vencidas, não forma necessariamente caso julgado material quanto à inexistência do crédito, nos termos e para os efeitos do art.619º do C. P. Civil, que se imponha como autoridade de caso julgado em ação de cobrança da divida instaurada após pelo mesmo credor, tendo em conta:
a) Que o apuramento e reconhecimento do crédito do requerente/credor não corresponde ao thema decidendum da fase declarativa do processo de insolvência, nem ao efeito que aí pode ser reconhecido.
b) Que o requerente/credor não está dispensado de reclamar o seu crédito no fase de reclamação, verificação e graduação de créditos, prevista no art.128º do CIRE, na qual o crédito pode ser contestado e pode vir a não ser verificado e graduado.
c) Que a fase célere e sumária da invocação, contestação e julgamento da fase declarativa do processo de insolvência (arts.23º, 25º, 30º, 35º, 44º e 45º do CIRE), não tem as garantias de contraditório, de prova, julgamento, decisão e de recurso sobre o não reconhecimento do crédito, como aquela que ocorre: na fase de verificação e graduação dos créditos no processo de insolvência (arts.128º ss do CIRE); nos processos declarativos destinados à apreciação de obrigações pecuniárias, sob a forma de processo comum (arts.584º a contrario, 3º/4, 598º, 629º ss do C. P. Civil), ou sob a forma especial para o cumprimento de obrigações pecuniárias do DL nº269/98, de 1 de setembro (art. 3º do diploma pela mesma aprovado; arts. 629º ss do C. P. Civil); nas ações executivas quando são deduzidos embargos de executado ou de terceiro (art.732º do C. P. Civil; arts.342º ss, 349º do C. Civil; arts.629º ss do C. P. Civil).
Decisão Texto Integral:
I. Relatório:

Na oposição à execução por embargos de executado, movida por R. O. e E. A., contra “M. & COMPANHIA, S. A.”, por apenso à ação executiva que lhes foi movida por esta:

1. Os embargantes:

1.1. Pediram: que se julgasse procedente a exceção de caso julgado arguida e que a embargada/exequente fosse condenada como litigante de má-fé em montante nunca inferior a €5 000,00 (cinco mil euros); que, se assim não se entendesse, se julgasse procedente a matéria da oposição e que a embargada/exequente fosse condenada como litigante de má-fé em montante nunca inferior a € 5 000,00 (cinco mil euros).

1.2. Defenderam:
a) A verificação da exceção de caso julgado e autoridade e caso julgado, em face de sentença de improcedência de ação de insolvência por falta de crédito, alegando: que no dia 27 de junho de 2014, a embargada/exequente intentou um processo de insolvência contra a empresa “X – Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda.”(doravante, abreviadamente, “X”), da qual os embargantes/executados são sócios e gerentes, que correu termos no Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão – Juiz 1, sob o processo nº1687/14.2TBBCL; que, nesse processo, a aqui embargada/exequente requereu que aquela sociedade fosse declarada insolvente com fundamento na existência de uma dívida por parte da própria empresa e dos aqui embargantes/executados na qualidade de fiadores, e também de supostas dívidas fiscais da aludida “X”; que nesse processo foi proferida sentença no dia 13 de outubro de 2015, transitada em julgado no dia 19 de outubro de 2015, que decidiu não declarar a situação de insolvência da mencionada “X” face à inexistência de factos, sentença na qual não foi dado como provado que os aqui embargantes/executados ou a sociedade “X” fossem devedores naquela data de qualquer quantia à aqui/embargada/exequente e provou-se que a aqui embargada/exequente é responsável pelos danos causados num muro da habitação dos aqui, embargantes/executados e que declarou assumir o custo da reparação num montante superior a €55 000,00 (cinquenta e cinco mil euros), razão pela qual os aludidos R. O. e E. A. não lhe liquidaram qualquer valor de que fossem devedores.
b) A inexistência de dívida certa, líquida ou exigível, não sendo os embargantes/executados devedores de qualquer quantia, seja a título de capital, seja a título de juros de mora, vencidos ou vincendos.
c) A litigância de má-fé da exequente.

2. Recebidos os embargos e notificada a exequente/embargada para se opor, esta fê-lo, defendendo:

a) O não preenchimento dos requisitos necessários à verificação da exceção de caso julgado e a inaplicabilidade da autoridade do caso julgado, nos termos dos arts.580º e 581º do C. P. Civil, tendo em conta:
a1) Que não existe identidade de pedido entre as duas ações, uma vez que na execução pretende-se a execução coerciva do crédito e na insolvência pretende-se a declaração da insolvência (e não o reconhecimento do crédito ou a condenação do devedor a pagar) e o credor/requerente não fica dispensado de subsequentemente reclamar o seu crédito, momento processual relevante para a sua apreciação.
a2) Que não existe identidade de causa de pedir uma vez que numa execução esta corresponde à obrigação exequenda e numa insolvência corresponde ao facto índice de que decorre a impossibilidade do devedor cumprir as suas obrigações vencidas (tendo na insolvência alegado que a requerida acumulava várias dividas vencidas, como eram também as contribuições à Segurança Social e dívidas fiscais), não sendo o crédito do exequente causa de pedir mas pressuposto de legitimidade ativa.
a3) Que não existe identidade de sujeitos, uma vez que na insolvência foi requerida a sociedade e na ação executiva foram os embargantes singulares; que na sentença que julgou improcedente a insolvência provaram-se todos os factos constitutivos do crédito da requerente e que fundamentam a instauração da ação executiva e não se provou qualquer facto extintivo daquela dívida exequenda cuja alegação e prova competia à sociedade, razão pela qual apenas se pode interpretar que o crédito da exequente não foi considerado para efeitos falimentares enquanto incumprimento revelador de uma situação de insolvência ou de uma situação de falta de meios.
b) A inconstitucionalidade dos arts.580º e 581º do C. P. Civil, por violação do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva e a um processo equitativo, previstos no art.20º/1 e 4 da C. República Portuguesa, se os mesmos fossem interpretados para considerar que a sentença de insolvência se impunha com a autoridade de caso julgado quanto ao crédito do credor, tendo em conta:
b1) Que a fase da declaração da insolvência, assente em princípios de celeridade e de simplicidade, não assegura as garantias necessárias a uma decisão com exercício pleno e exaustivo dos direitos de defesa.
b2) Que o requerente da insolvência/aqui recorrido, concordando com a sentença de improcedência da insolvência (uma vez que já não havia dívidas à Segurança Social e às Finanças e o ativo era superior ao passivo), não podia recorrer para que fosse reconhecido o seu crédito (para o que tinha provado todos os factos constitutivos e não se tinham provado factos impeditivos, modificativos ou extintivos).
b3) Que, em relação ao crédito: na ação declarativa comum, face à contestação, o autor tem 10 dias para alterar o requerimento probatório apresentado na petição inicial, alterar o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova; na insolvência o requerente, perante a exceção arguida na contestação, está cerceado de apresentar prova que tem que ser apresentada com a petição inicial, para além de ter obrigatoriamente que apresentar as testemunhas, ficando impedido de usar todas as testemunhas que conheçam os factos e não compareçam voluntariamente.
b4) Que as pessoas da relação invocada pela requerida na contestação à insolvência, como desculpa para não pagar, eram ambas terceiras a esse processo, não podendo a requerente, sequer, chamá-los a intervir como terceiros em face das limitações processuais desse processo, razão pela qual não se pode defender que estes estejam abrangidos pelo efeito da sentença.
b5) Que a M. & Filhos não assumiu a sua responsabilidade pela dívida, que a dívida se existisse estava prescrita em 2008 (por conhecimento do facto danoso em 2005) e que aos danos que existissem os executados teriam que deduzir € 20 000, 00.
c) Que os executados apenas impugnaram o art.11º do requerimento executivo inicial (estando provados os factos constitutivos da dívida exequenda alegados de 1 a 10) e não alegaram quaisquer factos impeditivos, modificativos ou extintivos, pelo que os embargos devem improceder.

3. Procedeu-se à realização da audiência prévia, na qual:
a) Verificou-se a regularidade e a validade da instância.
b) Julgou-se improcedente a invocada exceção (dilatória) de caso julgado.
c) Concluiu-se que a exceção da autoridade do caso julgado não se verificava.
d) Foi identificado o objeto do litígio e enunciaram-se os temas da prova.
e) Receberam-se os requerimentos probatórios e designou-se data para realização da audiência final.

4. Realizou-se a audiência final, com observância estrita das formalidades legais.
5. Proferiu-se sentença a 13.06.2019, nos seguintes termos:
«Nestes termos, julga-se totalmente improcedente a presente oposição à execução, mediante embargos, deduzida pelos embargantes/executados R. O. e E. A. e, em consequência, absolve-se a embargada/exequente “M. & COMPANHIA, S. A.” do pedido, determinando-se, em conformidade, o normal prosseguimento da instância executiva.
*
Não se condena a embargada/exequente “M. & COMPANHIA, S. A.” como litigante de má-fé.
*
Custas a cargo dos embargantes/executados (cfr. artigo 527º, nºs1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo do direito a protecção jurídica de que (eventualmente) beneficiem.».
6. Os embargantes interpuseram recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, no qual:
6.1. Apresentaram as seguintes conclusões:
«I- A Recorrida não provou a existência de um crédito sobre a requerida na acção n.º 1687/14.2TBBCL que correu termos na Secção de Comércio de Vila Nova de Famalicão e, por consequência, não provou a existência de um crédito sobre os ora Recorrentes;
II- Os fundamentos, alegações e documentos da acção de insolvência e da presente acção executiva são exactamente iguais;
III- Há identidade de sujeitos em ambas a acções judiciais;
IV- Há identidade de pedido;
V- Há identidade da causa de pedir;
VI- Há autoridade do caso julgado, o que implica a aceitação duma decisão proferida numa acção anterior, decisão esta que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda acção, enquanto questão prejudicial;
VII- Verifica-se a existência da excepção dilatória de caso julgado, com base na sentença proferida no processo n.º 1687/14.2TBBCL que correu termos na Secção de Comércio de Vila Nova de Famalicão;
VIII- Não foi permitido aos recorrentes produzir qualquer prova relativa à matéria constante da Petição Inicial de Embargos de Executado;
IX- Resulta da gravação da audiência de discussão e julgamento, que se junta em anexo como documento n.º 1, que não foi permitido aos Recorrentes confrontar/inquirir as suas testemunhas quanto à matéria constante da Petição Inicial de Embargos de Executado;
X- Foi negado aos Embargantes um direito essencial, o direito de produzir prova testemunhal das suas alegações;
XI- Não tendo sido permitido aos recorrentes produzir a sua prova, como resulta da transcrição de audiência de discussão julgamento, ficou o julgamento viciado nos seus fundamentos e propósitos;
XII- Existe vício de erro notório na apreciação da prova e também neste caso, do impedimento de produção da mesma.
XIII- Foi violado princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º, da C.R.P.;
XIV- Foi violado o art.º 20º, n.º 4, da C. R. P.;
XV- Deve a sessão de julgamento do dia 7 de maio 2019 ser declarada nula, devendo ser ordenada e repetição da audiência de julgamento de forma a ser permitido aos recorrentes efetuarema produção da sua prova nos termos legais;
XVI- Resulta inequívoco da sentença já transitada em julgado proferida no processo que correu termos no Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão – Juiz 1, sob o processo n.º 1687/14.2TBBCL, que os Recorrentes não são devedores de qualquer quantia à Recorrida.
XVII- A sentença judicial transitada em julgado no processo que correu termos no Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão – Juiz 1, sob o processo n.º 1687/14.2TBBCL contradiz em absoluto a tese da Recorrida, razão pela não poderia o douto Tribunal ter dado como provado que os Recorrentes são devedores da quantia peticionada pela Recorrida;
XVIII- Ao não se pronunciar sobre a matéria alegada pelos recorrentes nomeadamente nos pontos 1 a 19, 27 e 28 da Petição Inicial de Embargos de Executado, matéria esta essencial para a boa decisão sobre a causa, o douto Tribunal feriu de nulidade a sentença emitida nos termos prescritos no artigo 615º, n.º 1, alínea d), do C.P.C.;
XIX- O douto Tribunal deveria ter decidido que os recorrentes/executados não são devedores de qualquer quantia à exequente e não ter dado como provado o ponto 11. da matéria factual provada.».

6.2. Pediu:
«Neste termos requer-se a V.as Ex.as, Venerandos Juízes Desembargadores, que seja dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida e proferindo outra que julgue procedente o pedido da recorrente, fazendo assim V.as Ex.as a habitual JUSTIÇA.».
7. A embargada/exequente respondeu ao recurso de apelação, defendendo a sua improcedência:
a) Em relação à exceção e à autoridade de caso julgado, defendeu que, para além dos recorrentes não terem recorrido do despacho saneador, não existem pressupostos para reconhecer as exceções, nos termos já defendidos na contestação de embargos, invocando em seu favor argumentos defendidos no Ac. do TRP de 22/02/2011, processo n.º 5340/09.0TBVFR-B.P1, in www.dgsi.pt, e no Ac. do TRP de 15/12/2016, processo 80954/14.6YIPRT.P1, in https://www.direitoemdia.pt/document/s/2fb561.
b) Em relação à nulidade do julgamento por violação do direito à produção de prova testemunhal: que a matéria alegada pelos embargantes é de direito e a 27 a 31 é impugnativa, não sendo alegados factos sobre que produzir prova testemunhal, nomeadamente crédito dos executados sobre a sociedade M. & Filhos, SA, crédito esse que não teria também a virtualidade de fazer extinguir o crédito exequendo, salvo se se alegasse e provasse ter existido uma compensação, realidade que o acordo de 29 de junho de 2010 contraria; que, de qualquer forma, a invocação de qualquer nulidade respeitante ao desenrolar da inquirição das testemunhas não poderia ser feita em sede de recurso, mas antes através de reclamação, na própria audiência de julgamento, nos termos dos arts.195.º/ 1, 197.º/ 1 e 199.º/1 do C. P. Civil, sendo que apenas do despacho que recaísse a reclamação poderia ser recorrível; que, caso existisse qualquer nulidade, esta estaria sanada, não sendo passível de recurso.
c) Em relação à impugnação da matéria de facto, que a sentença da insolvência (e os factos aí provados) não fazem prova da inexistência da dívida, sendo que o mecanismo para evitar a incongruência de decisões se resolve pelo instituto do caso julgado e da autoridade do caso julgado, aqui não verificados.
d) Em relação à omissão de pronúncia quanto à matéria dos artigos 1 a 19, 27 e 28 da oposição à execução, esta inexiste, uma vez: que a matéria dos artigos 1 a 19 e 28, correspondente ao caso julgado, foi apreciada no despacho da audiência prévia de 11 de abril de 2017; que o artigo 27 é uma mera impugnação abstrata ao artigo 11 do requerimento executivo, julgado não provado, sendo que, de resto, o pagamento corresponde a matéria excetiva de extinção do direito, que caberia aos embargantes/recorrentes ter alegado e provado.

II. Questões a decidir:

Definem-se como questões a decidir, face às conclusões do recurso:

1. Quanto ao despacho saneador de 11 de abril de 2017:

1.1. Se foi objeto do recurso de apelação o despacho saneador que julgou não se verificarem as exceções dilatórias de caso julgado e de autoridade de caso julgado.
1.2. E, considerando-se ter sido objeto do recurso a conhecer:
a) Se ocorre exceção de caso julgado no processo nº737/17.5T8VNF com o processo de insolvência nº1687/14.2TBBCL.
b) Se, caso não ocorra exceção de caso julgado, a sentença que não decretou a insolvência no processo nº1687/14.2TBBCL se impõe com autoridade de caso julgado ao processo executivo nº737/17.5T8VNF e aos seus embargos de executado, na parte em que afirmou na fundamentação a inexistência de crédito.
2. Quanto à audiência de julgamento e à sentença recorrida de 13 de junho de 2019:
a) Se é cognoscível e, sendo, se ocorre nulidade processual da audiência de julgamento, determinante de nulidade do processado posterior e da repetição da mesma, por violação do direito dos embargantes a produzirem prova sobre os factos alegados na petição inicial, nos termos dos arts.2º e 20º/4 da C. R. Portuguesa.
b) Se não se puder conhecer ou reconhecer a nulidade de a) supra, se ocorre nulidade da sentença, nos termos do art.615º/1-d) do C. P. Civil, por falta de apreciação dos pontos 1 a 19 e 27 e 28 do requerimento inicial de embargos de executado.
c) Se a sentença não for nula, ou se a nulidade for suprida, se é apreciável, e se for, se procede a impugnação do facto 11, por contradizer a sentença do processo de insolvência nº1687/14.2TBBCL e em face do depoimento da testemunha J. M..

III. Fundamentação:

1. Matéria de facto provada:
1.1. Matéria de facto provada na sentença recorrida de 13.06.2019:

«1. No âmbito do processo de execução com o nº737/17.5T8VNF – de que os presentes autos constituem apenso –, instaurado no dia 26 de Janeiro de 2017, a embargada/exequente “M.” reclama dos embargantes/executados R. O. e E. A. o pagamento da quantia total de €79.994,12 (setenta e nove mil, novecentos e noventa e quatro euros e doze cêntimos), sendo €55.000,00 (cinquenta e cinco mil euros), a título de capital, e €24.994,12 (vinte e quatro mil, novecentos e noventa e quatro euros e doze cêntimos), a título de juros de mora vencidos, sem prejuízo dos que, entretanto já se venceram, bem como dos que irão vencer-se, até efectivo e integral pagamento.
2. Através de escrito particular, denominado ‘Arrendamento’, datado de 31 de Dezembro de 2002, a embargada/exequente – representada por J. M. e V. M., na qualidade de ‘primeiros outorgantes’ –, a sociedade “X” – representada pelo embargante/executado R. O., na qualidade de ‘segundo outorgante’ – e os embargantes/executados R. O. e E. A. – na qualidade de ‘terceiros outorgantes’ –, estipularam, além do mais, que:
(…)
Pelos Primeiros Outorgantes foi dito que a sua representada é dona e legítima possuidora da FRACÇÃO AUTÓNOMA DESIGNADA PELA LETRA “F”, destinada a estabelecimento comercial, designada por loja cinco, no rés do chão (segundo piso), no ângulo norte/nascente, a primeira a contar dos lados nascente e norte, inscrita na matriz predial urbana de Barcelos sob o artigo nº. ...-“F”, a qual faz parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal denominado “EDIFÍCIO ...”, situado na Rua … e Av. D. ..., na cidade de Barcelos (…)
Que pelo presente contrato e em nome da sua representada dão de arrendamento à representada do Segundo Outorgante, a supra identificada fracção, nos termos das cláusulas constantes dos artigos seguintes:
PRIMEIRA – O arrendamento é efectuado pelo prazo de um ano, sucessivamente renovável por iguais períodos de tempo, contando-se o seu início no dia um de Janeiro de dois mil e três.
SEGUNDA – O local arrendado destina-se à actividade de “Escritório de Imobiliária”, com renúncia a qualquer outra.
(…)
TERCEIRA – A renda anual é de DEZOITO MIL EUROS, e será paga em duodécimos mensais de mil e quinhentos euros. Porém, atendendo à necessidade de realização de obras de adaptação e ajustes convenientes do locado à finalidade da locação, convenciona-se que no primeiro ano de vigência do contrato a renda mensal será de novecentos euros.
QUARTA – A renda será paga no primeiro dia útil do mês anterior a que a fracção disser respeito, nos escritórios da Primeira Outorgante (…)
A renda será actualizada anualmente em função do coeficiente aprovado pelo Governo (…) para este tipo de arrendamento.
(…)
Pelo Segundo Outorgante foi dito que, para a sua representada, aceita este arrendamento nos termos exarados.
Pelos Terceiros Outorgantes foi dito que se declaram fiadores e principais pagadores da locatária, respondendo voluntariamente com ela pelo pontual cumprimento das obrigações por esta assumidas, ficando pessoalmente obrigados perante a locadora pelo prazo deste contrato, todas as suas prorrogações e eventuais aumentos de renda, com expressa renúncia ao benefício da excussão, subsistindo a fiança mesmo depois de decorridos cinco anos sobre o início da primeira prorrogação.
Os Terceiros Outorgantes têm conhecimento que os termos e carácter garantístico desta cláusula são, para a locadora, razão essencial de contratar.
(…)
3. No escrito referido em 2. consta aposta a assinatura, entre o mais, dos embargantes/executados.
4. A embargada/exequente, no dia 18 de Janeiro de 2010, por via de notificação judicial avulsa, notificou a sociedade “X”, dando-lhe conhecimento que (…) A. A Requerida é devedora da quantia total de € 56.555,74 (cinquenta e seis mil quinhentos e cinquenta e cinco euros e setenta e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa comercial, referente às rendas dos meses de Março de 2007 a Dezembro de 2009, ambas inclusive, do contrato de arrendamento descrito (…) B. A Requerente resolveu, por causa daquele incumprimento, o contrato de arrendamento descrito (…) C. A Requerida está obrigada, no prazo impreterível de três meses, a desocupar o locado, deixando-o livre de pessoas e bens, e a repará-lo de eventuais deteriorações e danos. D. A Requerida está obrigada a pagar as rendas vincendas até entrega efectiva do locado, as quais serão elevadas para o dobro em caso de mora. E. A Requerida pode opor-se à resolução, através do pagamento da quantia referia em A, acrescida de uma indemnização igual a 50% do que for devido, no prazo de três meses (…).
5. Por meio de escrito particular, denominado ‘Acordo de Cessão de Créditos’, datado de 29 de Junho de 2010, a embargada/exequente – na qualidade de ‘primeira outorgante – declarou ceder à sociedade “M. & Filhos, S. A.” – na qualidade de ‘segunda outorgante’ – (…) os créditos de que é titular sobre a sociedade X (…) e sobre R. O. e mulher E. A., resultantes da relação locatícia descrita nos considerandos iniciais (…) A cessão de créditos importa a transmissão para a Segunda Outorgante de todas as garantias e acessórios do crédito transmitido (…).
6. Nos considerandos iniciais do escrito referido em 5. fez-se constar, além do mais, que:
(…)
§ 1 – Por contrato celebrado aos trinta e um de Dezembro de dois mil e dois, a PRIMEIRA OUTORGANTE deu de arrendamento à sociedade “X” (…) a qual aceitou, a “FRACÇÃO AUTÓNOMA DESIGNADA PELA LETRA “F”, destinada a estabelecimento comercial, designada por loja cinco, no rés-do-chão (segundo piso), no ângulo norte/nascente, a primeira a contar dos lados nascente e norte, inscrita na matriz predial urbana de Barcelos sob o artigo nº. ...-F, a qual faz parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal denominado “EDIFÍCIO ...”, situado na Rua ... e Av. D. ..., na cidade de Barcelos, pela renda mensal de mil e quinhentos euros, actualizável anualmente em função do coeficiente aprovado pelo governo, e a ser paga no primeiro dia útil do mês anterior ao que dissesse respeito, nos escritórios da locadora ou onde esta indicasse.
§ 2 – Desde a renda correspondente ao mês de Março de dois mil e sete, inclusive, que a sociedade “X” (…) não pagou qualquer outra renda do mencionado contrato de arrendamento, cujos valores mensais, atendendo às sucessivas actualizações, correspondiam no ano de 2007 a 1.618,45€, no ano de 2008 a 1658,91€, e no ano de 2009 e 2010 a 1705,36€.
§ 3 – Com fundamento naquele incumprimento, através de notificação judicial avulsa, distribuída em onze de Novembro de dois mil e nove e cumprida em dezoito de Janeiro de dois mil e dez, a PRIMEIRA OUTORGANTE resolveu o contrato de arrendamento referido em § 1.
§ 4 – No dia quinze de Maio de dois mil e dez, a sociedade “X” (…) entregou à PRIMEIRA OUTORGANTE a fracção arrendada (…)
§ 5 – No âmbito do descrito contrato de arrendamento R. O. (…) e mulher E. A. (…) declaram-se fiadores da sociedade “X” (…)
§ 6 – Encontra-se pendente, para cobrança parcial dos referidos créditos, uma execução movida pela Primeira Outorgante contra a sociedade X (…) que corre termos no 4.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Barcelos, sob o n.º 1415/10.1TBBCL.
(…)
7. Por meio de escrito particular, denominado ‘Acordo de Pagamento de Dívida’, datado de 29 de Junho de 2010, a sociedade “M. & Filhos, S. A.” – na qualidade de ‘primeira outorgante’ –, a sociedade “X” – na qualidade de ‘segunda outorgante’ – e os embargantes/executados R. O. e E. A. – na qualidade de ‘terceiros outorgantes’ – convencionaram, além do mais, que:
(…)

CONSIDERANDO QUE OS OUTORGANTES ACEITAM E RECONHECEM QUE:

§ 1 – Por contrato celebrado aos trinta e um de Dezembro de dois mil e dois, a sociedade M. & COMPANHIA, S. A. (…) deu de arrendamento à sociedade “X” (…) a qual aceitou, a “FRACÇÃO AUTÓNOMA DESIGNADA PELA LETRA “F”, destinada a estabelecimento comercial, designada por loja cinco, no rés-do-chão (segundo piso), no ângulo norte/nascente, a primeira a contar dos lados nascente e norte, inscrita na matriz predial urbana de Barcelos sob o artigo nº. ...-F, a qual faz parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal denominado “EDIFÍCIO ...”, situado na Rua ... e Av. D. ..., na cidade de Barcelos, pela renda mensal de mil e quinhentos euros, actualizável anualmente em função do coeficiente aprovado pelo governo, e a ser paga no primeiro dia útil do mês anterior ao que dissesse respeito, nos escritórios da locadora ou onde esta indicasse.
§ 2 – Desde a renda correspondente ao mês de Março de dois mil e sete, inclusive, que a SEGUNDA OUTORGANTE não pagou qualquer outra renda do mencionado contrato de arrendamento, cujos valores mensais, atendendo às sucessivas actualizações, correspondiam no ano de 2007 a 1.618,45€, no ano de 2008 a 1658,91€, e no ano de 2009 e 2010 a 1705,36€.
§ 3 – Com fundamento naquele incumprimento, através de notificação judicial avulsa, distribuída em onze de Novembro de dois mil e nove e cumprida em dezoito de Janeiro de dois mil e dez, a sociedade M. & COMPANHIA, S. A. resolveu o contrato de arrendamento referido no § 1.
§ 4 – No dia quinze de Maio de dois mil e dez, a SEGUNDA OUTORGANTE entregou à sociedade M. & COMPANHIA, S. A., livre de pessoas e bens, a fracção arrendada (…)
§ 5 – Na presente data a sociedade M. & COMPANHIA, S. A. cedeu à PRIMEIRA OUTORGANTE os créditos que detinha sobre a SEGUNDA e os TERCEIROS OUTORGANTES, resultantes da relação locatícia supra descrita.

Pelos Outorgantes foi acordado o pagamento da dívida descrita nos considerandos iniciais, nos termos das seguintes cláusulas:

PRIMEIRA – 1) – Os OUTORGANTES consolidam a dívida da SEGUNDA e TERCEIROS OUTORGANTES em 75.000,00€ (setenta e cinco mil euros), incluindo-se nesse montante as rendas vencidas durante o contrato de arrendamento referido no § 1 dos considerandos iniciais, as indemnizações previstas no n.º 1 e n.º 2 do art. 1045.º do Código Civil atinentes ao período temporal decorrido entre a resolução da relação locatícia e a entrega do locado, os juros de mora e todos os demais créditos advenientes daquele contrato. 2) – Porém, a PRIMEIRA OUTORGANTE reduz a dívida consolidada ao montante de 55.000,00€ (cinquenta e cinco mil euros).
SEGUNDA – 1) – A SEGUNDA OUTORGANTE obriga-se a pagar a dívida à PRIMEIRA OUTORGANTE, no montante de 55.000,00€ (cinquenta e cinco mil euros), até ao dia vinte e nove de Dezembro de dois mil e dez, nas instalações (…)
2) – Os TERCEIROS OUTORGANTES declaram-se devedores da obrigação prevista no número anterior e assumem, com a ratificação da PRIMEIRA OUTORGANTE, a dívida da SEGUNDA OUTORGANTE, ficando com ela solidariamente responsáveis pelo respectivo cumprimento.
TERCEIRA - A PRIMEIRA OUTORGANTE, sob condição de ser verificar o pontual cumprimento da obrigação prevista na cláusula anterior, obriga-se a pagar as custas judiciais, incluindo honorários e despesas de solicitador de execução, correspondentes à execução que corre termos no 4.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Barcelos, sob o n.º 1415/10.1TBBCL.
(…)
8. No escrito referido em 7. consta aposta a assinatura, entre o mais, dos embargantes/executados.
9. Através de escrito particular, denominado ‘Acordo de Cessão de Créditos’, datado de 30 de Maio de 2014, a sociedade “M. & Filhos, S. A.” – na qualidade de ‘segunda outorgante’ – declarou ceder à embargada/exequente – na qualidade de ‘primeira outorgante’ – (…) o crédito de que é titular sobre a sociedade X (…) e sobre R. O. e mulher E. A., descrito nos considerandos iniciais (…) A cessão do crédito importa a transmissão para a PRIMEIRA OUTORGANTE de todas as garantias e acessórios do crédito transmitido (…).
10. Nos considerandos iniciais do escrito referido em 9. fez-se constar, além do mais, que:
(…)
§ 1 – Por contrato celebrado aos trinta e um de Dezembro de dois mil e dois, a PRIMEIRA OUTORGANTE deu de arrendamento à sociedade “X” (…) a qual aceitou, a “FRACÇÃO AUTÓNOMA DESIGNADA PELA LETRA “F”, destinada a estabelecimento comercial, designada por loja cinco, no rés-do-chão (segundo piso), no ângulo norte/nascente, a primeira a contar dos lados nascente e norte, inscrita na matriz predial urbana de Barcelos sob o artigo nº. ...-F, a qual faz parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal denominado “EDIFÍCIO ...”, situado na Rua ... e Av. D. ..., na cidade de Barcelos, pela renda mensal de mil e quinhentos euros, actualizável anualmente em função do coeficiente aprovado pelo governo, e a ser paga no primeiro dia útil do mês anterior ao que dissesse respeito, nos escritórios da locadora ou onde esta indicasse.
§ 2 – Desde a renda correspondente ao mês de Março de dois mil e sete, inclusive, que a sociedade “X” (…) não pagou qualquer outra renda do mencionado contrato de arrendamento, cujos valores mensais, atendendo às sucessivas actualizações, correspondiam no ano de 2007 a 1.618,45€, no ano de 2008 a 1658,91€, e no ano de 2009 e 2010 a 1705,36€.
§ 3 – Com fundamento naquele incumprimento, através de notificação judicial avulsa, distribuída em onze de Novembro de dois mil e nove e cumprida em dezoito de Janeiro de dois mil e dez, a PRIMEIRA OUTORGANTE resolveu o contrato de arrendamento referido em § 1.
§ 4 – No dia trinta e um de Maio de dois mil e dez, a sociedade “X” (…) entregou à PRIMEIRA OUTORGANTE, livre de pessoa e bens, a fracção arrendada (…)
§ 5 – No âmbito do descrito contrato de arrendamento R. O. (…) e mulher E. A. (…) declaram-se fiadores da sociedade “X” (…)
§ 6 – Em vinte e um de Junho de dois mil e dez a PRIMEIRA OUTORGANTE cedeu o referido crédito à SEGUNDA OUTORGANTE.
§ 7 – Na mesma data de vinte e um de Junho de dois mil e dez, a SEGUNDA OUTORGANTE celebrou um acordo com a aludida X (…) bem como com R. O. e mulher E. A., através do qual consolidaram o referido crédito na quantia de 55.000,00€ (cinquenta e cinco mil euros), a ser paga até ao dia vinte e nove de Dezembro de dois mil e dez.
(…)
11. O valor de €55.000,00 (cinquenta e cinco mil euros), mencionado no escrito particular referido em 7., mantém-se por pagar.».

1.2. Matéria de facto aditada oficiosamente neste Tribunal da Relação, nos termos do art.663º/2 do C. P. Civil, em referência ao art.607º/4 do C. P. Civil:

No processo de insolvência, movido por «M. & COMPANHIA, SA.» contra «X- Sociedade de Mediação Imobiliária, Ldª», que correu termos sob o nº1687/14.2TBBCL, no J1 do Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, proferiu-se sentença a 13.10.2015, transitada em julgado a 29.10.2015, na qual:

1. Relatou-se: a instauração da ação com invocação pela requerente da qualidade de credora da ré no valor de € 55 000, 00, a título de rendas não pagas, a dedução de oposição pela requerida; a realização da audiência de julgamento.
2. Foi decidida a exceção dilatória de ilegitimidade ativa, julgando-se a requerente parte legítima pelo facto da cessão de créditos ser eficaz à parte contrária com a citação para a ação.
3. Foi julgada como matéria de facto provada:
a) Da petição inicial: os acordos contratuais e notificação judicial avulsa referidos em 1. a 10. de III- 1.1. supra; a falta de pagamento pela requerida de qualquer renda do locado desde março de 2007.
b) Da contestação:
«10.- existe entre a empresa “M. & Filhos S. A.” e os sócios da requerida – R. O. e E. A. – um diferendo relativo a danos causados pela “M. & Filhos S. A.” no muro da residência dos referidos sócios da requerida.
11. Tais danos são da responsabilidade daquela “M. & Filhos S.A.”, conforme parecer emitido pela Câmara Municipal de … - doc. junto a fls. 55.
12. A referida empresa sempre assumiu que iria reparar os danos causados no muro da habitação dos sócios da requerida, tendo solicitado orçamento para as obras de reparação conforme se verifica.
13. Tais obras de reparação e respectivo orçamento foram objecto de vários reuniões, existindo um esboço do acordo para a reparação dos danos, cfr. doc. de fls. 64.
14. À data aquelas obras orçavam em € 51.800,00, valor ao qual acresceria o IVA em vigor.
15. A referida M. & Filhos S.A. sempre assumiu perante os sócios da requerida que iria assumir o custo da reparação do muro da habitação destes.
16. Razão pela qual até à presente data nem a requerida nem os seus sócios R. O. e E. A. liquidaram qualquer valor à empresa “M. & Filhos S.A, pois detêm sobre aquela empresa “M. & Filhos S. A., um crédito de valor superior aos € 55.000,00 que constam do acordo de pagamento celebrado em 29/06/2010.”, cfr. doc. n.º1, citado.
17. As dívidas à Segurança Social foram objecto de acordo de pagamento.
18. As dívidas fiscais foram objecto de impugnação judicial.».
4. Foi julgada como matéria de facto não provada:
«1. A requerida até à data da entrada da presente acção não pagou qualquer montante daquela referida quantia em dívida, sendo, então, devedora do montante de € 55.000.00€, 11. Ao qual acresce, os juros de mora legais às taxas comerciais vigentes, desde o respectivo vencimento até integral pagamento, que à presente data se liquidam em 17.569, 49€.
2. Além da descrita dívida, a Requerida acumula dívidas referentes às contribuições e quotizações para a Segurança Social, bem como dívidas fiscais
5. Motivou a decisão de facto, para além da menção dos documentos dos autos, na prova testemunhal, que referiu:
«Esta reduziu-se a duas testemunhas, arroladas pela requerida- o seu TOC, J. M., e um colaborador pontual, o engenheiro civil J. B.. Ambos depuseram de forma isenta, e com conhecimento de causa.
O primeiro, bastante esclarecedor, referiu que a situação da empresa não é deficitária, estando a laborar em pleno, e sendo o seu activo superior ao passivo. Concordou com a existência de dívidas ao fisco e à segurança social, mas que estão a ser pagas ou contestadas. O segundo mostrou conhecimento do acordo da requerente em proceder à correção dos danos no muro da requerida.».

6. Fundamentou de direito a decisão:

a) Com a transcrição dos arts.3º/1, 5º e 20º/1-a) a h) do CIRE.
b) Com a seguinte e única apreciação, após a enumeração das referidas três normas:
«Como se depreende do acima exposto, não se encontra reflexo dos factos provados em nenhuma destas hipóteses. Não se provou a existência de um crédito da requerente sobre a requerida, nem a impossibilidade desta em fazer face às suas obrigações de forma generalizada. Não se provou, sequer, a existência de quaisquer outras dívidas, a não ser aquelas que estão a ser pagas, ou contestadas judicialmente (fisco e segurança social). O mesmo se diga quanto ao resto das alíneas do art.20º CIRE”.

Assim, face à inexistência de factos, absolvo a requerida X- Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda. do pedido, não declarando a situação de insolvência.»

2. Apreciação do mérito do recurso:
2.1. Sobre o despacho saneador 11 de abril de 2017:
2.1.1. Objeto do recurso de apelação:

Os recorrentes: declararam recorrer da sentença proferida a 13 de junho de 2019; invocaram como fundamento essencial do seu recurso a defesa da verificação da exceção de caso julgado e de autoridade do caso julgado, transcrevendo parte do despacho saneador em que estas questões foram apreciadas e reagindo com a falta de razão do Juiz a quo e, noutro lado, indicando omissão de pronúncia sobre a matéria no articulado onde estes foram invocados; pediram a revogação da decisão recorrida (sem indicar qual).
Ora, a exceção de caso julgado e a autoridade do caso julgado foram decididos no despacho saneador de 11 de abril de 2017, que não foi indicado expressamente nas alegações e nas conclusões do recurso como sendo objeto do mesmo.
Todavia, tendo as alegações e as conclusões do recurso incidido expressamente sobre a defesa da existência da exceção e da autoridade de caso julgado apreciadas no despacho saneador e tendo sido transcrita fundamentação deste despacho onde foi feita a referida apreciação, admite-se interpretar que o despacho saneador também foi objeto de recurso, para além da sentença recorrida, apesar do pedido ter sido imperfeitamente expresso.
Assim, reapreciar-se-á de direito o despacho saneador, na parte que julgou expressamente inexistente a exceção dilatória de caso julgado no dispositivo e declarou inexistente a exceção perentória de autoridade de caso julgado (apesar de não o ter indicado formalmente no dispositivo final).

2.1.2. Apreciação do objeto do recurso:

O despacho saneador de 11 de abril de 2017 declarou não se verificar:

a) A exceção dilatória de caso julgado por considerar não existir a tríplice identidade entre a ação de insolvência e a ação executiva instaurada posteriormente: de sujeitos passivos, uma vez que na insolvência foi demandada a sociedade codevedora e na execução foram demandados os codevedores singulares; de causa de pedir, uma vez que na insolvência foi causa de pedir o facto do qual decorreria a impossibilidade do devedor cumprir as suas obrigações vencidas e na execução o facto traduziu-se na obrigação exequenda, conforme defendido pelo Ac. RL de 24.05.2011, relatado por Luís Lameiras, proferido no processo nº221/10.8TBCDV-A; de pedido, uma vez que na insolvência pretendeu-se a declaração de insolvência do devedor e na execução pretendeu-se a execução pretende-se o pagamento coercivo do crédito.
b) A autoridade de caso julgado, por o decidido na insolvência acerca da dívida não constituir uma questão condicionante ou prejudicial à sentença a proferir nos embargos de executado e o objeto da decisão proferida no processo de insolvência não se inserir no objeto destes autos, com os fundamentos transcritos do Ac. RP de 15.12.2016, relatado por Aristides Almeida, proferido no processo nº80954/14.6YIPRT.P1, onde é ressaltado: que o processo de insolvência não é um processo de partes; que a afirmação do crédito pelo credor legitima apenas a sua iniciativa processual; que a fase declarativa constitutiva do processo distingue-se da fase de execução universal em que se apreendem bens, verificam os créditos, se liquida a massa e dá pagamento aos credores, sendo que as “questões relativas à existência do crédito, ao seu montante e à sua natureza comum ou privilegiada” devem ser discutidas nesse apenso de reclamação e verificação; que, para a verificação da exceção de autoridade de caso julgado, é necessário que na nova ação os mesmos sujeitos de direito pretendam discutir de novo o mesmo facto jurídico/a mesma causa de pedir para o mesmo efeito jurídico/a efetivação de um direito, o que o Juiz a quo entendeu não se verificar nos presentes autos.
Os recorrentes opuseram-se a esta decisão, nos termos relatados em I-6 supra e a recorrida defendeu a manutenção da decisão recorrida nos termos relatados em I- 7 supra.
Assim, discute-se neste recurso de apelação: se ocorre uma exceção de caso julgado entre os dois processos; caso não ocorra, se o efeito jurídico da sentença, transitada em julgado, que julgou improcedente a insolvência da sociedade requerida, com fundamento que os factos provados não integram as alíneas do art.20º do CIRE, na “inexistência de crédito e de impossibilidade de satisfazer as obrigações” e “na inexistência de factos” (com o conteúdo provado em III- 1.2. supra), se impõe como autoridade de caso julgado nos autos de ação executiva posteriores, instaurados pela requerente contra os fiadores solidários da requerida dessa ação, com base nos mesmos contratos que constituíram um os elementos da causa de pedir da referida primeira ação.
Impõe-se, desta forma, reapreciar a decisão recorrida nos termos do direito aplicável e do quadro concreto das ações em discussão.

2.1.2.1. A sentença que decida a relação material controvertida, que não seja passível de recurso ordinário ou de reclamação e tenha transitada em julgado (art.628º do C. P. Civil), fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º do C. P. Civil para o caso julgado e a litispendência, ressalvado recurso extraordinário de revisão dos arts.696º do C. P. Civil (art.619º do C. P. Civil) e sem prejuízo da oposição à execução baseada em sentença transitada em julgado (art.729º do C. P. Civil).

Esta imutabilidade e indiscutibilidade da decisão transitada em julgado, como «garantia processual de fonte constitucional enquanto expressão do princípio da segurança jurídica, própria do Estado de Direito (cf. artigo 2.º da Constituição)»(1), manifesta-se, de acordo com a construção doutrinária e jurisprudencial do caso julgado:

a) Num efeito negativo e formal, que opera como exceção dilatória e que evita que o Tribunal julgue a ação repetida (entre os mesmos sujeitos e sobre o mesmo objeto processual) e reproduza ou contradiga a decisão anterior, nos termos dos arts.577º/i), 578º, 580º e 581º do C. P. Civil:
«Entre as mesmas partes e com o mesmo objeto (isto é, com o mesmo pedido e a mesma causa de pedir), não é admissível nova discussão: o caso julgado opera negativamente, constituindo uma exceção dilatória que evita a repetição da causa (efeito negativo do caso julgado)» (2).
Neste caso, a decisão anterior impede o conhecimento do objeto posterior (3).
b) Num efeito positivo e material, que opera no conhecimento de mérito da causa, através da autoridade do caso julgado, quando, apesar de existir identidade de sujeitos ou via equiparada a esta, se está perante objetos processuais distintos.
«Entre as mesmas partes mas com objetos diferenciados, entre si e ligados por uma relação de prejudicialidade, a decisão impõe-se enquanto pressuposto material da nova decisão: o caso julgado opera positivamente, já não no plano da admissibilidade da ação mas no do mérito da causa, com ele ficando assente um elemento da causa de pedir (efeito positivo do caso julgado). (4) »
Este efeito «admite a produção de decisões de mérito sobre objetos materiais materialmente conexos, na condição da prevalência do sentido decisório da primeira decisão» (5).
Neste caso, a decisão anterior vincula a decisão de mérito do distinto objeto posterior (6).

Para Rui Pinto, a autoridade do caso julgado tem:

a) Duas exigências objetivas: uma negativa de não existir repetição de causas, por falta de algum dos requisitos do art.581º do C. P. Civil- «se uma das partes não é a mesma da primeira causa ou se a parte ativa pretende (i) obter o mesmo efeito jurídico de outros fundamentos, (ii) retirar diferente efeito jurídico dos mesmos fundamentos, ou (iii) obter diferente efeito jurídico de outros fundamentos.»; uma positiva de ocorrer «uma relação de prejudicialidade (…) ou uma relação de concurso material entre objetos processuais ou, pelo prisma da decisão, entre os efeitos do caso julgado prévio e os efeitos da causa posterior, seja quanto a um mesmo bem jurídico, seja quanto a bens jurídicos conexos».
b) Uma exigência subjetiva, para que a força vinculativa do caso julgado possa ocorrer fora do seu objeto processual: a identidade dos sujeitos do ponto de vista da sua qualidade jurídica, nos termos definidos no art.581º, pois «Seria absolutamente inconstitucional, por contrário ao artigo 20.º n.º3 da Constituição, e ilegal perante o art.3.º, que uma decisão vinculasse quem foi terceiro à causa»; ou a existência de situações em que, em alargamento da exigência subjetiva, os terceiros invoquem o caso julgado secundum eventum litis (7).
2.1.2.2. A sentença recorrida considerou não se estar perante uma identidade de sujeitos e de partes passivas entre a sociedade demandada na ação de insolvência (sociedade X/locatária do contrato de arrendamento e outorgante do acordo de pagamento) e na ação executiva (fiadores solidários da sociedade X no contrato de arrendamento e no acordo de pagamento), lidas de acordo com a sua qualidade jurídica, identidade essa relevante quer para efeitos de apreciação da exceção de caso julgado, quer para impor a força da autoridade de caso julgado.
Existe «identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica» (art.581º/2 do C. P. Civil).

Para Lebre de Freitas, esta identidade ocorre:

a) Por via direta, em relação às partes na sua qualidade jurídica: «havendo representação, a parte é o representado e não o representante», «transmitida a terceiro a situação substantiva de parte, depois de transitada a sentença de mérito (…) o adquirente tem a mesma qualidade jurídica do transmitente (cf. art.54º-1, CPC).».
b) Por via equiparada à estrita identidade das partes, em relação aos terceiros a quem se estenda a eficácia do caso julgado: «aos terceiros juridicamente indiferentes (…); aos titulares de situação jurídica concorrente com a que a sentença reconheceu (credor ou devedor solidário…); aos titulares de situação jurídica cuja conservação (subcontrato) ou constituição (…) dependa do exercício da vontade negocial duma das partes no processo; ao sócio que não impugne a deliberação social; ao chamado a intervir como parte acessória ou principal que não intervenha; ao adquirente de direito litigioso ou do direito já reconhecido ou constituído pela sentença e aos outros substituídos processuais.» (8).
Para Rui Pinto «A abrangência de transmissários ou sucessores significa que o caso julgado pode ser oposto ao cessionário, herdeiro ou adquirente do direito, mas não a codevedores, parciários ou solidários, a devedores subsidiários, e em geral, aos sujeitos que poderiam participar em litisconsórcio voluntário: eles não têm a mesma qualidade jurídica.», sem prejuízo do terceiro poder aproveitar o caso julgado nas situações em que a lei previu uma extensão subjetiva do caso julgado secundum eventum litis (como nos casos dos arts.522º e 635º do C. Civil); neste caso, no seu entender, «o que os terceiros invocarão não será a exceção de caso julgado, mas, sim, a autoridade do caso julgado. Por outras palavras, e por ex., o fiador que invoca a decisão que extinguiu o crédito afiançado entre o credor e o devedor principal não pedirá a sua absolvição da instância, nos termos do art.576.º n.º2 primeira parte e 577.º al. i), mas a absolvição do pedido».
Assim, o caso julgado favorável a um dos devedores pode estender-se aos fiadores/devedores solidários, a pedido destes, nos arts.522º e 635º do C. Civil: nas obrigações solidárias, em geral, «O caso julgado entre o credor e um dos devedores não é oponível aos restantes devedores, mas pode ser oposto por estes, desde que se baseie em fundamento que respeite pessoalmente àquele devedor.» (art.522º do C. Civil); na fiança, em particular, «O caso julgado entre credor e devedor não é oponível ao fiador, mas a este é lícito invoca-lo em seu benefício, salvo se respeitar a circunstâncias pessoais do devedor que não excluam a responsabilidade do fiador.» (art.635º do C. Civil).

Neste caso em apreciação, apesar de não existir uma identidade de partes em sentido próprio entre a sociedade locatária/obrigada demandada no processo de insolvência e os seus fiadores solidários/principais pagadores demandados na ação executiva, estes poderiam, como fizeram, pedir o aproveitamento do caso julgado que lhes fosse favorável e não baseado em motivos pessoais do devedor, sem prejuízo da apreciação que dessa invocação se faça em 2.1.2.3. e 2.1.2.4. infra, em relação aos demais pressupostos referidos em 2.1.2.1. supra.

2.1.2.3. A sentença recorrida entendeu, ainda, e no que se refere aos objetos processuais (nos termos melhor discriminados em 2.1.2. supra):

a) Que não existia identidade entre o objeto processual da ação de insolvência e o objeto processual da ação executiva, nas suas causas de pedir e pedidos, relevante para a exceção de caso julgado.
b) Que não existia, entre os objetos processuais distintos, também, uma relação de condicionamento e prejudicialidade, relevante(s) para efeito da imposição da autoridade de caso julgado da sentença da primeira ação na segunda ação e na apreciação de mérito dos embargos a si apostos.
A. Numa primeira ordem de abordagem, importa apreciar o objeto processual de cada uma das ações e processos de insolvência e de execução em geral (na sua causa de pedir e efeitos jurídicos), as garantias da tramitação processual de cada um e a repercussão de todos na apreciação da identidade e da conexão dos objetos processuais e na apreciação da formação do caso julgado das decisões.

A1. Por um lado, a ação de insolvência, com processo especial:
a) Tem como fundamento uma «situação de insolvência de um devedor», considerada como aquela em que este «se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações.» (art.3º do CIRE).
b) Constitui um processo «de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência (…) ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores.» (art.1º do CIRE), processo este integrado:
b1) Por uma fase declarativa constitutiva de declaração de insolvência (art.10º/3-c) do C. P. Civil; arts.18º a 45º do CIRE).

Nesta fase, é conferida legitimidade processual a qualquer credor do devedor, ainda que condicional, para requerer a insolvência deste, verificando-se algum ou alguns dos factos índice previstos no art.20º/1-a) a h) do CIRE, nomeadamente: «Falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações.» (al. b); «Incumprimento generalizado, nos últimos seis meses, de dívidas de algum dos seguintes tipos: (i) Tributárias; (ii) De contribuições e quotizações para a segurança social; (…) (iv) Rendas de qualquer tipo de locação (…), relativamente ao local em que o devedor realize a sua actividade ou tenha a sua sede ou residência.» (al. g).
Este credor, na sua petição inicial: deve observar os requisitos gerais da forma e conteúdo da petição inicial- exposição dos «factos que integram os pressupostos da declaração requerida», conclusão «com o pedido correspondente», identificação «dos administradores, de direito e de facto, do devedor e os seus cinco maiores credores, com exclusão do próprio requerente» e junção de «certidão (…) do registo comercial ou de outro registo público a que o devedor esteja eventualmente sujeito»(art.23º/1, 2-b) e d) do CIRE); deve observar os requisitos específicos exigíveis «justificar na petição a origem, a natureza e montante do seu crédito, (…) e oferecer com ela os elementos que possua relativamente ao ativo e passivo do devedor» e «oferecer todos os meios de prova de que disponha, ficando obrigado a apresentar as testemunhas arroladas, com os limites do art.511º do Código de Processo Civil» (art.25º/1 e 2 do CIRE).
O devedor pode opor-se em 10 dias, com base «na inexistência do facto que fundamenta o pedido formulado ou na inexistência de situação de insolvência», oferecendo as provas na oposição (arts.30º/1 e 3 e 25º/2 do CIRE).
A audiência realiza-se nos 5 dias subsequentes, caso em que, comparecendo ambas as partes, o juiz profere despacho a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas de prova, produzem-se a prova e as alegações, sendo a sentença proferida após para a ata ou, se não o puder ser, no prazo de 5 dias subsequentes (art.35º/1, 5 a 8 do CIRE).
A sentença pode basear-se em factos investigados pelo Tribunal para além da alegação das partes (art.11º do CIRE) e, sendo declaratória da insolvência, deve observar os requisitos do art.36º do CIRE (nos quais não se integra a decisão, no dispositivo, de reconhecimento de qualquer um dos créditos que tenha sido invocado na causa de pedir).
b2) Por uma fase de execução coerciva, na qual, os procedimentos processados por apenso ao processo de insolvência, destinam-se: à apreensão e à administração de bens apreendidos; à verificação e à graduação dos créditos reclamados; à liquidação da massa e ao pagamento aos credores (arts.46º ss do CIRE).

Nesta fase, e no segmento declarativo com vista à verificação e graduação dos créditos:
Todos os credores que pretendam ser pagos pela insolvência devem reclamar os seus créditos no prazo fixado na sentença que a decretou, mesmo o credor que tenha o seu crédito reconhecido, com todos os requisitos de alegação necessários a reconhecê-lo e a graduá-lo (art.128º/1-a) a e) e/a 5 do CIRE). É entendimento maioritário que mesmo o credor/requerente da insolvência tem este ónus de reclamação que cabe aos credores (9), caso pretenda que o crédito seja apreciado obrigatoriamente pelo administrador da insolvência na lista de créditos a elaborar (10). Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, apesar de entenderem que este requerente/credor pode estar em princípio dispensado de reclamar, acabam por reconhecer um carácter de provisoriedade à invocação e alegação do crédito realizada pelo credor na petição inicial do processo de insolvência, que configura a fase declarativa prévia, quando referem «O mais que pode acontecer é os elementos do seu requerimento inicial não serem suficientes para o reconhecimento do crédito ou conduzirem a um reconhecimento que não corresponda à sua verdadeira individualização. Neste caso, tem o requerente de, no prazo da reclamação, completar ou retificar os elementos constantes do requerimento de declaração de insolvência», ficando a prevalecer a reclamação sobre o requerimento inicial (11). De acordo com Catarina Serra, «Esta reclamação de créditos representa, assim, no processo de insolvência, o requerimento executivo dos credores.» (12)
No prazo de 15 dias após o prazo para estas reclamações, o administrador da insolvência apresenta uma lista com os credores reconhecidos e os credores não reconhecidos (art.129º do CIRE), perante a qual se abre o contraditório de todos os interessados, passível de resposta: qualquer interessado, nomeadamente o devedor (13), pode impugnar a lista de credores reconhecidos e não reconhecidos (14), no prazo de 10 dias, «com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou na incorrecção do montante ou da qualificação dos créditos reconhecidos», apresentando todas as provas (arts.130º e 134º do CIRE); após, qualquer interessado, nomeadamente o devedor/insolvente, pode responder no prazo de 10 dias, sob pena da impugnação ser julgada procedente, devendo apresentar todas as provas (arts.131º e 134º do CIRE).
Após a patenteação das reclamações e documentos (art.133º do CIRE) e a emissão de parecer da comissão de credores (art.135º do CIRE), segue-se a fase de saneamento de processo (art.136º do CIRE), da prova que deva ser realizada antes da audiência, a concluir em 20 dias (art.137º do CIRE), da audiência de julgamento a realizar em 10 dias, com as formalidades do processo comum, acrescidas de especialidades (arts.138º e 139º do CIRE), da sentença de verificação e graduação de créditos, a realizar nos 10 dias subsequentes (art.140º do CIRE).

Por outro lado, na ação e processo executivo para a cobrança de um crédito:

a) É fundamento o título executivo, que representa a causa de pedir quanto aos factos principais aquisitivos do direito no mesmo incorporados (15).
b) Tem como finalidade a satisfação coerciva do crédito incorporado no título executivo, através dos bens do devedor (arts.601º ss e 817º ss do C. Civil; arts. 703º ss do C. P. Civil).
c) A execução pode sofrer oposição, mediante embargos de executado a deduzir em 20 dias, que pode obter resposta do exequente/embargado no prazo de 20 dias, após o que se seguem os termos do processo comum declarativo, nomeadamente em fase de saneamento, audiência de julgamento e prolação de sentença (arts.728º ss a 732º do C. P. Civil).

A2. Os fundamentos e as finalidades processuais indicados em A1 e as diferentes tramitações, permitem verificar:

Por um lado, não existe identidade de objeto processual entre o processo de insolvência na fase declarativa e o processo executivo. Registam também estas diferenças, de forma a que se adere, nomeadamente, o acórdão da Relação de 15.12.2016, relatado por Aristides Rodrigues Almeida (16), e o acórdão da Relação de Lisboa de 22.11.2011, relatado por Luís Lameiras (17).

De facto, no processo de insolvência, que não constituiu um processo privado de partes mas um processo público: na primeira fase declarativa o thema decidendum é o da verificação da impossibilidade do devedor satisfazer as suas obrigações vencidas (e não o reconhecimento do crédito), apesar de para o efeito, a petição inicial de pedido apresentado pelo credor dever justificar o crédito deste, nos termos do art.25º do CIRE e para poder integrar o corpo e alguma das alíneas dos factos índices presuntivos duma situação de insolvência do art.20º/1-b) e g) do CIRE), sendo a declaração ou não declaração da insolvência (com base nos factos provados, em face dos alegados e dos investigados oficiosamente pelo juiz) o único efeito jurídico decretado no dispositivo; apenas na fase estrita da reclamação, verificação e graduação de créditos, na fase mais ampla da execução universal, o thema decidendum passa a ser o apuramento e o reconhecimento ou não reconhecimento dos créditos reclamados, nomeadamente os do credor, que deverão ser objeto de decisão no dispositivo da sentença, que sobre os mesmos for proferida, nos termos assinalados dos arts.128º ss do CIRE.

No processo executivo, privado e de partes: o credor invoca o seu crédito incorporado num título para execução imediata; caso seja apresentada oposição à execução por embargos de executado, a sentença que for proferida nestes, após a tramitação específica e a remetida para o processo comum após os articulados, está expressamente prevista como fazendo caso julgado material quanto «à existência, à validade e exigibilidade da obrigação exequenda», nos termos do art.732º/6 do C. P. Civil.

Por outro lado, comparando a tramitação da fase inicial do processo de insolvência e a tramitação da fase subsequente (de reclamação, verificação e graduação nesse processo) e comparando a tramitação daquela fase e a dos demais processos em que podem ser invocadas e discutidas obrigações pecuniárias, verifica-se que a fase inicial declarativa do processo de insolvência não reveste as garantias da segunda fase do mesmo processo, nem as garantias dos demais processos em que se discutem obrigações pecuniárias e cujas sentenças de mérito sobre as mesmas revestem força de caso julgado material, nos termos do art.619º do C. P. Civil:

a) Na fase declarativa do processo de insolvência: as exceções impeditivas, modificativas e extintivas deduzidas na oposição em relação ao crédito, nem têm articulado de resposta, nem têm faculdade de apresentação de prova posterior (uma vez que esta deve ser apresentada nos articulados nos termos do art.25º/2 do CIRE, a audiência com fixação de temas e de prova e audiência realiza-se em 5 dias sem previsão de apresentação de contraprova à matéria da exceção, nos termos do art.35º do CIRE); a sentença que não declare a insolvência, que naturalmente apenas pode ser objeto de recurso quanto ao dispositivo, não permite a reapreciação de um não reconhecimento de crédito que possa constar como um dos fundamentos da improcedência, se a parte aceitar que não ocorreu uma impossibilidade de cumprir determinante da insolvência e não pretender impugnar esta decisão (art.45º do CIRE e 635º/2 do CIRE).
b) Na fase de reclamação, verificação e graduação de créditos do processo de insolvência, qualquer interessado, nomeadamente o credor requerente e reclamante: pode responder às impugnações de créditos onde tenham sido deduzidas exceções impeditivas, modificativas ou extintivas do crédito reclamado, e apresentar provas (art.131º e 134º do CIRE); pode ver produzidas provas antes do julgamento e ver julgado processo com as garantias do processo comum, com prazos mais alargados do que aqueles previstos na fase prévia declaratória da insolvência (arts.137º a 139º do CIRE); pode recorrer da sentença que não reconheça o crédito, que integra o dispositivo da sentença, desde que verificados os requisitos gerais de recorribilidade da decisão (arts.629º ss do C. P. Civil).

c) Nos demais processos que o credor pretenda o reconhecimento e condenação em obrigações pecuniárias ou que executem obrigações pecuniárias:

c1) Nas ações declarativas: no processo comum, apesar da contestação não dispor de resposta em articulado às exceções que aí forem deduzidas, dispõe de resposta em audiência prévia e da faculdade de apresentação de requerimento complementar de prova na fase do saneamento de condensação do processo, no prazo de 10 dias, que permita realizar contraprova à matéria de exceção (arts.584º a contrario, 3º/4, 598º do C. P. Civil); no processo especial para cumprimento de obrigações, aprovado pelo DL nº269/98, de 1 de setembro, que dispõe apenas de dois articulados, para além da matéria da exceção poder ser respondida na audiência nos termos gerais (art. 3º/4 do C. P. Civil), esta audiência realiza-se num prazo mais alargado de 30 dias e as partes podem aí apresentar prova, nomeadamente o autor pode apresentar prova que atenda às exceções deduzidas na contestação (art.3º do diploma anexo); em qualquer um dos processos, o autor/credor pode recorrer da sentença que não reconheça o crédito, que integra o dispositivo da sentença, desde que verificados os requisitos gerais de recorribilidade da decisão (arts.629º ss do C. P. Civil).
c2) As ações executivas, podem obter oposição: por embargos de executado, nos quais o exequente/embargado pode responder à oposição por embargos e apresentar prova, beneficiar da tramitação subsequente própria do processo comum e de sentença que faz caso julgado material quanto «à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda» (art.732º do C. P. Civil); por embargos de terceiro, nos quais as partes primitivas, nomeadamente o credor, têm direito de resposta e apresentação de prova contra a oposição por embargos e a sentença a proferir a final está prevista expressamente como tendo força de caso julgado material sobre a «existência e titularidade do direito invocado pelo embargante ou por algum dos embargados» (arts.342º ss, 349º do C. Civil); em qualquer um dos processos, o autor/credor pode recorrer da sentença que não reconheça o crédito, que integra o dispositivo da sentença, desde que verificados os requisitos gerais de recorribilidade da decisão (arts.629º ss do C. P. Civil).

A3. Em face do referido em A1 e A2, regista-se doutrina e jurisprudência, que, explícita ou implicitamente, acabam por não reconhecer força de caso julgado material à sentença de improcedência da insolvência, cuja fundamentação não tiver reconhecido o crédito invocado na petição inicial do processo de insolvência, em relação a este crédito não reconhecido, para vincular a apreciação de mérito de uma ação posterior destinada diretamente a reconhecer ou cobrar esse crédito: ou porque consideram que a invocação e o reconhecimento do crédito na fase declarativa da insolvência limita-se à verificação de um pressuposto processual de legitimidade ativa, podendo o crédito vir a ser julgado não reconhecido na fase subsequente de verificação de créditos; ou porque a apreciação do crédito se aproxima à decisão sobre o pressuposto processual, sendo apenas apta a formar um caso julgado formal, nos termos do art. 620º do C. P. Civil; ou porque, apesar do crédito invocado corresponder a uma legitimação material e substantiva, basta a sua justificação, latência a aparência do direito, sem necessidade de demonstração e comprovação e cuja falta de verificação na sentença de improcedência da insolvência não impede a discussão em ação própria; ou porque a especialidade das fases do processo de insolvência e a diversidade de objetos processuais entre a primeira fase da ação de insolvência e as ações comuns não permitem considerar que a discussão sobre o crédito na primeira fase do processo de insolvência (em que a prova realizada é sumária) revista a segurança da segunda fase ou dos processos em que o mesmo é diretamente objeto de decisão.
Catarina Serra defende que: «o que está em causa no art.20.º, n.º1, é a legitimidade processual e não a legitimidade substantiva. Sempre que se trate de um credor, por exemplo, a lei não exige que ele produza prova da qualidade que alega (por exemplo, através da apresentação de um título executivo), mas tão-só que ele proceda à justificação do crédito, através da menção de origem, de natureza e do montante do crédito (cfr.25.º, n.º1) (18); «provando-se a inexistência do direito alegado pelo requerente, o processo de insolvência deve deixar de correr no interesse deste sujeito, o que implica apenas que o credor não seja pago pelo crédito alegado. A apreciação desta factualidade ocorrer, de qualquer forma, em momento posterior (na fase de verificação de créditos) e não pode confundir-se com o momento de apreciação da legitimidade do credor para o exercício do poder de ação declarativa em que se consubstancia o pedido de declaração de insolvência.» (19).

No acórdão da Relação do Porto de 15.12.2016, proferido no processo nº80954/14.6YIPRT.P1, relatado por Aristides Rodrigues Almeida, entendeu-se, nomeadamente:

«no processo de insolvência e nos respectivos embargos a existência do crédito do requerente da insolvência constitui um pressuposto da legitimidade (processual) do credor para requerer a insolvência, não radicando nesse elemento a discussão sobre o estado de insolvência que constitui verdadeiramente o objecto do processo. A demonstração da inexistência do crédito mais do que conduzir à exclusão de qualquer dos requisitos da conformação legal do estado de insolvência, conduz sim ao afastamento do pressuposto da legitimidade processual que se havia afirmado seguindo a regra do processo civil de que para esse efeito se deve atender somente à configuração que o próprio autor dá à acção. Nessa perspectiva, pese embora esta discussão pressuponha a demonstração de factos e a respectiva qualificação jurídica, a decisão sobre a existência do crédito no processo de insolvência (estamos a falar, repete-se, da fase declarativa do processo de insolvência) está mais próxima da decisão relativa aos pressupostos processuais, a qual apenas produz caso julgado formal, cujos efeitos se restringem ao processo onde foi proferida, do que da decisão relativa ao mérito da pretensão, que essa sim pode formar caso julgado material.» (20).

No acórdão da Relação de Lisboa de 22.11.2011, proferido no processo nº433/10.4TYLSB.L1-7, relatado por Luís Lameiras, entendeu-se:

«Do nosso ponto de vista a mera justificabilidade aponta para uma comprovação não mais do que sumária. Exigindo maior intensidade na dúvida. (…)
É afinal o que é compatível com os princípios de urgência e de celeridade que subjazem à natureza de tal processo. Esse cariz urgente é expressamente afirmado no artigo 9º, nº 1, do CIRE; e, ademais, é notório a partir do quadro de tramitação acelerada que é imprimido à sua fase (inicial) declaratória, com apenas dois articulados e apresentação da prova neles (artigos 25º, nº 2, e 30º, nº 1); bem como com a imediata audiência de discussão e julgamento, onde tem lugar (sendo caso) condensação, produção de prova e sentença (artigo 35º, nºs 5 a 8). E é essa premência que é paradigma da instância insolvencial.[28]
Ora, nesse enfoque e referindo-se a lei estritamente à justificação do crédito, não se vê que a concernente prova a produzir, neste particular, possa deixar de ser uma prova meramente sumária.[29]
(…) pode acontecer que, atenta a profundidade e a consistência da controvérsia, a ampla e intensa litigiosidade, bem como as mencionadas limitações processuais, imponham que “tal demonstração [tenha] de ser efectuada pel[o] requerente mediante acção declarativa autónoma instaurada especialmente para o efeito”.
A óptica do devedor há-de ser a de intensificar a incerteza.
E assim, em súmula, se dirá; numa hipótese em que ao devedor (contra quem haja sido pedida insolvência) se permita argumentar com factos e (ou) com direito que, a procederem, se mostrem capazes de sustentar, com alicerce bastante, uma dúvida consistente acerca da existência do crédito do requerente; só superável mediante mais amplas e aprofundadas indagações e averiguações; que, nessa hipótese, estarão reunidas as condições para não poder ter por (meramente) justificado aquele crédito – dito de outro modo, para não poder ter por apurado com base em prova tão-somente indiciária, sumária, como é, neste particular, apanágio do processo de insolvência.
Será então de ter por inverificada a legitimação creditícia prevenida no início do artigo 20º, nº 1, do CIRE;[31] e, por aí, julgar improcedente o pedido da insolvência (requerido por quem substancialmente não estava, afinal, habilitado para a requerer [ou pelo menos o não conseguiu justificar]).
Naturalmente, e sempre, salvaguardada a hipótese da acção declarativa autónoma; que se suscite, para discutir a existência do crédito. Mas aí já no quadro do procedimento comum, especialmente vocacionado a esse objecto; já fora do procedimento insolvencial, de virtualidades direccionadas noutro sentido.»(21).
Salvador da Costa refere que «No plano da legitimidade, até a decisão de verificação do passivo, a consideração da qualidade de credor só depende de prova sumária de verosimilhança da titularidade de direitos de crédito.» (22)
Luiz Menezes Leitão refere que «Uma vez que a legitimidade deve ser provada pelo requerente, parece que bastará ao devedor tornar duvidosa a existência do crédito para que o tribunal tenha que indeferir o requerimento de insolvência, sem prejuízo da possibilidade de o credor continuar a poder instaurar processo judicial para a cobrança desse crédito.» (23).

B. Numa segunda ordem de abordagem, importa apreciar, em concreto, a ação de insolvência e a ação executiva em discussão, no quadro do referido em A supra.
Por um lado, a requerente da primeira ação (de insolvência) e exequente na segunda ação (executiva): na primeira demandou a sociedade locatária invocando o seu crédito (decorrente de contrato de locação, resolvido por falta de pagamento das rendas, sujeito a acordo de pagamento celebrado entre a cessionária a quem cedeu os créditos, a locatária do contrato inicial e os seus fiadores; a cessão de créditos a si), as dívidas da sociedade demandada às Finanças e à Segurança Social e a impossibilidade desta satisfazer as mesmas, pedindo a sua insolvência; na segunda ação deu à execução os contratos que fundamentaram a justificação do seu crédito na primeira ação, com vista à sua execução imediata.
Assim, não se pode reconhecer uma identidade de objeto processual entre ambas as ações, nem um concurso de objetos processuais que condicionasse a decisão da segunda ação pela decisão da primeira em relação ao crédito: apesar de haver uma identidade parcial de causa de pedir entre ambas as ações (na parte dos factos integrativos do crédito da requerente), a invocação do crédito na fase declarativa da insolvência justifica a legitimidade processual e substantiva da requerente da insolvência e destina-se a integrar um fator-índice presuntivo da invocada insolvência, em função do qual é alegado e é relevante, nos termos do art.20º/1-b) do CIRE (incumprimento revelador de impossibilidade da demandada cumprir as suas obrigações), sem que nessa fase a existência do crédito seja o thema decidendum e possa ser discutida com o rigor e a amplitude da segunda fase processual, e a alegação do crédito e a junção dos contratos que representam o mesmo, no processo executivo, corporizam a causa de pedir essencial do efeito executivo pretendido; na primeira fase do processo de insolvência o requerente pretende a declaração da insolvência da demandada (ainda que pretenda, mediatamente, na segunda fase, o futuro reconhecimento do crédito que vier a reclamar e o seu pagamento na execução universal) e o processo executivo pretende o pagamento coercivo imediato do crédito.
Por outro lado, após a tramitação célere prevista por lei e após a prova sumária realizada (sem as garantias da segunda fase do processo de insolvência e dos demais processos em que pode ser pedido o reconhecimento ou a cobrança de uma quantia pecuniária), impedir a formação do caso julgado material sobre a inexistência do crédito, conforme se referiu em 2.1.2.3. – A supra), a sentença proferida na ação de insolvência, conforme se pode verificar em III-1.2., padece ainda de uma grande indefinição e obscuridade da fundamentação, que não permitiria delimitar o caso julgado material em relação ao crédito invocado pelo credor (ainda que se entendesse que a decisão poderia vir a fazer caso julgado material quanto à falta do pressuposto do crédito).
De facto, a sentença, apesar de referir conclusivamente «Não se provou a existência de um crédito da requerente sobre a requerida, nem a impossibilidade desta fazer face às suas obrigações», di-lo após afirmar que «não se encontra reflexo dos factos provados em nenhuma» das hipóteses do art.20º do CIRE (onde são elencados os fatores índices presuntivos da insolvência), e refere no dispositivo não declarar a insolvência «face à inexistência de factos». Ora, estas asserções, todas conclusivas e indefinidas, seriam sempre insuficientes para julgar apreciado o crédito invocado pela requerente com força de caso julgado material: a sentença considerou que não foram alegados e provados factos que integrassem o art.20º do CIRE ou julgou que os factos alegados e provados não integram nenhuma destas alíneas ou não as integram suficientemente? a sentença considerou que os contratos e os factos provados pela requerente de 1 a 10 não geravam a obrigação da requerida pagar ou julgou que o crédito invocado pela requerente se havia extinguido por compensação, nos termos dos arts.847º ss do C. Civil (conclusão esta que não se pode presumir que foi realizada, não só porque a sentença nunca se referiu à compensação ou a elemento que a indicasse, como os factos provados, apesar da motivação ter referido a uma dívida da requerida, apenas se referiram a um “diferendo” entre os fiadores da requerida e a cessionária por um crédito daqueles sobre esta, que não seria invocável nos termos do artr.851º/2 do C. Civil)? a sentença, ainda que julgasse indevido o direito de crédito, fê-lo sem sentido próprio ou desconsiderou-o por outras razões, em função dos efeitos da insolvência (por os fiadores também terem créditos sobre a cedente; ou por irrelevância para revelar a impossibilidade de pagar e decretar a insolvência)?

2.1.2.4. Em face da globalidade do exposto em 2.1.2.1. e 2.1.2.3., e apesar do referido em 2.1.2.2., não se pode deixar de entender que não estão verificadas as condições para, em revisão do despacho saneador, reconhecer: nem a existência da tríplice identidade de sujeitos, pedido e de causa de pedir entre a ação de insolvência nº1687/14.2TBBCL, na sua fase declarativa, e o processo executivo nº737/17.5T8VNF, que permitisse reconhecer uma exceção dilatória de caso julgado nos embargos à execução; nem a existência da formação de um caso julgado material sobre a afirmação de inexistência do crédito (também indefinida e obscura nos termos referidos em 2.1.2.3-C supra), realizada na sentença de improcedência da insolvência nº1687/14.2TBBCL, que se impusesse na ação executiva nº737/17.5T8VNF e aos seus embargos de executado, como caso julgado vinculante da decisão de mérito a proferir nestes embargos ao processo executivo.
Assim, improcede apelação quanto à revogação do despacho saneador com estes fundamentos.

2.2. Sobre a audiência de julgamento e sentença recorrida:

2.2.1. Impõe-se apreciar a arguição realizada pelos recorrentes de nulidade processual da audiência de julgamento, determinante de nulidade do processado posterior e da repetição da mesma, por violação do direito dos embargantes a produzirem prova sobre os factos alegados na petição inicial, nos termos dos arts.2º e 20º/4 da C. R. Portuguesa.
A nulidade processual que ocorra na audiência de julgamento, por violação de qualquer uma das regras processuais a que a mesma devesse estar submetida, deveria ser sempre invocada no decurso da mesma audiência, por apenas poder corresponder a uma nulidade secundária e se tratar de ato cometido em presença do mandatário dos embargantes, nos termos dos arts.195º e 199º/1ª parte do C. P. Civil. Apenas do despacho proferido sobre a mesma, poderia ser interposto recurso nos termos gerais dos arts.629º ss do C. P. Civil.
Assim, não tendo sido apresentada reclamação pelos embargantes na audiência, a arguição da nulidade realizada neste recurso de apelação é intempestiva.

2.2.2. Impõe-se apreciar a arguição da nulidade da sentença, nos termos do art.615º/1-d) do C. P. Civil, por falta de apreciação dos pontos 1 a 19 e 27 e 28 do requerimento inicial de embargos de executado.
Devendo o Juiz apreciar todas as questões que lhe sejam submetidas, nos termos do art.608º do C. P. Civil, a sentença é nula se o juiz deixar de apreciar alguma dessas questões, nos termos do art.615º/1-d) do C. P. Civil.
Examinandos os factos alegados na petição inicial dos embargos de executado, e em relação aos quais os recorrentes invocaram omissão de pronúncia, verifica-se: que os pontos 1 a 19 correspondem aos fundamentos da invocação do caso julgado, que foram apreciados no despacho saneador de 11 de abril de 2017 e reapreciados por este Tribunal da Relação em III-2.1.- 2.1.1. e 2.1.2. supra; que os pontos 27 (afirmação da impugnação do facto 11 do requerimento executivo inicial) e 28 (afirmação conclusiva que a sociedade e os sócios nada devem à exequente/embargada, em face da sentença de improcedência da insolvência) é apenas uma impugnação da afirmação do art.11 do requerimento executivo inicial, sujeita à decisão do facto 11 da sentença (ainda que irregularmente, nos termos referidos em 2.2.3 infra).
Assim, não ocorreu qualquer omissão de pronúncia que determinasse a nulidade da sentença proferida no processo.

2.2.3. Impõe-se apreciar se deve ser conhecida a impugnação do facto provado em 11 da sentença recorrida, que os recorrentes entendem contradizer a sentença do processo de insolvência nº1687/14.2TBBCL e não ser confirmada pelo depoimento da testemunha J. M..
O facto 11 da sentença recorrida julgou provado «O valor de €55.000,00 (cinquenta e cinco mil euros), mencionado no escrito particular referido em 7., mantém-se por pagar.», referindo que este facto «representa o interesse em agir da embargada/exequente “M.” na instauração da execução dos autos principais».

Ora, este facto foi levado irregularmente à matéria de facto a decidir, em face das regras de repartição do ónus de alegação e prova que às partes compete. De facto, caberia aos embargantes, e apenas a si, alegar e provar qualquer facto extintivo da obrigação, nomeadamente por pagamento ou por outra causa de extinção de obrigações, nomeadamente por compensação, nos termos dos arts.731º do C. P. Civil e 342º/2, 762º ss e 847º ss do C. Civil.
Assim, é indiferente para as soluções plausíveis das questões de direito que este facto 11 resulte provado ou não provado, pois os recorrentes na sua petição inicial de embargos de executado não alegaram que pagaram a dívida emergente do contrato de arrendamento e do acordo de pagamento posterior, nem qualquer outro facto extintivo de obrigações (nem invocaram esse fundamento no objeto do recurso com base em prova produzida em audiência, sendo irrelevante a decisão de improcedência da insolvência, na qual, aliás, também não foi alegado e provado o pagamento).
A Relação deve abster-se de conhecer da impugnação da decisão da matéria de facto quando os factos impugnados não interfiram de modo algum na solução do caso, designadamente por não se ocorrer qualquer solução plausível da questão de direito que esteja dependente da modificação que o recorrente pretende operar no leque de factos provados ou não provado (24).
Pelo exposto, rejeita-se a apreciação da impugnação da matéria de facto 11, irrelevante para a decisão da causa.

2.2.4. Os recorrentes não apresentaram qualquer pedido de reapreciação de direito da sentença recorrida, para além da reapreciação de direito do despacho saneador que apreciou a exceção e a autoridade de caso julgado apreciada nos embargos de executado.
Assim, pelos fundamentos expostos, improcede o recurso de apelação em relação à matéria da audiência de julgamento e da sentença recorrida.

IV. Decisão:

Pelo exposto, as Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães julgam improcedente o recurso de apelação, confirmando as decisões recorridas.
*
Custas pelos recorrentes.
*
Guimarães, 21 de maio de 2020
Elaborado, revisto e assinado eletronicamente pelas Juízes Desembargadoras Relatora e Adjuntas

Alexandra Viana Lopes
Anizabel Sousa Pereira
Rosália Cunha



1. Rui Pinto, in Código de Processo Civil anotado, Almedina, vol. II, Almedina, 2018, nota 2-I ao art.619, pág.185.
2. Lebre de Freitas, in «Um polvo chamado Autoridade do Caso Julgado», pág.693, in www.portal.oa.pt
3. Ac. RG de 07.08.2014, relatado por Jorge Teixeira no processo nº600/14.TBFLG.G1.
4. Lebre de Freitas, in artigo citado in ii, pág.693
5. Rui Pinto, in obra citada in i, nota 2- II ao art.619, pág.186.
6. Ac. RG de 07.08.2014, referido supra.
7. Rui Pinto, in obra citada, notas 4- I e II ao art.581º, págs.83 a 85.
8. Lebre de Freitas, in artigo citado in ii, págs. 694 e 695.
9. Salvador da Costa, in «O concurso de credores», Almedina, 5ª edição, 2015, pág.288; Luís Menezes Leitão, in Código de Insolvência e Recuperação de Empresas anotado, 10ª Edição, Almedina, julho de 2018, nota 4 ao artigo 128º, pág.202.
10. Catarina Serra, in Lições de Direito da Insolvência, Almedina, setembro de 2019, pág.267 e 268 (sobre o ónus de reclamação).
11. Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, 3ª edição, 2015, nota 5 ao artigo 128º, pág.521.
12. Catarina Serra, in obra citada, pág.269.
13. Ana Pratas, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões, in Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, Anotado, Almedina, 2013, nota 3 ao art.130º, pág.387.
14. Luís Menezes Leitão, in obra citada, nota 2 ao art.130º, referindo-se a Maria José Costeira, in Themis, edição especial 2005, p. 31.
15. Rui Pinto, in A ação Executiva, AAFDL, 2019, Reimpressão, 136 a 138.
16. Ac. RP de 15.12.2016, relatado por Aristides Almeida, disponível in dgs.pt- http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/14cb0ab40df839ea802580a30053f2e4?OpenDocument
17. Ac. RL de 22.11.2011, relatado por Luís Lameiras, disponível in dgsi.pt- http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/-/B0A03B7221CC84E0802579720040020C
18. Catarina Serra, in obra citada, pág.117.
19. Catarina Serra, in obra citada, pág.118.
20. Ac. RP de 15.12.2016, disponível em dgs.pt, no link supra citado.
21. Ac. RL de 22.11.2011, disponível em dgs.pt, no link supra citado.
22. Salvador da Costa, in obra citada, pág.286.
23. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, in Direito da Insolvência, Almedina, 9ª edição, pág.158.
24. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime (Decreto Lei nº 303/07, de 24/08) – 2ª edição revista e atualizada, p. 298, com argumentos que mantêm inteira valia à luz do regime processual vigente.