Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1628/20.8T8BCL.G1
Relator: RAQUEL REGO
Descritores: ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
DELIBERAÇÃO
ACÇÃO DE ANULAÇÃO
LEGITIMIDADE PASSIVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/16/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
SUMÁRIO (da exclusiva responsabilidade da relatora):

A acção de anulação de deliberação da assembleia de condóminos deve ser instaurada contra o condomínio, por só ele ter legitimidade passiva, embora representado pelo respectivo administrador.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I – RELATÓRIO

M. T. intentou a presente ação contra a X – Mediação Imobiliária, Lda., na qualidade de administradora do Condomínio do Edifício M. B., pedindo:

a) A declaração de nulidade das assembleias de condóminos realizadas no dia 13 de Março de 2019, 06 de Novembro de 2019 e 27 de Maio de 2020, bem como as respetivas atas e todas as deliberações nas mesmas tomadas;
b) A condenação da ré a pagar à autora a quantia de dois mil euros, a título de dano moral e condenada pelo seu comportamento de má fé em toda a atuação descrita e ainda nos danos materiais a liquidar em execução de sentença.
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A ré veio apresentar contestação na qual, além do mais, invoca, no que agora releva, a sua própria ilegitimidade para a demanda, alegando que a acção deveria ter sido proposta contra os condóminos ou, se assim não se entendesse, contra o condomínio, nunca contra ela por ser mera administradora.
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A autora respondeu à matéria de excepção, aceitando que, à data da resposta, carece de legitimidade por ter já deixado de ser administradora e, em face disso, requereu a intervenção provocada de todos os condóminos.
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Foi dispensada a realização da audiência prévia e foi proferida a decisão sob recurso onde se julgou:
a) parcialmente inepta a petição, circunscrevendo essa ineptidão à matéria do peticionado sob a alínea b) supra
b) improcedente o incidente de intervenção de terceiros deduzido pela autora
c) procedente a excepção da ilegitimidade da ré, absolvendo-a da instância.
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Inconformada, dela recorre a autora, em cujas alegações conclui do seguinte modo:

I – A presente acção foi intentada contra a Ré, na qualidade de Administradora do condomínio do prédio EDIFÍDIO M. B., de que faz parte a fracção “j”d,e que a Apelante é proprietária, como comprava a certidão registral, existente nos autos.
II- E foi intentada contra a Ré, ora apelada, porque nos termos legais – artº1433, nº6 do Código Civil - ,é o administrador do condomínio que tem capacidade judiciária.
III- O que se pretende com a presente acção é que seja declarada nula a assembleia de 6 de Novembro de 2019, na qual a Apelante não esteve presente, bem como as deliberações aí tomadas.
IV -Do registo de presenças, como se depreende da aludida certidão, constata-se que o dono da fracção “H”, A. F., foi dado como presente. Ora, aquele condómino não esteve presente; sendo, por isso, falsa a mencionada acta.
V -Também não esteve representado, pois a própria acta não faz menção do seu representante e muito menos alude a qualquer documento, de onde conste os poderes para o representar na assembleia.
VI- A não presença daquele condómino acarreta a falsidade da votação em todas as deliberações aí tomadas que dá como presente um condómino que, na verdade, não estava presente.
VII - Designadamente a tomada no ponto 1 da ordem dos trabalhos quando delibera a atribuir uso exclusivo aos condóminos das fracções “H” e “I” – o daquela nem estava presente. Deliberou alterar a cobertura da cave em terraço a adjudicar àquelas fracções, com obra a suportar por todos os condóminos, atribuído àqueles condóminos o seu uso exclusivo.
VIII -As alterações aí deliberadas constitui uma inovação, para a qual é necessária uma maioria qualificada, de acordo com a lei, o que não existia, dada a ausência do condómino da fracção “H”.
IX -Como se constata da mesma acta quem convocou a assembleia e à mesma presidiu e a assinou a respectiva acta, invocando a qualidade de administrador do condomínio foi P. R.. Qualidade que obviamente não tem nem nunca teve. Pelo que todas as deliberações tomadas são nulas, em virtude de assembleia não ter sido convocada pelo administrador, e a acta não se encontrar assinada pelo administrador.
X- Além disso, a mesma acta também não se encontra assinada pelos condóminos presentes. Pois, como da mesma consta, a assinatura da mesma é feita através da folha de presenças, pelas assinaturas apostas na mesma. Sendo, por isso, também falsa a mencionada acta. Falsidade que expressamente se invoca.
XI-Com base no texto da acta em apreço e de toda a correspondência recebida, a Autora convenceu-se, como qualquer pessoa de boa fé, que quem era administrador do condomínio do prédio, era Y. Por isso, foi contra a Y que intentou a acção, que correu seus termos pelo Juízo Cível Local-Juiz 3, com o 20/20.9T8BCL, em que a mesma foi absolvida da instância, por ilegitimidade da mesma, como decorre da douta sentença proferida nos mencionados autos, de que se juntou certidão , em face do indeferimento da sua apensação.
XII-Quem veio contestar a aludida acção foi a aqui Ré, invocando a sua qualidade de administradora do condomínio do EDIFÍCIO M. B..
XIII.- Em face daquela alegação, a Autora requereu que fosse junta aos autos a acta em que a mesma fora eleita administradora
XIV- Após a sua junção aos autos-cuja cópia aqui se junta e se dá por reproduzida para todos os efeitos legais-, a Autora alegou que não tendo estado presente naquela assembleia, por não ter sido convocada e não lhe tendo sido enviada cópia da acta, só então tomara conhecimento da mesma e das deliberações aí tomadas. Por isso, e por estar dentro do prazo legal, pediu que fosse declarada nula a assembleia, bem como as deliberações aí tomadas. Aliás, constata-se da mesma acta que a sua fracção nem foi mencionada como fazendo parte do Edifício M. B.. O que constitui uma irregularidade grave e insanável, tornando nula a assembleia realizada. Nulidade que expressamente se invoca.
XV- Em 27 de Maio do corrente ano, foi realizada nova assembleia do condomínio do EDIFÍCIO M. B., de cuja acta se junta fotocópia que aqui se dá por reproduzida para todos os efeitos legais.
XVI-Da leitura da mesma acta constata-se que a mesma foi “ convocada pelo administrador do condomínio P. R., que representa a Y-Gestão de Condomínios, marca da Empresa X- Mediação Imobiliária, lda”.
XVII- Constata-se ainda que foi aquele senhor que presidiu à assembleia e assinou a mesma acta.
XVIII- como se deixa alegado, quem tem exercido as funções de administrador é P. R., em representação da Y. O que acontece porque, a Ré deliberadamente assim o permite. O que revela má fé por parte da Ré, e como tal deverá ser condenada.
XIX -O que induz terceiros em erro, fazendo crer que quem é administrador é P. R., em representação da Y.
XX-Tal facto, que se repetiu em todas as assembleias, causou graves problemas à Autora, tanto de ordem moral como patrimonial. Pois, do ponto de vista formal será responsável pelo pagamento das despesas judiciais, decorrentes da mencionada acção, cujo montante, neste momento, ainda se não sabe, até porque ainda não transitou em julgado, devendo ser apurado em execução de sentença.
XXI- Mas também causou à Autora danos morais, como já foi alegado. Pois, durante todo este tempo tem andado num estado de ansiedade, sendo constantemente ameaçada com tribunal por quem não tem legitimidade para o fazer, por dívidas que lhe são assacadas por quem o não pode fazer e muito menos de forma arbitrária. Na verdade, a Autora, por diversas vezes pediu comprovativo do seu passivo e até à presente data nunca lhe foi fornecido. Por tudo isso, deve ser a Ré condenada a pagar à Autora a quantia de dois mil euros a título de danos morais.
XXII- Do que se deixa alegado transparece, de forma bem clara, tanto a causa de pedir como os diferentes pedidos formulados. Não se vislumbrando a invocada ineptidão da petição inicial.
XXIII- Como resulta da petição inicial, e da sentença junta, posteriormente, aos autos, em face do indeferimento da apensação da acção, atrás mencionada, os prazos de caducidade ou prescricionais, não se extinguiram nem se extinguem, por força do disposto no art.º279º do C.P.C., uma vez que a presente acção foi proposta dentro dos 30 dias subsequentes à decisão que decretara a extinção da instância na referida acção.
XXIV -A Ré, ora Apelada, veio invocar a sua ilegitimidade. De onde se infere que, na sua perspectiva, os condóminos também deveriam ser accionados.
XXV - Face à ilegitimidade invocada e ao alegado, Autora, ora Apelante, chamou aos autos todos os condóminos, para com eles, juntamente com a Ré, prosseguirem os pressente autos. O que fez, nos termos do disposto no artº316º nº2 parte final e 39º parte final, ambos do C, P. C.
XXVI- A douta decisão recorrida violou o disposto nos artºs 1433º, nº6 do Código Civil e os artºs 30º, 378º,nº1, alínea d), 279ª,186,nº1, 576 nº2 e 577º, todos do C.P.C.

Conclui pela procedência da apelação.
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A recorrida apresentou contra-alegações pugnando pela manutenção do decidido.

II – FUNDAMENTAÇÃO

Para apreciação da presente apelação mostram-se relevantes os seguintes factos:
1. A autora intentou a presente ação contra a ré X – Mediação Imobiliária, Lda., pedindo:
- a declaração de nulidade das assembleias de condóminos realizadas no dia 13 de Março de 2019, 06 de Novembro de 2019 e 27 de Maio de 2020, bem como as respetivas atas e todas as deliberações nas mesmas tomadas,
- a condenação da mesma ré a pagar à autora a quantia de dois mil euros, a título de dano moral, e condenada pelo seu comportamento de má fé em toda a atuação descrita e ainda nos danos materiais a liquidar em execução de sentença.
2. A ré foi demandada na qualidade de administradora do Condomínio do Edifício M. B..
3. A fundamentação relativa ao pedido de condenação no pagamento de indemnização, foi vertida nos artigos 37º a 40º da douta petição inicial, do seguinte teor:
«37- No entanto, como se deixa alegado, quem tem exercido as funções de administrador é P. R., em representação da Y. O que acontece porque, a Ré deliberadamente assim o permite. O que revela má fé por parte da Ré, e como tal deverá ser condenada.
38- O que, não só induz terceiros em erro, fazendo crer que quem é administrador é P. R., em representação da Y.
39- Tal facto, que se repetiu em todas as assembleias, causou graves problemas à Autora, tanto de ordem moral como patrimonial. Pois, do ponto de vista formal será responsável pelo pagamento das despesas judiciais, decorrentes da mencionada acção, cujo montante, neste momento, ainda se não sabe, até porque ainda não transitou em julgado, devendo ser apurado em execução de sentença.
40- Mas também causou à Autora danos morais, como foi alegado. Pois, durante todo este tempo tem andado num estado de ansiedade, sendo constantemente ameaçada com tribunal por quem não tem legitimidade para o fazer, por dívidas que lhe são assacadas por quem o não pode fazer e muito menos de forma arbitrária. Na verdade, a Autora por diversas vezes pediu comprovativo do seu passivo e até à presente data nunca lhe foi fornecido. Por tudo isso, deve ser a Ré condenada a pagar à Autora a quantis de dois mil euros a titulo de danos morais.».
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Cumpridos os vistos legais, cumpre decidir.
Há que ter presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do C. P. Civil).
Nos recursos apreciam-se questões e não razões.
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O objecto do recurso é sempre uma decisão impugnada, razão pela qual toda a alegação de recurso que não se reporte ao teor daquela, incluindo fundamentos, não será objecto de apreciação pelo Tribunal da Relação, o que parece ter sido olvidado pela recorrente.
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A decisão sob recurso julgou parcialmente inepta a petição e, de seguida, considerou ocorrer a excepção da ilegitimidade passiva da ré.
No primeiro caso consignou que a petição inicial é omissa quanto aos factos que deveriam sustentar tal pedido, sendo ininteligível o seu fundamento, pois que não se alcança, com nitidez, qual o comportamento assumido pela ré que causa à autora tais danos (será a falsidade das atas, será o facto de a ré permitir que outrem exerça as funções de administrador?) nem quais os danos, maxime os materiais alegados, uma vez que se alude simplesmente a despesas judiciais.
No segundo caso, teve o entendimento de que as ações de anulação de deliberações da assembleia de condóminos, como a dos autos, devem ser propostas contra os condóminos que as votaram favoravelmente, porque são eles que têm interesse em contradizer a posição de quem visa destruir os efeitos de uma decisão relativa ao interesse comum subjacente àquelas deliberações e que não se mostrava viável o incidente e intervenção provocado, posto que se destinava tão só a substituir partes na acção e não a assegurar o litisconsórcio necessário passivo.

Vejamos, pois.

De acordo com o disposto no artigo 595.º o despacho saneador destina-se, além do mais, a conhecer das exceções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que, face aos elementos constantes dos autos, deva apreciar oficiosamente.

Estabelece, por seu turno, o nº1 do artigo 278.º, sob a epígrafe “Casos de absolvição da instância” que o juiz deve abster-se de conhecer do pedido e absolver o réu da instância:

a) Quando julgue procedente a exceção de incompetência absoluta do tribunal;
b) Quando anule todo o processo;
c) Quando entenda que alguma das partes é destituída de personalidade judiciária ou que, sendo incapaz, não está devidamente representada ou autorizada;
d) Quando considere ilegítima alguma das partes;
e) Quando julgue procedente alguma outra exceção dilatória.

A ordem estabelecida no preceito não é arbitrária pelas consequências jurídico-processuais que daí advêm, sendo disso espelho a letra do preceito que anteriormente correspondia ao actual artigo 595º, ou seja, o artº 510º, que, de modo muito apropriado mandava o juiz conhecer das excepções dilatórias «pela ordem designada no artigo 288º».
Cremos, pois, que o conhecimento deverá iniciar-se pela legitimidade passiva da ré, para a presente demanda.
Aqui, porém, há que fazer destrinça entre o pedido relativo à declaração de nulidade e o respeitante à condenação em indemnização.
Diz-se no artigo 30º do CPC que o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer, exprimindo-se este pelo prejuízo que provenha da procedência da acção.
Ensinava Castro Mendes que a legitimidade em sentido processual representa «uma posição da parte em relação a certo processo em concreto - melhor, em relação a certo objecto do processo, à matéria que nesse processo se trata, à questão de que esse processo se ocupa» («Direito Processual Civil», vol. II, 1978/79, ed. da AAFDL, págs. 174 a 176).
Porém, esta posição em relação ao objecto do processo tem de ser aferida face da relação jurídica controvertida, tal como o autor a desenhou, não devendo confundir-se legitimidade para pedir ou requerer, com procedência ou mérito do pedido ou requerimento correspondente, pelo que “…a ilegitimidade de qualquer das partes só se verificará quando em juízo se não encontrar o titular da alegada relação material controvertida ou quando legalmente não for permitida a titularidade daquela relação “ – Prof. Miguel Teixeira de Sousa, in “A Legitimidade Singular em Processo Declarativo”.
A questão da legitimidade, sabemos, foi objecto de duas correntes doutrinárias, encimadas pelos Professores Alberto dos Reis e Barbosa de Magalhães; se para o primeiro a “questão da legitimidade é simplesmente uma questão de posição quanto à relação jurídica substancial. As partes são legítimas quando ocupam na relação jurídica controvertida uma posição tal que têm interesse em que sobre ela recaia uma sentença que defina o direito”, já para o segundo têm legitimidade para a acção os sujeitos da pretensa relação jurídica controvertida, isto é, parte-se da existência da relação jurídica na configuração dada pelo autor, para se averiguar se podem, ou não, ser aqueles os respectivos sujeitos.
É, hoje, ultrapassada esta divergência doutrinária com a revisão efectuada pelo DL 329-A/95, que consagrou a tese sustentada por Barbosa de Magalhães, assentando a formulação de legitimidade na titularidade da relação material controvertida, tal como a configura o autor.

Ora, se atentarmos na relação jurídica desenhada pela autora, verificamos que, no que respeita ao pedido indemnizatório, imputa ela à ré uma actuação deliberada da qual decorre graves problemas, para ela, autora, tanto de ordem moral como patrimonial.
Perante este quadro assim delineado, não se podem suscitar dúvidas quanto à legitimidade da ré, pois que a procedência da demanda é susceptível de lhe causar prejuízo, conferindo-lhe, então, interesse directo.

Já relativamente ao pedido da declaração de nulidade, o mesmo não se pode afirmar, pelas razões que passam a enunciar-se:

De acordo com o disposto no artº 1433º do Código Civil, na parte que ora interessa:
«1- As deliberações da assembleia geral contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado.
(…)
6- A representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as acções compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para esse efeito.».
Como é sobejamente sabido, não é pacífica na jurisprudência e na doutrina a questão da legitimidade passiva nas acções de anulação das deliberações da assembleia dos condóminos.
Para uns, tais demandas deveriam ter o condomínio no sujeito passivo, embora representado pelo seu administrador e, para outros, essas acções deveriam ser propostas contra todos os condóminos que votaram favoravelmente a deliberação.
Os argumentos aduzidos num e noutro sentido foram amplamente enunciados nos variadíssimos arestos dos nossos tribunais, sendo exemplo da primeira posição o acórdão da Relação de Lisboa de 15 de Julho de 2021, proferido no Procº 3054/19.2T8FNC.L1-6 e da segunda o da Relação de Guimarães citado na decisão em crise.
A tese da legitimidade passiva dos condóminos que votaram favoravelmente a deliberação mereceu discordância, ao nível da doutrina, por exemplo, de Sandra Passinhas, como se pode ler na sua obra intitulada “A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal”, 2ª ed., pag.346 e teve apoio de Abrantes Geraldes, como se recolhe in “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. IV, 4.ª Edição, Almedina, págs. 107 a 110.
E a discordância patente e recorrente neste domínio, mereceu admissão de revista excepcional no STJ, tendo a formação constituída ao abrigo do disposto no artº 672º, nº3, do CPC, feito constar, por decisão de 13/10/2020, que estamos perante uma “questão jurídica essencial em relação à qual profunda divergência jurisprudencial existente justifica ainda uma insistente intervenção clarificadora por parte deste Supremo Tribunal, em ordem a potenciar, tanto quanto possível, uma adequada sedimentação do critério decisório e a proporcionar um maior nível de segurança jurídica nas relações condominiais”.
Ora, nessa sequência, veio a ser proferido o acórdão deste mais elevado Tribunal, datado, agora, de 04.05.2021, Procº 3107/19.7T8BRG.G1.S1, onde se conclui que «A acção de anulação de deliberação da assembleia de condóminos deve ser instaurada contra o condomínio, por só ele ter legitimidade passiva, embora representado pelo respectivo administrador» - dgsi.
Sem curar do carácter não vinculativo desta orientação, ela corresponde, por inteiro, ao nosso modesto pensamento, porquanto, tal como aí se escreve, fazendo, aliás, uso das palavras contidas no acórdão da Relação do Porto, de 13/2/2017, procº 232/16.0T8MTS.P1, «Se a deliberação exprime a vontade da assembleia de condóminos, estruturalmente percebe-se que seja essa entidade, porque vinculada pela deliberação, a demandada em ação em que se questione a existência, a validade ou a eficácia de uma sua qualquer deliberação.
Por outro lado, mal se percebe que os condóminos, pessoas singulares ou coletivas, dotados de personalidade jurídica, careçam de ser representados judiciariamente pelo administrador do condomínio. De facto, a representação judiciária apenas se justifica relativamente a pessoas singulares desprovidas total ou parcialmente de capacidade judiciária ou relativamente a entidades coletivas, nos termos que a lei ou respetivos estatutos dispuserem, ou ainda relativamente aos casos em que as pessoas coletivas ou singulares se venham a achar numa situação de privação dos poderes de administração e disposição dos seus bens por efeito da declaração de insolvência».
Como acrescenta, depois, o STJ, «Por isso, entende-se que, quando no n.º 6 do art.º 1433º do Código Civil se faz referência aos condóminos, o legislador incorreu nalguma incorreção de expressão, dizendo menos do que queria, pois parece ter tido em mira uma entidade colectiva - a assembleia de condóminos -, o condomínio vinculado pelas deliberações impugnadas e cuja execução compete ao administrador, como já se viu.
Se ao administrador compete executar as deliberações da assembleia de condóminos, nos termos do art.º 1436.º, al. h), do Código Civil), por igualdade de razão, cumpre-lhe sustentar a existência, a validade e a eficácia dessas mesmas deliberações, em representação do condomínio».
Sem dúvida que, também para nós, esta é a opção que se mostra mais consentânea com o ágil exercício do direito, tanto mais que, como é sabido e tem também sido referido, o desconhecimento da identidade dos condóminos e o seu eventual elevado número, se mostra susceptível de tornar excessivamente custosa a posição do autor da acção, argumento que se reputa de relevante.
Não deixa de ser curioso que, em matéria de deliberações sociais, com alguma similitude com a realidade presente, de acordo com o artº 60º, nº1, do C.S.C., a legitimidade passiva para este tipo de acção pertence à sociedade.
Portanto e em conclusão, aderimos ao entendimento daquele acórdão para uniformização de jurisprudência e consideramos que a acção de anulação de deliberação da assembleia de condóminos deve ser instaurada contra o condomínio, por só ele ter legitimidade passiva, embora representado pelo respectivo administrador.

Ora, volvendo ao caso em apreço, verifica-se que a acção foi proposta contra a sociedade X – Mediação Imobiliária, Lda., na qualidade de administradora do Condomínio do Edifício M. B. e não contra o condomínio, representado pela sua administradora, aqui ré.
Foi, então, proposta contra quem não tem legitimidade para a causa, o que acarreta a verificação de uma excepção dilatória que leva à absolvição da instância, todo nos termos dos artºs 278º, nº1, c), 576º, nºs 1 e 2 e 577º, todos do CPC.
Dir-se-á, atalhando, que a autora veio deduzir o incidente da intervenção provocada de todos os condóminos, pelo que a ilegitimidade poderia ser sanada.
Reza o arº 316º, nº1, do C.P.C., que, ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.
Ainda que fossem esses a ter de figurar no lado passivo da lide, o que, como vimos, não é processualmente correcto, o incidente não poderia proceder pelas razões também já enunciadas pela Srª Juiz a quo.
É que o incidente de intervenção não é um meio de substituição processual de demandados, nomeadamente quando se demandou certa pessoa ou entidade, e se deveria ter demandado outra. A finalidade do incidente de intervenção provocada é ultrapassar o vício de preterição de litisconsórcio necessário ou assegurar a intervenção dos litisconsortes voluntários - cf. acórdão desta Relação, datado de 10.09.2020, in procº 559/20.2T8GMR.G1 (dgsi).
Concluindo, impõe-se a absolvição da ré da instância, por falta de legitimidade para a demanda, no que concerne ao pedido de declaração de nulidade das assembleias de condóminos realizadas no dia 13 de Março de 2019, 06 de Novembro de 2019 e 27 de Maio de 2020, bem como as respetivas atas e todas as deliberações nas mesmas tomadas.

Como vimos, concluímos supra que para o demais peticionado, a ré detinha legitimidade passiva.
Mas a decisão recorrida julgou inepta a petição nesta parte, com fundamento em não terem sido alegados os factos essenciais de que depende a procedência daquele pedido de indemnização.
Nos termos do nº 2 do artº 186.º do CPC, a ineptidão da petição inicial, conducente à nulidade de todo o processado ocorre, ente outras situações, na falta ou ininteligibilidade da indicação do pedido ou da causa de pedir.
A ineptidão parcial da petição tem vindo a ser admitida com o entendimento de que, embora o Código de Processo Civil não refira expressamente essa possibilidade, também não se colhem razões para sustentar a inexistência da figura (cf. ac. do STJ de 17-03-1998, proc.º 213/98, disponível em www.dgsi.pt].

Assim adquirido, diga-se, agora, que às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas – artº 5º.
Concomitantemente, impõe o artº 552º de tal diploma que, na petição, o autor, além de formular um pedido, tem de expor os factos que servem de fundamento essenciais que constituem a causa de pedir, a indicação dos factos concretos constitutivos do direito de que se arroga.
“(…) o processo civil é há muito regido pelo princípio dispositivo (sendo manifesto e incontroverso que, apesar de o novo CPC o não enunciar explicitamente nas disposições introdutórias, ele continua a estar subjacente aos regimes estabelecidos em sede de iniciativa e de delimitação do objecto do processo pelas partes, não sendo postergado pelos regimes de maior flexibilidade e de reforço de determinadas vertentes do inquisitório, estabelecidos quanto ao ónus de alegação de factos substantivamente relevantes): é que a iniciativa do processo e a conformação essencial do respectivo objecto incumbem – e continuam inquestionavelmente a incumbir - às partes; pelo que – para além de o processo só se iniciar sob o impulso do autor ou requerente – tem este o ónus de delimitar adequadamente o thema decidendum, formulando o respectivo pedido, ou seja, indicando qual o efeito jurídico, emergente da causa de pedir invocada, que pretende obter e especificando ainda qual o tipo de providência jurisdicional requerida, em função da qual se identifica, desde logo, o tipo de acção proposta ou de incidente ou providência cautelar requerida - definindo ainda o núcleo essencial da causa de pedir em que assenta a pretensão deduzida.” – acórdão do STJ de 07/04/2016, Procº 842/10.9TBPNF.P2.S1 (dgsi).
Sendo a causa de pedir o facto jurídico de que o autor faz proceder o efeito pretendido, de acordo com os ensinamentos do saudoso Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. II, 3ª ed. - reimpressão, Coimbra Editora, 1981, p. 351, a causa de pedir “há-de conter, pelo menos, os factos pertinentes à causa e que sejam indispensáveis para a solução que o autor quer obter: os factos necessários e suficientes para justificar o pedido”.

Para que se mostre cumprida a exigência do artº 5º citado deve, pois, o autor da acção trazer aos autos os factos constitutivos do direito alegado que se incluem no quadro fáctico da norma legal em que se apoia a sua pretensão e que possam servir para a fundamentar.
E desta exigência não se desvia o legislador quando, com a reforma processual operada pelos DL 329-A/95, de 12/12 e 180/96, de 25/09, confere maiores poderes ao juiz da causa, nomeadamente permitindo-lhe, por força do nº2 do preceito, atender, além dos factos articulados pelas partes, os que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar ou procedendo, no âmbito da gestão do processo, providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados, agora ao abrigo do artº 590º.
É que, precisamente, exige-se que a possibilidade de sanação fique reservada a situações de falhas menores que deixam intacta a estrutura fundamental da instância (cfr. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II Vol, 2ª edição revista e ampliada, pp. 64 e 65).
Nas assertivas palavras do acórdão da Relação de Lisboa de 24.01.2019, Procº 573/18.1T8SXL.L1-6, «O convite ao aperfeiçoamento de articulados previsto no artigo 590.º, n.ºs 2, alínea b), 3 e 4, do CPC, não compreende o suprimento da falta de indicação do pedido ou de omissões de alegação de um núcleo de factos essenciais e estruturantes da causa de pedir.
(…) As deficiências passíveis de suprimento através do convite têm de ser estritamente formais ou de natureza secundária, sob pena de se reabrir a possibilidade de reformulação substancial da própria pretensão ou da impugnação e dos termos em que assentam (artigos 590.º, n.º 6 e 265.º, do CPC)».
De novo volvendo ao caso em apreço e presentes estes considerandos, não podemos deixar de reconhecer razão à Srª Juiz a quo quando escreve que, «no que concerne ao pedido de condenação da ré no pagamento à autora da quantia de dois mil euros a título de dano moral e nos danos materiais a liquidar posteriormente, verifica-se que a petição inicial é omissa quanto aos factos que deveriam sustentar tal pedido, sendo ininteligível o fundamento de tal pedido.
Com efeito, a autora apenas alega, quanto a tal, a matéria contida nos artigos 39º e 40º da petição inicial, sustentando que o comportamento da ré lhe causa danos morais e materiais – ansiedade, sendo constantemente ameaçada com tribunal por quem não tem legitimidade para o fazer.
Sucede que, lida e relida a petição inicial, não se alcança, com nitidez, qual o comportamento assumido pela ré que causa à autora tais danos, nem se alcançam quais os danos, maxime os materiais alegados, uma vez que se alude simplesmente a despesas judiciais».
Assenta na perfeição o que consigna Abrantes Geraldes (Temas da Reforma do Processo Civil - 1º Volume, 2.a edição. Almedina, 2006, p. 211) quando escreve que “a causa de pedir deverá ser inteligível: o autor deve expor com clareza os fundamentos da sua pretensão, considerando-se inepta a petição que se apresente em termos obscuros ou ambíguos, por forma a impedir a apreensão segura da causa de pedir. ( ... )
Integram-se no vício referido as situações em que, sendo inteligível a causa de pedir, os factos não tenham qualquer relevância jurídica ( ... ) ou aquelas em que se torna impossível "saber a proveniência do direito invocado".
É o caso dos autos, pois que, de modo obscuro e ambíguo, se peticiona o pagamento de uma indemnização, sem se poder saber com certeza a proveniência desse direito.
Ocorre ineptidão da petição, determinando a nulidade de todo o processo e a absolvição da instância, conforme art.s 186º, nº 1, 576º, nºs 1 e 2, 577º al. b) e 278º 1 al. b), do CPC.
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III – DECISÃO

Nestes termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta secção cível em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.