Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3642/20.4T8VCT-A.G1
Relator: RAQUEL REGO
Descritores: REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
AUDIÇÃO DOS MENORES
RESIDÊNCIA ALTERNADA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/16/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - A audição da criança não vincula o tribunal ao sentido expresso por ela, que só deverá ser tomado em linha de conta quando essa vontade é compaginável e vai de encontro ao melhor para a mêsma, quando é manifestação do seu superior interesse.
II – Tendo os menores seis anos de idade, da respectiva audição dificilmente se retiraria algum elemento útil à decisão, atenta a imaturidade inerente às suas idades, muito propícias a influências externas na determinação da vontade.
III – Essa audição, in casu, implicaria um maior envolvimento na contenda entre os pais, colhendo-se dos autos sinais positivos e prazerosos quanto ao convívio com cada um dos progenitores.
IV – Havendo competência de ambos os progenitores para a guarda conjunta, com residência alternada, é esta a que mais se assemelha com a vivência antes da rotura do casamento, permitindo manter vivos e profícuos os laços parentais indispensáveis para um saudável desenvolvimento de uma criança, obviando a que um progenitor se apresente, perante ela, num papel secundarizado relativamente ao outro.
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

PROCESSO 3642/20.4T8VCT-A.G1
Relatora: Raquel Rego
1ª Adjunta: AA Amália Santos
2º Adjunto: José Manuel Flores

I - RELATÓRIO

BB, mãe e em representação das crianças AA e CC, intentou a presente ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais contra o progenitor DD, com fundamento no facto de os pais não viverem juntos e não estarem de acordo quanto à forma de exercerem as responsabilidades parentais.

Realizou-se conferência de pais, tendo sido fixado um regime provisório, por inexistência de acordo.
Remetidos para a audição técnica especializada, foi gorada a conciliação total, pretendendo a mãe fixar a residência dos filhos consigo e o pai a residência alternada.
Na continuação da conferência de pais, persistindo o diferendo, foi mantido o regime provisório em vigor.

Apresentadas alegações pelos progenitores, pugnou a Requerente pela fixação da guarda partilhada com residência das crianças consigo, com regime de visitas ao pai e pagamento, por este, de pensão de alimentos no valor não inferior a €400. Já o Requerido bate-se pela reposição da guarda partilhada com residência alternada, já antes fixada provisoriamente e, entretanto, suspensa.

Os autos prosseguiram com vicissitudes várias e foi realizada audiência de discussão e julgamento.
O tribunal a quo entendeu não ouvir os menores, consignando que isso resultou do facto de terem 6 anos e não terem, por isso, maturidade e capacidade de discernimento quanto à matéria dos autos.

Veio, então, a fixar o regime de exercício das responsabilidades parentais nos seguintes termos:

«1. As crianças AA e CC residirão uma semana alternada com cada um dos progenitores, a quem incumbirá o exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente das crianças durante o tempo que consigo permanecerem; os atos de particular importância na vida da criança serão exercidos em comum por ambos os progenitores.
a. As crianças efetuam mudança de residência ao sábado e as entregas e recolhas ocorrem às 11H00 na casa onde as crianças se encontrarem, pelo outro progenitor não residente.
2. Quanto a datas festivas e férias de verão:
1. As crianças passarão os dias 24 e 25 de dezembro, dia 31 de dezembro e 1 de janeiro, de forma alternada com cada um dos progenitores, sendo que quando passarem o dia 24 de dezembro com um progenitor, passarão o dia 1 de janeiro com o mesmo e passarão o dia 31 de dezembro com quem passar o dia 25 de dezembro, desde as 11 horas do dia festivo até às 11 horas do dia seguinte.
2. Na Páscoa, as crianças passarão o domingo e segunda feira de Páscoa com cada um dos progenitores de forma alternada;
3. As crianças passarão com a mãe o Dia da Mãe e o aniversário desta e com o pai o Dia do Pai e o aniversário deste;
4. No dia de aniversário das crianças estas têm direito a ter um das refeições principais com cada um dos progenitores; se calhar a um dia de semana, no fim de semana imediatamente seguinte cada um dos progenitores pode passar o Sábado ou Domingo com os filhos, desde as 10 horas às 21h30;
5. As entregas e recolhas ocorrem na casa onde as crianças se encontrarem, pelo outro progenitor não residente.
3. Nos períodos de férias escolares de Verão, cada progenitor poderá passar quinze dias seguidos de férias com as crianças, conforme acordo. Na falta de acordo quanto à distribuição das semanas e dias de férias, a mãe decidirá nos anos pares e o pai nos anos ímpares.
4. Atenta a residência alternada das crianças, não haverá lugar a pagamento de pensão de alimentos e cada progenitor suportará as despesas das crianças enquanto as mesmas estiverem à sua guarda.
5. As despesas médicas, medicamentosas e de educação (abrangendo estas as despesas com a aquisição de manuais e material escolar), serão suportadas por ambos os progenitores, na proporção de metade para cada um, pagas no prazo de 30 dias a contar da apresentação do respetivo recibo.
6. O cargo de encarregado de educação, no presente ano letivo 2022/2023, será exercido pela mãe, e nos anos letivos seguintes alternam entre ambos. Isto sem prejuízo de o progenitor que não exerça o cargo ter legitimidade para assistir a todas as reuniões de pais e poder conferenciar com o professor/diretor de turma dos filhos sempre que entender oportuno, e ter acesso às plataformas digitais escolares dos filhos mediante prévia comunicação dos códigos de acesso pelo progenitor que exerça o cargo, no primeiro dia de cada ano letivo».

Com ela não se conformando, veio a requerente interpor o presente recurso, onde conclui nos seguintes termos:

I. O artigo 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil consagra o princípio da livre apreciação da prova, não se encontrando o julgador sujeito às regras rígidas da prova tarifada, o que não significa que a actividade de valoração da prova seja arbitrária, pois está vinculada à busca da verdade, sendo limitada pelas regras da experiência comum e por algumas restrições legais. Tal princípio concede ao julgador uma margem de discricionariedade na formação do seu juízo de valoração, mas que deverá ser capaz de fundamentar de modo lógico e racional.
II. Porém, nessa tarefa de apreciação da prova, é manifesta a diferença entre a 1.ª instância e o tribunal de recurso, beneficiando aquela da imediação e da oralidade e estando este limitado à prova documental e ao registo de declarações e depoimentos.
III. A ausência de imediação determina que o tribunal de 2.ª instância, no recurso da matéria de facto, só possa alterar o decidido pela 1.ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida, como ocorre no caso dos presentes autos.
IV. De acordo com a redacção do n.º 6 do artigo 1906.º do Código Civil, nestes termos: «Quando corresponder ao superior interesse da criança e ponderadas todas as circunstâncias relevantes, o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com cada um dos progenitores, independentemente de mútuo acordo nesse sentido e sem prejuízo da fixação da prestação de alimentos» (a Lei 65/2020 em vigor no dia 1 de Dezembro de 2020).
V. Decorre que é precisamente a falta de ponderação de todas as circunstâncias relevantes e do superior interesse da criança, que determinou na sentença ora recorrida a fixação de uma regulação das responsabilidades parentais, com residência alternada, da qual ora se recorre por com a mesma, ora não se concordar.
VI. Mal andou o Douto Tribunal recorrido ao dar como provado os factos vertidos nos pontos 28 e 29 da matéria de facto provada.
VII. Designadamente ao considerar que foi provado que o aqui recorrido, Progenitor, vive com elevada intensidade a relação parental tendo uma vontade permanente de apoiar e acompanhar de todos os actos da vida dos filhos, bem como dispõe de tempo para se dedicar ao acompanhamento dos mesmo.
VIII. Quando tal factualidade veio a ser infirmada pela demais prova testemunhal produzida nos autos e pelo próprio comportamento do Progenitor, a confirmar tal circunstância, refere à testemunha EE, cujo depoimento foi prestado em 04.10.2022, e que se encontra gravado em suporte áudio, na plataforma habilus, assim como todos os demais que se indicarem, registado pelas 10:01:29 às 11:01:45min.
IX. As declarações pela testemunha FF cujo depoimento parece ter sido desatendido pelo Tribunal recorrido, que foi prestado no dia 17.10.2022, registado ao min. 12:06:47 ao min. 12:25:57, em particular as passagens do min. 00:10:58 ao min. 00:11:57, evidenciam que a relação entre as crianças/menores e o pai é triangulada pela avó paterna, que é a pessoa que está muito presente nas descrições dos miúdos.
X. No que tange à prestação de cuidados do Progenitor aos menores a testemunha EE é clara ao responder à pergunta efectuada pela Meritíssima Juiz, “Desde que as crianças nasceram o que é que aconteceu?, (cfr. registo Das passagens 00:02:01 a 00:02:44), em que a mesma responde ao min: 00:02:03 ao min. 00:02:43) “Pronto desde que os meninos nasceram ele inicialmente não apoiava assim muito, tudo bem que são duas crianças, mas quando a minha irmã começou a trabalhar ele não dava a retaguarda que devia dar, então tinha que ser eu e a minha mãe... e quando a minha mãe não estava, porque quando tinha que trabalhar, e a minha irmã quando tinha que trabalhar, porque ela trabalha por turnos, tinha que ser sempre eu dar o almoço e o jantar e o banho, porque ele não fazia sozinho, e pronto eu fazia, adoro os meus sobrinhos, e pronto ele não dava retaguarda”.
XI. E ainda para melhor concretizar a fraca capacidade do aqui Progenitor em entender as necessidades dos menores, e em demonstrar empatia com as suas vontades ou exigências, veja-se o que a testemunha responde à seguinte pergunta colocada ao min. 00:08.42 pela Mandatária da Progenitora: “Diga-me uma coisa e ele já demonstrava ter paciência para as crianças, ele gostava de fazer esse trabalho, não se importava de fazer esse trabalho?
XII. Ao que a testemunha EE responde: “Ele não tinha muita paciência, até porque a questão de ter que se insistir mais um bocado para comer, para dar a comida, ele não tinha muita paciência”. (passagem 00:08:50 a 00:09:00).
XIII. Mandatária da Progenitora pergunta ao min 00:09:52 : “O que é que é não ter paciência?” Testemunha EE, ao min. 00:09:56 ao min. 00:10:05, responde: “É dizer: não queres mais?; é limpar a boca, estás todo sujo, não queres comer não comes mais, não comes.” Mandatária da Progenitora, ao min. 00:10:06 ao min. 00:10:10, pergunta: “E isso manteve-se assim de não assumir, ou seja, os cuidados sozinho até quanto tempo? Resposta da testemunha EE, ao min. 00:10:11 ao min. 00:10:27: “Eu ia lá até aos dezoito meses, dois anos, manteve-se assim até virem para a escola, a minha irmã trazia-os para ficar em minha casa, nos dias em que os dois iam trabalhar.” . Devendo, assim, evidenciar-se ainda a resposta dada pela mesma testemunha ao min. 00:13:20 ao min. 00:13:53 e do min. 00:13:54 ao min. 00:14:12, em que aquela afirma que o progenitor inferia “chapadas na cara” das crianças quando elas faziam “asneiras”.
XIV. Do depoimento da testemunha EE decorre que o Progenitor tem alguma inabilidade para tratar dos menores, colocando os seus interesses à frente dos interesses e das necessidades dos menores.
XV. E, a testemunha EE, assim o explica, vejamos, ao min. 00:36:34 até ao min. 00:39:04, quando lhe é perguntado pela Mandatária da Progenitora: “O entendimento entre ambos, sobre questões de particular importância dos miúdos, eles conseguem chegar a um entendimento pai e mãe, ou não? Resposta da testemunha EE: “Não raramente chegam a um entendimento”.
XVI. De referir que a questão das actividades extracurriculares, a sua recusa por parte do Progenitor, bem como a insistência da menor AA praticar a mesma actividade lúdica que o irmão, ainda que aquela não queira, ou a circunstância de existir alguma diferença de tratamento negativa entre os menores por parte do Progenitor, foi um facto significativamente confirmado por mais duas testemunhas , designadamente os avós maternos GG, que prestou o seu depoimento no dia 04.10.2022, pelas 11:25:00, conforme registo e gravação de passagens ao min. 00:02:07 ao min. 00:35:05, e a testemunha HH, que prestou o seu depoimento no dia 04.10.2022, pelas 14:25:27, conforme registo e gravação de passagens ao min. 00:05:04 ao min. 00:45:52. E ainda pela testemunha FF como infra se demonstrará. E ainda com base no depoimento da testemunha II, nas passagens do min. 00:04:38 ao min. 00:04:44, cujo depoimento foi prestado em 17.10.2022, pelas 09:50:08 às 10:11:21min.
XVII. Analisados os factos provados e tudo mais que ressalta dos elementos coligidos no processo, não pode concluir-se, sequer, que o Progenitor fosse, durante a coabitação, a figura primária de referencia dos menores, o “primary caretaker”, aquele ascendente que, no dia-a-dia, mais tempo passava e dispunha a dispensar cuidados aos filhos e assegurar-lhe as necessidades básicas, como a alimentação, o acto de acordar e deitar, a assistência na doença, o ensino de regras de etiqueta e de higiene. Pois resulta claramente dos autos, que esse progenitor de referência é a aqui Apelante.
XVIII. Do exposto, é manifesto que são inatendíveis os fundamentos invocados na sentença ora recorrida para considerar provado que o Progenitor vive com elevada intensidade a relação parental, e tal por sua vez não é suficiente para concluir que o Progenitor reúne condições ou tem provada a sua capacidade parental, pela simples circunstância de após análise da peritagem realizada aos telemóveis do Progenitor não resultar segundo o Douto Tribunal qualquer abalo às (não) alegadas - e não provadas no nosso entender – capacidades parentais do Progenitor.
XIX. Pois, que a intensidade com que o Progenitor vive a alegada relação parental, não quer dizer que o mesmo tenha assimilado o conteúdo dessa mesma relação parental que tem que estabelecer com os menores, e demonstrativo dessa por ora, inabilidade é o depoimento da testemunha FF, cujo depoimento não foi valorado pelo Tribunal recorrido e que foi prestado no dia 17.10.2022, registado ao min. 12:06:47 ao min. 12:25:57, em particular as passagens do min. 00:01:23 ao min. 00:06:22.
XX. Ainda refira-se a circunstância de o Douto tribunal a quo, não ter valorado convenientemente o relatório junto aos autos pelo Núcleo Digital Forense, da Guarda Nacional Republicana, em 17.09.2021, com a referencia electrónica n.º3289170, pois de uma leitura mais atenta e pormenorizada, resultaria claramente que ainda que a Progenitora, aqui Apelada, não conseguisse concretizar datas concretas em que os menores estivessem expostos a imagens impróprias para as suas idades - o que em abono da verdade sempre seria impossível realizar esta prova –outrossim deveria ter ressaltado um pormenor aos olhos do Douto Tribunal recorrido. E que se prende com as horas e os dias em que estas visualizações ocorreram.
XXI. Desta forma, se poderia verificar que no dia 05.09.2019, pelas 15:32:28min foi visualizado um domínio com a designação “....blog.br”, no dia 28.11.2019 pelas 16:06:05min. e pelas 16:06:05min. foram identificados acessos a vídeos que foram visualizados, designados de “....porno.blog.br.”, em 03.12.2019, pelas 15.22:55 acedido informação com a designação “.free-sex-video.net”, e no dia 13.12.2019 pelas 14:24:17 foi acedido um domínio com a designação “....”, entre outras.
XXII. Por conseguinte, sempre poderia o Douto Tribunal considerar que ainda que pela consulta ao referido relatório a maioria dos acessos aos diferentes endereços ocorressem em horas consideras de sono para as crianças, em que os menores pudessem estar a dormir e onde os telemóveis do Progenitor estariam fora do seu alcance, sempre se dirá que as consultas ora e supra descritas aconteceram durante o dia em que os menores poderiam perfeitamente ter acesso aos telemóveis do Progenitor e ter contacto com esses conteúdos totalmente impróprios e de conteúdo lascivo para as suas idades – circunstância que o Douto Tribunal recorrido não podia ignorar.
XXIII. Donde, da análise da prova produzida e analisada em julgamento, e da ausência de prova que demonstre cabalmente que as capacidades do Progenitor estão reunidas e provadas, deveria o Douto tribunal recorrido abster-se de dar como provado a matéria de facto dos pontos 28 e 29, pois o recorrido não reúne competências parentais para ter os menores a residir consigo e aos seus cuidados.
XXIV. Porquanto, a pretensão do pai baseou-se numa pretensão estritamente pessoal, não baseada ou sustentada em factos que demonstrasse existir numa necessidade que se impusesse ao caso, nem está demonstrado nos autos que o mesmo seja dotado de tal capacidade e competência parental necessária para prover pelos cuidados que são necessários atender aos menores.
XXV. E da análise da motivação de facto, no que se refere ao facto dado como provado no ponto 28 e 29 parca é fundamentação elencada pelo Douto Tribunal a quo, se não mesmo inexistente, no que a análise criteriosa de todos os factos carreados para os autos, de um ponto de vista equidistante e imparcial, ao qual o Douto Tribunal se encontra obrigado.
XXVI. Daí que, em consequência e inexoravelmente, devem os factos 28 e 29 dados como não provados, na parte que aqui se impugna, mantendo-se em tudo demais inalterado em relação à progenitora, e ser integrados no dispositivo com a seguinte redacção ponto 28 “O progenitor não vive com elevada intensidade a relação parental e vontade de permanente apoio e acompanhamento em todos os atos da vida dos filhos, seja nas relações familiares, na prestação de cuidados de saúde e educação.”, ponto29 “O progenitor não dispõe de tempo para se dedicar à educação e acompanhamento dos filhos.”.
XXVII. Mal andou o Douto Tribunal recorrido, também, quando deu como não provado o facto K, da matéria de facto não provada, quando tal factualidade está provada documentalmente através de expediente junto aos autos a fls... em 19.04.2022, com a referência electrónica n.º ...63, pela Recorrente e que foi desconsiderado e ignorado pelo Douto Tribunal recorrido, bem como a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, quanto à este facto, designadamente a testemunha GG.
XXVIII. Mal andou o tribunal recorrido ao dar como não provado os factos . facto D. E. F. e G., da matéria de facto dada como não provada.
XXIX. Ou quando em total violação do disposto no art.º 5.º, do RGPTC, decide não ouvir os menores nos presentes autos, sem que tenha fundamentado conveniente a sua posição e bastando-se por dizer que em razão da sua idade (6 anos) estas não teriam maturidade ou entendimento para serem ouvidas nos presentes autos – em clara violação ao direito das crianças a serem ouvidas, devendo a sua opinião ser tida em consideração pelas autoridades judiciárias na determinação do seu superior interesse, impondo-se sempre ao julgador a valoração efectiva das declarações prestadas pelas crianças, ainda que atendendo, em conjunto, a todos os factores que são relevantes e determinantes para a prossecução do seu superior interesse.
XXX. Impondo-se assim a alteração da matéria de facto provada e não provada.
XXXI. Incorreu, também, o Tribunal recorrido, em erro de julgamento quando considerou como não provada a forma desrespeitosa que o Progenitor tratou a aqui Recorrente, e que expressamente se impugnará, de igual modo.
XXXII. Para além nulidade por falta ou omissão de formalidade da audição dos menores.
XXXIII. Determina o CPC no n.º 1 do art.º 195 que a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
XXXIV. E, o art.º 615.º, n.º 1 al. b) e d), ex. vi 613.º n.º 3, estipula: “É nula a sentença quando: b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;”
XXXV. A sentença ora recorrida, salvo melhor pensar, encontra-se ferida de nulidade por: - não proceder a audição dos menores, nem fundamentar a sua incapacidade para compreender os assuntos em causa, como exige o RGPTC (cf. artº 4º al. i) LPPCJP ex. vi artº 147º-A OTM), no art.º 23.º n.º 3, do RGPTC constitui uma profunda alteração ao anterior regime previsto na OTM e impõe obrigatoriamente a audição da criança no art.º 4.º c) e art.º 5.º do RGPTC. Pelo que a não realização dessa audição, determina a nulidade da decisão.
XXXVI. Devendo assim a sentença ser declarada nula e, caso assim não se entendesse, fosse revogada e substituída por outra que fixe a residência dos menores com a Progenitora/Recorrente.
XXXVII. Com a alteração legislativa produzida pela Lei nº 65/2020, de 4.11 tornou-se entretanto claro que o regime de residência alternada do filho com cada um dos progenitores pode ser determinado ainda que não haja acordo nesse sentido, com o que se solucionaram as dúvidas que vinham sendo suscitadas pela nossa jurisprudência, onde diversas decisões apontavam no sentido de para a fixação deste regime ser necessário o acordo dos progenitores.
XXXVIII. De qualquer modo, não obstante esta alteração legislativa, a aplicação do regime de residência alternada continua a requerer um padrão de exigência elevado na avaliação de cada caso que é submetido à apreciação judicial. – Cfr. Ac. da Relação do Porto, proc. n.º 15438/20.9T8PRT-B.P1 de 13.1.2022, e proc. 3089/17.0T8PRD.P1 de 27.05.2021.
XXXIX. Apenas se afasta, para a sua aplicação, a necessidade de prévio acordo nesse sentido por parte dos progenitores, exigindo-se, porém, que a residência alternada corresponda ao superior interesse da criança, no que se ponderarão todas as circunstâncias relevantes. MARIA CLARA SOTTOMAYOR (in “Estudos e Monografias – Exercício do Poder Paternal”, Porto, Publicações Universidade Católica, 2003, 2ª ed., págs. 439 a 444) escreve que “a guarda alternada acarreta para a criança inconvenientes graves pela instabilidade que cria nas suas condições de vida e pelas separações repetidas relativamente a cada um dos seus pais, causadas pela constante mudança de residência.”
XL. Sendo manifesto que o regime da residência alternada pressupõe uma guarda conjunta, implica este também o exercício em comum das responsabilidades parentais, quer no que toca às questões de particular importância para a vida dos filhos, quer no que respeita aos actos da vida corrente destes.
XLI. Ou seja, impõe-se que em relação aos menores os progenitores partilhem de um mesmo projecto de vida e de educação.
XLII. Acontece que dos autos não flui que entre os progenitores exista, neste momento, um relacionamento que, em relação aos filhos, se paute pelo diálogo, pela cooperação, pelo entendimento.
XLIII. Situação que, a nosso ver, desaconselha a opção pelo regime da residência alternada, e que não foi tomada em devida consideração pelo Tribunal a quo.
XLIV. Deste modo, afigura-se-nos razoável o entendimento em que se preconiza que entre os 4 e 10 anos de idade a residência alternada apenas deve ser adoptada nos casos em que não há conflito parental e em que cada um dos pais pode e deve confiar no outro como progenitor.
XLV. Assim, apesar do pretendido pelo progenitor, não cremos que neste momento seja aconselhável evoluir no sentido da residência alternada, o que se nos afigura prematuro, sem prejuízo de tal vir a ser viável no futuro, até porque estamos perante uma decisão que pode ser modificável por força da alteração das circunstâncias envolventes.
XLVI. Como tal, impõe-se a procedência do recurso interposto e a consequente alteração da decisão recorrida, nos moldes supra expostos.

Conclui pela procedência da apelação, nos termos expostos.
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Foram apresentadas contra-alegações pelo MP e pelo progenitor, ambos pugnando pela manutenção do decidido.
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Cumpridos os vistos legais, cumpre decidir.
Há que ter presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do C. P. Civil).
Nos recursos apreciam-se questões e não razões.

II – FUNDAMENTAÇÃO

Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
1. AA e CC nasceram no dia .../.../2016 e são filhos de BB e de DD.
2. Os pais das crianças foram casados entre si, porém, estão separados de facto desde 20 de Novembro de 2019 e divorciados desde 25/1/2021.
3. Em sede de conferência de pais de 2/3/2020, e na falta de acordo dos pais, foi fixado o seguinte regime provisório de exercício das responsabilidades parentais:
As responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente dos menores serão exercidas conjuntamente pelos pais, continuando as crianças a residir com o pai e com a mãe de acordo com o seguinte calendário mensal:
Mês de Março:
a) Dias 2, 3, 4 – Mãe;
b) Dias 5, 6, 7, 8 – Pai;
c) Dias 9, 10, 11 – Mãe;
d) Dias 12, 13 – Pai;
e) Dias 14, 15 – Mãe;
f) Dias 16 a 22 – Pai (férias deste);
g) Dias 23, 24, 25 – Mãe;
h) Dias 26, 27, 28 – Pai;
i) Dias 29, 30, 31 – Mãe;
Mês de Abril:
a) Dias 1, 2, 3 – Pai;
b) Dias 4, 5, 6, 7 – Mãe;
c) Dias 8, 9, 10, 11 – Pai;
d) Dias 12 a 19 – Mãe (férias desta);
e) Dias 20, 21, 22 – Pai;
f) Dias 23, 24, 25 – Mãe;
g) Dias 26, 27, 28 – Pai;
h) Dias 29, 30 e 31 – Mãe.
As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância dos menores serão exercidas por ambos os pais.
Cada progenitor suportará as despesas dos menores no período em que as mesmas estiverem a seu cargo.
Todas as despesas de saúde (médicas e medicamentosas) e escolares (relativas à aquisição de material e manuais escolares do início do ano letivo), não cobertas pela segurança social ou qualquer outra entidade, serão devidamente asseguradas em absoluta igualdade por ambos os progenitores mediante a apresentação do respetivo recibo e/ou fatura. O progenitor que efetuar a despesa comunicará ao outro assim que a realizar, devendo o progenitor efetuar o pagamento no prazo de 30 dias.
4. Por despacho proferido em 26/3/2020, foi alterado o regime provisório da seguinte forma:
Até ao dia 15 de Maio, data em que está prevista (para já) a abertura do Hotel ..., que o progenitor dirige, é fixado um novo regime de guarda partilhada, que se deverá reger pelo seguinte:
a. as crianças permanecerão uma semana com cada um dos progenitores, com mudança de residência ao sábado (ou outro dia que os pais decidam, por mútuo acordo), às 11 horas, em casa da progenitora;
b. durante a semana, os progenitores deverão viabilizar o contacto com o outro através de telefone ou vídeo chamada, a realizar entre as 18h30 e 19h30;
c. se neste período ocorrerem dias festivos (dia da mãe e aniversários dos progenitores), as crianças deverão passar o dia com esse progenitor, devendo ser entregues às 11 horas e recolhidos às 19 horas.
5. Em sede de conferência de pais de 15/6/2020, e na falta de acordo dos pais, foi fixado o seguinte regime provisório de exercício das responsabilidades parentais:
1. As crianças permanecerão uma semana com cada um dos progenitores, com mudança de residência ao sábado, pelas 11 horas, em casa da progenitora;
2. Na semana em que os menores estão com o pai e uma vez que este já se encontra a trabalhar e a progenitora se encontra de baixa médica, o pai levará as crianças à casa da mãe, entre as 8:30h e as 9h e recolhe-as entre as 17:30h e as 18 horas.
3. No mesmo período de tempo, o pai pagará uma pensão de alimentos de 75,00 € mensais.
O pagamento será efetuado até ao dia 8 de cada mês, por transferência ou depósito bancário para a conta que a progenitora compromete-se a comunicar ao pai. No presente mês, o pai pagará metade desse valor, no prazo de 48 horas.
4. No dia de aniversário do pai e caso este tenha folga, o progenitor poderá ter os menores na sua companhia, devendo para o efeito ir buscá-los pelas 9:30h, entregando-os pelas 18:30h.
5. O regime fixado na cláusula n.º 2 aplica-se igualmente no mês de Agosto.
6. Por despacho de 25/9/2020, e por causa da suspeita trazida aos autos pela Requerente que os filhos teriam visionado vídeos de cariz sexual no telemóvel do pai, foi decidido suspender o regime de residência alternada que estava a vigorar; e para que o progenitor pudesse manter contacto com os filhos, foi decidido que o requerido poderia estabelecer com eles videochamada entre as 19h e as 19h30, cabendo à requerente viabilizar tais contactos. Poderia ainda visitar as crianças no infantário, duas vezes por semana, em hora a acordar com o estabelecimento.
a. Por despacho de 30/11/2020, a duração das videochamadas foi reduzida para 15 minutos.
b. E foi estabelecido mais um dia de visita do progenitor às crianças, a qual deverá ser feita nas instalações da Segurança Social, com presença da técnica (...), em dia e hora a combinar com a mesma. O transporte das crianças será efetuado pela progenitora ou, caso esta não possa, pelos avós paternos das crianças, devendo estes, para o efeito, recolhê-las no infantário. Os avós paternos não deverão permanecer nas primeiras 2 visitas, que se destinarão apenas ao progenitor.
c. Por despacho de 5/1/2021, foi estipulada outra visita complementar que decorrerá no infantário que as crianças frequentam, com a presença da Drª JJ, em dia e hora a combinar com o progenitor e mediante a disponibilidade do infantário.
7. Ademais, a Requerente instaurou no DIAP ... um processo crime contra o Requerido por alegada exibição às crianças de vídeos de cariz pornográfico, que corre termos no NUIPC 1609/20.....
8. Ao que o Requerente contrapôs um processo crime contra a Requerida por denúncia caluniosa que corre termos no NUIPC2169/20.... do mesmo DIAP.
9. No NUIPC 1609/20.... foi proferido despacho de arquivamento no dia 19/4/2021 por factos relativos, em abstrato, a dois crimes de violência doméstica, previstos e punidos pelo artigo 152º, nº1, alínea d), do CP, e dois crimes de abuso sexual de criança, previstos e punidos pelo artigo 171º, nº3 b) do CP, praticados por DD contra os seus filhos AA e CC. Para tanto, foi concluído:
(…) No que concerne aos alegados maus-tratos do arguido à AA e CC, cumpre referir que o CC não prestou depoimento e a AA pese embora tenha, inicialmente, referido que o arguido os trancava no escritório do escuro (sem conseguir concretizar o número de vezes), certo é que, mais tarde, em sede de declarações para memória futura não efetuou qualquer relato nesse sentido. Por outro lado, a denunciante e demais testemunhas por si arroladas não têm conhecimento direto desses factos, nem referiram ter observado quaisquer lesões no corpo das crianças, que confirmasse relatos de agressões. Em contraponto, o arguido negou os factos que lhe foram imputados. Ademais, nenhuma das testemunhas referiu que a AA ou o CC tivessem concretizado (como é natural atenta a tenra idade dos mesmos), o número de vezes e como o arguido lhes teria batido ou o número de vezes que os colocou no escritório e quanto tempo, o que sempre seria essencial para a eventual dedução de acusação.
Quanto ao visionamento de imagens de teor pornográfico pelas crianças, no telemóvel do arguido: cumpre referir que o CC não prestou depoimento e a AA pese embora tenha, inicialmente, referido que viu no telemóvel da empresa do pai “a ginástica do pipi e da pilinha, com meninos despidos, várias vezes”, certo é que, mais tarde, em sede de declarações para memória futura não efetuou qualquer relato nesse sentido. Por outro lado, a denunciante e demais testemunhas por si arroladas não têm conhecimento direto desses factos e o arguido negou os factos que lhe foram imputados. Acresce que, não obstante tenham sido observadas imagens e pesquisa de imagens cariz sexual no telemóvel do arguido, inexistem quaisquer indícios nos autos de que o arguido lhas tivesse exibido, o que é essencial para a responsabilização criminal do arguido, atenta a natureza dolosa do crime previsto no artigo 171º do CP. Na realidade, a terem ocorrido visionamentos das imagens no telemóvel do arguido pelas crianças, afigura-se-nos que não se pode ignorar a possibilidade de os mesmos terem ocorrido de forma acidental, aquando do manuseamento do telemóvel, por parte dos menores.
10. Por despacho de 11/6/2021 foi determinado que daí em diante, e até à realização da audiência de julgamento e prolação da sentença que irá determinar de forma definitiva o regime de regulação das responsabilidades parentais, regerá o seguinte regime:
a. - até ao final do mês de Setembro (2021), o requerido poderá estar com as crianças aos fins de semana, de quinze em quinze dias, sem pernoita, indo busca-las ao Sábado e Domingo pelas 10 horas e entregando-as à mãe pelas 20h30, já jantadas; às quartas feiras poderá ir buscar as crianças ao infantário, no fim das atividades, levando-as a casa da mãe às 20 horas;
b. - a partir do mês de Outubro, os fins de semana serão com pernoita;
c. - ficam sem efeito as visitas que ocorrem semanalmente na Segurança social e no infantário frequentado pelas crianças;
d. ficam sem efeito as videochamadas entre o progenitor e as crianças e que desde sempre têm suscitado os maiores conflitos.
11. Em 17/11/2020, CC evidencia um desenvolvimento psicomotor e cognitivo dentro dos parâmetros esperados para a sua idade; os dados clínicos não sugerem a presença de sintomatologia psicológica relevante; relativamente a suspeitas de abuso sexual sobre o CC, não descreveu ao Perito nenhuma situação compatível com abuso sexual.
12. O CC evidencia uma representação positiva de ambos os progenitores, expressando afetos positivos em relação à mãe e ao pai.
13. Em 17/5/2021, AA evidencia um desenvolvimento psicomotor e cognitivo dentro dos parâmetros esperados para a sua idade; os dados clínicos não sugerem a presença de sintomatologia psicológica relevante; relativamente a suspeitas de abuso sexual sobre a AA, não descreveu ao Perito nenhuma situação compatível com abuso sexual.
14. A AA evidencia uma representação positiva de ambos os progenitores, e considera gratificantes os momentos que partilha com ambos os progenitores.
15. Ambas as crianças se sentem felizes na relação que têm com cada progenitor durante o tempo que passam com cada um.
16. Em 7/1/2021, DD não apresenta sintomatologia psicopatológica ou padrões comportamentais indicadores de disfuncionalidade ao nível psicológico que constituam um obstáculo ao exercício da parentalidade de forma adequada e adaptada.
17. Apresenta uma representação negativa em relação à mãe dos seus filhos e que fomenta um clima de conflito, sendo que a existência de processos judiciais nos quais o progenitor terá sido acusado de abuso sexual e físico dos filhos pode ter cristalizado esta representação amplamente negativa em relação à mãe dos seus filhos.
18. Em 14/1/2021, BB não apresenta sintomatologia psicopatológica ou padrões comportamentais indicadores de disfuncionalidade ao nível psicológico que constituam um obstáculo ao exercício da parentalidade de forma adequada e adaptada.
19. Apresenta uma representação negativa em relação ao pai dos seus filhos e que fomenta um clima de conflito, e influencia, de forma negativa, como a examinada analisa as capacidades parentais do ex-marido, e a importância e qualidade da relação entre ele e os filhos.
20. As crianças frequentaram o jardim de infância ... no ano letivo 21/22.
21. No ano letivo 22/23 ingressam no 1º ano do ensino básico, sendo a requerente encarregada de educação. (despacho de 13/5/2022)
22. A mãe é enfermeira e trabalha por conta de outrem auferindo €1411,67 ilíquidos mensais.
23. Suporta despesas mensais com às crianças relativas ao jardim de infância no valor de €385; atividades extracurriculares das crianças, €78; saúde, €80.
24. Reside numa moradia V5 com quintal e jardim pertencente aos seus (dela, Requerente) pais, juntamente estes e com as crianças, e na qual AA e CC têm o seu próprio quarto.
25. O pai é diretor de hotel e trabalha num Hotel em ..., auferindo €1600 ilíquidos mensais.
26. Suporta despesas mensais próprias com alimentação, vestuário, habitação, água, luz, gás, transportes, condomínio e crédito no montante global de €1102,25; suporta um total de €50,12 mensais com as crianças, em atividades letivas e não letivas.
27. Reside num apartamento T3, propriedade de seus pais, onde residia a família antes do divórcio, e no qual as crianças dormem em quarto próprio.
28. Ambos os progenitores vivem com elevada intensidade a relação parental e vontade de permanente apoio e acompanhamento em todos os atos da vida dos filhos, seja nas relações familiares, na prestação de cuidados de saúde e educação.
29. Ambos os progenitores dispõem de tempo para se dedicarem à educação e acompanhamento dos filhos e contam com o apoio dos respetivos pais, avós maternos e paternos, em retaguarda complementar.

E considerou “Não Provados” os seguintes:
A. A requerente está a tentar que as crianças se mantenham nas suas respetivas camas durante a noite toda, apesar da fase de "terrores noturnos" que as mesmas estão a passar. Mas sabe, por estas, que, juntas ou à vez, dormem na cama do pai - o que desestabiliza e inviabiliza o esforço que a requerente envida na semana em que elas pernoitam com ela.
B. Igualmente na hora das refeições tem sido em vão o esforço para que as crianças sejam autónomas, já que, na semana em que eles regressavam da casa do pai, na maior parte das refeições, a requerente tinha de lhes dar de comer porque estes (principalmente o CC) recusavam comer pela sua própria mão.
C. As crianças ficam desestabilizadas quando são trabalhadas com elas e pela mãe determinadas aprendizagens numa semana e, na seguinte, essas aprendizagens são deturpadas ou omitidas pelo pai.
D. Em 26 de Fevereiro de 2021, quando a mãe estava a preparar as roupas para o banho e pediu aos filhos para se despirem, deparou-se com a AA, deitada de barriga para cima, e o CC com a mão no pénis sobre a irmã a dizer "AA vou por a minha pilinha no teu pipi". Os avós maternos que estavam no mesmo andar da casa e presenciaram tais factos.
E. No dia 28 de Abril de 2021, o CC estava no quintal com o avô materno quando chegou a hora de tomar banho. A requerente chamou-o e, com o pai, retirou-lhe a roupa na cozinha para colocar de imediato a roupa suja na máquina de lavar. Quando se virou novamente para o CC, estava este sentado no chão a tentar abocanhar o pénis tendo manifestado: "Não consigo por a pilinha na minha boca, não consigo".
F. No dia 15 de Maio de 2021, o CC e a AA estavam a brincar no quarto dos brinquedos/ escritório enquanto a avó materna estava a fazer o almoço. Sentiu a falta dos netos e foi ao encontro deles. Deparou-se com os netos, no quarto de hóspedes, deitados debaixo de uma manta muito calados. Questionou o que estavam a fazer, ao que responderam "estamos a fazer massagens", tendo a avó questionado "massagens debaixo das mantas, que massagens são essas?", os meninos responderam "massagens, avó, não sabes o que são massagens? Nas costas, nas pernas, na pilinha, no pipi". Surpreendida, a mãe da requerente retorquiu "não sabia que se faziam massagens assim, onde viram a fazer isso?" e a AA respondeu "Já sabes avó, na casa do papá, nos filmes da pilinha e do pipi".
G. No dia 4 de Junho de 2021, a AA estava na sala a fazer um desenho na presença dos avós maternos. O CC estava com a requerente na casa de banho no ... andar quando esta lhe pediu para tirar a roupa enquanto ia buscar a roupa interior ao quarto e os chinelos à dispensa (...). Quanto se dirigia novamente ao ... andar, já o CC se encontrava todo nu na sala (...) segurando o pénis na mão, virado para a irmã que estava a contar uma história aos avós, dizendo "AA vou pôr a pilinha no teu rabo".
H. O requerido revela uma total incapacidade de favorecer o convívio da requerente com os filhos e de a confirmar enquanto mãe, ignorando pedidos da requerente quanto aos cuidados a tercom as crianças, nomeadamente quanto à roupa das crianças.
I. Quando o Requerido telefonava para as crianças, nas semanas em que se encontram com a mãe, está sempre preocupado em saber quem está presente, tecendo comentários com as crianças acerca da requerente ou da sua família, acerca do que faz ou do que vai fazer com eles na semana em que estará com eles, com clara intenção de desestabilizar a paz que requerente tenta incrementar, apesar da situação perturbadora em que as crianças se encontram.
J. Nas semanas em que as crianças estavam com o requerido, este interrompia sem motivo a conversa entre mãe-filhos, dizendo que as crianças não queriam falar com a requerente e desligando até a chamada sem esta se despedir dos filhos.
K. No dia 28 de Maio de 2020, sem propósito algum, o requerido começou a destratar a requerente à frente dos filhos tendo esta repetidamente solicitado para parar, pois as crianças estavam assustadas a ouvi-lo.
L. O requerido sempre demonstrou ser pessoa de trato difícil: encantadora socialmente, mas manipuladora e autoritária em casa, tendo-se revelado agressivo no trato com a requerente, principalmente desde que foi proposta a presente ação.
M. Antes da separação do casal, era sobre a requerente que recaía a maior parte das tarefas domésticas e o requerido raramente cuidava dos filhos, mostrando-se frequentemente indisponível para os cuidados mais elementares; sendo a requerente quem sempre esteve presente e acompanhou os filhos.
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Submetidas à apreciação deste tribunal de recurso, podemos reconduzir a três as questões suscitadas, a saber: alteração da matéria de facto, falta de audição dos menores e, finalmente, a fixação de residência alternada.

Alteração da matéria de facto

Pretende-se a reapreciação da factualidade dos números 28 e 29 dos “Factos Provados” e das letras D, E, F, G e K dos “Não Provados”.
Dita o artº 32º, nº3, do RGPTC que os recursos dos processos tutelares cíveis são processados e julgados como em matéria cível.

Atente-se, agora, nas exigências processuais impostas para que a Relação possa efectuar uma reapreciação da matéria de facto:
No quadro da modificabilidade da matéria de facto, desenha o artigo 662º, nº1, do CPC, que “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Concomitantemente, o artigo 640º do mesmo diploma, impõe àquele que impugna a matéria de facto o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida.

Assim, diz o nº1 de tal normativo que o recorrente deve, obrigatoriamente e sob pena de rejeição, especificar:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Acrescenta-se, depois, no seu nº2 que quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
É, hoje, vastíssima a jurisprudência e a doutrina sobre os requisitos formais que se devem mostrar observados para que a referida reapreciação possa ocorrer.
E, no seu denominador comum, colhe-se, desde logo, por um lado, a inadmissibilidade das impugnações em bloco e, por outro, a improcedência da mera enunciação de prova aparentemente dissonante, sem qualquer juízo crítico sobre a sua valoração em confronto com a que presidiu à do tribunal recorrido.

A propósito do primeiro aspecto, pode ler-se no acórdão do S.T.J., de 20.12.2017:
I- A alínea b), do nº 1, do artº 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique “os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, impõe que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respectivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos.
II - Não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, divide a matéria de facto impugnada em três “blocos distintos de factos” e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna – sublinhado nosso.
Ou ainda no acórdão do mesmo tribunal, datado de 18.02.2020, Revista n.º 968/15...., onde também se consignou a exigência de indicar as concretas provas que servem para impor uma decisão diferente (relativamente a um concreto facto) da decisão de facto tomada pela 1.ª instância.
Acresce que na densificação do ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, está pacificamente adquirido que o apelante terá de fazer uma análise crítica da prova produzida pelo tribunal a quo, valoração que não se poderá arredar de toda a que foi produzida, com vista à demonstração de que houve erro de julgamento por parte do Tribunal recorrido, e não apresentar apenas a sua interpretação da prova. Mais concretamente, terá de demonstrar que a análise integrada da prova feita na sentença está errada, e explicar porquê.
Até hoje, não tivemos a bênção de encontrar um julgamento onde a prova fosse uniforme e todos os depoimentos tivessem o mesmo conteúdo ou sentido e, portanto, não é por as partes ou as testemunhas terem feito as declarações transcritas nas alegações, que a “factualidade” delas resultante tem, necessariamente, de ser dada como provada.
Ora, presentes estes considerandos e volvendo ao caso concreto, impõe-se, desde logo, afirmar que a recorrente optou por agregar mais que um ponto da matéria de facto que pretende ver reapreciada, para depois tecer a sua análise sobre a prova parcelar que ela própria indica (veja-se até que pretende a desconsideração da prova pericial, resultante de lei, para conferir primazia à testemunhal oferecida por si própria) e requerer o sentido da alteração.
Não pode, por isso, ser objecto de reapreciação a factualidade constante dos nºs 28 e 29 dos factos provados.
Relativamente ao facto não provado “K” (No dia 28 de Maio de 2020, sem propósito algum, o requerido começou a destratar a requerente à frente dos filhos tendo esta repetidamente solicitado para parar, pois as crianças estavam assustadas a ouvi-lo), a recorrente invoca o expediente por si junto a 19.04.2022 com a referência ...63 e os depoimento da testemunha GG.
Da consulta ao Citius, com tal data apenas se recolhe o requerimento da apelante com a referência ...19, correspondente a uma sentença proferida nos autos de processo nº 2843/21.... que correram termos no Juízo Local Criminal ... – Juiz ... e uma declaração emitida pela Dra. FF.
Da sentença consta, exactamente, como não provado que aqueles factos tenham ocorrido na presença dos filhos do arguido, aqui recorrido.
Tratando-se de sentença e tendo implícita uma apurada investigação dada a natureza penal do processo em que assim se consignou, o depoimento da testemunha GG não aporta capacidade para contrariar o que já resultou de julgamento prévio neste domínio.
Não merece censura e mostra-se acertada a resposta dada pelo tribunal a quo, que assim se mantem.
Os factos D, E, F e G foram também objecto de agregação na impugnação apresentada, pelo que se remete para o que acima se escreveu quanto à inobservância da exigência processual, rejeitando-se, também aqui e com esse fundamento, a respectiva reapreciação.
Finalmente, refira-se que na sentença recorrida não se apura qualquer contradição entre a resposta à matéria de facto e a respectiva fundamentação: lida a decisão em crise, verificamos que a Srº Juiz a quo valorou todas as provas produzidas de acordo com o que lhe pareceu ser a credibilidade delas emanada, assim formando a sua convicção, sendo certo que da respectiva fundamentação não se retira que tenha violado qualquer regra da experiência comum, nem qualquer norma legal atinente a tal actividade.

Vem também invocada a nulidade da sentença por omissão de audição dos menores, alicerçada no estatuído no artº 615º, nº1, alíneas b) e d), do CPC.
De acordo com a norma em causa, a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão ou o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Trata-se, portanto, de saber se a decisão de não audição dos menores, tomada pelo tribunal a quo, inquinou a sentença com o vício da nulidade.
Sublinhe-se que foi consignado na decisão que «As crianças não foram ouvidas por terem 6 anos e não terem, por isso, maturidade e capacidade de discernimento quanto à matéria dos autos».
Conforme já ensinava Alberto dos Reis, “Uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção (...). São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte» - “Código de Processo Civil Anotado, 5º vol., págs. 55 e 143.
Há, portanto, pronúncia sobre a audição e justificação quanto à sua dispensa, pelo que não ocorre nulidade por omissão.
Todavia, averiguando-se que essa audição teria de ter ocorrido, poderá configurar-se uma nulidade por excesso de pronúncia.
É que, «Se, apesar da omissão indevida de um acto, o juiz conhecer na decisão de algo de que não podia conhecer sem a realização do acto omitido (ou, pela positiva, conhecer de algo de que só podia conhecer na sequência da realização do acto), essa decisão é nula por excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d), CPC)» - Teixeira de Sousa, cf. Blog do IPPC, 28/01/2019 Jurisprudência 2018 (163) disponível em https://blogippc.blogspot.com/2019/01/jurisprudencia-2018-163.html.
Importa, assim, averiguar se a audição dos menores teria, obrigatoriamente, de ter ocorrido.

Dita o artº. 12º da Convenção Sobre os Direitos da Criança, introduzida na ordem jurídica nacional pela Resolução da AR nº. 20/90, de 12/09, que:

“1 - Os Estados Partes garantem à criança com capacidade de discernimento o direito de exprimir livremente a sua opinião sobre as questões que lhe respeitem, sendo devidamente tomadas em consideração as opiniões da criança, de acordo com a sua idade e maturidade.
2 - Para este fim, é assegurada à criança a oportunidade de ser ouvida nos processos judiciais e administrativos que lhe respeitem, seja directamente, seja através de representante ou de organismo adequado, segundo as modalidades previstas pelas regras de processo da legislação nacional”.

Por seu turno, estabelece o artº. 4º, nºs. 1, c) e 2, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, acerca da audição e participação da criança, que esta, “com capacidade de compreensão dos assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, é sempre ouvida sobre as decisões que lhe digam respeito, preferencialmente com o apoio da assessoria técnica ao tribunal, sendo garantido, salvo recusa fundamentada do juiz, o acompanhamento por adulto da sua escolha sempre que nisso manifeste interesse”, devendo o juiz aferir, “casuisticamente e por despacho, a capacidade de compreensão dos assuntos em discussão pela criança, podendo para o efeito recorrer ao apoio da assessoria técnica”.
Com relevo ainda, há a considerar o artº 5º do mesmo que, no seu nº 1, estatui que “a criança tem direito a ser ouvida, sendo a sua opinião tida em consideração pelas autoridades judiciárias na determinação do seu superior interesse”.
Se assim ditam os preceitos, impõe-se-nos, todavia, não esquecer que a matriz de qualquer decisão relativa à regulação das responsabilidades parentais é, de modo inquestionável e indelével, o superior interesse do menor – artº 40º do diploma citado e 1905º do Código Civil -, o que, por consequência, determina o tribunal no sentido de decisão que o acautele, mesmo que com isso se afaste da vontade expressa por ele. A audição não vincula o tribunal ao sentido expresso pela criança que só deverá ser tomado em linha de conta quando essa vontade é compaginável e vai de encontro ao melhor para ela, quando é manifestação do seu superior interesse.
Por outro lado, se há quem faça uso da presunção de falta de imputabilidade estabelecida para os menores de sete anos, constante do artº 488º, nº2, do Código Civil para, com base nela, estabelecer a idade de 8 anos a partir da qual os menores devem ser ouvidos, outros existem que assim não entendem.
É interessante trazer à colação a Recomendação da Procuradora-Geral Distrital do Porto, vinculativa para os Magistrados do Ministério Público colocados no Distrito Judicial do Porto e formulada na sequência do III Encontro de Magistrados do Ministério Público da Jurisdição de Família e Menores da área dos Tribunais da Relação do Porto e de Guimarães, realizado a 22/5/2015, onde ficou consignado que a audição da criança em sede tutelar cível, sendo um princípio orientador, «deve, todavia, ser temperado com os princípios da intervenção mínima e da proporcionalidade, no sentido de que a audição serve o propósito de melhor definir o quadro vivencial que permitirá que a criança cresça e se desenvolva em condições de harmonia e segurança, devendo, por isso, ser observada “se” e “na medida” em que se revele útil e vantajosa para ela», constando, ainda, de tal Recomendação que , «Em processo judicial é tendencialmente obrigatória a audição das crianças com idade igual ou superior a 12 anos ou, não os tendo, sempre que revelem maturidade e discernimento suficiente para o efeito, salvo se a defesa do seu superior interesse o desaconselhar».
Trata-se, sem dúvida, de conferir, por essa via, um alcance real em consonância com o que se dispõe no artigo 35.º, n.º 3, do RGPTC, que, no âmbito das ações de regulação das responsabilidades parentais, dispõe que “A criança com idade superior a doze anos ou com idade inferior, com capacidade para compreender os assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, é ouvida pelo tribunal nos termos previstos na alínea c) do artigo 4.º, e no artigo 5.º, salvo se a defesa do seu superior interesse o desaconselhar”. Ora, no nosso caso, tendo os menores seis anos de idade, também somos de entendimento que da respectiva audição dificilmente se retiraria algum elemento útil à decisão, atenta a imaturidade inerente às suas idades, muito propícias a influências externas na determinação da vontade, sendo, aliás, de referir que isso implicaria um maior envolvimento na contenda entre os pais, como também é de ter em conta que dos autos se recolhem sinais positivos e prazerosos quanto ao convívio com cada um dos progenitores, uma vez que os relatórios periciais concluem que o CC e a AA evidenciam uma representação positiva de ambos os progenitores, expressando afetos positivos em relação à mãe e ao pai.
Concluímos, assim, que a audição não era obrigatória, mostrando-se justificada a sua dispensa, pelo que a sentença recorrida não padece de nulidade.

Quanto à decisão de atribuir guarda partilhada, com residência alternada, da qual também discorda a apelante:
Dita o artº 1906º, nº5, do Código Civil, que «O tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro».
O número 8 do preceito estatui ainda que «O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles».
«Quando corresponder ao superior interesse da criança e ponderadas todas as circunstâncias relevantes, o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com cada um dos progenitores, independentemente de mútuo acordo nesse sentido» - nº6 do mesmo.
Resulta, pois, das aludidas normas, com a redação que lhes foi conferida pela Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro, uma consagração legal da importância do estabelecimento e manutenção de laços afectivos com ambos os progenitores, nomeadamente assegurando a manutenção de uma relação de grande proximidade com aquele a quem não for confiado, privilegiando ainda a partilha de responsabilidades entre ambos (Maria Clara Sottomayor, Temas de Direito das Crianças, Almedina, Coimbra, p. 117).
Para um completo e harmonioso desenvolvimento dos menores, tem-se como inquestionável a necessidade da presença constante, activa e participativa de ambos os progenitores junto deles, pelo que se pode afirmar que qualquer pai ou mãe que verdadeiramente almeje o bem estar dos seus filhos tudo fará para que essa presença de ambos aconteça, pondo de lado razões que possam ter como significativas para si, mas que nenhum bem estar ou equilíbrio aportem aos seus filhos.
Ora, «Havendo disponibilidade e condições de ordem prática e psicológica de ambos os pais, e não havendo circunstâncias concretas que o desaconselhem, a guarda/residência conjunta é o instituto com melhor aptidão para preservar as relações de afeto, proximidade e confiança que ligam o filho a ambos os pais, sem dar preferência à sua relação com um deles, em detrimento do outro, o que necessariamente concorrerá para o desenvolvimento são e equilibrado do menor e melhor viabilizará o cumprimento, por estes últimos. das responsabilidades parentais», decidiu-se no acórdão da RLx de 24.01.2017, Proc. 954/15...., com o qual concordamos.
De resto, esta solução, se bem entendida e executada pelos pais, traz consigo o modelo que mais se aproxima com a que existia antes da separação, com o que de benéfico isso traduz para a emotividade das crianças.
Aos pais cabe o papel primordial para que tal modelo resulte, pelo que, querendo verdadeiramente o bem estar dos seus filhos e sabendo que os litígios os afectarão de modo indelével, deverão tudo fazer para o sucesso desta nova vivência.
O pai ou a mãe terão de conseguir cindir as mágoas pessoais resultantes do desgaste ou insucesso do relacionamento, das relações respeitantes aos filhos, empenhando-se para que a relação parental não seja beliscada por aquelas mágoas e se apresente imaculada aos olhos dos menores.
A percepção de inimizade entre os pais e os desaguisados que possam ter, sempre serão uma dor e um factor de instabilidade na vida dos filhos, que, julgamos, nenhum amor parental verdadeiro quer ver infligido.
Na decisão quanto à residência alternada, o tribunal a quo foi particularmente extenso e minucioso, fazendo até uma relevante resenha quanto ao desenrolar das situações, resenha da qual se colhe, indubitavelmente, que houve já residência alternada, bem aceite pelas crianças, só interrompida por denúncias da progenitora, que mereceram despacho de arquivamento pelo Ministério Público.
Como ali se fez constar, «Com base nos dados clínicos obtidos nas avaliações psicológicas forenses dos progenitores, não foi identificado qualquer tipo de sintomatologia indicadora da presença de processo psicopatológico do pensamento, funcionamento emocional ou personalidade. Para além disso, não foi identificada qualquer evidência clínica sugestiva de quadro nosográfico do foro psiquiátrico», não resultando dos autos «perigo gerado por qualquer comportamento do pai que afete gravemente a segurança ou equilíbrio emocional das crianças, muito menos a sua saúde, formação, educação ou desenvolvimento, nem o pai apresenta sinais de psicopatologia ou sintomatologia que possa interferir com a capacidade de exercer a função parental, em igualdade de circunstâncias com a mãe».
E, acompanhando-se a decisão, «nenhuma das crianças revela rejeição de qualquer progenitor como comprovado, pelo que inexiste alienação parental por parte dos pais, requerente e requerido», e «Ambos os progenitores reúnem as condições sócio-económicas e habitacionais adequadas a satisfazer as necessidades básicas das crianças, e ambos nutrem sentimentos de afeto e preocupação com o bem-estar das mesmas e seu desenvolvimento harmonioso, sendo do superior interesse das crianças, como de qualquer criança, que seja estabelecida uma rotina estável de residência e convívios».
Em suma, ambos os progenitores se apresentam com competência para a guarda conjunta, com residência alternada e esta é a que mais se assemelha com a vivência antes da rotura do casamento, permitindo manter vivos e profícuos os laços parentais indispensáveis para um saudável desenvolvimento de uma criança, obviando a que um progenitor se apresente, perante ela, num papel secundarizado relativamente ao outro.
Impõe-se, assim, confirmar a decisão recorrida.
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III – DECISÃO

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta secção cível em julgar a apelação improcedente e manter a decisão recorrida.
Custas pela apelante.