Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
195/17.4T8VRM.G1
Relator: ANIZABEL PEREIRA
Descritores: DECISÃO SURPRESA
AUTORIDADE DE CASO JULGADO
NULIDADE DO CONTRATO DE EMPREITADA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/09/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
- A doutrina e jurisprudência referem que o instituto do caso julgado produz dois efeitos distintos: um efeito negativo exercido através da exceção dilatória do caso julgado, a qual tem por fim evitar a repetição de causas idênticas, segundo o critério já antes referido (identidade de partes; identidade de causa de pedir; identidade do pedido); um efeito positivo, através da autoridade de caso julgado, impondo a força vinculativa da decisão proferida ao próprio tribunal decisor ou a outro tribunal a quem se apresente a dita decisão anterior como questão prejudicial ou prévia face ao “ thema decidendum ” no processo posterior.
- A nossa jurisprudência vem entendendo que a autoridade do caso julgado, diversamente da exceção de caso julgado, pode funcionar, ainda que a título excepcional, independentemente da verificação da tríplice identidade (sujeitos, pedido e causa de pedir), pressupondo, porém, a decisão de determinada e concreta questão prejudicial ou prévia que não pode voltar a ser discutida.
- É indubitável a relação de prejudicialidade entre a sentença transitada em julgado e proferida em ação anterior que correu termos entre as mesmas partes e que declarou a nulidade do contrato de empreitada ( nulidade essa suscitada pelo ali réu, ora autor) e os presentes autos de verdadeira ação de cumprimento do mesmo contrato ( tomando-o por válido), de tal forma que pode ser oposta a autoridade de caso julgado, decorrente da vinculação positiva externa ao caso julgado, em sede de objetos em relação de prejudicialidade, como resulta daquela ação anterior.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:
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I- RELATÓRIO:

Em 06.12.2017, J. F. intentou a presente ação declarativa comum contra “X - Arquitectura e Construção, Lda.”, pedindo:

1) que seja declarado e reconhecido que entre a A. e a R. foi celebrado o contrato de empreitada descrito nos arts. 1.º a 3.º da p.i.;
2) que a R. seja condenada a proceder à conclusão da obra e à eliminação dos defeitos alegados nos arts. 4.º a 8.º da p.i.;
3) que a R. seja condenada a pagar ao A., a título de danos não patrimoniais descritos nos arts. 18.º a 27.º da p.i., a quantia de 2.000,00 €, acrescida de juros de mora;
4) que a R. seja condenada a pagar ao A. no que vier a liquidar-se em execução de sentença, no que concerne às despesas com o alojamento noutra casa ou não a destinar ao arrendamento, enquanto perdurarem as obras de reparação dos aludidos defeitos, tudo acrescido de juros de mora;
5) que a R. seja condenada no pagamento ao A., a título de cláusula pecuniária compulsória por mora na reparação dos defeitos, a quantia diária de 100,00 €.

Alega o A. ter celebrado com a R., em Novembro de 2013, um contrato de empreitada, tendo por objeto a remodelação de uma habitação sita no Lugar ..., ..., Gerês. Mais refere que, apesar de ter pago a totalidade do preço à R., esta ainda não executou todas as obras incluídas no aludido contrato, sendo que, em Outubro de 2017, começaram a aparecer defeitos na parte da obra efetivamente executada.
Na sua contestação, além de ter excecionado a incompetência territorial e de ter pedido a condenação como litigante de má fé do autor e ainda impugnado a matéria alegada na p.i., a R. fez menção, no art. 23º, à interposição por si de uma ação - com o n.º 366/15.8T8VVD, do Tribunal de Vila Verde, Instância Local Cível - J1 -, no âmbito da qual o ora A. foi ali condenado a pagar a quantia em dívida pelo trabalho realizado pela R. Ainda fez consignar que naquela ação o A. não alegou que a Ré não havia executado todas as obras contratadas, nem alegou quaisquer defeitos, apenas e tão somente suscitou naquela ação a nulidade do contrato de empreitada realizado com a ora R e que todos os trabalhos realizados teriam sido pagos.
O A em requerimento apenas se pronunciou quanto à exceção da incompetência territorial e ligitância de má fé.
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Foi proferido despacho saneador e produzida prova pericial.
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No início da audiência de julgamento, conta da ata que:

“pelo tribunal foi ordenada a junção aos autos certidão da petição inicial, contestação e sentença proferida no âmbito do processo nº 366/15.8T8VVD, da Instância Local Cível J1 de Vila Verde, com nota de trânsito em julgado, o que foi realizado de imediato.
Pelo Mm.º Juiz foi então dito que a alusão a tal processo já vem da contestação da ré nos presentes autos, tendo procedido à sua consulta e verificado que o contrato aqui em causa foi declarado nulo por sentença ali proferida, já transitada em julgado em 15.06.2016. À luz desta circunstância, o tribunal deverá retirar as devidas e necessárias consequências.
Determinou a notificação da referida certidão às partes, bem como para, querendo, se pronunciarem.
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Dado conhecimento e entregue aos Ilustres Mandatários cópia de tal certidão, por ambos foi requerido um prazo de alguns minutos para consulta e análise da mesma certidão, o que foi deferido. Pelos mesmos foi dito, após consulta, nada terem a requerer.”
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Após, pelo Mmo. Juiz de Direito foi proferida sentença, na qual se lê, além do mais:

No caso vertente, apesar da diferença dos pedidos, há identidade perfeita de sujeitos entre a presente acção e a acção n.º 366/15.8T8VVD - sendo irrelevante, para este efeito, a posição processual que ocupam, ao invés, relevando a posição na relação jurídica material - e, pelo menos parcialmente, da causa de pedir (o contrato de empreitada na moradia do aqui A., no Lugar ..., ..., Gerês).
Porém, não deixará de se referir que, quer no tocante à factualidade relevante para efeitos da presente acção quer no tocante à possibilidade dos pedidos, deverá atender-se ao efeito positivo ou autoridade de caso julgado emanada da decisão saída do referido processo n.º 366/15.8T8VVD, do Tribunal de Vila Verde - Instância Local - Secção Cível - J1. Mesmo não existindo a tríplice identidade prevista no art.º 581.º, n.º 1, do C.P.C. - que a jurisprudência considera não ser essencial para a verificação do efeito positivo do caso julgado…

Ora, na situação vertente, o contrato de empreitada ao abrigo do qual o A. vem pedir a condenação da R. na conclusão da obra e na eliminação dos defeitos, já foi julgado nulo, por sentença transitada em julgado.

Desta forma, temos para nós como inquestionável que A. e R. encontram-se abrangidos pela autoridade de caso julgado emanada do processo n.º 366/15.8T8VVD, que se tem como prejudicial para efeitos da questão em apreço nos presentes autos.
Consequentemente, os pedidos do A. deverão ser apreciados à luz da nulidade do contrato de empreitada declarado no sobredito processo.

Ora, todos os pedidos do A. têm por fundamento o contrato de empreitada - cuja nulidade o próprio arguiu no processo n.º 366/15.8T8VVD. Porém, como vimos, por sentença transitada em julgado, foi declarada a nulidade do aludido contrato.
Em consequência do exposto, vedado está ao A. pretender a condenação da R. no cumprimento de prestações integradas nos quadros convencionais e legais do contrato de empreitada, como se este fosse válido e eficaz, no âmbito da chamada acção de cumprimento. Falece, pois, o pressuposto nuclear dessa pretensão: a validade do contrato.
E assim sendo, como entendemos que é, afigura-se manifesta a improcedência da acção.
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Por todo o previamente exposto, na manifesta improcedência da acção, decide-se absolver a R. “X - Arquitectura e Construção, Lda.” da totalidade do pedido formulado pelo A. J. F..”
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É desta decisão que vem interposto recurso pelo A, o qual termina o seu recurso formulando as seguintes conclusões ( que se transcrevem):

I. DA DECISÃO SURPRESA:

1- O Tribunal “a quo” nunca poderia proferir uma decisão desta natureza, como a que decorre dos presentes autos.
2- O n.º 3 do artigo 3.º do CPC impõe ao juiz um especial cuidado, determinando que ele deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
3- No plano das questões de direito, o princípio do contraditório exige que, antes da sentença, às partes seja facultada a discussão efetiva de todos os fundamentos de direito em que a decisão se baseie.
4- Assim sendo, o princípio do contraditório sustenta-se num direito à fiscalização recíproca das partes ao longo do processo, como garantia da participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos que apareçam como potencialmente relevantes para a decisão.
5- No caso dos autos, o Tribunal recorrido, proferiu a decisão, sem previamente, ter dado oportunidade às partes de se pronunciarem sobre a alegada violação da autoridade de caso julgado, o que diga-se, num juízo prudencial, deveria ter feito.
6- De facto, tal viciação não foi suscitada por qualquer das partes, ou pelo tribunal, em qualquer articulado ou ato processual, antes da prolação da sentença.
7- Aliás, a Ré na contestação apenas suscitou a questão da exceção de incompetência territorial, sobre a qual o Tribunal recorrido se pronunciou.
8- Acresce que, o Tribunal recorrido proferiu despacho saneador, onde além do mais referiu o seguinte: Não existem quaisquer outras excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer e que obstem a apreciação do mérito da causa.”. (sublinhado nosso)
9- Portanto, foi o próprio Meritíssimo Juiz que, concluiu no douto despacho saneador, inexistir qualquer exceção ou questão prévia que impedisse de conhecer o mérito da causa, mormente, a exceção de autoridade de caso julgado.
10- Vem agora, o Tribunal a quo, mencionar na douta sentença recorrida a verificação da autoridade de caso julgado, pelo facto de a Ré na sua contestação, ter feito menção à interposição por si de uma ação, com o processo nº 366/15.8T8VVD, a qual constatou que a causa de pedir assenta no mesmo contrato de empreitada, tendo o contrato de empreitada celebrado pelas partes, sido declarado nulo.
11- O certo é que, como o próprio Tribunal referiu, já teve conhecimento dessa outra ação na contestação apresentada pela Ré, e não obstante, posteriormente a essa contestação, veio a proferir o supra referido despacho saneador, onde expressamente referiu que não existiam outras exceções ou questões que impedissem a apreciação da causa.
12- Pelo que, é até contraditório e surpreendente.
13- Face ao supra exposto, parece evidente que a douta sentença de 1ª instância consubstanciou, de facto, uma verdadeira decisão surpresa pelo que, nesta parte, o Venerando Tribunal a quo violou o disposto no art. 3º nº 3 do Cód. Proc. Civil.

Contudo e sem prescindir,

II. DO ERRO DE JULGAMENTO:

14- No caso em apreço, o Tribunal recorrido entendeu que, o Autor e a Ré se encontram abrangidos pela autoridade de caso julgado emanada do processo nº 366/15.8T8VVD, que se tem como prejudicial para efeitos da questão em apreço nos presentes autos.
15- Com todo o respeito que devotamos ao digníssimo Tribunal a quo, é nosso humilde entendimento que não assiste qualquer razão e que a douta decisão agora colocada em crise merece censura.
16- Entre a ação referida e a presente, não só não se verificam os requisitos do caso julgado (identidade quanto ao pedido e à causa de pedir), como ainda, a decisão que foi proferida no processo nº 366/15.8T8VVD, não chegou sequer a debruçar-se sobre a relação jurídica substancial, designadamente sobre as consequências jurídicas e legais de um cumprimento defeituoso do contrato de empreitada, limitando-se apenas pela condenação do aí Réu – aqui Autor – a pagar à aí Autora – aqui Ré – o montante de 17.919,51€, acrescido de juros de mora, com fundamento na nulidade do contrato.
17- Em concreto para se verificar a exceção dilatória do caso julgado, a lei exige a verificação de uma identidade tríplice: sujeitos, pedidos e causa de pedir.
18- Quanto aos sujeitos é manifesta a existência de identidades entre os sujeitos das duas ações, a qual não se coloca em causa.
19- No entanto, no que respeita ao pedido não poderemos dizer que se tratam dos mesmos pedidos, uma vez que, na contestação formulada pelo aqui Recorrente, ali Réu, este embora tenha mencionado a nulidade do contrato por falta de forma escrita, o pedido efetivamente formulado foi o de se dar como provado o pagamento em numerário dos trabalhos executados pela aqui recorrida, ali Autora, não devendo qualquer quantia.
20- Resta, pois, apreciar da identidade, ou não, da causa de pedir de cada uma das ações, questão que justifica o desacordo do Recorrente quanto à decisão proferida.
21- A identidade de causas de pedir que releva para verificação da exceção do caso julgado afere-se pelo facto jurídico de que emergem as pretensões deduzidas.
22- Haverá identidade de causas de pedir sempre o facto jurídico concreto de que procede o direito ou interesse alegado pela parte seja o mesmo.
23- Deste modo, ocorrerá a exceção de caso julgado quando o autor pretenda ver reconhecido, na nova ação, o mesmo direito que já lhe foi negado por sentença proferida noutra ação, identificando-se esse direito não só através do seu conteúdo e objeto, mas também através da sua causa ou fonte.
24- Na ação anterior a Autora, ora Recorrida, formulou o pedido de condenação do agora Autor a pagar-lhe a quantia global de 18.676,92€ acrescida dos juros de mora, respeitante a mão-de-obra e materiais utilizados, tendo por base a fatura 2014/20.
25- A decisão aí proferida, reconheceu a nulidade do contrato de empreitada celebrado entre as partes, por falta de redução a escrito, tendo contudo. Condenado o agora Autor e recorrente, a pagar o valor de 17.919,51€, acrescido de juros de mora, com fundamento na nulidade do contrato.
26- Em suma, no caso concreto e entre as duas ações, inexiste identidade do pedido, já que, o pedido principal formulado naquela ação inicial em que a ali Autora – aqui Ré – era o de reconhecer que tinha o direito ao pagamento de uma parte da fatura pelo ali Réu – aqui Autor -, enquanto que na presente ação, os efeitos jurídicos pretendidos, são o reconhecimento do cumprimento defeituoso do contrato de empreitada, com a consequente condenação da eliminação dos defeitos, e o direito à indemnização por danos não patrimoniais.
27- Inexiste entre as duas ações identidade de causa de pedir: Na primeira ação não foram alegados factos suficientes (dado também o tipo de ação) que permitissem aferir quanto ao cumprimento defeituoso dos trabalhos efetuados e indemnização por danos não patrimoniais.
28- A causa de pedir só será considerada a mesma se o núcleo essencial dos factos integradores da previsão das várias normas concorrentes tiver sido alegado no primeiro processo.
29- Não tendo sido, como não foram, alegados factos essenciais que constituem a causa de pedir no primeiro processo, nada obsta a que seja intentada uma nova ação em que se aleguem factos até para obtenção de uma consequência/decisão jurídica de âmbitos diferentes, que apenas poderemos considerar complementares e nunca repetidos.
30- A força e autoridade do caso julgado tem “por finalidade evitar que a relação jurídica material, já definida por uma decisão com trânsito, possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica”, ao passo que a exceção dilatória do caso julgado se destina a impedir uma nova decisão inútil, com ofensa do princípio da economia processual – neste sentido Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Volume III, páginas 60 e 61, citado na decisão recorrida.
31- A segurança jurídica, no nosso humilde entendimento ficará sim comprometida se o cidadão não tiver direito a interpor ação para lhe ver reconhecido um direito, sobre o qual nunca antes existiu qualquer apreciação, e decisão.
32- Já ensinava o Prof. Alberto dos Reis, in ob. cit., pag. 92/93, que não é possível autonomizar o caso julgado - exceção e a autoridade do caso julgado como duas figuras essencialmente distintas, pelo que estaria errado quem entendesse que o caso julgado pode impor a sua força e autoridade, independentemente das três identidades mencionadas no art. 581°.
33- Ou seja, segundo o mesmo autor, “ bem consideradas as coisas, há que concluir que o caso julgado - exceção e a autoridade do caso julgado não são duas figuras distintas, mas sim duas faces da mesma figura. O facto jurídico «caso julgado» consiste afinal nisto: em existir uma sentença, com trânsito em julgado, sobre determinada matéria.
34- Tal não sucede no caso em preço, uma vez que nenhuma decisão foi tomada quanto ao direito do Recorrente ver eliminados os defeitos decorrentes dos trabalhados efetuados pela Ré.
35- Também nenhuma decisão foi proferida quanto ao direito do Recorrente em ser-lhe atribuída uma indemnização pelos danos não patrimoniais decorrentes deste cumprimento defeituoso do contrato de empreitada.
36- Assim, o risco de contradizer ou reproduzir a decisão proferida na primeira ação é, salvo melhor e douta opinião, completamente inexistente.
37- A douta sentença recorrida, decidindo como decidiu, violou, frontalmente, o disposto nos arts. 3º, nº3, 580º e 581º todos do CPC.
38- Deverá pois ser dado integral provimento ao presente recurso e, em consequência, deverá a decisão recorrida ser revogada, ordenando-se o prosseguimento da ação, nos termos referidos e com as legais consequências.”
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A Ré sociedade apresentou contra-alegações, com as seguintes conclusões ( que se transcrevem):

“1. A sentença sob recurso é de facto manifestamente inatacável. A sentença faz uma correcta avaliação da matéria factual apurada e uma consentânea aplicação do direito à mesma.
2. O julgador, ao aplicar as “normas legais” ao caso concreto, goza de absoluta liberdade, nos limites fáticos constantes do processo, para a subsunção que reputar mais ajustada.
3. O limite da liberdade do julgador encontra-se naqueles fatos que individualizam a pretensão do Autor, a qualificação jurídica desenhada pelo autor e secundada pela ré nunca é definitiva e, consequentemente, nada impede a livre eleição dos motivos ou normas jurídicas que o órgão judicante entenda pertinentes.
4. O Acórdão de 19/4/2018, proferido na apelação nº 75/08.4TBFAF.G1, relatado pelo Senhor Desembargador José Alberto Dias, refere que “é o próprio art. 3º, n.º 3 do CPC que admite que esse princípio possa ser afastado nos casos de “manifesta desnecessidade”.
5. Na verdade, a lei não especifica quais são os casos em que o juiz pode afastar o princípio do contraditório por o respetivo cumprimento ser manifestamente desnecessário, cumprindo à doutrina e à jurisprudência preencher este conceito indeterminado, tendo sempre presente a finalidade central por ele prosseguido no âmbito do processo e as finalidades que o legislador visa acautelar com a consagração legal do mesmo.
6. Efectivamente são proibidas as decisões surpresa, isto é, as decisões baseadas em fundamento que não tenha sido previamente analisado pelas partes.
7. No entanto, a surpresa que se visa evitar não se prende com o conteúdo, com o sentido, da decisão em si mas com a circunstância de se decidir uma questão não prevista. Visa-se evitar a surpresa de se decidir uma questão com que as partes não estavam legitimamente a contar.
8. O que não se verifica nos presentes Autos, pois a Ré na sua contestação faz referência ao Proc. n.º 366/15.8T8VVD, que correu termos na Instância Local Cível, bem sabendo o Autor que na referida acção tinha sido declarada a nulidade do contrato de empreitada.
9. Ora, não obstante se tratar de questão de direito, não suscitada pelas partes, o Autor tinha obrigação de prever que o tribunal podia decidir tal questão naquele sentido, como veio a decidir, não podendo razoavelmente considerar-se que, neste caso, a decisão proferida pelo tribunal configure uma decisão-surpresa.
10. O art. 3º, n.º 3 do CPC limitou a imperiosa observância do contraditório aos casos em que a considerou justificada, dispensando-a nos casos de “manifesta desnecessidade” isto é “quando – nomeadamente por se tratar de questões simples e incontroversas – tal audição se configure como verdadeiro ‘acto inútil’.
11. Em nossa opinião, e discordando inteiramente com o alegado pelo recorrente, não se pode, sob pena de se subverter o espírito da norma em causa, generalizar a audição das partes de modo a considerar que tudo impõe tal audição.
12. Entendemos que, o exercício do contraditório só é justificável se permitir que a pronúncia das partes possa influenciar a decisão do Tribunal – o que não era o caso dos autos- pois, de outro modo, será inútil.
13. O exercício do contraditório é, sempre, justificável e desejável se puder gerar o efeito que com ele se pretende – permitir que a pronúncia das partes possa influenciar a decisão do Tribunal.
14. O que não se verificou nos presentes autos, pois se o Ex.mo Senhor Juiz previamente tivesse conferido às partes, especialmente ao Autor, a possibilidade de a discutir, contestar, esta não iria influenciar a decisão do Tribunal.
15. Pois, o Autor não poderia contestar que no processo n.º 366/15.8T8VVD, que corre termos no Juízo Local Cível de Vila Verde, foi declarada a nulidade do contrato de empreitada, questão suscitada pelo próprio.
16. Pelo que, não se pode concluir, como conclui o Recorrente que se verifica a violação do princípio do contraditório, tendo o Tribunal proferido uma decisão surpresa.

Relativamente ao erro de julgamento

17. Com o devido respeito, o recorrente está a fazer uma leitura enviesada da decisão ou a procurar arranjar argumentos forçados. Na decisão apreciou-se a existência da autoridade de caso julgado e não da excepção de caso julgado, e conclui-se pela sua verificação, proferindo-se a decisão necessária e consequente.
18. Não vemos razões para discordar da sentença recorrida quando conclui que “A autoridade de caso julgado daquela sentença, transitada em julgado, impede que a relação material controvertida ali configurada, possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença”.
19. Por outro lado, não há dúvidas que Autor e Ré encontram-se abrangidos pela autoridade de caso julgado do processo n.º 366/15.8 T8VVD, que se tem como prejudicial para a questão suscitada nos presentes autos.
20. A, decisão proferida no primeiro processo (proc. n.º 366/15.8T8VVD) – abrangendo os fundamentos de facto e de direito – que lhe dão sustento, seria posta em causa, de novo apreciada e decidida de modo diverso neste processo.
21. Ora, é precisamente isso que a autoridade do caso julgado visa obstar, relembrando-se que para a sua verificação não é exigível que haja plena identidade entre as partes, causa de pedir e pedidos.
22. Sendo certo que, a atribuição de valor de caso julgado com base numa relação de prejudicialidade supõe ou exige que o fundamento da decisão transitada condicione a apreciação do objecto de uma acção posterior.
23. Conforme elucida o acórdão desta Relação de 30/04/2013 [processo n.º993/08.0TJVNF.P1, Desembargadora Márcia Portela, disponível em www.dgsi.pt], “A excepção de caso julgado não se confunde com a autoridade do caso julgado; pela excepção, visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito; a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito (CASTRO MENDES, Direito processual civil cit., II, ps. 770-771). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida (…)”.
24. Na verdade, o autoridade de caso julgado tem a ver com a existência de relações entre acções, já não de identidade jurídica (própria da excepção de caso julgado), mas de prejudicialidade entre acções, de tal ordem que julgada, em termos definitivos, uma certa questão em acção que correu termos entre determinadas partes, a decisão sobre essa questão ou objecto da primeira causa, se impõe necessariamente em todas as acções que venham a correr termos, ainda que incidindo sobre objecto diverso, mas cuja apreciação dependa decisivamente do objecto previamente julgado, perspectivado como relação condicionante ou prejudicial da relação material controvertida na acção posterior.
25. A entender-se que, nos presentes autos não estão verificados os três requisitos exigidos para o caso julgado, o mesmo não é exigível, pois a jurisprudência maioritária entende que relativamente à autoridade do caso julgado não é exigível a coexistência da tríplice identidade.
26. Ainda que se não verifique o concurso dos requisitos ou pressupostos para que exista a excepção de caso julgado, pode estar em causa o prestígio dos tribunais ou a certeza ou segurança jurídica das decisões judiciais se uma decisão, mesmo que proferida em outro processo, vier dispor em sentido diverso sobre o mesmo objecto da decisão anterior transitada em julgado, abalando assim a autoridade desta.
27. A autoridade do caso julgado justifica-se/impõe-se pela necessidade da certeza e da segurança nas relações jurídicas.
28. Só há uma limitação na dispensa da tríplice identidade, no sentido da não admissibilidade da invocação da autoridade do caso julgado no caso de inexistência de identidade de sujeitos - vide, neste sentido, os acórdãos de 18/06/2014 e de 11/10/12 (Abrantes Geraldes) bem como de 28/6/2018 (Acácio das Neves), ambos in www.dgsi.pt).
29. O que não se verifica nos presentes autos, pois em ambas as acções os sujeitos processuais (Autor e Ré) são os mesmos.
30. No entanto, nos presentes Autos e na acção n.º 366/15.8T8VVD, que correu termos pelo Juízo Cível do Tribunal de Vila Verde, o requisito da identidade de sujeitos encontra-se preenchido, pois em ambas as acções os sujeitos são os mesmos.
31. Face ao exposto, é de considerar que a autoridade de caso julgado tem a ver com a existência de relações, já não de identidade jurídica, mas de prejudicialidade entre objectos processuais. Julgada, em termos definitivos, certa questão em acção que correu termos entre determinadas partes, a decisão sobre o objecto dessa primeira causa, sobre essa precisa «quaestio judicata», impõe-se necessariamente em todas as acções que venham a correr termos entre as mesmas partes, ainda que incidindo sobre um objecto diverso, mas cuja apreciação dependa decisivamente do objecto previamente julgado, perspectivado como verdadeira relação condicionante ou prejudicial da relação material controvertida na acção posterior.
32. Assim, conclui-se que a decisão proferida se mostra completamente adequada, tendo de se concluir pela manutenção da aludida decisão.”
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O recurso foi admitido como apelação, com subida nos próprios autos e com efeito devolutivo.
O recurso foi recebido nesta Relação, considerando-se devidamente admitido, no efeito legalmente previsto.
Assim, cumpre apreciar o recurso deduzido.

II-
A questão essencial a decidir no presente recurso, em função das conclusões recursivas é a seguinte:

1) - Da violação ou não do princípio do contraditório;
2) - Erro de julgamento, por ter sido, nos termos em que o foi, considerado a autoridade de caso julgado emanada de um processo judicial anterior e que correu termos entre as partes, nos termos do qual foi declarada, por sentença transitada em julgado, a nulidade do contrato de empreitada, nulidade essa suscitada pelo aqui A e ali Réu, pelo que estaria vedado ao A. agora nesta ação posterior pretender a condenação da R. no cumprimento de prestações integradas nos quadros convencionais e legais daquele mesmo contrato de empreitada, como se fosse válido e eficaz, no âmbito da chamada ação de cumprimento, falecendo, pois, o pressuposto nuclear dessa pretensão: a validade do contrato, concluindo-se, assim, pela manifesta improcedência da ação.
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III- Fundamentação

Para a apreciação das questões elencadas para além do que consta do relatório supra, ainda deverá ter-se em conta o que resulta da certidão do referido processo nº 366/15.8T8VVD:

i) Foi alegado pela aí A. - aqui R. – a realização, em Novembro de 2013 e pelo valor de € 22.819,15, do contrato de empreitada ( de remodelação de uma habitação, sita no Lugar ..., …) em causa nos presentes autos, pedindo-se a condenação do Réu no pagamento de trabalhos(obras) realizados;
ii) O aí R. - aqui A. -, na contestação junta em 07.09.2015, além do mais, arguiu a nulidade do contrato de empreitada por falta de redução do mesmo a escrito e ainda que todos os trabalhos (obras) estavam pagos;
iii) A sentença aí proferida considerou como provados os seguintes factos:
A) A autora dedica-se à actividade industrial de construção e obras públicas, com carácter habitual e com fim lucrativo.
B) No exercício da sua actividade profissional, a autora foi contactada pelo réu para proceder à remodelação de uma habitação sita no Lugar ..., freguesia de ..., … Gerês.
C) Na sequência, a autora apresentou ao réu o orçamento que consta de fls. 41 a 46, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, tendo-lhe o mesmo solicitado, em Novembro de 2013, a realização dos trabalhos melhor descritos na factura nº FT 2014/20, constante de fls. 4 verso e 5, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, no valor de 22.819,51 € (IVA incluído).
D) A autora realizou os trabalhos descritos na factura n.º 2014/20.
E) O réu procedeu ao pagamento à autora, por conta da factura n.º FT 2014/20, da quantia de 4.900,00 €.”
iv) A sentença proferida no processo n.º 366/15.8T8VVD, já transitada em julgado em 15.06.2016, reconheceu a nulidade do contrato de empreitada celebrado entre as partes, por falta de redução a escrito, nos termos do disposto no art.º 29.º, n.º 4, do D.L. n.º 12/2004, de 9 de Janeiro, tendo, contudo, condenado o aí réu - aqui autor - a pagar à aí autora - aqui ré - o montante de 17.919,51 €, acrescido de juros de mora, com fundamento na nulidade do contrato, sendo o seguinte o teor do dispositivo: “Pelo exposto, declaro nulo o contrato de empreitada celebrado entre as partes e, em consequência, condeno o réu a proceder ao pagamento à autora da quantia de 17.919,51 €, acrescida dos juros de mora, à taxa legal em vigor em cada momento, vencidos desde a data da citação do réu e até efectivo pagamento”.

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1) Da violação ou não do princípio do contraditório:

No que respeita à conclusão de recurso de que o tribunal não deu a possibilidade de o recorrente se pronunciar sobre a intenção de considerar a nulidade do contrato objeto da ação e declarada judicialmente por sentença transitada em julgado cuja junção de certidão foi ordenada pelo tribunal para pôr termo à ação, “atentas as consequências da mesma”, desde já, diga-se que não tem razão.
Com efeito, trata-se da invocação da violação do princípio do contraditório.
Por sua vez, a não observância do contraditório, no sentido de não se conceder às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre a questão a conhecer, na medida em que possa influir no exame ou decisão da causa, constitui uma nulidade processual, nos termos do art. 195º, que tem de ser arguida, de acordo com a regra geral prevista no art. 199º.
Dada a relevância e primordial importância do contraditório é indiscutível que a inobservância desse princípio, com prolação de decisão-surpresa, é suscetível de influir no exame ou decisão da causa.
Sendo decorrência do referido princípio a proibição de decisões-surpresa, isto é, decisões baseadas em fundamento não previamente considerado pelas partes, tais decisões, a serem proferidas, incluem-se nas referidas nulidades, as quais têm de ser invocadas, como supra analisámos.
Contudo, estando a decisão-surpresa coberta por alegada decisão judicial, como é entendimento pacífico da jurisprudência, nada obsta a que a mesma seja invocada e conhecida em sede de recurso.
A prolação de decisão desacompanhada de prévia auscultação das partes, constitui nulidade, impugnável por meio de recurso (1)O Prof. Lebre de Freitas ensina que o princípio do contraditório é corolário do princípio da igualdade das partes ( igualdade de armas) e ainda do princípio mais amplo da equidade ou do direito a um processo equitativo, conforme jurisprudência formada na aplicação da Convenção Europeia dos direitos do Homem. (2)
Este professor ainda distingue :a) a conceção mais tradicional, válida mas restritiva, nos termos da qual levantada uma questão o juiz deve ouvir a parte contrária antes de decidir; b) a esta conceção substituiu-se hoje uma noção mais lata de contraditoriedade, com origem na garantia constitucional do rechtliches Gehör germânico, entendida como direito de influenciar a decisão em todos os elementos ( factos, provas, questões de direito), em plena igualdade e em qualquer fase do processo, deixando, assim, o escopo daquele princípio de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à atuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de incidir ativamente no desenvolvimento e no êxito do processo.
No plano das questões de direito, e que ao caso nos interessará mais, ensina o mesmo professor: “ o princípio do contraditório exige que, antes da sentença, seja facultada a discussão efetiva de todos os fundamentos de direito em que a decisão se baseie…A proibição da chamada decisão-surpresa tem sobretudo interesse para as questões, de direito material ou de direito processual, de que o tribunal pode conhecer oficiosamente: se nenhuma das partes as tiver suscitado, com concessão à parte contrária do direito de resposta, o juiz- ou o relator do tribunal de recurso- que nelas entenda dever basear a decisão, seja mediante o conhecimento do mérito, seja no plano meramente processual, deve previamente convidar ambas as partes a sobre elas tomarem posição, só estando dispensado de o fazer em casos de manifesta necessidade ( art. 3º,nº3 do CPC).”
Volvendo ao caso em apreço nos autos, temos que na petição inicial, o A. peticionou, além do mais, que seja declarado e reconhecido que entre a A. e a R. foi celebrado o contrato de empreitada descrito nos arts. 1.º a 3.º da p.i.; ainda pediu a condenação da R a proceder à conclusão da obra e à eliminação dos defeitos alegados nos arts. 4.º a 8.º da p.i.; a pagar ao A., a título de danos não patrimoniais descritos nos arts. 18.º a 27.º da p.i., a quantia de 2.000,00 €, acrescida de juros de mora; a pagar ao A. no que vier a liquidar-se em execução de sentença, no que concerne às despesas com o alojamento noutra casa ou não a destinar ao arrendamento, enquanto perdurarem as obras de reparação dos aludidos defeitos, tudo acrescido de juros de mora; no pagamento ao A., a título de cláusula pecuniária compulsória por mora na reparação dos defeitos, a quantia diária de 100,00 €.
Para o efeito, alega o A. ter celebrado com a R., em Novembro de 2013, um contrato de empreitada, tendo por objeto a remodelação de uma habitação sita no Lugar ..., ..., Gerês. Mais refere que, apesar de ter pago a totalidade do preço à R., esta ainda não executou todas as obras incluídas no aludido contrato, sendo que, em Outubro de 2017, começaram a aparecer defeitos na parte da obra efetivamente executada.
Na sua contestação, além de ter excecionado a incompetência territorial e de ter pedido a condenação como litigante de má fé do autor e ainda impugnado a matéria alegada na p.i., a R. fez menção, no art. 23º, à interposição por si de uma ação contra o ora autor- com o n.º 366/15.8T8VVD, do Tribunal de Vila Verde, Instância Local Cível - J1 -, no âmbito da qual o ora A. foi ali condenado a pagar a quantia em dívida pelo trabalho realizado pela R, no âmbito do mesmo e ora alegado contrato de empreitada. Ainda fez consignar que naquela ação o A. não alegou que a Ré não havia executado todas as obras contratadas, nem alegou quaisquer defeitos, apenas e tão somente suscitou naquela ação a nulidade do contrato de empreitada realizado com a ora R e que todos os trabalhos realizados teriam sido pagos.

No início da audiência de julgamento, consta da ata que:

pelo tribunal foi ordenada a junção aos autos certidão da petição inicial, contestação e sentença proferida no âmbito do processo nº 366/15.8T8VVD, da Instância Local Cível J1 de Vila Verde, com nota de trânsito em julgado, o que foi realizado de imediato.
Pelo Mm.º Juiz foi então dito que a alusão a tal processo já vem da contestação da ré nos presentes autos, tendo procedido à sua consulta e verificado que o contrato aqui em causa foi declarado nulo por sentença ali proferida, já transitada em julgado em 15.06.2016. À luz desta circunstância, o tribunal deverá retirar as devidas e necessárias consequências.
Determinou a notificação da referida certidão às partes, bem como para, querendo, se pronunciarem.
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Dado conhecimento e entregue aos Ilustres Mandatários cópia de tal certidão, por ambos foi requerido um prazo de alguns minutos para consulta e análise da mesma certidão, o que foi deferido. Pelos mesmos foi dito, após consulta, nada terem a requerer.”

Ou seja, da tramitação processual salientada, resulta que antes da prolação da sentença, o tribunal submeteu à consideração das partes a questão da declaração da nulidade do contrato de empreitada objeto da presente ação, nulidade essa declarada por sentença já transitada em julgado em 15.06.2016, fazendo consignar que iriam ser retiradas as devidas e necessárias consequências de tal circunstância. Isto é, apesar de não qualificar expressamente e juridicamente a questão em causa, submeteu a juízo a apreciação respeitante às consequências a extrair da sentença judicial proferida, o mesmo será dizer, submeteu à apreciação das partes a consideração da autoridade de caso julgado daquela decisão judicial transitada em julgado e proferida no âmbito de um anterior processo que decorreu entre as mesmas partes, cujo objeto do processo dizia respeito ao mesmo contrato de empreitada agora igualmente discutido nos presentes autos. Aliás, o tribunal ordenou a junção aos autos da certidão do processo nº 366/15, porquanto a ora R, na sua contestação, ao mesmo fez referência ( art. 23º), nomeadamente a respeito da condenação ali proferida.
Destarte, o tema em causa, apesar de não expressamente qualificado de modo jurídico, foi suscitado no decurso do processo, e logo na contestação e no início da audiência de julgamento, pelo que as partes, nomeadamente, o apelante, não se pronunciaram sobre o mesmo porque não quiseram.
Por tudo o exposto, a decisão em causa não foi uma decisão-surpresa, tal como o recorrente afirma em alegações, sendo certo que não se vislumbra muito bem o que de verdadeiramente “surpreendente” e “inovatório” nela se contém que não pudesse e devesse esperar e que não tivesse tido oportunidade de contraditar, nem fundamenta como isso teria prejudicado fatalmente a defesa dos seus interesses ou em que medida poderia ter influenciado o sentido da decisão proferida se aquele percurso/entendimento/solução lhe fosse previamente anunciado.
Aliás, e conforme é salientado em recente Ac desta RG de 21.05.2020 ( relator: José Amaral) “ levar a esse ponto o dever de, nos termos do artº 3º, nº 3, CPC, fazer cumprir o contraditório e de prevenir as partes da exacta interpretação normativa a empreender e dos precisos termos da sua consequente aplicação ao caso para sobre a solução, assim na prática previamente revelada, se pronunciarem, seria, por um lado, postergar o princípio da liberdade de julgamento consagrado no artº 5º, nº 3, e, por outro, antecipar uma impugnação que, de acordo com a metodologia adjectiva vigente, só deve ter lugar depois de proferida a decisão e por via do respectivo recurso.
Vale tudo por dizer que, no caso sub judicio, a decisão do tribunal não é decisão-surpresa, não foi proferida em violação do princípio do contraditório, não ocorrendo qualquer nulidade.
E não se diga, como o faz o recorrente, que a prolação do despacho saneador, donde consta genericamente que “ não existem outras excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa”, faz com que a decisão final proferida seja contraditória e surpreendente.
Com efeito, e atualmente é pacífico na jurisprudência e doutrina, o entendimento de que limitando-se o Juiz “a quo” a fazer uma declaração genérica sobre as questões prévias ou exceções (tabelar) sem efetuar uma apreciação concreta, o despacho saneador, não constitui nessa parte caso julgado formal, nada obstando à sua apreciação em momento subsequente, ou seja, não está precludida a possibilidade de apreciar tais questões, em concreto, e em momento ulterior.
Por tudo o exposto, há pois que concluir não assistir razão ao apelante nesta questão, pelo que não se verificando a exceção de caso julgado, não há igualmente lugar à existência de qualquer nulidade.
Quanto a toda esta questão, deve, pois, improceder o recurso.
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2) - Erro de julgamento, por ter sido, nos termos em que o foi, considerado a autoridade de caso julgado emanada de um processo judicial anterior e que correu termos entre as partes, nos termos do qual foi declarada, por sentença transitada em julgado, a nulidade do contrato de empreitada, nulidade essa suscitada pelo aqui A e ali Réu, pelo que estaria vedado ao A. agora nesta ação posterior pretender a condenação da R. no cumprimento de prestações integradas nos quadros convencionais e legais daquele mesmo contrato de empreitada, como se fosse válido e eficaz, no âmbito da chamada ação de cumprimento.
O despacho recorrido conclui, assim, falecer o pressuposto nuclear dessa pretensão: a validade do contrato e daí a manifesta improcedência da ação.
Ou seja, nessas circunstâncias, a decisão recorrida, baseando-se na autoridade do caso julgado formado na referida ação e na ausência de fundamentos que suportassem a pretensão do Autor na parte não abrangida pelo caso julgado, julgou a presente ação improcedente e absolveu a Ré do pedido.
Discordando dessa decisão, o Autor/Apelante vem interpor o presente recurso, sustentando, em resumo, que não se verifica a exceção de caso julgado porquanto não existe identidade de sujeitos, pedido e de causa de pedir como seria necessário – de acordo com o disposto nos artigos 580º e 581º do CPC – para que se pudesse falar em tal exceção (apenas existe identidade de sujeitos). Sustenta ainda que o caso julgado consiste em existir uma sentença, com trânsito em julgado sobre determinada matéria e no caso vertente, tal não sucedeu, uma vez que nenhuma decisão foi tomada quanto ao direito do recorrente a ver eliminados os defeitos decorrentes dos trabalhos efetuados pela R, ou decisão relativa ao direito a ser-lhe atribuída uma indemnização por danos não patrimoniais decorrentes do cumprimento defeituoso do contrato de empreitada. Conclui, não existir, assim, o risco de contradizer ou reproduzir a decisão proferida na primeira ação.
Desde já, cabe esclarecer que a decisão recorrida não julgou procedente a exceção de caso julgado ( se o tivesse feito, teria absolvido a Ré da instância em conformidade com o disposto nos artigos 576º, nº 2 e 577º, alínea i), do CPC e não foi isso que sucedeu) sucedendo apenas que, por efeito da autoridade do caso julgado formado pela decisão proferida em ação anterior, a decisão recorrida julgou a ação improcedente e absolveu a Ré do pedido. Assim sendo, nunca se trataria de qualquer risco em contradizer ou reproduzir a decisão, conforme infra veremos.
E, no nosso entender, a decisão recorrida julgou corretamente.

Vejamos.

Sem grandes delongas, dir-se-á que o alcance do caso julgado que a sentença constitui, estabelece-se, em conformidade com o disposto pelo artigo 621º, do CPC, “ nos precisos limites e termos em que julga ”, que são, assim, traçados pelos elementos identificadores da relação ou situação jurídica substancial definida pela sentença – os sujeitos, o objeto e a fonte ou título constitutivo (causa de pedir).
Em suma, como tem sido afirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça, a expressão utilizada no art. 621º do CPC, “ nos precisos limites e termos em que julga ”, para definir o alcance ou extensão objetiva do caso julgado, afere-se pelas regras substantivas relativas à natureza da situação que ele define, à luz dos factos jurídicos invocados pelas partes e do pedido ou pedidos formulados na ação, compreendendo todas as questões solucionadas na sentença e conexas com o direito a que se refere a pretensão do autor.
Neste sentido, a mesma jurisprudência do Supremo (e das Relações) tem reafirmado que são abrangidas pelo caso julgado não apenas o segmento decisório final enquanto conclusão a partir de determinados fundamentos (o denominado «silogismo judiciário»), mas, ainda, as próprias questões apreciadas e que constituam antecedente lógico indispensável da conclusão ou parte dispositiva da sentença. (3)
O fundamento e o objetivo da exceção do caso julgado, com o que se obtém o conceito funcional da mesma, consistem em evitar que o Tribunal da segunda ação se veja “ colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.”
Em suma, a figura da exceção do caso julgado material e a sua força vinculativa supõe a verificação de uma situação de identidade do objeto do processo em ambas as ações concorrentes, identidade que decorre da identidade de sujeitos, de causa de pedir e do pedido formulado.
Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.
Quanto ao pedido existe identidade do mesmo quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.
Assim o pedido tem a ver/conexiona-se/reporta-se ao objeto da ação como definido pelo autor, reside na pretensão por si formulada a qual se identifica através da providencia solicitada ao tribunal e através do direito a ser tutelado por esse meio.
E há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico.
A causa petendi é pois o facto com relevância jurídica, ie. à qual a lei atribui potenciais efeitos jurídicos, mas que, ele mesmo, deve assumir essência e contornos materiais concretos, do qual dimanarão aqueles efeitos jurídicos se a pretensão deduzida for atendida.
Por outro lado, importa ter presente que o caso julgado tem por objetivos defender o prestígio dos tribunais e a certeza e segurança jurídica, já que os mesmos seriam afetados por se decidir antagónica ou contraditoriamente a mesma situação concreta, como já vimos.

Em suma, em termos concretos da vida real, «apenas se destina a evitar uma contradição pratica de decisões e não já a sua colisão teórica ou lógica…só pretende obstar a decisões concretamente incompatíveis (que não possam executar-se ambas sem detrimento de alguma delas)…a que em novo processo o juiz possa estatuir de modo diverso sobre o direito, situação ou posição jurídica concreta definida por anterior decisão…» (4).

A doutrina e jurisprudência referem que o instituto do caso julgado produz dois efeitos distintos: um efeito negativo exercido através da exceção dilatória do caso julgado, a qual tem por fim evitar a repetição de causas idênticas, segundo o critério já antes referido (identidade de partes; identidade de causa de pedir; identidade do pedido); um efeito positivo, através da autoridade de caso julgado, impondo a força vinculativa da decisão proferida ao próprio tribunal decisor ou a outro tribunal a quem se apresente a dita decisão anterior como questão prejudicial ou prévia face ao “ thema decidendum ” no processo posterior. (5)
A nossa jurisprudência vem entendendo que a autoridade do caso julgado, diversamente da exceção de caso julgado, pode funcionar, ainda que a título excepcional, independentemente da verificação da tríplice identidade (sujeitos, pedido e causa de pedir), pressupondo, porém, a decisão de determinada e concreta questão prejudicial ou prévia que não pode voltar a ser discutida. (6)

Em suma, a autoridade de caso julgado tem a ver com a existência de relações, já não de identidade jurídica (exigível apenas em sede de exceção de caso julgado), mas de prejudicialidade entre objetos processuais : julgada, em termos definitivos, certa questão em ação que correu termos entre determinadas partes, a decisão sobre o objeto dessa primeira causa, sobre essa precisa «quaestio judicata», impõe-se necessariamente em todas as ações que venham a correr termos entre as mesmas partes, ainda que incidindo sobre um objeto diverso, mas cuja apreciação dependa decisivamente do objeto previamente julgado, perspetivado como verdadeira relação condicionante ou prejudicial da relação material controvertida na ação posterior.

Em resumo: para além do caso julgado constituir obstáculo a nova decisão de mérito, ainda há que atender à autoridade do caso julgado, a qual tem antes o efeito positivo de impor a decisão.

Conforme se refere no Acórdão do STJ de 26/02/2019 (processo nº 4043/10.8TBVLG.P1.S1) “Esta distinção tem justamente por pressuposto que, na autoridade de caso julgado, existe uma diversidade entre os objectos dos dois processos e na excepção uma identidade entre esses objectos. Naquele caso, o objecto processual decidido na primeira acção surge como condição para apreciação do objecto processual da segunda acção; neste caso, o objecto processual da primeira acção é repetido na segunda.Na excepção, a repetição deve ser impedida, uma vez que só iria reproduzir inutilmente a decisão anterior ou decidir diversamente, contradizendo-a.Na autoridade, há uma conexão ou dependência entre o objecto da segunda acção e o objecto definido na primeira acção, sem que aquele se esgote neste. Aqui, impõe-se que essas questões comuns não sejam decididas de forma diferente, devendo a decisão da segunda acção acatar o que foi decidido na primeira, como pressuposto indiscutível”.

Daí que se considere que, ao contrário do que acontece com a exceção de caso julgado (cujo funcionamento pressupõe a identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir – cfr. artigo 580º, nº 1, do CPC), a invocação e o funcionamento da autoridade do caso julgado dispensam a identidade de pedido e de causa de pedir, conforme já referimos.
Isto não significa, porém, que a autoridade do caso julgado possa valer fora dos limites definidos pelos sujeitos, pelo pedido e pela causa de pedir, sendo certo que, conforme resulta do disposto no artigo 619º do CPC, é apenas dentro desses limites que a decisão adquire a força de caso julgado.

Dito de outro modo: aquilo que se impõe por força da autoridade do caso julgado é a definição – feita por decisão transitada em julgado – da concreta relação jurídica que aí foi delimitada pelos sujeitos, pelo pedido e pela causa de pedir. Mas a definição dessa concreta relação jurídica – assim delimitada – impõe-se e é vinculativa para os respetivos sujeitos no âmbito de qualquer outro litígio que entre eles venha a ocorrer e que tenha como pressuposto ou condição aquela relação e por isso se afirma que o funcionamento da autoridade do caso julgado não exige a identidade de pedido e causa de pedir; tal autoridade pode, de facto, impor-se no âmbito de ação posterior com pedido e causa de pedir diversas nas circunstâncias supra mencionadas, vinculando as partes e o Tribunal e evitando, dessa forma, que a relação ou situação jurídica já definida por decisão transitada em julgado seja novamente apreciada para o efeito de decidir o objeto da segunda ação.

Feitas estas considerações, analisemos o caso sub judicio.

Tal como referimos supra, a sentença (transitada em julgado) proferida na ação com o nº 366/15 declarou a nulidade do contrato de empreitada realizado entre A e R ( e condenou o ali Réu-ora Autor- na restituição/pagamento dos trabalhos-obras-realizados) ali se considerando – conforme resulta da matéria de facto que aí se se julgou provada- que o contrato de empreitada realizado entre as partes era nulo por falta de forma legal, (nulidade essa atípica e invocada pelo ali Réu e assim declarada) e uma vez que se provaram a realização de obras e trabalhos realizados e cifrados em determinado valor, foi o réu condenado no pagamento em falta dos mesmos.

Ficou, portanto, definido entre as partes, naquela ação, a nulidade ( invocada pelo réu, ora autor) do contrato de empreitada realizado entre ambos, ficando absorvidos pelo caso julgado formado não só os meios de defesa que o ali Réu invocou mas também todos os meios de defesa que pudesse ter invocado e que ficaram precludidos por efeito do disposto no artigo 573º do CPC (artigo 489º do anterior CPC).

Isso mesmo afirma o Prof. Manuel Domingues de Andrade (7) no seguinte excerto: “Se a sentença reconheceu no todo ou em parte o direito do Autor, ficam precludidos todos os meios de defesa do Réu, mesmo os que ele não chegou a deduzir, e até os que ele poderia ter deduzido com base num direito seu…Neste sentido, pelo menos, vale a máxima segundo a qual o caso julgado «cobre o deduzido e o dedutível»…”. No mesmo sentido se pronunciam Prof. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora (8), quando afirmam que “…em relação à pretensão formulada pelo autor e eventualmente considerada procedente na sentença, ficam precludidos, quer na acção, quer fora dela, todos os meios de defesa que o réu tenha invocado ou pudesse ter invocado contra ela”.

O Prof. Rui Pinto, in Julgar on line 2018, p. 42 também se refere, quanto ao réu, a essa “preclusão”: “ resulta de dois mecanismos processuais distintos. Efetivamente, o princípio da concentração da defesa na contestação (cf. artigo 573.º), incluindo na defesa superveniente (como se deduz da conjugação dos artigos 588.º, n.º 1, e 729.º, al. g)), determina a preclusão de toda a defesa que não haja oportunamente feito valer contra a concreta causa de pedir invocada pelo autor.”

Assim sendo, no caso sub judicio, o ora autor e ali réu não poderia agora nesta ação alegar, com referência ao mesmo contrato de empreitada, que os trabalhos contratados não foram todos realizados, porquanto lhe seria sempre oposto o caso julgado.
Aliás, conforme sustentado pelo Prof. Teixeira de Sousa em trabalho referenciado no AC da RG de 23.01.2020( relatora: Juiz Desembargadora Fernanda Fernandes e publicado in dgsi.pt) e de que foi adjunta a ora relatora, e ali seguido na decisão em causa, nesse caso, tal como naquele, “a preclusão extraprocessual opera através da exceção de caso julgado”.

Seja como for, sustenta, no entanto, o Apelante que o pedido e causa de pedir são diferentes, sendo certo que, no âmbito do mesmo contrato de empreitada, tem direito a ver eliminados os defeitos decorrentes dos trabalhos efetuados pela R, bem como tem direito a ser-lhe atribuída uma indemnização por danos não patrimoniais decorrentes do cumprimento defeituoso do contrato de empreitada.
Não lhe assiste, porém, qualquer razão.
Se bem que o pedido e causa de pedir são diferentes, o apelante olvida que estamos no âmbito das relações de prejudicialidade, as quais tanto podem ser no domínio da mesma relação jurídica julgada com valor de caso julgado, como no domínio de relação jurídica conexa.

No caso vertente, estamos no âmbito da mesma relação jurídica ( o contrato de empreitada realizado entre as partes), a qual foi apreciada em termos de validade jurídica e foi declarada inválida ( contrato nulo por falta de forma), por sentença transitada em julgado no proc. nº 366/15, pelo que é indubitável a relação de prejudicialidade entre essa sentença que julgou procedente o pedido de declaração de nulidade do contrato de empreitada ( pedido esse feito pelo ali réu, ora autor) e os presentes autos de verdadeira ação de cumprimento do mesmo contrato. De tal forma que, tal como ressuma da decisão recorrida, pode ser oposta a autoridade de caso julgado, decorrente da vinculação positiva externa ao caso julgado assente no artigo 619.º, em sede de objetos em relação de prejudicialidade, como resulta daquela ação anterior.
Aliás este é o exemplo paradigmático ensinado pelo Prof. Rui Pinto ( in ob cit, p. 38), quando se refere às relações de prejudicialidade entre causas: “Assim, dentro do perímetro da mesma relação jurídica há, por ex., relação de prejudicialidade entre a sentença que julgou procedente o pedido de declaração de nulidade de certo contrato e uma posterior ação de condenação na restituição do bem a que se refere o contrato ou entre a sentença que anulou certo contrato e uma posterior ação de condenação no cumprimento de uma prestação daquele contrato”.
Por isso é que na decisão recorrida se consignou a autoridade de caso julgado emanada de um processo judicial anterior e que correu termos entre as partes, nos termos do qual foi declarada, por sentença transitada em julgado, a nulidade do contrato de empreitada, nulidade essa suscitada pelo aqui A e ali Réu, “pelo que estaria vedado ao A. agora nesta ação posterior pretender a condenação da R. no cumprimento de prestações integradas nos quadros convencionais e legais daquele mesmo contrato de empreitada, como se fosse válido e eficaz, no âmbito da chamada ação de cumprimento”.
O despacho recorrido conclui, assim, falecer o pressuposto nuclear dessa pretensão: a validade do contrato e daí ter julgado manifesta a improcedência da ação.
E bem.
Com efeito, tendo sido declarado nulo o contrato de empreitada realizado entre as partes, por sentença transitada em 2016, e atentos os efeitos daquela nulidade ( ainda que se seguisse o entendimento de que seriam ex nunc), o contrato deixou há muito de ter efeitos, pelo que torna-se manifestamente improcedente a presente ação intentada em 2017 ( após um ano daquela declaração judicial da nulidade do contrato) e estruturada na base do cumprimento (defeituoso) do referido contrato e tomando este por válido, quando a situação jurídica já há muito está definida por decisão transitada em julgado: o contrato foi declarado nulo por falta de forma e, logo sem qualquer efeito.
Nessas circunstâncias, a decisão recorrida, baseando-se na autoridade do caso julgado formado na referida ação e na ausência de fundamentos que suportassem a pretensão do Autor na parte não abrangida pelo caso julgado, julgou corretamente a presente ação improcedente e absolveu a Ré do pedido.
Por tudo o exposto, igualmente improcede, nesta parte, o recurso.

IV- Decisão:

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal:

I- em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
II- Custas da apelação pelo apelante.
III- Notifique.
Guimarães, 9 de julho de 2020

Relatora: Anizabel Sousa Pereira
Adjuntos: Rosália Cunha e
Lígia Venade
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1. Acórdão da Relação de Lisboa de 9/10/2014, processo 2164/12.1TVLSB.L1-2; AC da R G de 19-04-2018, relatora : Juiz Desembargadora Eugénia Cunha
2. In “ Introdução ao Processo Civil.Conceito e princípios gerais à luz do código revisto”, ed. 1996, p. 96
3. vide por todos, AC STJ de 16.02.2016, Processo n.º 53/14.4TBPTB-A.G1.S1, relator Sr. Juiz Conselheiro Hélder Roque, AC STJ de 26.01.2016, Processo n.º 310/ 13.7TBVLG.P1.S1, relator Srª Juiz Conselheira Maria Clara Sottomayor, AC STJ de 17.11.2015, Processo n.º 34/12.2 TBLMG.C1.S1, relator Sr. Juiz Conselheiro Sebastião Póvoas e AC STJ de 12.07.2011, Processo n.º 129/07.4TBPST.S1, relator Sr. Juiz Conselheiro Moreira Camilo, todos in www.dgsi.p
4. M. Andrade, Noções Elementares, 1979, p. 317/8
5. Vide neste sentido Miguel Teixeira de Sousa, “ Estudos … ”, cit., pág. 572 e J. LEBRE de FREITAS, A. MONTALVÃO MACHADO, RUI PINTO, “ Código de Processo Civil Anotado ”, II volume, Coimbra Editora, 2011, pág. 325.
6. Vide, por todos, AC STJ de 7.05.2015, Processo n.º 15698/04.2YYLSB-C-L1-S1, relator Sr. Juiz Conselheiro Granja da Fonseca, AC STJ de 23.11.2011, Processo n.º 644/08.2TBVFR.P1.S1, relator Sr. Juiz Conselheiro Pereira da Silva, AC STJ de 6.03.2008, Processo n.º 08B402, relator Sr. Juiz Conselheiro Oliveira Rocha e AC STJ de 13.12.2007, Processo n.º 07A3739, relator Sr. Juiz Conselheiro Nuno Cameira, todos in www.dgsi.pt
7. Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 324
8. Manual de Processo Civil, 2ª ed., pág. 713, nota 2.