Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
53/22.0T8GMR.G1
Relator: ALEXANDRA ROLIM MENDES
Descritores: ARRENDAMENTO
OBRAS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/25/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 - Quando realiza obras /reparações urgentes e coercivas, em substituição do senhorio, o arrendatário, nos termos do art. 22º – D do RJOPA (Dl 157/2006 de 8 de setembro), tem direito a uma compensação monetária, podendo optar por uma das seguintes modalidades:
a) Pagamento direto pelo senhorio, em prazo não inferior a 60 dias;
b) Dedução no valor das rendas mensais vincendas a partir da data da receção da comunicação prevista no nº 3 do artigo anterior.
2- Pretendendo o arrendatário descontar o valor das obras nas rendas vincendas, deve comunicar tal intenção ao senhorio, obedecendo tal comunicação aos requisitos previstos no nº 3 do art. 22º - C do RJOPA.
3 - Não obedecendo a comunicação a esses requisitos, nomeadamente comunicando-lhe a modalidade do pagamento da compensação em dívida e respetivas condições de pagamento, não era lícito aos arrendatários proceder ao desconto do valor das substituições/reparações no valor das rendas vincendas, nos termos em que o fizeram.
4 - Estavam, pois, os RR., arrendatários, obrigados a cumprir a obrigação de pagamento da renda a que estavam adstritos, por força do preceituado no art. 1038º - a) do C. Civil e, não a cumprindo, constituiram-se em mora.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Relatório:

AA e BB, melhor id. nos autos, propuseram a presente ação declarativa contra CC e DD, melhor id. nos autos, peticionando a condenação destes no pagamento da quantia de € 5.508,98, correspondente a rendas vencidas e não pagas e indemnização pela mora desse pagamento e juros.
Para o efeito, alegam que são donos de fração ... e ... que está dada em arrendamento aos RR e que estes, apesar de interpelados, não pagaram a atualização das rendas entre janeiro de 2019 e dezembro de 2021, que não pagaram as rendas ou parte das rendas relativas a meses do ano de 2020 e do ano de 2021.
Os RR ofereceram contestação. Alegaram, para o efeito, terem feito a compensação do crédito que detinham sobre os AA, por alegados custos que tiveram com substituições e reparações de eletrodomésticos e outros bens do recheio do locado.
Os AA exerceram o contraditório, negando a compensação, por rejeitarem responsabilidade no alegado crédito dos RR.

Realizou-se a audiência prévia.

Considerando o Tribunal que nesta fase, o processo reunia todos os elementos necessários à prolação de Sentença de Mérito, foi proferida sentença, que decidiu a ação nos seguintes termos:
Pelo exposto, julga-se procedente a causa e, por via disso, condenam-se os RR a pagar aos AA a quantia de € 5.348,40, correspondente às atualizações legais da renda id. em 13 da pi, às rendas e parte das rendas id. em 14. da p.i e à indemnização pela mora id. em 21 da p.i. (absolvendo-se os RR do pagamento dos juros sobre tais quantias).”
*
      
Inconformados vieram os Réus recorrer formulando as seguintes Conclusões:

1. O conhecimento de mérito no despacho saneador apenas deve ter lugar quando o processo fornecer já em tal fase processual, antecipadamente relativamente à normal - a da sentença -, todos os elementos de facto necessários à decisão do caso segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito.
2. Assim, nunca é legitimo ao julgador enveredar, antecipadamente, pela sua solução definitiva do litígio, sem que garantida esteja a presença de todos os factos necessários a que as outras visões possíveis possam, também, ser logo, sustentadas.
3. Estando controvertida matéria relevante para efetuar a subsunção jurídica do caso a um instituto convocado, nunca pode ser considerado consolidado estado dos autos que permita ao juiz antecipar a decisão, com o adiantar da solução por si perfilhada, pois que necessária se torna (após instrução) a condensação - como provados e não provados - dos factos que permitam, na interpretação, concatenação e ponderação de todos eles, adotar justa solução que se desenhe no leque das possíveis.
4. Nos presentes autos, no final dos articulados, a matéria de facto relevante para a decisão a tomar encontrava-se controvertida e carecida de instrução.
5. Assim é desde logo e de forma exuberantemente clara no que tange ao pedido enunciado pelos AA. na respetiva alínea b): € 207,00 de a título de atualizações de renda.
6. Deve reconhecer-se aos arrendatários a faculdade de compensarem o valor que despenderam em obras no locado com as rendas devidas, ao abrigo do disposto nos artºs 1036º nº 1 e 1074º nº 3 do CCivil se se alegou que o senhorio se recusou a fazer obras urgentes e inadiáveis.
7. Recusando-se o senhorio a efetuar essas obras cabe ao inquilino realizar ele próprio as obras, desde que urgentes, podendo efetuar posteriormente a compensação do seu crédito pelas despesas com a realização das mesmas.
8. A declaração expressa do autor no sentido de que não faria as obras integra uma recusa do cumprimento da obrigação legal de efetuar obras de conservação decorrente dos Artigos 2º do Decreto-lei nº 157/2006, de 8.8. e 1074º, nº 1 do CCivil. Uma recusa de cumprimento do contrato tem como consequência o incumprimento definitivo do contrato pelo devedor, dispensando-se qualquer interpelação admonitória por parte do credor – artºs 798º e 801º do CCivil.
9. A norma especial do Artigo 1074º do CCivil permite ao inquilino extinguir a sua obrigação do pagamento das rendas caso se adiante (e substitua ao senhorio) com a realização das obras.
10. O Dec. Lei nº 157/2006, de 8.8. [Regime Jurídico das Obras em Prédios Arrendados], nos seus artºs 22º-Aº e ss., quanto às obras de conservação do locado que estejam a cargo do senhorio e vierem a ser efetuadas pelo arrendatário, prevê de modo expresso a possibilidade deste proceder à compensação do valor despendido com tais obras com o valor das rendas vincendas.

TERMOS EM QUE pelo exposto, pelo mérito dos autos e pelo que doutamente será suprido deve à Apelação ser concedida provimento, revogando-se a decisão recorrida, porque assim se fará
J U S T I Ç A !
*
*
A Autor apresentou contra-alegações com as seguintes conclusões:

1.ª O conhecimento dos pedidos, em fase de saneamento dos autos obriga, naturalmente, a que sejam observados formalismos essenciais e indispensáveis, desde logo, obriga à realização de audiência prévia.
2.ª A realização da audiência prévia nos casos em que o Tribunal decide conhecer imediatamente da causa, é destinada a facultar às partes a discussão de facto e de direito antes da prolação da decisão sobre a matéria que se irá conhecer.
3.ª Nos presentes autos as partes tinham já debatido e esgrimido as suas posições e argumentos nos seus respetivos articulados. Além do mais, tinham já feito chegar aos autos a prova documental que suportava as suas respetivas alegações.
4.ª Não se vislumbra matéria de facto controvertida que obstasse a que pudesse ser proferida a decisão.
5.ª A douta sentença recorrida contém a indicação dos elementos em que o Tribunal se baseou para decidir quanto à matéria de facto, explicitados o suficiente para demonstrar a razoabilidade do raciocínio que levou à decisão sobre a sua atendibilidade e bem assim a razoabilidade da formação da convicção no sentido nela expresso quanto ao acolhimento dos factos.
6.ª As partes estão ligadas por um contrato de locação que se consubstancia no contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa mediante retribuição, referindo-se a arrendamento quando a locação incida sobre coisa imóvel.
7.ª Característica deste contrato é a obrigação de proporcionar ao arrendatário o gozo da coisa mediante retribuição e caráter temporário. A retribuição do contrato de arrendamento denomina-se renda e uma das obrigações do arrendatário é, pois, a de pagar pontualmente o montante acordado a este título.
8.ª A natureza sinalagmática do contrato de arrendamento verifica-se, pois, entre a obrigação do senhorio de proporcionar ao arrendatário o gozo do imóvel e a obrigação do arrendatário de pagar a renda acordada.
9.ª Os réus/recorrentes não pagaram aos autores os montantes de renda já vencidas, relativas aos meses de julho de 2020 a abril de 2021 e dezembro de 2021, no montante de € 4.250,00 (quatro mil duzentos e cinquenta euros), acrescido da quantia de € 207,00 (duzentos e sete euros), referente às atualizações de renda devidas e não pagas.
10.ª Não se verificam quaisquer circunstâncias que possam parte dos réus, aliás, cuja dívida reconhecem e aceitam.
11.ª Na vigência do contrato de arrendamento, só se extingue a obrigação de pagamento da renda devida mediante a compensação do inerentes crédito do senhorio com crédito invocado pelo arrendatários, em situações de cariz, verdadeiramente, excecional.
12.ª Podem os arrendatários suspender o pagamento da renda quando o gozo não foi propiciado, o que no caso concreto, claramente, não sucede.
13.ª Desde a celebração do arrendamento e até ao presente, mantém o gozo do locado de forma constante e ininterrupta.
14.ª A mora do senhorio na realização de obras não permite nem legitima a invocação do instituto da compensação do montante das rendas, pelo crédito que os inquilinos possam ter por ter realizado obras.
15.ª Os réus procederam, a seu encargo, a obras/reparações de diversa índole, sem fundamentado tal faculdade em previsão contratual ou em autorização escrita dos a senhorios, em cumprimento do estipulado no transcrito artigo 1074.º, n.º 2 do Código Civil.
16.ª As reparações alegadamente feitas pelos réus, e tal como plasmado na douta sentença recorrida não se inserem nos conceitos de “urgente” ou “inadiável” como estes alegaram e, como tal, não preenchem a previsão do artigo 1036.º do Código Civil.
17.ª Os pressupostos do artigo 1036.º, n.º 1 do Código Civil não foram, assim, preenchidos porquanto, desse logo, não se concluiu existir urgência de realização das reparações o que determina que os réus não tinham direito ao reembolso do valor que despenderam nas obras e não podiam, por isso, efetuar a compensação desse crédito com a obrigação de pagamento da renda.   
18.ª Os réus/recorrentes não invocaram a impossibilidade de uso do locado, sendo que, de resto, nunca alegaram que tenham deixado de habitar o locado ou que as ditas reparações os hajam privado ou limitado quanto ao uso do imóvel, e nessa medida não tinham os réus qualquer fundamento legal para recusar o pagamento da renda.
19.ª Não assiste aos réus o direito a compensarem qualquer eventual crédito que detenham com as rendas que têm de pagar pela contrapartida do gozo do locado.

Nestes termos e nos melhores doutamente supridos por V.as Ex.as, deve a presente apelação ser julgada improcedente e confirmar-se a decisão recorrida.
*
Recebido o processo neste Tribunal da Relação foi proferido despacho nos seguintes termos:
Nos presentes autos, nas alegações de recurso, verifica-se que os RR. se insurgem quanto ao facto de no despacho saneador ter sido proferida decisão de mérito, por entenderem que o processo não contém ainda todos os elementos necessários a esse efeito, pois entendem existir matéria controvertida e relevante para a decisão a proferir nos autos, designadamente, no que respeita ao pedido formulado pelos AA. na al. b), respeitante ao pagamento da quantia de 207,00 €, referente a atualizações da renda.
Ora, exigindo a lei, no caso, que a comunicação referente às atualizações da renda seja efetuada por carta registada com aviso de receção e dirigida a cada um dos arrendatários (v. art. 9º, nº 1 e 12, nº 1 do NRAU) e, constando dos autos apenas carta registada (sem AR) dirigida à arrendatária (e não ao arrendatário), determino que, nos termos do disposto no art. 652º, nº 1 – d), do C. P. Civil, se notifiquem os AA. para, no prazo de 10 dias juntarem os documentos em falta.”
*
Respondendo à notificação ordenada, os AA. vieram juntar requerimento em que informam que não irão juntar tais documentos aos autos uma vez que não os possuem.
*
As conclusões das alegações de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal (arts. 635, nº 3 e 639º, nº 1 e 3, todos do C. P. Civil), sendo assim, as seguintes Questões a decidir:

- verificar se o processo contém todos os elementos para que pudesse ser proferida decisão de mérito da ação;
- caso se conclua afirmativamente, apreciar se foi ou não corretamente efetuada a comunicação aos arrendatários do valor correspondente à atualização das rendas e,
- verificar se os RR. poderiam fazer operar a compensação entre o valor das obras que realizaram no locado e que suportaram, e o valor das rendas devidas aos senhorios.
*
*

Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:
1. Os factos alegados na p.i.;
2. O conteúdo do contrato de arrendamento junto com a p.i. sob doc. N.º ..., ....        
3. Os factos constantes da contestação.
*
*
Cumpre apreciar e decidir:

Os RR. insurgem-se quanto ao facto de no despacho saneador ter sido proferida decisão de mérito, por entenderem que o processo não contém ainda todos s elementos necessários a esse efeito, pois entendem existir matéria controvertida e relevante para a decisão a proferir nos autos, designadamente, no que respeita ao pedido formulado pelos AA. na al. b), respeitante ao pagamento da quantia de 207,00 €, referente a atualizações da renda.

Vejamos:
De acordo com o disposto no art. 595º do C. P. Civil, no despacho saneador é permitido conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória.
Como dizem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (in Código de Processo Civil anotado, vol. I, pág. 696), no despacho saneador o juiz deve conhecer do pedido ou pedidos formulados “sempre que não haja matéria controvertida suscetível de justificar a elaboração de temas da prova e a realização de audiência final.  A antecipação do conhecimento de mérito pressupõe que, independentemente de estar em jogo matéria de direito ou de facto, o estado do processo possibilite tal decisão, sem necessidade de mais provas (…)”.
No despacho saneador só deve ser proferida decisão sobre o pedido ou pedidos formulados quando a prova dos factos que permaneçam controvertidos seja indiferente para qualquer das soluções plausíveis da(s) questão(ões) direito.
Ora, no caso em apreço, como se verá de seguida, o processo contém todos os elementos necessário à prolação de decisão de mérito.

Vejamos então se existem factos controvertidos:
                   
Na contestação os RR. impugnam de forma genérica os artigos 12º a 19 da petição inicial, nos quais os AA. referem que comunicaram aos RR. a data e o valor da atualização da renda inicialmente acordada (arts. 12º e 13º) e elencam os valores das rendas que entendem em dívida e os meses a que respeitam e em que deveriam ser pagas. (arts. 13º a 19º).

No que respeita à comunicação da atualização das rendas, alegaram os AA. na p.i. o seguinte:

12. Nesse sentido, procederam os Autores à comunicação devida aos Réus, informando-os do referido valor, resultante da aplicação do coeficiente legal fixado por portaria (1,15%), mediante carta datada de 20/12/2018, conforme decorre do documento que se junta como nº 5 e se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais.

A Srª Juiz  a quo, na sentença, deu por reproduzidos os factos da p.i. e os da contestação, além do teor do contrato de arrendamento. Tudo por remissão, sem expurgar os artigos constantes dessas peças processuais de conclusões e conceitos de direito.
Ora, analisando o art. 12º acima transcrito, vemos que o mesmo contém uma conclusão no sentido de que a comunicação da atualização da renda foi corretamente efetuada aos Réus.

No entanto, o que deveria ter feito seria fazer constar dos factos provados o teor do documento junto pelos autores como documento nº ..., referente a tal comunicação, devendo as ilações jurídicas, sobre se a comunicação se encontrava corretamente efetuada, ser realizada na fundamentação jurídica da sentença.

Assim, este facto deve ser alterado, passando a constar do mesmo o seguinte:

- Por carta registada, enviada a CC, no dia 20/12/18, o A. comunicou-lhe o seguinte:
“Serve a presente para informar sobre o aumento de 1,15% na renda mensal, conforme determinado na lei do arrendamento.
Assim a renda mensal do apartamento passa a ser de 505,75, com efeitos a partir de Janeiro de 2019.
Com os melhores cumprimentos,
(…)”

Quanto às rendas em dívida, em lado algum daquela peça processual alegam que efetuaram o pagamento por inteiro das mencionadas rendas, antes vindo invocar o direito a descontarem nas mencionadas rendas o valor das obras que efetuaram no locado ou o direito à compensação entre o valor de tais obras e o valor dessas rendas.

Assim sendo, embora por referência aos artigos da petição, os RR. venham impugnar os artigos da petição onde os AA. alegam que rendas estão em dívida, acabam por admitir que não efetuaram tal pagamento por entenderam que têm justificação para tal.
Se têm ou não motivo para não terem pago esses rendas, é questão de direito que foi analisada na decisão recorrida e que abaixo se reapreciará.
                       
Assim, não obstante a alteração efetuada à matéria de facto provada, o processo continha e contém todos os elementos para que seja proferida decisão de mérito, pelo que a questão podia ser decidida no saneador.
*
*
Cumpre agora apreciar se foi ou não corretamente efetuada a comunicação aos arrendatários do valor correspondente à atualização das rendas.
Da matéria de facto provada vemos que tal comunicação foi apenas efetuada à Ré, por carta registada.
Ora, os arts. 9º, nº 1 e 12, nº 1 do NRAU exigem que a comunicação referente às atualizações da renda seja efetuada por carta registada com aviso de receção e dirigida a cada um dos arrendatários.
Deste modo, não tendo a comunicação em causa obedecido aos requisitos legais, pois foi apenas enviada à arrendatária e sob registo simples, não pode produzir efeitos na esfera jurídica daqueles, não sendo, pois, devida a peticionada atualização da renda.
Assim, vai nesta parte revogada a decisão recorrida, tendo os RR. de ser absolvidos do pedido referente ao pagamento de 207,00€ (duzentos e sete euros), relativo à atualização das rendas.
*
A última questão que cumpre apreciar nesta decisão é se os RR. poderiam fazer operar a compensação entre o valor das obras que realizaram no locado e que suportaram, e o valor das rendas devidas aos senhorios.
         
Com interesse para a resolução desta questão, encontra-se provado que:
  
Do contrato de arrendamento:

- No contrato de arrendamento celebrado entre A. e RR., nas cláusulas 11ª e 12ª, os outorgantes estipularam o seguinte:

. Quanto a obras ou benfeitorias, o inquilino só as poderá efetuar depois de solicitar por escrito, autorização ao senhorio e de obter deste resposta favorável, também por escrito (c. 11ª);
. Todas as obras e benfeitorias efetuadas no imóvel arrendado – desde que não possam ser removidas sem danificar o locado – ficam a fazer parte integrante do mesmo, não tendo o inquilino direito, findo o contrato, a qualquer indemnização ou retenção, seja a que título for (c. 12ª).
- (…) a manutenção do imóvel e de todos os seus pertences são da responsabilidade dos Inquilinos enquanto fazem uso do mesmo e que terão de entregar ao senhorio tal como lhes foi entregue, como é do seu perfeito conhecimento, salvo alguma anomalia que se venha a encontrar que os mesmos comprovem não ser da sua responsabilidade (…) (c. 15ª).

Da contestação (expurgando os respetivos artigos de conclusões de facto ou de direito):

- Quando os réus celebraram o contrato de arrendamento, o preço negociado com os então proprietários foi acordado atendendo a que, juntamente com o arrendado, aquele incluía o respetivo recheio, designadamente mobiliário e eletrodomésticos. (art. 5º da contestação).
- Durante todo esse tempo [desde a data de celebração do contrato], sempre que era necessário realizar obras ou reparações no arrendado e no recheio, os senhorios, a solicitação dos aqui RR., prontamente o faziam. (art. 6º da contestação).
- Assim foi, sempre e sem exceções, até 2018. (art. 7º da contestação)
- Ora, ainda antes de os AA. adquirirem o imóvel em questão, quando o visitaram, estes foram informados pelos RR. do acabado de alegar em 5. e 6. (art. 8º da contestação)
- Nos primeiros tempos subsequentes à aquisição pelos AA. estes ainda fizeram, a solicitação dos RR., reparações no arrendado. (art. 9º da contestação)
- Todavia, por carta datada de 31-12-2018, na sequência de uma avaria na caldeira do apartamento, contrariando o seu comportamento anterior perante os RR., o Autor comunicou que não iria mais proceder a qualquer manutenção dos bens do apartamento. (art. 10º da contestação)
- A recusa dos AA. em reparar a caldeira obrigou os RR. a providenciarem pela mesma, tendo sido avisados pelos técnicos que a mesma poderia, a qualquer altura, deixar de funcionar completamente, do que foi alertado o A. (art.11ºº da contestação)
- Em setembro de 2019, o exaustor do apartamento avariou sem possibilidade de reparação. Face à anterior comunicação do Autor de que não procederia a qualquer reparação, a R. enviou-lhe carta contendo um relatório técnico efetuado ao exaustor, orçamentos de mercado para aquisição de um novo exaustor da mesma marca e modelo; orçamento adjudicado (proposta de valor mais baixo); fatura de aquisição e fotografias. . (art.12º da contestação)
- Em face da despesa tida pelos RR. estes descontaram na renda do mês subsequente os € 180,00 da despesa tida. (art. 13º da contestação)
- Em 15 de junho de 2020, a caldeira do apartamento avariou sem possibilidade de reparação. Face à anterior comunicação do Autor de que não procederia a qualquer reparação e à semelhança do que tinha ocorrido com o exaustor, a R. enviou-lhe carta contendo: relatórios técnicos de duas inspeções à caldeira; orçamento para aquisição de caldeira nova equiparada sem retoma; orçamento para aquisição de caldeira nova equiparada com retoma da danificada; fatura da primeira deslocação técnica, materiais e consumíveis; fatura de aquisição da nova caldeira. (art. 14º da contestação)
- A caldeira em questão tinha avariado em definitivo. (art. 15º da contestação)
- Em 29 de junho de 2020, a R. enviou carta ao A. em que dava conta de que, face ao não pagamento do valor da caldeira, se veriam os RR. forçados a deduzir o montante despendido nas rendas dos meses subsequentes. (art. 16º da contestação)
-  Assim, os RR. descontaram o custo da substituição da caldeira num total de € 2250,00 nas rendas de julho a outubro de 2020 (€ 250,00 em cada mês) novembro de dezembro (€ 500,00 em cada mês) e janeiro de 2021 (€ 250,00).  (art. 17º da contestação)
- Por carta de 11 de agosto de 2020, a R. comunicou, ao A. várias obras que era urgente proceder no arrendado: placa do fogão e forno, cuja reparação era inviável conforme relatórios técnicos que enviaram, assim como artigo de substituição da placa e quatro opções para substituir o forno; torneiras avariadas; dobradiças de uma porta avariada; cadeiras sem qualquer estabilidade (que anteriormente o senhorio já havia tentado reparar, mas sem sucesso), e fita de estore estragada, de tudo juntando relatórios e orçamentos de reparação/substituição. (art. 18º da contestação)
- A Ré concedeu ao senhorio um prazo até 15 de setembro de 2020 para realizar as citadas urgentes e inadiáveis reparações e que se nada fosse feito teriam de proceder ao desconto dos montantes gastos nas rendas mensais. (art. 20º da contestação)
- Por carta da sua mandatária datada de 9 de setembro de 2020, o A. recusou-se a efetuar qualquer das sobreditas reparações. (art.21º da contestação)
- Por carta de 10 de fevereiro de 2021, a R. comunicou ao Autor que, face à sua inação, foram obrigados a substituir a placa do fogão e o forno; que foi necessária a substituição de parte do tubo do gás da placa e que com isso tinham despendido € 1468,30. (art.22º da contestação)
- Os RR. descontaram o aludido custo nas rendas de fevereiro, março e abril de 2021 (€ 500,00 em cada mês) tendo em maio pago € 530,80, assim acertando o valor exato). (art. 23º da contestação)
- Em 8 de dezembro de 2021 e na sequência da comunicação mencionada em 17 supra, a Ré comunicou ao A. que procederam à substituição das cadeiras da sala, as quais no que despenderam € 990,00. (art. 24º da contestação)
- Mais comunicaram que, caso o senhorio não pagasse o respetivo valor, procederiam ao desconto nas rendas. (art. 25º da contestação)
- Assim, os RR. descontaram o aludido custo nas rendas de dezembro de 2021 e janeiro de 2022 (€ 500,00 em cada mês). (art. 26º da contestação)
*
No caso, estamos perante um contrato de arrendamento para habitação (v. arts 1022º, 1023º e 1067º, nº 1, todos do C. Civil).
Os RR. alegam que quando celebraram o contrato de arrendamento, o preço negociado com os então proprietários foi acordado atendendo a que, juntamente com o arrendado, aquele incluía o respetivo recheio, designadamente mobiliário e eletrodomésticos e tal alegação não foi contestada pelos AA., pelo que, se considera assente.
Conforme decorre do preceituado no art. 1065º do C. Civil, a locação de imóveis mobilados e seus acessórios presume-se unitária, originando uma única renda e ficando sujeita ao regime jurídico do arrendamento urbano.

Assim:
Do art. 1031º do C. Civil decorre, nomeadamente, que é obrigação do locador assegurar ao locatário o gozo da coisa locada para os fins a que a mesma se destina.
O art. 1036º do C. Civil, sob a epígrafe “reparações ou outras despesas urgentes”, dispõe que “Se o locador estiver em mora quanto à obrigação de fazer reparações ou outras despesas, e umas e outras, pela sua urgência, se não compadecerem com as delongas do procedimento judicial, tem o locatário a possibilidade de fazê-las extrajudicialmente, com direito ao seu reembolso (nº 1). Quando a urgência não consinta qualquer dilação, o locatário pode fazer as reparações ou despesas, também com direito a reembolso, independentemente de mora do locador, contanto que o avise ao mesmo tempo (nº 2).
Por sua vez, preceitua o art. 1040º do C. Civil que, se, por motivo não atinente à sua pessoa ou à dos seus familiares, o locatário sofrer de privação ou diminuição da coisa locada, haverá lugar a uma redução da renda ou aluguer proporcional ao tempo da privação ou diminuição e à extensão desta, sem prejuízo do disposto da secção anterior.
Ainda com interesse para resolução da questão em apreço, dispõe ainda o art. 1074º do C. Civil que, cabe ao senhorio executar todas as obras de conservação, ordinárias ou extraordinárias, requeridas pelas leis vigentes ou pelo fim do contrato, salvo estipulação em contrário (nº 1). O arrendatário apenas pode executar quaisquer obras quando o contrato o faculte ou quando seja autorizado, por escrito, pelo senhorio (nº 2). Excetuam-se do disposto no número anterior as situações previstas no artigo 1036.º e no artigo 22.º-A do regime jurídico das obras em prédios arrendados, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 157/2006, de 8 de agosto (nº 3). Salvo estipulação em contrário, o arrendatário tem direito, no final do contrato, a compensação pelas obras licitamente feitas, nos termos aplicáveis às benfeitorias realizadas por possuidor de boa fé (nº 5).

Não havendo no contrato qualquer estipulação no sentido de que a realização de obras ou reparações, nomeadamente dos equipamentos/eletrodomésticos existentes no local arrendado cabe ao arrendatário, a responsabilidade pela sua efetivação cabe ao senhorio, nos termos do regime acima referido pois a ele compete assegurar o gozo do imóvel nas condições contratadas (v. nomeadamente art. 1074º, nº 1, a contrario), a não ser que as avarias resultem de uso indevido ou negligência (v. art. 1033º - c) do C. Civil).

No caso dos autos, lendo a cláusula 15ª do contrato de arrendamento, vemos que a manutenção dos bens existentes no imóvel ficou a cargo dos arrendatários.
Deste modo, a reparação desses bens incumbia àqueles, não sendo, contudo, o contrato explícito no sentido de quem tem de suportar a substituição desses bens em caso de avaria irreparável, não imputável aos arrendatários (os AA. nada alegaram no sentido de que as avarias seriam causadas por uso imprudente).

Assim, a interpretação da mencionada cláusula contratual terá que ser feita ao abrigo do disposto nos arts. 236º do C. Civil. Deste modo, para um declaratário normal, a expressão “manutenção” dos bens existentes no imóvel arrendado, terá o sentido de consertar ou conservar os bens e não de os substituir.

Entendemos, pois, que não cabia aos arrendatários a substituição dos bens existentes no imóvel e que o senhorio colocou à sua disposição e cuja reparação era inviável.
*
Do regime do contrato de arrendamento acima exposto, vemos que o locatário pode a substituir-se ao locador na realização de obras ou outras despesas urgentes:

1- Quando o contrato lho permita (art. 1074º nº2);
2- Quando seja autorizado, por escrito, pelo senhorio (art. 1074º nº2);
3- Quando o locador estiver em mora quanto à obrigação de fazer reparações e estas, pela sua urgência, não se compadeçam com as delongas do procedimento judicial (arts. 1074º nº3 e 1036º nº1);
4- Quando, mesmo não existindo mora do locador, a urgência não consinta qualquer dilação (arts. 1074º nº3 e 1036º nº2).
*
Resulta da matéria de facto provada que os RR. procederam:
- à substituição do exaustor – 180,00€
- à substituição da caldeira – 2250,00€
- à substituição da placa de fogão e forno e de parte do tubo do gás dessa placa – 1468,30;
- à substituição das cadeiras da sala – 990,00€
*
Da análise do contrato e da matéria de facto provada vemos que a realização desses atos não encontra previsão contratual, nem foram autorizados por escrito pelo senhorio.
Vejamos então se os locatários se podiam substituir ao senhorio na realização das reparações que pela sua urgência, não se compadeciam com as delongas do procedimento judicial ou se a urgência não consentia qualquer dilação.
Na contestação nada é dito a esse propósito, no entanto, fazendo uso das regras da experiência comum, sabemos que a placa de fogão e forno e de parte do tubo do gás dessa placa e o exaustor, numa casa de habitação, são essenciais ao fim a que esta se destina, pois, estando estes bens danificados, não é possível a quem aí resida confecionar as refeições e, portanto, utilizar o bem em pleno, pelo que se podem considerar urgentes tais reparações. Deste modo, não procedendo o senhorio às mesmas, embora notificado pelos locatários para o efeito, estes podiam substituir-se-lhe na sua realização.
Quanto à caldeira e às cadeiras da sala, entendemos que já não será assim.
Com efeito, na contestação nada é dito sobre o fim da caldeira, que em face das regras de experiência comum, poderá fazer parte do sistema de aquecimento central do edifício ou do sistema de aquecimento de águas sanitárias.
Ora, destinando-se o equipamento em causa ao aquecimento do edifício, tal reparação não é urgente uma vez que os habitantes do imóvel poderiam socorrer-se de outros sistemas de aquecimento (p. ex. aquecimentos portáteis) enquanto peticionavam judicialmente ao senhorio a realização de tais obras. Caso, se destinasse ao aquecimento das águas sanitárias a reparação poderia considerada urgente, mas para isso era necessário que os RR. tivessem alegado o fim a que se destinava o aparelho, o que não aconteceu.
Quanto às cadeiras da sala, a sua reparação poderia ser considerada urgente caso os habitantes do imóvel não tivesse outro lugar para sentar quando estão à mesa a consumir as suas refeições, todavia, nada foi alegado nesse sentido. Na verdade, poderá haver mais cadeiras/bancos na casa que poderão utilizar para esse fim.
Deste modo, as reparações em causa não podem ser consideradas urgentes, pelo que os arrendatários não poderiam ter-se substituído ao senhorio na aquisição de tais equipamentos, não tendo, assim, aqui direito ao respetivo reembolso através do desconto do respetivo valor nas rendas vincendas, podendo tal ocorrer, eventualmente, no final do contrato, por aplicação do regime das benfeitorias (v. art. 1046º e 1074º, nº 5, ambos do C. Civil).
*
Uma vez que a arrendatária podia realizar as substituições da placa de forno, tubo de gás e exaustor, vejamos agora se poderia descontar tal valor no valor das rendas em dívida, fazendo operar a compensação de créditos.    
Tal como decorre do preceituado no art. 847º do C. Civil, a compensação é uma forma de extinção das obrigações quando os obrigados são simultaneamente credor e devedor. Quando o compensante é interpelado para cumprir, exonera-se do seu débito através da realização do seu crédito, através da declaração de vontade ao devedor, nesse sentido (art. 848º do C. Civil).

Quando realiza obras /reparações urgentes e coercivas, em substituição do senhorio, o arrendatário, nos termos do art. 22º – D do RJOPA (Dl 157/2006 de 8 de setembro), tem direito a uma compensação monetária, podendo optar por uma das seguintes modalidades:
a) Pagamento direto pelo senhorio, em prazo não inferior a 60 dias;
b) Dedução no valor das rendas mensais vincendas a partir da data da receção da comunicação prevista no nº 3 do artigo anterior.

Tal como explica Elsa Sequeira Santos (in Código Civil anotado de Ana Prata e outros, vol. I., 2ª ed. revista e atualizada, pág. 1346, a compensação referida no nº 4 do art. 22º - A do RJOPA não é a compensação de créditos entre o custo das obras e a obrigação de pagamento da renda, mas sim uma “compensação monetária”, estando esta compensação regulada no art. 22º-D do RJOPA, de ode resulta que o arrendatário pode optar por deduzir o valor das obras ao das rendas vincendas (compensação próprio sensu),  ou por receber o “[p]agamento direto pelo senhorio, em prazo não inferior a 60 dias”. Não sendo efetuado esse pagamento, o arrendatário pode recorrer à “Injunção em Matéria de Arrendamento” prevista no art. 15º - T do NRAU (mecanismo introduzido pela Lei nº 13/2019, de 12 de fevereiro).

A comunicação ao senhorio nos termos nº 3 do art. 22º - C do RJOPA, deve ser feita no prazo de 30 dias, junto com a apresentação dos comprovativos das despesas realizadas e indicando:
a) O valor da compensação devida nos termos do n.º 1 do artigo seguinte;
b) O valor já deduzido por conta da compensação, previsto no n.º 2 do artigo seguinte;
c) O valor da compensação em dívida pelo senhorio, nos termos do n.º 3 do artigo seguinte;
d) A modalidade de pagamento da compensação em dívida, nos termos do n.º 4 do artigo seguinte, e as respetivas condições de pagamento.

Deste modo, pretendendo o arrendatário descontar o valor das obras nas rendas vincendas, deve comunicar tal intenção ao senhorio, obedecendo tal comunicação aos requisitos previstos no nº 3 do art. 22º - C do RJOPA.

Ora, da análise das comunicações enviadas pelos arrendatários ao senhorio verificamos que aqueles, embora tenham comunicado ao senhorio o valor das despesas em que incorreram, não cumpriram as restantes exigências da comunicação em causa, nomeadamente a modalidade do pagamento da compensação em dívida e respetivas condições de pagamento.

Na verdade, apenas quanto à substituição das caldeiras, que agora não está em causa, informaram o senhorio que iriam descontar o valor respetivo nas rendas vincendas, mas também aqui não cumprindo os restantes requisitos legais da comunicação.
Deste modo, não lhes era lícito proceder ao desconto do valor das substituições/reparações no valor das rendas vincendas, nos termos em que o fizeram.
Estavam, pois, os RR. obrigados a cumprir a obrigação de pagamento da renda a que estavam adstritos, por força do preceituado no art. 1038º - a) do C. Civil e, não a cumprindo, constituiram-se em mora.
São assim, devidos ao senhorio os montantes peticionados por este a título de remanescentes de rendas e indemnização pela mora, com exceção do montante referente à atualização das rendas, conforme decorre do que acima se expôs.
*
*
Decisão:

Pelo exposto, acorda-se nesta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em confirmar a sentença recorrida, embora com fundamentos distintos, com exceção da parte em que condenou os RR. a pagar aos AA. a pagar o valor de 207,00€ (duzentos e sete euros) referente à atualização das rendas, absolvendo os RR. nesta parte.
Custas na proporção de decaimento.      
*
Guimarães, 25 de janeiro de 2024

Alexandra Rolim Mendes
Afonso Cabral de Andrade
Alcides Rodrigues