Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6111/20.9T8VNF-A.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: INCIDENTE DE LIQUIDAÇÃO
EQUIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/25/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 – Quando se relega para liquidação o apuramento do valor a receber pelo credor, tal significa, desde logo, que o Tribunal reconheceu a existência de um direito de crédito, que só não foi quantificado, ou seja, liquidado em montante certo, por não haver elementos para determinar o respetivo “quantum”, devendo o julgador recorrer à equidade quando não for possível a quantificação exata da indemnização, uma vez que a liquidação não pode ser julgada improcedente sob pena de violar o caso julgado formado na sentença que reconheceu a existência de um direito de crédito, apenas não quantificado.
2 - A equidade destina-se a encontrar a solução mais justa no caso concreto.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

“EMP01..., Unipessoal, Lda.” deduziu incidente de liquidação contra “EMP02..., Unipessoal, Lda.” pedindo que seja liquidado o valor devido pela requerida à requerente em € 13.218,26 e, consequentemente, ser a requerida condenada a pagar à requerente esse valor, acrescido de juros de mora até integral pagamento.

Para o efeito, alegou que, por Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 21 de abril de 2022 e transitado em julgado em 6 de maio de 2022, foi decidido manter a decisão recorrida na parte em que condena a ré  (A) a pagar à autora a quantia de € 1.519,05, acrescida dos respetivos juros de mora à taxa comercial, desde a data de vencimento de cada uma das faturas elencadas em 25) dos factos provados, até efetivo e integral pagamento e (B) condenar a ré a indemnizar a autora, em consequência da revogação do contrato, na quantia que se vier a liquidar, correspondente ao valor das mensalidades em dívida, deduzido dos custos que aquela teria na prestação do serviço. A requerida não pagou qualquer valor, pelo que se encontram em dívida as quantias de € 1.883,81, relativo à primeira parcela e juros, e € 11.334.45, valor correspondente à parte a liquidar (9 mensalidades e remanescente de outubro de 2019), sendo que, por não existirem custos específicos associados à execução deste serviço, nada há a deduzir ao valor devido pela requerida à requerente.
A requerida contestou alegando que a requerente tem de deduzir ao valor pedido os custos que teria de suportar na prestação de serviço, uma vez que está em causa apurar o lucro cessante e não as receitas que deixou de auferir.
Teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou o incidente parcialmente procedente e, em consequência, condenou a requerida a pagar à requerente, no que ao segmento B) da decisão condenatória diz respeito, o montante de € 4.607,50, correspondente a 50% do valor de € 9.215,00, acrescido de juros à taxa legal, contados desde a data da notificação da presente sentença até efetivo e integral pagamento, absolvendo a requerida do demais peticionado.

A requerida interpôs recurso, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes
Conclusões:

1. A recorrente não se conforma com a decisão que decidiu julgar o incidente deduzido pela requerente parcialmente procedente e fixar em 50% do valor sem IVA das mensalidades em dívida no montante a título indemnizatório.
2. A requerente deduziu o incidente requerendo como valor devido pela ora recorrente à recorrida em 13.218,26€ de juros à mora até integral pagamento e ainda a pagar as custas e o que mais de lei for.
3. A recorrente deduziu oposição, impugnando os factos e os montantes a liquidar, sustentando que haveria de se recorrer a elementos contabilísticos e fiscais da para apuramento do lucro.
4. Realizou-se audiência de julgamento, tendo o tribunal a quo considerado provada a (i) o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido nos autos, já transitado em julgado; (ii) factos dos acórdão, (iii) no ano de 2019, a Requerente teve gastos no montante global de 38.407,63€, e rendimentos no montante total de 39.774,52€; (iv) o ano de 2020, a Requerente teve gastos no valor global de 29.480,65€, e rendimentos no montante total de 30.502,89€. (v) no final de 2019/início de 2020, a Requerente tinha, além da Requerida, mais três clientes avençados e, ainda, treze clientes pontuais.
5. O Tribunal formou a sua convicção na valoração das declarações prestadas pela Representante Legal da Requerente e dos documentos juntos, nomeadamente das declarações de IES e IRC da Requerente referentes aos anos de 2019 e 2020, bem como das correspondentes liquidações efetuadas pela Administração Tributária.
6. Na matéria de facto dada como não provada, não se provou que não existissem custos específicos para a Requerente associados à execução do serviço a prestar à Requerida.
7. Por não concordar com a sentença proferida é interposto o presente recurso, pois à uma incorreta interpretação da prova produzida nos autos e o recurso baseia-se na (i) reponderação da fundamentação de direito, nomeadamente na ponderação do cálculo indemnizatório; (ii) na ponderação dos efeitos de tais alterações na decisão jurídica de causa.
8. Verifica-se na fundamentação do Tribunal que a Recorrente se obrigou nos termos do contrato ao pagamento da quantia mensal de €950,00 acrescida de IVA.
9. Não tendo sido possível produzir prova para apurar o valor concreto com os custos na prestação de serviços.
10. Logo o Tribunal socorreu-se do IES de 2019 e 2020, e bem na opinião do recorrente, mas destaca-se uma inegável evidência: é que os factos provados sob os n.ºs 3 e 4, resultam de prova produzida no âmbito do presente incidente e respeitam à sua finalidade última, que é a de apurar que parte dos valores faturados pela Requerente correspondem a lucro. E tal matéria foi alegada e trazida aos autos pela Recorrente, não pela Requerente, que, procurou contraditar.
11. A Requerente não logrou provar um único facto por si alegado a tal propósito neste incidente de liquidação.
12. A requerente teve uma parca alegação tendo-se resumido a dois pontos sendo que apenas um deles foi dado como provado, apesar de não ter qualquer relevo para a decisão de mérito proferida: 5. No final de 2019/início de 2020, a Requerente tinha, além da Requerida, mais três clientes avençados e, ainda, treze clientes pontuais.
13. Há a existência de uma aparente contradição entre a decisão tomada e os seus fundamentos de facto.
14. O Tribunal a quo na sua fundamentação refere uma fórmula de cálculo para apurar o valor das despejas da requerente, mas no final, e sem que nada fizesse prever condena em 50% do valor das mensalidades em divida para apuramento do valor indemnizatório em termos de lucro. Quando apresenta em fundamentação a conclusão de que os rendimentos em custos fixos eram de 60%.
15. Por essa ordem o valor do lucro seria de 40€.
16. O Tribunal a quo não poderia ter considerado, apenas quatro clientes avençados para cálculos de custos fixos. Mas em contradição utilizou o IES de 2019 e 2020.
17. Deveria assim ter em conta o número total de cliente anuais pois o IES é anual e contempla todas as despesas e lucros obtidos com todos os clientes.
18. Logo, os cálculos elaborados pelo tribunal fizeram com que a Requerente obtesse na presente ação um lucro superior ao que obteve eu dois anos, que ronda os 2.390,00€.
19. Além que o Tribunal confirma que os rendimentos em termos de lucro da Requerente são na ordem dos 4%.
20. Em contas simples, e utilizando a regra de três simples, o tribunal chegaria ao resultado de que em 2019 o lucro da requerente foi de 3,44% e em 2020 de 3,35%.
21. Logo o lucro da avença mensal da recorrente seria em 2019 de 32,68€ e em 2020 de 31,82€. 22. No cômputo geral, e a título indemnizatório pelo lucro que não obteve, a Requerente receberia a quantia de 254,59€.
23. A forma mais cabal de se inteirar do lucro de uma empresa é através dos mecanismos contabilísticos, pois transmite efetivamente os gastos e ganhos.
24. Conforme supra se avançou, os factos provados sob os n.ºs 3 a 5 e o teor do único facto não provado apresentam-se em aparente contradição entre a decisão tomada proferida, o que não é de admitir, pois que tal feriria a sentença de nulidade, conforme previsto no art. 615.º, n.º 1, al. c), do CPC.
25. A Requerente não tendo feito a demonstração dos custos que deixou de ter, como lhe competia, não pode a Recorrente por isso ser prejudicada e condenada a pagar-lhe um qualquer valor arbitrário.
26. Pois o que está em causa é apurar o lucro cessante da Requerente e não as receitas que a mesma deixou de auferir (até já determinadas nos autos principais), sendo que aquele corresponderá a uma pequena parte destas.
27. Só a análise financeira dos elementos contabilísticos e fiscais da Requerente permite apurar qual a proporção de receitas que corresponde a um lucro efetivo, depois de deduzidos gastos e encargos.
28. O Tribunal a quo não podia julgar por recurso à equidade, uma vez que está em causa a determinação de um facto muito concreto e foi junto ao processo a pedido da Recorrente prova concreta, objetiva e adequado para apuração do mesmo – o “lucro”.
29. “o recurso à equidade para quantificar a obrigação é – deve ser – um recurso de ultima ratio, (…), isso mesmo deixara já a Recorrente alegado na sua Oposição,
30. In casu, por estar em causa o apuramento de uma realidade financeira objetiva, e tendo sido possível produzir prova contabilística e tributária, era essa a que havia de relevar, deixando-se de fora a equidade, atenta a sua natureza subsidiária.
31. Como se sabe, em matéria de direito probatório vigora entre nós o princípio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 607.º, n.º 5, do CPC ressalvadas, naturalmente, as exceções relativas a prova vinculada.
32. Livre convicção não significa arbítrio, antes devendo seguir os princípios das chamadas regras comuns de experiência, obedecendo a critérios explicáveis e sindicáveis pelas partes e, se for o caso, pelo tribunal superior.
33. À luz dessas regras comuns de experiência, a que o legislador faz expressa referência no n.º 4 do citado art. 607.º, uma vez comprovados certos factos, pode-se inferir outros factos não conhecidos, ou seja, estes factos não conhecidos são os que, normalmente, à luz dessas regras, ocorrem como consequência daqueles.
34. Essas regras de experiência funcionam assim como critérios orientadores e com caráter geral que ajudam o julgador a apurar os factos em discussão.
35. Ainda por mera hipótese de raciocínio e sem conceder, o Tribunal tivesse entendido julgar por recurso à equidade, nunca poderia ter inferido uma margem de lucro de 50% na atividade da Requerente, quando os factos objetivos conhecidos e financeiramente demonstráveis revelam uma margem de lucro que nem sequer chega aos 4%, e onde o próprio reconhece tal facto.
36. Por tal motivo, sempre a haveria o Tribunal de fixar o valor dos custos que a Requerente teria na prestação do serviço à Recorrente numa percentagem muito superior a 50% (mais próxima dos 90% ou 95%) do valor das mensalidades em dívida.
37. Com base na prova documental, esta requerida pela ora Recorrente, deveria ter levado o Tribunal a quo a proferir decisão diversa daquele que foi proferida nos presentes autos, entendendo o aqui Apelante que o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, deveria ter apresentado na fundação de direito outra aplicabilidade, devendo para o efeito ser considerado como valor condenatório o valor global de 254,59€ acrescido de IVA, e ser a sentença revogada e substituída por outra que considere a oposição procedente com todas as consequências legais.
38. Sendo que, outro entendimento constitui uma violação das regras probatórias, designadamente o disposto no artigo 342º do Código Civil.
39. Do mesmo modo, ao decidir como decidiu, o Tribunal violou o disposto no artigo art. 566.º, n.º 3, do CC, de cariz subsidiário, reservando o recurso à equidade como ultima ratio na fixação de um quantum a pagar por qualquer dano ou lucro cessante.
40. Houve, pois, erro notório na apreciação da prova a legitimar a modificação da decisão sobre a matéria de facto, nos termos do disposto no artigo 662º do Código de Processo Civil.
41. Ao decidir em contrário, à matéria de facto alegada e provada em audiência de julgamento, a sentença violou por erro na apreciação da prova o disposto no artigo 607º n.ºs 4 e 5 do CPC.
Termos em que deve ser dado provimento ao recurso e, em consequência, ser a douta sentença recorrida revogada e substituída por outra que reduza o montante a pagar pela requerida à requerente ao valor global de € 254,59 acrescido de IVA à taxa legal, com as consequências legais,
Assim se fazendo JUSTIÇA!

A requerente contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.

A questão a resolver prende-se com a quantificação do valor a liquidar pela requerida à requerente.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Na sentença foram considerados os seguintes factos:

Factos Provados:
1. Do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido nos autos, já transitado em julgado, consta a seguinte decisão:
A - manter a decisão recorrida na parte em que condena a ré a pagar à autora a quantia de €1.519,05, acrescida dos respetivos juros de mora, à taxa comercial, desde a data de vencimento de cada uma das faturas elencadas em 25) dos factos provados, até efetivo e integral pagamento, revogando o demais.
B - condenar, ainda, a ré a indemnizar a autora, em consequência da revogação do contrato, na quantia que se vier a liquidar, correspondente ao valor das mensalidades em dívida, deduzido dos custos que aquela teria na prestação do serviço.
2. Com interesse para o presente incidente, deu-se como provado na sentença proferida nos presentes autos, além do mais, que:
1) A autora é uma sociedade unipessoal por quotas que tem como objeto atividades de consultoria, concepção e produção de material publicitário, edição e comercialização de revistas, livros, catálogos e publicações especiais, prestação de serviços de consultoria, orientação e assistência operacional, produção, edição e comercialização de conteúdos escritos e audiovisuais, prestação de serviços de assessoria de comunicação e imagem, atividades de design, atividades fotográficas, organização, promoção e realização de eventos sociais, culturais e desportivos.
2) A ré é uma sociedade unipessoal por quotas que tem como objeto a prestação de serviços de gestão, nomeadamente consultoria financeira, contabilidade, projetos de investimento, prestação de outros serviços de consultoria nas áreas da qualidade, informática e outsourcing.
3) A solicitação da ré, a autora enviou-lhe, a 03 de julho de 2019, uma proposta de orçamento para um ano, com revisão aos seis meses, para a prestação de serviços de “assessoria de comunicação EMP03...”, com o custo total de € 11.400,00, e pagamento mensal, até ao último dia do mês respetivo, no valor de € 950,00, tudo acrescido de IVA, conforme consta do documento junto aos autos a fls. 18 a 22, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido
5) A autora foi contratada pela ré para lhe prestar serviços de estratégia, assessoria de imprensa, desenvolvimento e implementação de plano de marketing, gestão de redes sociais e criação de newsletter.
6) A partir da data mencionada em 4) [08 de julho de 2019], a autora começou a elaborar o plano de comunicação para o grupo de empresas da autora (EMP03...), que estava incluído na assessoria de imprensa.
7) No dia 04 de Setembro de 2019, a autora enviou à ré o referido plano estratégico de comunicação por aquela elaborado, no qual consta, além do mais, o planeamento das ações a desenvolver pela autora no mês de Setembro de 2019, entre as quais, o desenvolvimento de campanha publicitária de implementação, e no mês de Outubro de 2019 em diante, designadamente, desenvolvimento de suportes de comunicação da marca, conforme consta do documento junto aos autos a fls. 23 – verso a 38, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido
3. No ano de 2019, a Requerente teve gastos no montante global de 38.407,63€, sendo 20.601,19€ relativos a fornecimentos e serviços externos, 16.054,80€, relativos a gastos com pessoal e 1.751,64€, respeitante a outros gastos e perdas, e rendimentos no montante total de 39.774,52€.
4. No ano de 2020, a Requerente teve gastos no valor global de 29.480,65€, sendo 19.637,07€ relativos a fornecimentos e serviços externos, 9.382,42€, relativos a gastos com pessoal e 461,16€, respeitante a outros gastos e perdas, e rendimentos no montante total de 30.502,89€.
5. No final de 2019/início de 2020, a Requerente tinha, além da Requerida, mais três clientes avençados e, ainda, treze clientes pontuais.
Factos Não Provados
Não se provou que não existissem custos específicos para a Requerente associados à execução do serviço a prestar à Requerida.

A apelante considera excessivo o valor em que foi condenada, entendendo que o lucro que a recorrida retiraria do contrato de prestação de serviços que celebrou consigo, e relativo aos meses de outubro a dezembro de 2019 e janeiro a julho de 2020, seria de apenas € 254,59. Sustenta-se, para o efeito, nos dados fornecidos pelo IES (Informação Empresarial Simplificada) e IRC da requerente, juntos aos autos – cfr. factos provados números 3 e 4 – e considera que, face a esses dados, não podia o tribunal recorrer à equidade, uma vez que “foi produzida prova objetiva e adequada com recurso a critérios contabilísticos e fiscais”.

Vejamos.
Quando se relega para liquidação o apuramento do valor a receber pelo credor, tal significa, desde logo, que o Tribunal reconheceu a existência de um direito de crédito, que só não foi quantificado, ou seja, liquidado em montante certo, por não haver elementos para determinar o respetivo “quantum”.
No incidente de liquidação, a improcedência da liquidação, com o fundamento de que o exequente não fez prova, equivaleria, a um “non liquet” e violaria o caso julgado formado com a decisão definitiva (exequenda), que reconheceu ao credor um crédito que, afinal, contraditoriamente, lhe seria negado.
Porque se pretende evitar a injustiça e a contradição, não sendo de todo possível a quantificação da indemnização, mesmo através de diligências oficiosamente ordenadas pelo Tribunal, deve o julgador recorrer à equidade – art. 566º, nº3, do Código Civil – e não julgar a liquidação improcedente, sob pena de violar o caso julgado formado na sentença que reconheceu a existência de um direito de crédito, apenas não quantificado - cfr. Acórdão do STJ de 14/07/2009, processo n.º 630-A/1996.S1 (Fonseca Ramos), in www.dgsi.pt.
O incidente de liquidação de sentença destina-se, assim, a obter a concretização do objeto de condenação da decisão proferida na ação declarativa, dentro dos limites do caso julgado, tendo sempre e necessariamente que conduzir a um resultado concreto e objetivo. Por outras palavras, o incidente de liquidação nunca poderá vir a ser julgado improcedente por “falta de prova”, pois tal desfecho, resultando na absolvição da Ré do pedido, inutilizaria a decisão proferida na ação declarativa e contraria a finalidade do incidente – Acórdão da Relação de Lisboa de 15/04/2015, processo n.º 30324/11.5T2SNT.L1-4 (Jerónimo Freitas), in www.dgsi.pt.
Precisamente por isso, quando a prova produzida pelos litigantes se mostre insuficiente para fixar a quantia devida, cabe ao juiz procurar completá-la, “mediante indagação oficiosa, ordenando, designadamente, a produção de prova pericial” (n.º 4, do art.º 360.º CPC).
Se ainda assim não for possível fixar a quantia devida, num último recurso, sempre deverá o tribunal julgar de acordo com a equidade, por imposição do n.º3, do art.º 566.º do CC, dispondo que “Se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”, o que, tudo evidencia que o incidente de liquidação não poderá ser julgado improcedente.
Ou seja, a única questão em aberto no incidente de liquidação é a da medida da liquidação.
No caso concreto, a requerente não ofereceu prova, por entender que nada há a deduzir ao valor devido pela requerida, por não existirem custos específicos associados à execução do serviço contratado – “Os serviços prestados eram de cariz intelectual, sendo que os utensílios utilizados para a sua execução, como seja, computador, impressora e serviço de internet não estavam adstritos exclusivamente a esta prestação de serviços, mas sim à totalidade de clientes aos quais a requerente presta serviços” – artigo 13.º do petição inicial.
Tal raciocínio não é correto, como bem se decidiu na sentença recorrida, pois há que imputar os custos gerais da atividade da recorrida aos seus clientes, caso contrário, os pagamentos efetuados por estes, sendo “limpos”, seriam contabilizados inteiramente como lucros, quando, na realidade, são receitas, a que há que abater os custos da atividade necessária para a prestação dos serviços.
Isso mesmo ficou decidido na ação declarativa quando aí se condenou a ré a indemnizar a autora, em consequência da revogação do contrato, na quantia que se vier a liquidar, correspondente ao valor das mensalidades em dívida, deduzido dos custos que aquela teria na prestação do serviço.
A questão que aqui se colocou foi, precisamente, a do apuramento desses custos.
Daí que, tendo tal sido solicitado pela requerida, na sua contestação, o tribunal entendeu oportuno e necessário ordenar a junção das declarações de IES e de IRC referentes aos anos em causa, o que foi efetuado.
Estando provado que a requerida se obrigou, nos termos do contrato, ao pagamento da quantia mensal de € 950,00, acrescida de IVA, cabia apenas apurar quais os custos que a requerente teria que suportar com a prestação deste serviço, para efetuar a dedução correspondente.
E é aqui que nasce a divergência da apelante com a sentença recorrida.
Sem razão, adiantaremos já.
Com efeito, produzida a prova, não se logrou apurar o valor concreto dos custos que a requerente teria na prestação deste concreto serviço à requerida.
Não há dúvida que os gastos suportados pela sua atividade estão descritos nas declarações de IES. Contudo, não pode fazer-se, como pretende a apelante, uma conta simples de subtração, considerando os rendimentos, para obter os lucros.
Para além de não ser possível apurar com certeza, quais destes custos teriam sido suportados com esta concreta prestação de serviços, importa, ainda, considerar a existência de mais três clientes avençados e 13 clientes pontuais, cujos pagamentos (de valor desconhecido) contribuíram em percentagens impossíveis de definir para o pagamento daqueles custos (a cada cliente terão sido prestados serviços diferenciados, não se podendo concluir - por não ter sido provado - que fossem todos idênticos), bem como a existência de outros custos não necessariamente afetos a esta prestação de serviços, sendo que, de todo o modo, não seria o rendimento que esta cliente proporcionaria a suportar todos os custos/gastos do exercício da requerente (e, por outro lado, não tendo auferido este rendimento, os custos suportados, genericamente, acabam por constituir uma parcela maior na declaração de rendimentos da requerente).
Cabe, ainda, acrescentar que, em audiência de julgamento, foi ouvida, apenas, a legal representante da requerente que se referiu a despesas como o consumo de água, luz e internet do escritório, considerando o trabalho intelectual que seria desenvolvido neste tipo de prestação de serviços.
Do exposto resulta que o tribunal se socorreu, e bem, da equidade, para determinar o montante da indemnização devida.
Com efeito, uma vez que a matéria de facto não foi suficiente para fixar o valor da indemnização nos termos definidos na sentença transitada em julgado e, decorrendo do disposto no artigo 360.º, n.º 4 do CPC que o incidente de liquidação nunca poderá ser julgado improcedente por falta de prova, teria o tribunal que fazer uso de critérios de equidade.
“Encontrando-se esgotada a possibilidade de determinar com precisão o exato “quantum” indemnizatório, com assento numa norma jurídica ou regra pré-estabelecida, haverá que dar ao conflito a solução que se entende ser a mais justa, atendendo às características da situação.
A propósito escreveu-se no Acórdão do STJ de 21 de novembro de 2006, in www.dgsi.pt, que a equidade destina-se a encontrar a solução mais justa no caso concreto ou por outras palavras, a expressão da justiça num dado caso concreto - “é uma justiça de proporção, ou de equilíbrio, fora das regras rígidas da norma. É uma forma de justiça a que modera o rigor da norma legal, deixando larga margem de apreciação subjetiva ao julgador”.
O tribunal pode julgar através do recurso à equidade, por razões de conveniência, de oportunidade e, principalmente, de justiça concreta, mesmo que não se torne viável averiguar o valor exato dos danos, desde que se obtenha o mínimo de elementos de facto certos sobre a natureza daqueles e sobre a sua extensão, que orientem um cálculo objetivamente sindicável e, por via disso, o menos arbitrário possível e permitam a sua computação em valores próximos daqueles que realmente lhe correspondem – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 16/12/2021, proferido no processo 2454/20.0T8BCL.G1 (Conceição Sampaio) in www.dgsi.pt.

No caso dos autos, o tribunal ponderou os valores constantes das declarações de IES e IRC da requerente, as declarações da legal representante da requerente, o número de clientes avençados e pontuais, o tipo de prestação de serviço que iria ser efetuado, para concluir que “afigura-se-nos ajustado fixar o valor desse custo, com recurso à equidade e ao abrigo do disposto no artigo 566.º, n.º 3 do Código Civil, em 50% do valor sem IVA das mensalidades em dívida” (não incorrendo, assim, em qualquer contradição entre os factos provados e não provados e a decisão tomada, como parece entender a apelante)
Ora, ponderando os fatores postos em relevo pela primeira instância, apresenta-se equilibrado e equitativo, e por isso de manter, o montante fixado na sentença.
Motivo pelo qual, improcede a apelação, sendo de confirmar a sentença recorrida.

III. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
***
Guimarães, 25 de janeiro de 2024

Ana Cristina Duarte
Alexandra Rolim Mendes
Joaquim Boavida