Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3612/17.0T8BRG.G1
Relator: MARGARIDA ALMEIDA FERNANDES
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
DEFEITOS EM PARTES COMUNS
EMPREITADA DE CONSUMO
PRAZO DE GARANTIA – TERMO INICIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/17/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIAL PROCEDÊNCIA
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- É nula a decisão por omissão de pronúncia que não conhece, sem que tal conhecimento tenha ficado prejudicado, de alguma das excepções deduzidas.

II- Segundo a regra da substituição do tribunal recorrido prevista no art. 665º C.P.C. incumbe ao Tribunal da Relação suprir esta nulidade conhecendo as questões cuja apreciação foi omitida desde que previamente ouça as partes nos termos do nº 3 deste preceito.

III- A legitimidade processual afere-se, quanto ao autor, pelo interesse directo em demandar e, quanto ao réu, pelo interesse directo em contradizer, sendo que, segundo o critério subsidiário, são partes legítimas os sujeitos da relação material controvertida tal como esta é configurada pelo autor. A legitimidade substantiva afere-se pela efectiva titularidade dessa relação.

IV- A presunção de que as garagens de um prédio constituído em propriedade horizontal são partes comuns, prevista no art. 1421º nº 2 d) do C.C., é afastada quando no título constitutivo da propriedade horizontal se faz constar que as mesmas são parte integrante de cada fracção.

V- Numa acção instaurada por um condomínio contra o construtor/vendedor com fundamento em defeitos da obra, a qualificação da empreitada como empreitada de consumo, a que se aplica o Dec.-Lei nº 67/2003 de 08 de Abril, alterado pelo Dec.-Lei nº 84/2008 de 21 de Maio, depende do tipo de utilização maioritária das fracções que compõem esse edifício. Assim, é de aplicar aquele diploma se as fracções têm um destino maioritário não profissional (v.g. a habitação).

VI- Para efeito de contagem do prazo da garantia no caso de um prédio constituído em propriedade horizontal cujos defeitos se referem às partes comuns considera-se que a entrega do imóvel ocorre com a transmissão dos poderes de administração dessas partes comuns para os condóminos, através da estrutura organizativa, reunindo em assembleia de condóminos e elegendo o seu administrador.

VII- Existem dois tipos de reconhecimento pelo empreiteiro da existência de defeitos na obra com efeitos distintos: por um lado, se aquele se limita a reconhecer os defeitos da obra, este reconhecimento equivale a denúncia nos termos do art. 1220º nº 2 do C.C., por outro lado, se aquele, além de reconhecer os defeitos, se compromete a eliminá-los, impede definitivamente o decurso do prazo para o dono da obra instaurar a respectiva acção nos termos do art. 331º nº 2 do C.C..
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório

Condomínio do prédio sito na Rua ..., nº ..., Braga, instaurou a presente acção declarativa, sob a forma comum, contra Sociedade de Construções ... & Filhos, Lda., com sede na Rua …, nº .., Braga, pedindo a sua condenação a proceder à reparação da fachada nascente norte do prédio sito na Rua ..., nº .., ..ª e ..., Braga e dos efeitos das infiltrações no interior das fracções e garagens afectadas pelos mesmos, no prazo de 60 dias após o trânsito em julgado da sentença.

Para tanto alega, em síntese, que a ré, na qualidade de vendedora e construtora do prédio, e no âmbito da garantia, procedeu no verão de 2014 à reparação completa e impermeabilização da fachada nascente norte do prédio e dos terraços do primeiro andar desse prédio, pois verificavam-se infiltrações de água e humidade através de todos eles, as quais causavam prejuízos no interior das fracções do lado direito desse prédio e garagens encostadas a essa fachada e por baixo dos terraços sitos na traseira do prédio.

Apesar dessa reparação as infiltrações de água e humidade acabaram por ressurgir no final do inverno em 2015, embora não com a mesma gravidade do passado, e atingiram todas as fracções C, E, G, I, L das quais a fachada reparada constitui parede exterior, o que inclui duas garagens na cave e também as garagens que ficam por baixo do terraço reparado do mesmo lado direito.
Em Novembro de 2015 o autor denunciou à ré os referidos defeitos da reparação efectuada, mas esta, apesar de os reconhecer e prometer a sua resolução, nada fez. Deste modo têm-se agravado os efeitos das infiltrações.
*
A ré contestou deduzindo a excepção de ilegitimidade activa e a excepção de caducidade. No mais, impugnou o alegado.
*
O autor pronunciou-se pela improcedência das excepções.
*
Realizou-se audiência prévia na qual foi proferido despacho saneador. Neste o autor foi julgado parte ilegítima para parte da causa – a condenação da ré a reparar os “efeitos das infiltrações no interior das fracções afectadas pelos mesmos”; foi relegado para final o conhecimento da legitimidade do condomínio para pedir a reparação dos efeitos das infiltrações no interior das garagens e o conhecimento da excepção de caducidade.
Foi identificado o objecto do litígio, foram enunciados os temas da prova e foram admitidos os requerimentos probatórios.
*
Após realização de julgamento foi proferida sentença, cuja parte decisória reproduzimos na íntegra:

“Nestes termos, julgo a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência, condeno a ré Sociedade de Construções ... e Filhos Lda., a proceder à reparação da fachada nascente norte do prédio identificado no artigo 2º da petição inicial e dos efeitos das infiltrações no interior das garagens afectadas pelos mesmos, no prazo de 90 dias após o trânsito em julgado da sentença.
Custas: 20% a cargo do autor (conforme previamente definido no saneador) e 80% a cargo da ré.
Notifique e registe.
*
A ré veio requerer a rectificação de lapsos materiais.
*
Não se conformando com esta sentença veio a ré dela interpor recurso de apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

“I. O presente recurso tem por objecto a douta sentença recorrida que condenou a Recorrente “a proceder à reparação da fachada nascente norte do prédio identificado no artigo 2º da petição inicial e dos efeitos das infiltrações no interior das garagens afectadas pelos mesmos, no prazo de 90 dias após o trânsito em julgado da sentença”.
II. As alegações de recurso consistem na demonstração da excepção dilatória de ilegitimidade do Autor, aqui Recorrido, da nulidade de omissão de pronúncia, da impugnação de parte da matéria de facto e, por conseguinte, da decisão de direito.
III. A Recorrente reitera todo o teor do requerimento de rectificação de sentença apresentado com fundamento no artigo 614º n.º 1 do Código de Processo Civil, uma vez que o título constitutivo de propriedade horizontal e as certidões de registo predial afastam a presunção do artigo 1421º n.º 2 alínea d) do Código Civil.
IV. Posto que, nos termos dos artigos 576º n.º 2 e 577º alínea e) do Código de Processo Civil, o Tribunal a quo deveria ter absolvido a Ré da instância por se verificar a excepção dilatória de ilegitimidade do Autor quanto à parte do pedido relativa à reparação das garagens.
V. O Tribunal a quo violou a norma do artigo 608º n.º 2 do Código de Processo Civil, porquanto que eximiu-se de apreciar questões suscitadas pela Recorrente atinentes à caducidade do direito do Recorrido, nomeadamente pelo decurso do prazo de garantia e do prazo legal para intentar a competente acção judicial.
VI. Ao invés de o Tribunal a quo se ter pronunciado somente quanto ao prazo previsto para a denúncia dos defeitos deveria ter apreciado o eventual decurso do prazo de garantia, bem como o exercício tempestivo do direito de acção.
VII. Assim sendo, a douta sentença recorrida sofre de um vício por omissão de pronúncia sendo nula quanto a essa parte por força do artigo 615º n.º 1 alínea d) 1ª parte do Código de Processo Civil.
VIII. Ademais, a Recorrente não se conforma com a apreciação de determinados factos por considerar que a prova produzida é clarividente no sentido da formação de um juízo de convicção diverso.
IX. O facto 8º da petição inicial e o facto 5º da decisão recorrida deverão ser modificados, isto porque a conjugação da prova testemunhal (minutos 07:11 a 07:18, 09:08 a 09:18 do depoimento do Sr. C. M.) com o conteúdo das actas n.º s 5 e 6 e da interpelação de Novembro de 2015 refutam a data do ressurgimento dos problemas invocada pelo Recorrido.
X. O facto 17º da douta sentença recorrida deverá ser considerado não provado por inexistir prova que o sustente: no depoimento testemunhal menciona-se unicamente a reparação do Verão de 2014 e da prova documental nada é dito quanto a anteriores reparações, apenas se comprova que os problemas são antigos (cfr. minutos 2:10 a 3:22 e 09:50 a 10:03 do depoimento da Testemunha C. M.).
XI. O facto 27º da contestação deverá ser dado como provado tendo em vista a conformidade com a prova produzida: das actas n.º s 2, 3, 5 e 6 consta como ponto de discussão e deliberação os problemas de construção existentes no prédio, ou seja, desde 2011 que os problemas existem e são do conhecimento do Recorrido; a prova pericial também confirma que as anomalias são de origem e que o estado de detioração é revelador disso mesmo (cfr. minutos 1:43 a 1:46, 03:45 a 4:00 e 04:39 a 4:53 dos esclarecimentos do Sr. Perito).
XII. Nesse sentido, impõe-se a alteração da matéria de facto nos seguintes termos: i) o facto 8º da petição inicial e o facto 5º da douta sentença recorrida, ambos dados como provados, deveriam ser alterados no sentido de considerar o ressurgimento “no início do Inverno de 2014” em vez de “no final do Inverno em 2015”; ii) o facto 17º da douta sentença recorrida não deveria ter sido dado como provado devendo, ao invés, constar da matéria de facto não provada; iii) o facto 27º da contestação deverá integrar a matéria de facto assente pelo Tribunal a quo como provada.
XIII. Em virtude da errónea apreciação da matéria de facto, a decisão de direito proferida na douta sentença recorrida também se releva inadequada. Além da omissão no conhecimento de determinadas questões, o Tribunal a quo não retirou as devidas consequências jurídicas da prova produzida nos autos e com relevância para a boa decisão da causa.
XIV. A douta sentença proferida em 1ª instância viola a norma do artigo 1225º n.º 1 do Código Civil, visto que a denúncia de Novembro de 2015 ocorreu fora do prazo de garantia de cinco anos a contar da constituição do Condomínio (em prejuízo da Recorrente poderá considerar-se constituído aquando da realização da primeira Assembleia em Abril de 2010).
XV. Por outro lado, também viola o n.º 2 do referido preceito legal porquanto que a denúncia e o exercício do direito de acção foram extemporâneos face ao momento da ocorrência do factos relevantes para esse efeito.
XVI. A devida valoração do conteúdo das actas a par da ponderação global da prova produzida sustentam a conclusão de que o conhecimento das anomalias – defeitos de construção, isto é, de origem – remontam a pelo menos 2011. Significa que, embora o Tribunal a quo conclua que os Condóminos reportam os problemas no prédio há vários anos, não extrai as consequências jurídicas desses factos.
XVII. Acresce que o Tribunal a quo não retirou as devidas ilações jurídicas da data de interposição da acção, pois dá como assente que a mesma deu entrada a 10 de Julho de 2017 quando simultaneamente confere relevância jurídica à denúncia de Novembro de 2015 sem, no entanto, concluir pela caducidade do direito de acção.
XVIII. Em suma, impunha-se que a douta decisão recorrida concluísse pela caducidade do direito invocado pelo Recorrido improcedendo, assim, a sua pretensão.
Pugna pela revogação da sentença que deve ser substituída por outra que condene a ré nos termos supra expostos.
*
O tribunal indeferiu a requerida rectificação de lapsos materiais.
*
Foram apresentadas contra-alegações.
*
O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
O Tribunal pronunciou-se no sentido de inexistência de nulidade da sentença.
*
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
*
Tendo em atenção que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do/a recorrente (art. 635º nº 3 e 4 e 639º nº 1 e 3 do C.P.C.), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, observado que seja, se necessário, o disposto no art. 3º nº 3 do C.P.C., as questões a decidir são:

A) Conhecer o requerimento da ré que requereu a rectificação da decisão na parte referente à legitimidade processual do autor para demandar a ré no que concerne às garagens do edifício;
B) Apurar se a sentença é nula por omissão de pronúncia ;
C) Se ocorreu erro na apreciação da matéria de facto;
D) E/ou erro na subsunção jurídica.
*
II – Fundamentação

Foram considerados provados os seguintes factos:

1. A ré é uma sociedade comercial que se dedica à actividade de construção de edifícios para venda e reparações e outras obras de construção civil, encontrando-se devidamente registada para esse efeito.
2. No âmbito da sua actividade a ré construiu, submeteu ao regime de propriedade horizontal e procedeu à vendas das fracções autónomas do prédio sito na Rua ..., nºs .., ..ª e ..., em Braga, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial ..., sob o nº .../…, aqui condomínio autor.
3. A ré na qualidade de vendedora e construtora do prédio procedeu no verão de 2014 à reparação completa e impermeabilização da fachada nascente norte do prédio e dos terraços do primeiro andar desse prédio, pois verificavam-se infiltrações de água e humidade através de todos eles.
4. As quais causavam prejuízos no interior das fracções do lado direito desse prédio e garagens encostadas a essa fachada e por baixo dos terraços sitos na traseira do prédio.
5. Apesar dessa reparação as infiltrações de água e humidade acabaram por ressurgir, no final do inverno em 2015, embora não com a mesma gravidade do passado, e atingiram todas as fracções C, E, G, I, L das quais a fachada reparada constitui parede exterior, o que inclui duas garagens na cave,
6. E também as garagens que ficam por baixo do terraço reparado do mesmo lado direito.
7. Por lado direito entende-se a parte do prédio que se situa do lado direito de uma pessoa que esteja dentro do edifício, mas de frente para a Rua ... e que engloba as fracções C, E, G, I, L.
8. Em Novembro de 2015 a autora denunciou à ré os referidos defeitos da reparação efectuada, por carta registada com AR.
9. Os referidos defeitos e consequentes infiltrações foram denunciadas à ré também verbalmente, a qual por mais que uma vez, se comprometeu a repará-las reconhecendo expressamente a sua obrigação perante condóminos.
10. Não obstante o reconhecimento expresso dos defeitos e a promessa de resolução dos mesmos a situação permanece igual, agravando-se os efeitos das infiltrações no interior das fracções C, E, G e I, e garagens também afectadas, que são as das fracções E, G, I, H e J.
11. Todas as fracções afectadas estão com vestígios de humidade nas paredes e tectos das divisões, as quais se encontram amarelecidas e com fungos, chegando a entrar água no interior das mesmas, que afecta os soalhos, e as garagens das fracções também atrás identificadas também estão com os tectos e paredes amarelecidas com vestígios de infiltrações e fungos e bolores.
12. Os direitos de propriedade sobre as fracções afectadas encontram-se registados a favor, respectivamente a: fracção C: rés-do-chão direito – a C. B., solteira, maior, e a R. M., também solteiro, maior, que nela habitam; fracção E, primeiro andar direito, a M. G., e L. P., ambos solteiros e maiores, que também nela habitam; fracção G, segundo andar direito, a C. M. e mulher T. R., que nela habitam; fracção H, terceiro andar esquerdo (é a garagem que se encontra afectada), a A. L. e A. F., solteiros, maiores, que também nela habitam; fracção I, terceiro direito, a A. P., casado com S. M., que nela habitam; e fracção J, quarto andar esquerdo (é a garagem que se encontra afectada), a C. V. e J. C., ambos solteiros, maiores, que também nela habitam.
13. As infiltrações provenientes da fachada e dos terraços reparados em 2014 atingem o interior das fracções C, E, G e I, e as garagens das fracções E, G, H, I, e J, diminuindo gravemente as comodidades e utilidades que os seus proprietários e habitantes retiram das mesmas, impedindo-os de fruir plenamente das suas habitações ou respectivas garagens, sujeitando-os a maus cheiros, e fungos e bolores nocivos para a saúde e que causam problemas respiratórios. 14. Consta da acta de assembleia de condóminos datada de 24/03/2014 que, “Quarto ponto – (…) foram discutidos vários assuntos relacionados com o imóvel e de interesse geral, nomeadamente, as anomalias de construção que ainda estão por resolver tais como, as infiltrações nas garagens das traseiras provocadas pelos terraços de cobertura, a fachada nascente que não está isolada e está a provocar infiltrações e condensação intensa nas habitações e na garagem, rectificar a saída de água da cobertura que está a provocar infiltrações no 4º esquerdo (…)”.
15. Na acta nº 8, quarto ponto de trabalhos, consta o seguinte: “foi discutido o assunto relacionado com o problema das anomalias de construção que ainda estão por resolver pela empresa construtora do prédio (…) Instada várias vezes para proceder às obras de reparação no terraço do R/C Dto., e na fachada lateral, a mesma procedeu em 2015 a isolamentos parciais naquele terraço e fachada lateral, porém os defeitos ressurgiram e alguns agora até tem maior gravidade que antes da reparação, havendo agora mais danos em todas as habitações respeitantes ao lado direito e nas garagens. Face ao exposto, e como a empresa construtora não efectuou, como prometido, as reparações, os presentes aprovaram por unanimidade intentar o processo judicial contra a empresa supramencionada, a fim de assegurar que se efectuem as reparações e isolamentos necessários, bem como a reparação dos danos provocados.”
16. A ré procedeu à reparação e impermeabilização, no verão de 2014, da fachada nascente norte do prédio e dos terraços do primeiro andar do prédio.
17. A ré fez diversas reparações no prédio antes dessa data.
18. Consta da acta nº 7 de 14/03/2016, junta aos autos pela própria ré, no quarto ponto da ordem de trabalhos o seguinte: “seguiu-se a leitura da resposta do advogado dessa empresa, em que se refere que as reparações serão efectuadas quando a empresa iniciar as obras do prédio contíguo, o que está previsto para o verão deste ano”.
19. Desde 2011 que a assembleia de condóminos foi deliberando no sentido de exigir à ré a eliminação de defeitos.
20. Parte das anomalias existentes no prédio não foram resolvidas com as intervenções da ré.
21. A administração e diversos condóminos foram denunciando à ré a existência de anomalias no prédio, desde 2011 até 2014.
22. A ré foi reconhecendo a sua responsabilidade na eliminação de tais anomalias.
*
Não se provou a factualidade constante dos art. 14º, 24º, 27º, 28º, 37º, 70º, 76º, 78º da contestação.
*
A) Conhecimento do requerimento da ré que requereu a rectificação da decisão na parte referente a legitimidade processual do autor para demandar a ré no que concerne às garagens do edifício
O conhecimento desta questão está prejudicado uma vez que o tribunal recorrido já se pronunciou acerca do pedido de rectificação por decisão de 04/03/2019, a qual não foi objecto de apelação.
Acresce que a questão suscitada é uma questão de mérito a apreciar no âmbito deste recurso.
*
B) Nulidade da sentença por omissão de pronúncia

Refere a apelante que invocou “a tríplice caducidade que obsta à procedência da pretensão do Recorrido, a saber: prazo de garantia, prazo de denúncia dos defeitos e prazo do exercício do direito de acção”, mas o tribunal cingiu-se a apreciar a “excepção de caducidade ao prazo legal previsto para a denúncia dos defeitos”.
O apelado pronunciou-se dizendo que, embora se reconheça que a sentença “foi algo lacónica”, atendendo aos factos provados sob os pontos 9, 10, 12, 13, 18 e 22, dos quais resulta o reconhecimento pela ré dos defeitos denunciados e da sua obrigação em eliminá-los, verifica-se causa de impedimento da caducidade nos termos do art. 331º nº 1 do C.C. pelo que o tribunal a quo não tinha que perder tempo em destrinçar quanto ao tipo de caducidade.

Vejamos.

Dispõe o art. 615º do C.P.C.:

“1. É nula a sentença quando: (…)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões que não podia tomar conhecimento; (…)”

As nulidades da sentença estão típica e taxativamente prevista no art. 615º do C.P.C. Estas reconduzem-se a vícios formais da decisão decorrentes de erro de actividade ou de procedimento - error in procedendo - referente à disciplina legal e que impedem o pronunciamento de mérito.
Os vícios de omissão ou de excesso de pronúncia previstos na al. d) do citado artigo incidem sobre as questões a resolver nos termos e para os efeitos do disposto no art. 608º nº 2 do C.P.C.. Com efeito, nos termos deste preceito O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Questões cuja omissão de pronúncia conduz à nulidade de decisão são “(…) todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos pelas partes (…)” (Antunes Varela, in R.L.J., Ano 122, p. 112). São “todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer” (Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, 2º, 2ª ed., p. 704).
A este propósito refere M. Teixeira de Sousa, in Estudos sobre o novo Processo Civil, Lex, 19976, p. 220-221: “(…) Se o autor alegar vários objectos concorrentes ou o réu invocar vários fundamentos de improcedência da acção, o tribunal não tem de apreciar todos esses objectos ou fundamentos se qualquer deles puder basear uma decisão favorável à parte que os invocou. (…) Em contrapartida, o tribunal não pode proferir uma decisão desfavorável à parte sem apreciar todos os objectos e fundamentos por ela alegados, dado que a acção ou excepção só pode ser julgada improcedente se nenhum dos objectos ou dos fundamentos puder proceder (…)”.
Assim, tais questões não se confundem com argumentos, razões (de facto ou de direito) ou motivos invocados pelas partes em defesa ou reforço das suas posições

Como se lê no Ac. do S.T.J. de 16/02/2015 (Sousa Peixoto), in www.dgsi.pt “Questões, para o efeito do disposto no nº 2 do art. 660º do C.P.C., não são aqueles argumentos e razões, mas sim e apenas as questões de fundo, isto é, as que integram matéria decisória, os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernantes ao pedido, à causa de pedir e às excepções”. E no Ac. do S.T.J. de 28/02/2013 (João Bernando), in www.dgsi.pt: “A nulidade duma sentença ou dum acórdão por omissão de pronúncia só tem lugar quando o juiz deixe de conhecer, sem prejudicialidade, de algum dos pedidos deduzidos, de alguma das causas de pedir, de alguma das excepções invocadas ou de alguma das excepções de que oficiosamente lhe cumpra conhecer”.
Para que a nulidade ocorra é necessário que ocorra omissão absoluta de conhecimento relativamente a cada questão não prejudicada e não uma fundamentação deficiente.
Revertendo ao caso em apreço verificamos que, na contestação, a ré deduziu a excepção de caducidade referente ao prazo da garantia previsto no art. 1225º nº 1 do C.C., referente ao prazo previsto no art. 1220º, nº 1 do C.C. e ao prazo previsto no art. 1225º nº 2 do C.C..

Na sentença recorrida o tribunal começou por reproduzir parte do Acórdão do S.T.J. de 14/01/2014, onde se alude ao modo de compatibilizar os três prazos de caducidade supra referidos e ainda como se deve contar o prazo da garantia no que concerne às partes comuns do prédio constituído em propriedade horizontal, e depois concluiu que a ré não logrou demonstrar que o prazo de caducidade da denúncia dos defeitos se mostra excedido.

Ora, indubitavelmente que a caducidade referente aos prazos de garantia e do exercício do direito de acção são questões nos termos e para os efeitos do disposto no art. 608º nº 2 e 615º nº 1 d) do C.C. que o tribunal recorrido tinha que ter conhecido aplicando aos factos dados como provados o direito correspondente. Com efeito, o conhecimento destes prazos não ficou prejudicado pelo conhecimento do prazo de denúncia.
Pelo exposto, e sem necessidade de mais considerações, declara-se a sentença proferida pelo tribunal a quo nula por omissão de pronúncia (art. 615º nº 1 b) do C.P.C.).
*
Verificada esta nulidade importa agora supri-la mediante o conhecimento das aludidas questões cuja apreciação foi omitida, que também são questões suscitadas na apelação, segundo a regra da substituição do tribunal recorrido prevista no art. 665º, nº 1 e 2 C.P.C..
Foram ouvidas as partes nos termos do nº 3 deste preceito.
*
C) Reapreciação da matéria de facto

Insurge-se a apelante contra os factos provados nº 5 e 17 defendendo que o primeiro deve ver a sua redacção alterada e o segundo deve ser considerado não provado. Mais refere que o alegado no art. 27º da contestação deve ser dado como provado.
O apelado pronunciou-se pela manutenção da matéria de facto.

Vejamos.

O Tribunal da 1ª Instância, ao proferir sentença, deve, em sede de fundamentação “(…) declarar quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas de factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência” (art. 607º nº 4 do C.P.C.) e “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes” (art. 607º nº 5 do C.P.C.).
Sendo certo que o julgador aprecia a prova de acordo com a sua livre convicção, salvo algumas limitações, a análise crítica da prova é da maior importância do ponto de vista da fundamentação de facto da decisão. Com efeito, esta deve ser elaborada por forma a que, através da sua leitura, qualquer pessoa possa perceber quais os concretos meios de prova em que o Tribunal se baseou para considerar determinado facto provado ou não provado e a razão pela qual tais meios de prova foram considerados credíveis e idóneos para sustentar tal facto. Esta justificação terá de obedecer a critérios de racionalidade, de lógica, objectivos e assentes nas regras da experiência.
A exigência de análise crítica da prova nos termos supra referidos permite à parte não convencida quanto à bondade da decisão de facto tomada pelo tribunal da 1ª instância interpor recurso contrapondo os seus argumentos e justificar as razões da sua discordância.
Caso seja requerida a reapreciação da matéria de facto incumbe, desde logo, ao Tribunal da Relação verificar se os ónus previstos no acima art. 640º do C.P.C. se mostram cumpridos, sob pena de rejeição do recurso.
Não havendo motivo de rejeição procede este tribunal à reapreciação da prova nos exactos termos requeridos. Incumbe a este Tribunal controlar a convicção do julgador da primeira instância verificando se esta se mostra contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos e sindicar a formação da sua convicção. i.e., o processo lógico. Assim sendo, nada impede que, fundado no mesmo princípio da livre apreciação da prova, o tribunal superior conclua de forma diversa da do tribunal recorrido, mas para o fazer terá de ter bases sólidas e objectivas.
Uma vez que a apelante assinala o ponto da matéria de facto que considera incorrectamente julgado, a decisão que deve ser proferida e indica os concretos meios probatórios em que se baseia inexiste fundamento de rejeição de recurso nesta parte.
Tendo por base estas considerações e depois de ouvir na íntegra a prova produzida importa analisar os factos acerca dos quais a apelante discorda.

- Ponto 5 dos factos provados

Entendemos que é de manter este facto.
Este facto vem na sequência dos factos que constam nos pontos 3 e 4, pois reporta-se ao facto da reparação efectuada no verão de 2014 não ter surtido efeito uma vez que as infiltrações e humidades ressurgiram no final do inverno seguinte.
A testemunha C. M. foi peremptória em afirmar que a ré procedeu a uma reparação no verão de 2014, mas que “ficou igual” esclarecendo que as infiltrações e humidades ressurgiram no inverno de 2015.
Da acta nº 5 de 24/03/2014 resulta apenas a discussão acerca das “anomalias de construção que ainda estão por resolver” aí enumeradas e a deliberação acerca da notificação do construtor para as resolver até 30/06/2014. Este facto é compatível com a reparação feita pela ré nesse verão.
Da acta nº 6 de 13/04/2015 resulta que foi objecto de discussão novamente as “anomalias de construção que ainda estão por resolver” e que foi deliberado mandar uma carta à ré solicitando que isole o terraço do r/c dto., repare os danos nos tectos e paredes das garagens (que não foram objecto de intervenção e que têm origem nas infiltrações com origem nos terraços do r/c) e isole a parte restante da fachada lateral e a zona dos pilares (o que faz supor que parte da fachada havia sido isolada no verão anterior).
A carta do autor para a ré de 05/11/2015 alude às obras de reparação levadas a cabo por esta no verão de 2014 e ao facto de, durante o inverno de 2014/2015, o terraço do r/c dto. continuar a provocar infiltrações de água para as garagens do piso inferior e a fachada continuar, embora com menor gravidade, a provocar infiltrações, quer nas fracções, quer na garagem.
Assim, também a prova documental é compatível com o facto dado como provado.

- Ponto 17 dos factos provados

Assiste razão à apelante nesta parte.
Com efeito, do depoimento da testemunha C. M., analisado no seu todo, resulta que este aludiu apenas aos “trabalhos correctivos” levados a cabo pela ré no verão de 2014, os quais incidiram, segundo ele, no terraço do r/c esq., muro desse terraço e na fachada, e a nenhuns outros.
Da prova documental não resultam quaisquer outras obras de reparação feitas pela ré.
Assim, é de eliminar este ponto da matéria de facto e aditar o mesmo aos factos não provados. E corrigir o ponto 20 de molde a que aí se faça referência à intervenção da ré no singular.

- art. 27º da contestação

Neste artigo da contestação consta que o conhecimento dos supostos danos remonta, pelo menos, a 28/03/2011, conforme resulta da acta nº 2.
Afigura-se-nos desnecessário incluir este facto na matéria de facto provada uma vez que ele já resulta do ponto 21 dos factos provados. Com efeito, se aí consta que o autor foi denunciando os defeitos de construção à ré desde 2011 até 2014 é porque, pelo menos, nesse ano de 2011 tomou conhecimento dos mesmos, o que aliás resulta da acta nº 2 de 28/03/2011.
*
Por uma questão metodológica passar-se-á a descrever a matéria de facto apurada de acordo com o decidido nesta instância:

1. A ré é uma sociedade comercial que se dedica à actividade de construção de edifícios para venda e reparações e outras obras de construção civil, encontrando-se devidamente registada para esse efeito.
2. No âmbito da sua actividade a ré construiu, submeteu ao regime de propriedade horizontal e procedeu à vendas das fracções autónomas do prédio sito na Rua ..., nºs .., ..ª e ..., em Braga, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial ..., sob o nº .../…, aqui condomínio autor.
3. A ré na qualidade de vendedora e construtora do prédio procedeu no verão de 2014 à reparação completa e impermeabilização da fachada nascente norte do prédio e dos terraços do primeiro andar desse prédio, pois verificavam-se infiltrações de água e humidade através de todos eles.
4. As quais causavam prejuízos no interior das fracções do lado direito desse prédio e garagens encostadas a essa fachada e por baixo dos terraços sitos na traseira do prédio.
5. Apesar dessa reparação as infiltrações de água e humidade acabaram por ressurgir, no final do inverno em 2015, embora não com a mesma gravidade do passado, e atingiram todas as fracções C, E, G, I, L das quais a fachada reparada constitui parede exterior, o que inclui duas garagens na cave,
6. E também as garagens que ficam por baixo do terraço reparado do mesmo lado direito.
7. Por lado direito entende-se a parte do prédio que se situa do lado direito de uma pessoa que esteja dentro do edifício, mas de frente para a Rua ... e que engloba as fracções C, E, G, I, L.
8. Em Novembro de 2015 a autora denunciou à ré os referidos defeitos da reparação efectuada, por carta registada com AR.
9. Os referidos defeitos e consequentes infiltrações foram denunciadas à ré também verbalmente, a qual por mais que uma vez, se comprometeu a repará-las reconhecendo expressamente a sua obrigação perante condóminos.
10. Não obstante o reconhecimento expresso dos defeitos e a promessa de resolução dos mesmos a situação permanece igual, agravando-se os efeitos das infiltrações no interior das fracções C, E, G e I, e garagens também afectadas, que são as das fracções E, G, I, H e J.
11. Todas as fracções afectadas estão com vestígios de humidade nas paredes e tectos das divisões, as quais se encontram amarelecidas e com fungos, chegando a entrar água no interior das mesmas, que afecta os soalhos, e as garagens das fracções também atrás identificadas também estão com os tectos e paredes amarelecidas com vestígios de infiltrações e fungos e bolores.
12. Os direitos de propriedade sobre as fracções afectadas encontram-se registados a favor, respectivamente a: fracção C: rés-do-chão direito – a C. B., solteira, maior, e a R. M., também solteiro, maior, que nela habitam; fracção E, primeiro andar direito, a M. G., e L. P., ambos solteiros e maiores, que também nela habitam; fracção G, segundo andar direito, a C. M. e mulher T. R., que nela habitam; fracção H, terceiro andar esquerdo (é a garagem que se encontra afectada), a A. L. e A. F., solteiros, maiores, que também nela habitam; fracção I, terceiro direito, a A. P., casado com S. M., que nela habitam; e fracção J, quarto andar esquerdo (é a garagem que se encontra afectada), a C. V. e J. C., ambos solteiros, maiores, que também nela habitam.
13. As infiltrações provenientes da fachada e dos terraços reparados em 2014 atingem o interior das fracções C, E, G e I, e as garagens das fracções E, G, H, I, e J, diminuindo gravemente as comodidades e utilidades que os seus proprietários e habitantes retiram das mesmas, impedindo-os de fruir plenamente das suas habitações ou respectivas garagens, sujeitando-os a maus cheiros, e fungos e bolores nocivos para a saúde e que causam problemas respiratórios. 14. Consta da acta de assembleia de condóminos datada de 24/03/2014 que, “Quarto ponto – (…) foram discutidos vários assuntos relacionados com o imóvel e de interesse geral, nomeadamente, as anomalias de construção que ainda estão por resolver tais como, as infiltrações nas garagens das traseiras provocadas pelos terraços de cobertura, a fachada nascente que não está isolada e está a provocar infiltrações e condensação intensa nas habitações e na garagem, rectificar a saída de água da cobertura que está a provocar infiltrações no 4º esquerdo (…)”.
15. Na acta nº 8, quarto ponto de trabalhos, consta o seguinte: “foi discutido o assunto relacionado com o problema das anomalias de construção que ainda estão por resolver pela empresa construtora do prédio (…) Instada várias vezes para proceder às obras de reparação no terraço do R/C Dto., e na fachada lateral, a mesma procedeu em 2015 a isolamentos parciais naquele terraço e fachada lateral, porém os defeitos ressurgiram e alguns agora até tem maior gravidade que antes da reparação, havendo agora mais danos em todas as habitações respeitantes ao lado direito e nas garagens. Face ao exposto, e como a empresa construtora não efectuou, como prometido, as reparações, os presentes aprovaram por unanimidade intentar o processo judicial contra a empresa supramencionada, a fim de assegurar que se efectuem as reparações e isolamentos necessários, bem como a reparação dos danos provocados.”
16. A ré procedeu à reparação e impermeabilização, no verão de 2014, da fachada nascente norte do prédio e dos terraços do primeiro andar do prédio.

18. Consta da acta nº 7 de 14/03/2016, junta aos autos pela própria ré, no quarto ponto da ordem de trabalhos o seguinte: “seguiu-se a leitura da resposta do advogado dessa empresa, em que se refere que as reparações serão efectuadas quando a empresa iniciar as obras do prédio contíguo, o que está previsto para o verão deste ano”.
19. Desde 2011 que a assembleia de condóminos foi deliberando no sentido de exigir à ré a eliminação de defeitos.
20. Parte das anomalias existentes no prédio não foram resolvidas com a intervenção da ré.
21. A administração e diversos condóminos foram denunciando à ré a existência de anomalias no prédio, desde 2011 até 2014.
22. A ré foi reconhecendo a sua responsabilidade na eliminação de tais anomalias.
*
Não se provou a factualidade constante dos art. 14º, 24º, 27º, 28º, 37º, 70º, 76º, 78º da contestação e art. 11º da resposta.
*
D) Subsunção jurídica

1.
Começa a apelante por se insurgir contra a decisão que julgou o autor parte legítima para demandar a ré no que concerne às garagens do edifício.

Vejamos.
A legitimidade não constitui uma qualidade pessoal das partes referente aos processos em geral, mas antes uma posição delas em face do processo concreto - posição que lhe permite dirigir a pretensão formulada ou a defesa que contra esta possa ser oposta.

A legitimidade, como pressuposto processual, constitui um dos requisitos essenciais para que o juiz se possa pronunciar sobre o mérito da causa, condenando ou absolvendo o(s) réu(s) do pedido.

Este pressuposto processual tem assento legal no art. 30º do C.P.C.. Nos termos do nº 1 e 2 desta disposição legal a legitimidade das partes afere-se, quanto ao autor, pelo interesse directo em demandar, e quanto ao réu, pelo interesse directo em contradizer, traduzindo-se o primeiro na utilidade derivada da procedência da acção e o segundo no prejuízo decorrente dessa mesma procedência.

Como o critério supra referido se presta a sérias dificuldades na sua aplicação prática a lei fixou, no art. 30º nº 3 do C.P.C., um critério subsidiário para a determinação da legitimidade na falta de disposição em contrário, a saber, são partes legítimas os sujeitos da relação material controvertida tal como esta é configurada pelo autor. Se, a final, se constatar que uma das partes não tem titularidade efectiva será então o réu absolvido do pedido.

No caso em apreço, atento o alegado pelo autor na petição, onde alude apenas às “garagens das fracções”, não referindo expressamente se estas são partes comuns ou privativas, e uma vez que, aquando do despacho saneador, não se mostrava junto o título constitutivo de propriedade horizontal do prédio em questão, afigura-se-nos que o autor é parte legítima para demandar a ré no que concerne às garagens.
Questão distinta prende-se com a legitimidade substantiva que se apreciará de seguida.
*
A propriedade horizontal é um complexo de propriedade singular e de compropriedade: propriedade singular de cada condómino quanto à sua fracção e compropriedade quanto às partes comuns. Tais direitos são incindíveis (art. 1420º do C.C.).

O estatuto regulador do condomínio é formado pela lei (preceitos de carácter imperativo e supletivo), o título constitutivo (principalmente quando procede de negócio jurídico), bem como o regulamento.

Dispõe o art. 1418º (Conteúdo do título constitutivo)

1. No título constitutivo serão especificadas as partes do edifício correspondentes às várias fracções, por forma que estas fiquem devidamente individualizadas, e será fixado o valor relativo a cada fracção, expresso em percentagem ou permilagem, do valor total do prédio.
2. Além das especificações constantes do número anterior, o título constitutivo pode ainda conter, designadamente:
a) Menção do fim a que se destina cada fracção ou parte comum;
b) Regulamento do condomínio, disciplinando o uso, fruição e conservação, quer das partes comuns, quer das fracções autónomas; (…)

E o art. 1421º (Partes comuns do prédio) (na redacção introduzida pelo Dec.-Lei nº 267/94 de 25/10):

1. São comuns as seguintes partes do prédio: (…)
2. Presumem-se ainda comuns: (…)
d) As garagens e outros lugares de estacionamento;(…)

Assim, há partes do prédio que são imperativamente ou forçosamente comuns a todos os condóminos, as enumeradas taxativamente no nº 1 deste último preceito, e as que são presuntivamente comuns, i.e., apenas são comuns quando os condóminos não declarem o contrário, as previstas no nº 2 do mesmo preceito.

Revertendo ao caso em apreço, segundo o disposto no art. 1421º nº 1 d) do C.C., as garagens presumem-se comuns, contudo, do título constitutivo da propriedade horizontal do prédio em causa, datado de 17/07/2009 (junto a fls. 98 a 100V), resulta que as mesmas, à excepção da fracção designada pela letra “A”, são parte integrante de cada fracção.

Com efeito, enquanto que a fracção designada pela letra “A” é aí descrita como “Destinada a garagem, na cave, designada pelo número um, com a permilagem de dez por mil do valor total do prédio (…)”, as fracções designadas pelas letras “B” a “C” são descritas como “Destinada a uma habitação, do Tipo T-Três, (…), com terraço e com uma garagem na cave designada pelo número, com a permilagem de noventa e nove por mil do valor total do prédio (…)” e as fracções designadas pelas letras “D” a “L” são descritas como “Destinada a uma habitação, do Tipo T-Três, (…), com uma garagem na cave designada pelo número (…), com a permilagem de noventa e nove por mil do valor total do prédio (…)” (sublinhado nosso). Da certidão do registo predial resulta igualmente a inclusão das garagens em cada fracção com excepção da correspondente à fracção “A”. Acresce que, da planta e fotografias juntas aos autos, resulta que tais garagens correspondem àquilo que se denomina de “boxes”, i.e., unidades independentes umas das outras.

Uma vez que o conjunto dos condóminos apenas têm legitimidade para demandar o construtor/vendedor por defeitos nas partes comuns impõe-se, desde já, a absolvição da ré do pedido no que concerne aos defeitos nas garagens do edifício.
*
2.
Importa agora apurar se andou bem o tribunal recorrido ao condenar a ré na reparação da fachada nascente norte do prédio em causa, designadamente se ocorreu algum dos prazos de caducidade.

Da petição inicial retira-se que o autor alude aos defeitos ocorridos na sequência das obras de reparação levadas a cabo em 2014, obras estas que visavam eliminar os defeitos de construção, a qual terá terminado em 2009 (uma vez que o prédio foi constituído no regime da propriedade horizontal em 17/09/09 e que as vendas das fracções ocorreram em 2009 e 2010), mas que não o lograram fazer cabalmente. Coloca-se a questão de saber a partir de quando se contam os prazos de caducidade.

Uma vez que o regime jurídico da empreitada comum, previsto nos art. 1207º a 1230º do Código Civil, é distinto do da empreitada de consumo, previsto no Dec.-Lei nº 67/2003 de 08 de Abril, alterado pelo Dec.-Lei nº 84/2008 de 21 de Maio, importa, antes de mais, qualificar a empreitada em questão.

Vejamos.

O referido Dec.-Lei nº 67/2003, de 8 de Abril transpôs para o ordenamento jurídico interno a Directiva nº 1999/44/CE, de 25/05/1999, aprovada pelo Parlamento e Conselho Europeu, e veio definir um regime especial para a venda e outros contratos de consumo, visando assegurar a protecção dos interesses dos consumidores nesses contratos, reconhecendo a fragilidade da sua posição contratual em confronto com os operadores económicos com quem negoceia.

Ainda que o legislador nacional apenas estivesse vinculado a efectuar a sua transposição de modo a tutelar os interesses dos consumidores relativos a contratos cujo objecto fosse integrado por bens móveis corpóreos, o certo é que foi mais além e aproveitou a oportunidade da transposição para alargar o regime aos contratos que, numa relação jurídica de consumo, incidissem também sobre bens imóveis.

Este diploma aplica-se aos contratos de empreitada (art. 1º-A nº 2 do cit. diploma).
Discute-se se o mesmo é aplicável às empreitadas que tenham por objecto a simples reparação duma coisa já existente.
Apesar a alteração normativa, alguns autores, como CURA MARIANO, in Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 5ª ed., p. 232 continua a defender o entendimento de que a actual “(…)formulação parece continuar a excluir os contratos de empreitada em que não é fornecido, produzido ou criado um bem, incidindo as obras de reparação, limpeza, manutenção ou destruição sobre um bem pré-existente, até por o regime do referido diploma está construído intencionalmente para situações em que exista a entrega dum bem a um consumidor por um profissional (…)”. Outros, como Menezes Leitão, in Direito das Obrigações, vol. III, 10ª ed, Almedina, p. 562, defendem que a actual redacção do artigo 1.º-A, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 67/2003 permite abranger, não apenas a empreitada de construção, mas também a empreitada de reparação ou modificação, sob pena da alteração do preceito em causa, significativa em termos de redacção, ficar despojada de significado prático. A jurisprudência tem-se vindo a consolidar neste último sentido, o qual subscrevemos. Neste sentido vide, entre outros, Ac. desta Relação de 12/07/2016 (Jorge Seabra), de 16/02/2019 (Alcides Rodrigues) e Ac. da R.P. de 12/10/2017 (Judite Pires), in www.dgsi.pt.
A aplicação deste regime supõe uma relação de consumo entre o dono da obra e o empreiteiro e esta ocorre quando alguém destina a obra a um uso não profissional, sendo a obra executada por quem exerça com carácter profissional uma determinada actividade económica, onde se compreenda a realização da obra em causa, mediante remuneração (cfr. art. 2º, nº 1 do Dec.-Lei nº 24/96 de 31 de Julho, que aprovou a Lei de Defesa do Consumidor, e art. 1º-B, al. a) do Dec.-Lei nº 67/2003).

A propósito desta relação de consumo quando está em causa, por um lado um condomínio, e por outro o construtor/empreiteiro CURA MARIANO, ob. cit., p. 238, refere “O instituto da propriedade horizontal encerra um modelo de técnica jurídica de tratamento de interesses colectivos, sem recurso à criação duma pessoa jurídica de ficção, atribuindo-se a determinados órgãos do colectivo competência para assegurar a realização de direitos e a satisfação de vinculações de grupo. Se um condomínio não tem “profissão”, por não visar a prossecução de um objectivo económico, político, social, filantrópico ou recreativo, pelo que não pode ser equiparado às pessoas colectivas para se afastar liminarmente a sua classificação como consumidor, é tarefa complicada descodificar-lhe a intenção do destino não profissional das obras contratadas”. Defende este autor que, nestes casos, a qualificação do contrato como de empreitada de consumo depende do tipo de utilização das fracções que compõem esse edifício: “Se estas têm maioritariamente um destino de utilização profissional (v.g. o exercício do comércio ou indústria ou escritórios), o contrato relativo à realização das obras nas partes comuns não pode ser qualificado como uma empreitada de consumo. Mas se as fracções que integram o condomínio têm um destino maioritário não profissional (v.g. a habitação) já aquele contrato pode ser qualificado como de empreitada de consumo.”. Neste sentido vide, entre outros, Ac. do S.T.J. de 31/05/2016 (Maria Clara Sottomayor) e da R.P. de 12/10/17 (Judite Pires), in www.dgsi.pt.

Revertendo ao caso em apreço, uma vez que o destino das fracções do prédio em causa é, com excepção de uma fracção, a habitação é-lhe aplicável o Dec.-Lei nº 67/2003 de 08 de Abril, alterado pelo Dec.-Lei nº 84/2008 de 21 de Maio, regime especial relativamente ao regime geral previsto no C.C..
*
Estando em causa o exercício dos direitos por parte do consumidor, no âmbito da empreitada de consumo, quando se trata de bem imóvel, a lei contempla um sistema de múltiplos prazos de caducidade:

1) - O prazo de denúncia dos defeitos é de 1 ano, a contar da data em que tiver sido detectado o defeito (cfr. art. 5º-A, nº 2 do Dec.-Lei nº 67/2003).
2) - O prazo de exercício judicial do direito é de 3 anos, a contar da denúncia (atempada) dos defeitos (cfr. art. 5º-A, nº 3 do Dec.-Lei nº 67/2003).
3) - O prazo da garantia legal de conformidade é de 5 anos, a contar da entrega do imóvel (cfr. art. 5º, nº 1 do DL n.º 67/2003).

No que diz respeito ao primeiro prazo importa referir que a denúncia da falta de conformidade tem que corresponder a uma declaração receptícia que só produz efeitos quando chega ao poder ou ao conhecimento do destinatário dentro do referido prazo e que, na ausência desta, caducam os direitos do consumidor.
É pacífico na jurisprudência o entendimento que a “denúncia pode ser dispensada no caso de o adquirente detectar o defeito dentro do prazo de garantia e intentar a acção no prazo de um ano a partir desse conhecimento, pois, então, a citação para a acção funcionará como denúncia” - Ac. do S.T.J. de 14/01/2014 (Moreira Alves), in www.dgsi.pt.
Em sede de empreitada defeituosa, o art. 1220º, nº 2 do C.C. estipula que Equivale à denúncia o reconhecimento, por parte do empreiteiro, da existência do defeito.
No que concerne ao segundo prazo, ainda que tenha sido efectuada tempestivamente a denúncia, mas a acção judicial não for instaurada no prazo de 3 anos a contar daquela, caducam os direitos do consumidor.
O terceiro prazo corresponde a um prazo de manifestação dos defeitos e não ao exercício de direitos. Este prazo de garantia fixa “ (…) o período em que a falta de conformidade se deve manifestar e não a data limite para o exercício dos direitos do dono da obra consumidor, como sucede com iguais prazos consagrados no regime geral do contrato de empreitada (arts. 1224º, n.º 2 e 1225º, n.º 1, do CC). Enquanto neste último regime os prazos de 2 e 5 anos são prazos de caducidade, cujo termo determina a extinção dos direitos do dono da obra, os prazos de igual duração consignados no art. 5º, n.º 1, do DL n.º 67/2003, são prazos de garantia, que fixam o lapso de tempo durante o qual a manifestação duma falta de conformidade faz surgir na esfera jurídica do dono da obra consumidor os respectivos direitos.”

- CURA MARIANO, op. cit., p. 259.
Deste modo, se o defeito apenas surge ou é conhecido pelo consumidor após o decurso do prazo de garantia, já não poderá ser exercido o direito de denúncia, nem o direito de agir judicialmente, sob pena do vendedor/construtor ficar indefinidamente sujeito à obrigação de reparar o vício, sendo certo que foi exactamente essa vinculação indefinida que o legislador pretendeu evitar com a fixação de um prazo de garantia. Mas, se o defeito apenas se tornar conhecido no período final do prazo de garantia, mas antes deste se esgotar, então o adquirente dispõe do prazo de 1 ano, a partir do conhecimento, para exercer o direito de denúncia e de outros 3 anos, subsequentes à denúncia, para exercer o direito de acção. Neste sentido vide cit. Ac. do S.T.J. de 14/01/2014 (Moreira Alves).
Como refere CURA MARIANO, op. cit., p. 260, nas relações de consumo, após o dia de entrega da obra, o prazo máximo para o exercício dos direitos do dono da obra consumidor é de 9 anos para os bens imóveis (5 anos + 1 ano + 3 anos).
*
Outra questão que coloca algumas dificuldades é saber quando ocorre a entrega da obra para efeito de contagem do prazo da garantia no caso de um prédio constituído em propriedade horizontal e os defeitos referem-se às partes comuns do mesmo.

Várias têm sido as soluções propostas que defendem que a entrega do imóvel para os aludidos efeitos deve ter-se por efectuada:

a) na data da constituição da propriedade horizontal;
b) quando o vendedor entrega a 1ª fracção ao condómino adquirente;
c) com a entrega da última fracção alienada;
d) com a entrega da maioria das fracções;
e) com a transmissão dos poderes de administração das partes comuns para os condóminos, através da estrutura organizativa, reunindo em assembleia de condóminos e elegendo o seu administrador – CURA MARIANO, ob cit., p. 197.

Esta última tese é a razoável na medida que o direito dos condóminos sobre as partes comuns foge às regras gerais da compropriedade e a vontade dos mesmos é valorada através de órgãos próprios que exprimem a vontade colectiva, a assembleia de condóminos que delibera sobre o exercício dos direitos à reparação ou eliminação do defeito, e o administrador. Assim, releva o momento em que esses órgãos passam a estar em condições de poder exercer os referidos direitos, o que coincide com o dia em que a assembleia geral elege o administrador do condomínio.
Esta última orientação é a que tem sido seguida pelo S.T.J..
*
Nos termos do art. 328º do C.C. o prazo de caducidade não se suspende, nem se interrompe senão nos casos em que a lei o determine. E segundo o art. 331º nº 1 do C.C. Só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do acto de que a lei ou a convenção atribua efeito impeditivo. Mas, Quando, porém, se trate de prazo fixado por contrato ou disposição legal relativa a direito disponível, impede também a caducidade, o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido - art. 331º, nº 2 do C.C.).

Segundo CURA MARIANO, ob. cit., p. 101, distingue dois tipos de reconhecimento pelo empreiteiro da existência de defeitos na obra: um, o mais vulgar, que se traduz num mero “acto demonstrativo da percepção pelo empreiteiro dos defeitos da obra”, e outro, muito menos vulgar, que se traduz na “assunção da responsabilidade pela sua verificação”, sendo que os mesmos têm efeitos diferentes.
Assim, segundo este autor o primeiro tipo de reconhecimento está previsto no art.º 1220º, nº 2 do C.C., no qual o legislador fá-lo equivaler à denúncia dos defeitos. Este reconhecimento, “que pode ser tácito ou expresso, pode ser feito perante o dono da obra ou perante terceiro (…) apenas liberta o dono da obra de efectuar a denúncia dos defeitos, mantendo-se a obrigatoriedade do exercício dos respectivos direitos dentro dos prazos referidos nos arts 1224.º e 1225.º CC”.

Já o segundo tipo de reconhecimento, o da “assunção da responsabilidade pela verificação desses defeitos”, está previsto no art. 331º nº 2 do C.C., e tem efeitos bem mais extensos uma vez que este, quando feito de forma inequívoca pelo empreiteiro, não apenas liberta o dono da obra de proceder à denúncia dos defeitos (quando o não houvesse ainda feito), como o liberta do respeito pelo prazo de propositura da acção para fazer valer os seus direitos. Este reconhecimento inequívoco tem estes efeitos ainda que o empreiteiro não pratique os actos equivalentes à realização do direito, por ex., eliminando os defeitos. E “não determina a contagem de novo prazo de caducidade, passando o exercício desse direito a estar sujeito apenas ao prazo de prescrição ordinário” – Cura Mariano, ob cit., p. 154.

Um exemplo deste segundo tipo de reconhecimento, segundo jurisprudência quase unânime do S.T.J., verifica-se quando o empreiteiro, durante o período legal de garantia, tenha reconhecido os defeitos e se tenha proposto a repará-los – Neste sentido vide Ac. do S.T.J. de 08/05/2013 (Orlando Afonso) e de 01/10/2015 (Abrantes Geraldes) e o Ac. da RC de 16/02/2016 (Arlindo Oliveira), in www.dgsi.pt. Assim, por maioria de razão, ocorre tal reconhecimento quando realiza trabalhos de reparação de uma obra com o propósito de eliminar os defeitos, ainda que não os conclua – Ac. do S.T.J. de 09/07/2015 (Paulo Sá), in www.dgsi.pt.
*
Revertendo ao caso em apreço verificamos que a ré, não só reconheceu os defeitos de construção que lhe foram sendo denunciados entre 2011 e 2014, como levou a cabo, no verão de 2014, obras de reparação na fachada nascente norte e nos terraços com vista à sua eliminação.

Tendo em atenção que a obra referente ao prédio em questão se tem por entregue em 24/04/2011, data em que reuniram pela primeira os condóminos em assembleia e em que foi eleita a administração, os defeitos de construção foram detectados dentro do prazo da garantia de 5 anos e denunciados no prazo de 1 ano a contar da data em que foram detectados. A ré, ao proceder a obras de reparação, reconheceu os referidos defeitos e o direito do autor à sua eliminação, o que teve um efeito impeditivo definitivo do decurso do prazo de caducidade para instaurar a competente acção destinada a exigir a eliminação dos defeitos passando o exercício deste direito a estar sujeito a prazo de prescrição ordinário.

Ainda que se entenda que, das obras de reparação realizadas no verão de 2014, correm novos prazos de caducidade estes não se esgotaram. Com efeito, os defeitos desta obra apenas ressurgiram e foram detectados no fim do inverno de 2015 pelo que o autor, ao denunciá-los em Novembro de 2015, respeitou o prazo de um ano previsto no art. 5º-A nº 2 do Dec.-Lei nº 67/2003 e o prazo de 5 anos previsto no art. 5º nº 1 do mesmo diploma. A ré, ao reconhecer expressamente tais defeitos perante os condóminos e ao se comprometer a repará-los (veja-se que, na acta da assembleia de condóminos nº 7, de 14/03/2016, foi lida uma resposta do advogado da ré na qual “se refere que as reparações serão efectuadas quando a empresa iniciar as obras do prédio contíguo”), impediu definitivamente o decurso do prazo de um ano para instaurar a correspondente acção.

Por todo o exposto, não se mostra verificado nenhum dos prazos de caducidade, sendo de confirmar a sentença recorrida nesta parte.
*
Sumário – 663º nº 7 do C.P.C.:

I – É nula a decisão por omissão de pronúncia que não conhece, sem que tal conhecimento tenha ficado prejudicado, de alguma das excepções deduzidas.
II – Segundo a regra da substituição do tribunal recorrido prevista no art. 665º C.P.C. incumbe ao Tribunal da Relação suprir esta nulidade conhecendo as questões cuja apreciação foi omitida desde que previamente ouça as partes nos termos do nº 3 deste preceito.
III – A legitimidade processual afere-se, quanto ao autor, pelo interesse directo em demandar e, quanto ao réu, pelo interesse directo em contradizer, sendo que, segundo o critério subsidiário, são partes legítimas os sujeitos da relação material controvertida tal como esta é configurada pelo autor. A legitimidade substantiva afere-se pela efectiva titularidade dessa relação.
IV – A presunção de que as garagens de um prédio constituído em propriedade horizontal são partes comuns, prevista no art. 1421º nº 2 d) do C.C., é afastada quando no título constitutivo da propriedade horizontal se faz constar que as mesmas são parte integrante de cada fracção.
V – Numa acção instaurada por um condomínio contra o construtor/vendedor com fundamento em defeitos da obra, a qualificação da empreitada como empreitada de consumo, a que se aplica o Dec.-Lei nº 67/2003 de 08 de Abril, alterado pelo Dec.-Lei nº 84/2008 de 21 de Maio, depende do tipo de utilização maioritária das fracções que compõem esse edifício. Assim, é de aplicar aquele diploma se as fracções têm um destino maioritário não profissional (v.g. a habitação).
VI - Para efeito de contagem do prazo da garantia no caso de um prédio constituído em propriedade horizontal cujos defeitos se referem às partes comuns considera-se que a entrega do imóvel ocorre com a transmissão dos poderes de administração dessas partes comuns para os condóminos, através da estrutura organizativa, reunindo em assembleia de condóminos e elegendo o seu administrador.
VII – Existem dois tipos de reconhecimento pelo empreiteiro da existência de defeitos na obra com efeitos distintos: por um lado, se aquele se limita a reconhecer os defeitos da obra, este reconhecimento equivale a denúncia nos termos do art. 1220º nº 2 do C.C., por outro lado, se aquele, além de reconhecer os defeitos, se compromete a eliminá-los, impede definitivamente o decurso do prazo para o dono da obra instaurar a respectiva acção nos termos do art. 331º nº 2 do C.C..
*
III – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente absolvem do pedido a ré na parte referente aos defeitos nas garagens do edifício, confirmando no mais a decisão recorrida.
Custas da acção: 40% pelo autor e 60% pela ré.
Custas da apelação: 60% pela apelante e 40% pelo apelado.
**
Guimarães, 17/10/2019

Relatora: Margarida Almeida Fernandes
Adjuntos: Margarida Sousa
Afonso Cabral de Andrade