Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3372/18.7T8VNF.G2
Relator: JOSÉ CARLOS DUARTE
Descritores: DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS
NULIDADES DA DECISÃO
CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO
RENÚNCIA À PREFERÊNCIA
ILEGALIDADE DO DIREITO DE PREFERÊNCIA
ILEGALIDADE DA CLÁUSULA DE PREFERÊNCIA
PREVALÊNCIA DO DIREITO DE PREFERÊNCIA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/15/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. Nas acções de valor não superior a metade da alçada da Relação não é obrigatória a convocação da audiência prévia, pelo que não ocorrendo tal convocação, não é aplicável o disposto no art.º 195º n.º 1 do CPC, quando determina a nulidade por “omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva”.
II. O art.º 597º do CPC confere ao juiz o poder de optar entre diversas possibilidades antecipadamente dispostas pelo legislador, o que constitui concretização do poder de gestão processual, pelo que a concreta decisão tomada neste âmbito traduz-se no exercício legal de um poder discricionário, que não é susceptível de impugnação em recurso (art.º 630º, 1 CPC).
III. Se um terceiro se apresenta a intervir espontaneamente e essa intervenção nunca foi indeferida liminarmente, nem rejeitada, tendo, inclusive, sido apreciada a sua legitimidade, o mesmo foi, implicitamente, admitido a intervir a titulo principal nos autos.
IV. Na legitimidade processual o que releva é aferir se a parte é, ou não, sujeito da relação material controvertida, tal como é configurada pelo autor. A sua verificação constitui uma excepção dilatória que determina a absolvição da instância.
V. Na legitimidade substantiva, o que ocorre é que a parte não tem, na relação material controvertida, tal como é na realidade, uma posição que a torne sujeito de direitos ou de deveres. A legitimidade substantiva é condição de procedência do pedido. E assim, a falta da mesma determina a absolvição do pedido.
VI. Identificar o objecto do litigio significa definir, jurídica e sinteticamente, os thema decidendum, ou seja, as pretensões deduzidas no processo, seja por via de acção, seja por via de reconvenção, tendo por referência o pedido e a causa de pedir (e não também as excepções de direito material, as quais apenas integrarão “as questões que ao tribunal cumpre solucionar”, a identificar na sentença, tendo em consideração a distinção que neste âmbito é feita pelo art.º 607º n.º 2 do CPC);
VII. Enunciar os temas da prova tem vista orientar a produção da prova e significa, através de proposições mais ou menos genéricas (tudo depende da natureza e complexidade do caso concreto), mas suficientemente abrangentes da realidade fáctica a que se quer referir e independentemente de saber a quem cabe o ónus da prova, expor (de forma englobante) os pontos de facto essenciais que permanecem controvertidos e que, por isso, devem ser objecto de prova, tendo em consideração dois referenciais: i) os factos essenciais que integram a causa de pedir ou as excepções, e que se constituem como um limite à referida enunciação; ii) os elementos integradores da ou das fattispecie normativas adequadas á solução do litigio, de acordo com várias soluções plausíveis de direito.
VIII. Solução plausível de direito será aquela cuja fundamentação jurídica, analisada por si e à luz da lei, doutrina e/ou jurisprudência convocáveis, for, racional e justificadamente susceptível de razoável aceitação na comunidade jurídica e, assim, justificar o desenvolvimento de uma actividade instrutória.
IX. As partes podem reclamar do despacho de identificação do litigio e enunciação dos temas da prova com fundamento na sua deficiência, excesso ou obscuridade.
X. Mas, em sede de recurso, não se pode analisar o despacho que decide as reclamações quanto aos temas da prova de per si, mas apenas em função da decisão final, isto é, verificando se implica ou é susceptível de implicar uma modificação dessa decisão.
XI. É o que sucede se os temas da prova omitirem um ou vários pontos de facto essenciais relativamente a uma das pretensões deduzidas ou a uma das excepções invocadas, tornando necessária a ampliação da matéria de facto, à luz do disposto no art.º 662º n.º 2, alínea c), parte final.
XII. Destarte, a questão da reclamação quanto aos temas da prova só assume pleno relevo no momento de apreciar a decisão de facto.
XIII. O art.º 608º n.º 2 do CPC ao determinar que “o juiz deve resolver todas as questões…”, tem em vista as questões essenciais, ou seja, o juiz deve conhecer todos os pedidos, todas as causas de pedir e todas as excepções invocadas e as que lhe cabe conhecer oficiosamente (desde que existam elementos de facto que as suportem), sob pena da sentença ser nula por omissão de pronúncia.
XIV. O referido normativo exige uma pronúncia expressa por parte do tribunal, pois só essa respeita o direito das partes de acesso á justiça e de impugnação da decisão e assegura a certeza e segurança jurídica.
XV. Mas a norma admite o julgamento implícito sobre dada questão, desde que, face aos termos da causa, a mesma constitua pressuposto ou consequência necessária do julgamento expressamente proferido.
XVI. No primeiro caso, o julgamento implícito abrange os antecedentes lógicos do julgamento expresso; no segundo caso, o julgamento implícito abrange um efeito necessário do julgamento expresso.
XVII. O n.º 4 do art.º 607º do CPC dirige um comando ao juiz cujo primeiro sentido é este: na fundamentação (de facto) da sentença, só devem constar factos e não matéria de direito e/ou conclusões.
XVIII. Os enunciados de facto da sentença devem ser:
- expurgados de valorações jurídicas, locuções metafóricas, adjetivação;
- expressos numa linguagem natural e exata;
- adequados no sentido de evitar que se apresentem obscuros (de sentido vago ou equívoco), contraditórios (integrados por termos ou proposições reciprocamente excludentes) e incompletos (de alcance truncado), vícios estes que figuram como fundamento de anulação da decisão de facto, em sede de recurso de apelação, nos termos do artigo 662.º, n.º 2, alínea c), do CPC;
- expostos numa ordenação sequencial lógica e cronológica, não sendo admissível uma sequência de factos atomísticos, un extraídos da petição, outros da contestação (ou da réplica, se houver) sem qualquer coerência interna.
XIX. Haverá contradição na decisão de facto quando o conteúdo de um dado ponto de facto for incompatível, for a antítese, for o contrário de outro; haverá obscuridade quando o sentido de um dado ponto de facto não puder ser alcançado com certeza e segurança; haverá deficiência quando a matéria de facto não contemplar algum facto essencial, muito embora integrasse os temas da prova.
XX. Havendo contradição e/ou deficiência da decisão de facto, tendo a prova produzida sido depoimento/declarações de parte e de testemunhas, não cabendo á Relação a realização de novo julgamento, com reapreciação de todos os meios de prova anteriormente produzidos, só com a anulação da decisão de facto será possível suprir a patologia identificada e garantir o princípio do contraditório e do duplo grau de jurisdição em matéria de facto.
XXI. A motivação da decisão de facto consiste em exarar o raciocínio do tribunal para a mesma (que não se confunde com o processo psicológico de decisão) e deve conter, para além da indicação dos concretos elementos probatórios que lograram aceitação por parte do tribunal, as razões ou motivos dessa aceitação e dos que não lograram aceitação e as razões ou motivos para tal.
XXII. O dever de justificação da decisão da matéria de facto não é cumprido com o resumo do declarado por cada uma das partes e testemunhas.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

1. Relatório[1]

AA intentou acção declarativa comum contra C..., SA e Cr..., SA e requereu a intervenção principal provocada de A... SGPS, SA, F... SGPS, SA, O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA, J... – I..., SGPS, SA, BB e CC, pedindo:

- a título principal:
a) ser reconhecido à autora, conjunta ou individualmente, o direito de preferência na cessão da quota com o valor nominal de € 994.625,95 no capital social da “OL...”, que a “C...” fez à “Cr..., SA” pelo preço de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), substituindo-se a autora à ali cessionária no respectivo contrato.
b) ser ordenado o cancelamento de todos e quaisquer registos que hajam sido feitos na sequência dessa cessão, nomeadamente a favor da ré “Cr..., SA”, pelo Dep. 123/2016.04.27 e a sua inscrição na titularidade daqueles que venham a exercer a preferência;
c) ser admitida a pretendida intervenção principal provocada activa e ordenada a citação dos intervenientes para, como autores, declararem nos autos se pretendem exercer a preferência.
d) serem as rés condenadas em custas.
- ou, a título alternativo:
quando se entenda dever aplicar-se a forma processual do artigo 1037.º do Código de Processo Civil, ser ordenada a alteração da forma de processo e aproveitados os actos praticados e:
a) ser reconhecido à autora o direito à licitação no exercício do direito de preferência na aquisição da identificado quota social;
b) ser ordenada a notificação dos agora intervenientes para comparecerem no Tribunal no dia e hora que sejam fixados, a fim de se proceder a licitação entre eles e a autora, no que respeita ao exercício daquele direito de preferência.
Alegou para tanto e em síntese:
A O... S.G.P.S, Lda tinha como sócios a C..., SA, a O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA, a F... SGPS, SA, a J... – I..., SGPS, SA, BB, CC e a A., cada um titular das quotas que discrimina.
O art.º 6º dos Estatutos da OL... prevê que a transmissão de quotas fica sujeita ao prévio consentimento da sociedade e a preferência, com eficácia real, dos demais sócios.
A 25 de Março de 2016 a C... cedeu á Cr..., SA a quota de que era titular, pelo preço de € 1.500,00.
Nem a transmissão, nem o seu projecto, incluindo a indicação do cessionário, do preço e dos demais termos e condições, contendo eventuais garantias de pagamento, foram, por qualquer meio, comunicados à OL..., nem foi pedido à sociedade o consentimento para a cessão, nem foram comunicados à A. e aos restantes sócios.
A 16 de Novembro de 2017 realizou-se uma Assembleia da OL...  em que estiveram presentes representantes da A..., da Cr..., SA, da O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA, da F..., BB, CC e da A., que supôs que a Cr..., SA era a nova designação social da C...; depois da Assembleia veio a verificar pela consulta da certidão permanente da sociedade que tinha ocorrido a já referida transmissão da quota; tendo a Cr..., SA intervindo na Assembleia da sociedade de 16/11/2017, sem oposição ou impugnação de tal intervenção, tem-se por prestado o consentimento da sociedade.
Aqueles que pretende chamar aos autos a titulo de intervenção principal provocada são, na proporção das respectivas participações, co-titulares do direito de preferência relativo á transmissão da participação social da C... para a Cr..., SA.
*
A A. procedeu ao depósito da quantia de € 1.750,00, a titulo de preço da cessão, acrescido de € 250,00 a titulo de despesas.
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Citadas contestaram as RR. por excepção invocando:
- a falta de verificação de condição sine qua non da acção, concretamente a determinação prévia do preferente, invocando para tanto que, no caso, existem vários direitos de preferência concorrentes, pelo que a determinação do preferente faz-se através do processo especial de notificação para preferência previsto no art.º 1037º do CPC, que é prévio á acção de preferência; a A. não pode vir exercer o direito de preferência através da acção dos autos por não ter sido previamente encabeçada nesse direito pelo meio processual próprio;
- a caducidade da acção, alegando para tanto que a A. teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação na primeira semana de março de 2016, nessa data foram comunicadas à A., representada pelo seu filho, bem como aos demais sócios da OL..., as cláusulas essenciais da projectada cessão de quota, em concreto foi transmitido ao representante da A. a identidade da cessionária - a Cr..., SA -, o valor da cessão - € 1.500,00 -,  e as condições de pagamento – imediato - , assim como foram explicadas a causa e finalidade da projectada cessão para justificar o valor simbólico da transmissão; a cessão foi registada a 27/04/2016, pelo que a partir daí tornou-se oponível á A.
E, por impugnação, alegaram que a OL... surgiu da vontade de 5 irmãos, num plano de estrita igualdade, manterem e frutificarem, no seio familiar, uma parte do seu património financeiro e imobiliário; o capital social da sociedade foi subscrito na proporção de 20% por cada uma das sociedades gestoras de participações sociais anónimas que cada um deles tinha previamente constituído – na A... agregou-se o ramo familiar de DD; na C..., o de EE; na F..., o de FF; na O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA, o de O...; e na J..., o de BB, de quem a A. e BB e CC são filhos.
Fruto do bom relacionamento que existia entre os cinco ramos familiares, a prática que ficou instituída entre os sócios era a de que todos os assuntos relacionados com a sociedade, com a sua gestão e com as quotas sociais fossem sempre tratados informalmente e resolvidos por consenso.
A C... e a Cr..., SA tinham por acionistas EE, a mulher e os filhos, que identificam.
No inicio de 2016 o único activo relevante que a C... detinha era a participação na OL...; não tinha sentido mantê-la em funcionamento com os custos que lhes estavam associados, pelo que decidiram dissolver a C... e transferir previamente a participação na OL... para outra sociedade, que detinham, a Cr..., SA.
No inicio de março de 2016, nas instalações da OL..., teve lugar uma reunião que contou com a participação de representantes da A..., da O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA, da J..., da A. e da C...; à excepção do sócio BB todos os sócios da OL... estavam presente ou representados; nessa reunião os accionistas da C..., de modo informal, transmitiram aos presentes o seu propósito de encerrar a sociedade e transferirem a sua quota para a Cr..., SA, que era detida pelos mesmos accionistas, pelo preço simbólico de € 1.500,00; todos os sócios presentes ficaram cientes que a quota se mantinha no domínio da família de EE e que a substituição da C... pela Cr..., SA não tinha outro objectivo que não fosse o de permitir o encerramento daquela sociedade; todos os sócios, sem excepção, se bastaram com essa comunicação verbal e deram a sua concordância á cessão da quota, prescindindo de qualquer direito de preferência; a A. estava ciente que, caso a transmissão fosse efectivamente a título oneroso, esta nunca seria realizada por um preço inferior a € 481.179,37 e que é, pelo menos, o valor da quota tendo em consideração apenas o valor por que estão contabilizados os activos e que são inferiores ao preço de mercado; após a formalização da cessão a 25 de março de 2016, em todas as reuniões que se realizaram, com todos os sócios da OL..., foi sempre a Cr..., SA quem nelas participou, sem que houvesse qualquer contestação.
Relativamente à Assembleia de 16/11/2017, a A. e o seu representante, que nela participou sabiam que era a Cr..., SA que nela participava e não a C... com essa nova denominação; durante a referida Assembleia a A. nunca questionou a participação da Cr..., SA na qualidade de sócia e não expressou qualquer intenção de exercer o seu direito de preferir na aquisição da quota que tinha adquirido.
A alienação efectuada pela C... á Cr... constitui um negócio indirecto; a cessão de quota em apreço é um negócio mixtum cum donatione, já que envolveu uma transmissão que só na aparência foi onerosa; os sócios comuns das RR. não tinham como interesse e móbil alienar simplesmente a quota que possuíam na C... e receber o correspondente valor de mercado; pretenderam, tão somente, reestruturar o modo de exercício da sua participação na OL..., através da Cr..., SA; o valor da transmissão não tem a natureza de preço, não pode valer como contrapartida da cessão um montante irrisório, que cedente e cessionário sabem não corresponder ao valor de mercado; o substrato pessoal da 1ª e 2ª RR. é o mesmo, pelo que manteve-se o carácter fechado e personalista da OL...; não se verifica a razão de ser das preferências estatutárias; não existe o direito de preferência invocado  pela A.
O art.º 6º n.º 5 dos Estatutos da OL..., ao subordinar os efeitos da cessão, para além do consentimento da sociedade, á vontade dos demais sócios de exercerem a preferência, viola o disposto no n.º 5 do art.º 229º do CSC e por isso é nulo.
O direito de preferência invocado pela A. não é oponível à Cr..., SA por não lhe assistir eficácia real, porque o pacto de preferência não foi sujeito a registo.
Ainda que se entenda que o contrato de sociedade atribui à A. um direito convencional de preferência válido e eficaz, tal direito extinguiu-se por renúncia, pois na já referida reunião na primeira semana de março de 2016, em resposta á comunicação do projecto de cessão e respectivas condições essenciais, o filho da A., na qualidade de seu representante, declarou que, em face do circunstancialismo específico da projectada cessão, a sua mãe não pretendia adquirir para si a quota em causa; e tendo a Cr..., SA participado na Assembleia de 16 de Novembro de 2017, sem ter havido oposição ou impugnação de tal participação, o consentimento para a cessão foi prestado tacitamente pela sociedade  e, assim, cabia à A. manifestar nessa mesma Assembleia pretender exercer o seu direito de preferência.
Finalmente opuseram-se à intervenção principal provocada e impugnaram o valor da causa.
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Foi proferido despacho que indeferiu a intervenção principal provocada e foi ordenada a notificação da A. para se pronunciar quanto ás excepções de caducidade e falta de procedibilidade.
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Pronunciou-se a A. invocando o que já havia referido na petição inicial.
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Com dispensa da audiência prévia, foi proferido despacho que fixou o valor da causa e julgou procedente a excepção dilatória inominada de falta de condição de procedibilidade da acção, por a A. não ter arredado os demais sócios com direito de preferência na cessão de quotas.
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A A. interpôs recurso do despacho que indeferiu a intervenção principal provocada, da decisão que julgou procedente a excepção dilatória inominada de falta de condição de procedibilidade da acção e do despacho que fixou o valor da causa.
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Por Acórdão desta RG de 06/06/2019 foi decidido revogar a decisão que julgou procedente a excepção dilatória inominada de falta de condição de procedibilidade da acção e o despacho que indeferiu a intervenção principal provocada, a qual foi admitida, relegando-se para fase ulterior do processo a questão relativa ao valor da causa.
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Em 1ª instância foi proferido despacho a ordenar a citação dos sócios da OL..., identificados pela A. na petição inicial.
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CC veio declarar aderir á posição da A. e declarou também pretender preferir, procedendo ao depósito da quantia de € 1.750,00, pedindo seja reconhecido, conjunta ou individualmente, o seu direito de preferência na cessão de quota da C... á Cr..., com os devidos efeitos, nomeadamente no que concerne aos registos.
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J... I..., SGPS, SA veio declarar aderir á posição da A. e declarou também pretender preferir, procedendo ao depósito da quantia de € 1.750,00, pedindo seja reconhecido, conjunta ou individualmente, o seu direito de preferência na cessão de quota da C... á Cr..., com os devidos efeitos nomeadamente no que concerne aos registos.
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BB veio declarar aderir á posição da A. e declarou também pretender preferir, procedendo ao depósito da quantia de € 1.750,00, pedindo seja reconhecido, conjunta ou individualmente, o seu direito de preferência na cessão de quota da C... á Cr..., com os devidos efeitos nomeadamente no que concerne aos registos.
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A A..., Lda veio apresentar articulado, invocando que a A... SGPS, SA foi objecto de uma cisão operada a 29 de Dezembro de 2017; por força dessa operação a A..., Lda sucedeu, no que à OL... diz respeito, nas posições activas e passivas da A....
Mais declarou dar por reproduzida a factualidade constante da petição inicial, referindo que por lapso ali não foi mencionada a A...; a primeira vez que a A... /A..., Lda teve conhecimento de que a Cr..., SA era titular da quota antes detida pela C... e, portanto, sócia da OL..., foi na Assembleia de 16/11/2017, assumindo, nessa altura, que se tratava de uma mera alteração de denominação societária; só com a presente acção é que A..., Lda teve conhecimento que a sucessão da Cr..., SA á C... tinha tido como base a alienação da quota e os termos desse negócio.  
Mais declarou querer preferir, procedeu ao depósito da quantia de € 1.750,00 e pronunciou-se quanto ao valor da causa.
Terminou pedindo seja reconhecido, conjunta ou individualmente, o seu direito de preferência na cessão de quota da C... á Cr..., com os devidos efeitos nomeadamente no que concerne aos registos.
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A F... SGPS, SA veio dizer que a OL... é uma sociedade de cariz familiar, tendo sido constituída por cinco irmãos, onde cada um subscreveu 20% do capital social.
Fruto do bom relacionamento que até há pouco tempo existiu entre todos os sócios e os seus descendentes, todos os actos que se prendiam com a gestão da sociedade, com o relacionamento entre os sócios no âmbito da relação societária, com a realização de assembleias-gerais, com as substituições dos membros dos corpos sociais e com as alterações na titularidade das quotas, se pautaram pela cordialidade, consensualidade e informalidade.
Foi nesse contexto que, no inicio de março de 2016, durante uma reunião com os representantes dos cinco ramos familiares, o representante da C... informou todos os presentes da intenção do seu ramo familiar transferir a quota que detinham na OL... através da C... para uma outra sociedade, a Cr..., SA, de que também são os únicos accionistas.
Foi explicado que a operação visava tão somente reestruturar o modo de participação do seu ramo familiar na OL...; a projectada cessão mantinha inalterada a natureza fechada da mesma e a posição paritária de todos os ramos familiares no seu capital social; atenta a finalidade da operação, a cessão de quota seria feita por um valor meramente simbólico, muito inferior ao seu valor real.
Em face da comunicação dos termos e circunstâncias da projectada transmissão, todos os sócios, sem excepção, deram-lhe o seu pleno assentimento, sem que tivesse sido manifestada qualquer reserva, designadamente a um ulterior exercício de direito de preferência relativamente á cessão da quota; daí que, na Assembleia de 16/11/2017, todos os sócios, bem como os seus representantes que nela participaram, já tinham conhecimento de que a Cr..., SA era a detentora da quota que anteriormente pertencera à C... e não levantaram a mínima reserva ou obstáculo a que o seu representante nela participasse, discutisse e deliberasse sobre os assuntos constantes da ordem de trabalhos.
Uma vez que a A. pretende exercer o direito de preferência de que antes prescindira, declarou que também pretende preferir na cessão de quota da C... á Cr... e procedeu ao depósito da quantia de € 1.750,00.
Terminou pedindo que sendo a acção julgada procedente, seja reconhecido, conjunta ou individualmente, o seu direito de preferência na cessão de quota da C... á Cr....
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A 11/12/2019 foi proferido despacho com o seguinte teor:
“Perante a intenção dos demais titulares do direito de preferência na compra e venda da quota em questão nos autos, designo o dia 28-1-2010 pelas 14.30 horas para se proceder a licitação entre todos, incluindo, naturalmente, a A., nos termos dos artigos 1037º n.º 1 e 1032, n.º 1 a 3 CPC”
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A 16/12/2019 veio a O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA invocando estar em tempo para apresentar o seu articulado, manifestar o exercício do seu direito de preferência sobre a alienação da quota que foi realizada pela C... á Cr... pelo valor de € 24.750,00, dos quais € 25.000,00 correspondem ao preço e € 250,00 a custos, invocando que o preço por si oferecido prevalece sobre o preço oferecido pela A. e pelos demais intervenientes.
A OL... tem como objecto social a gestão de participações sociais em outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas; é uma sociedade de génese familiar, conservando ainda este cariz, reproduzindo parte do alegado pelas RR. na sua contestação.
O cariz familiar da OL... teve influência no regime da transmissão das quotas representativas do respectivo capital social, tendo sido acordado num conjunto de restrições e condicionantes dessa transmissão, com o objectivo de preservar aquele cariz; a C... estava obrigada a notificar os demais sócios da OL... dos termos e condições mediante os quais pretendia transmitir a sua quota a terceiros, nomeadamente o preço e a identidade do comprador; os Estatutos da C... estão registados na CRComercial, pelo que está em causa um direito de preferência com eficácia real; invoca um Acordo parassocial.
Em determinado momento de 2016, que não consegue precisar, os sócios da OL... ou os seus representantes, estiveram juntos, de modo informal, por ocasião de outras questões; nessa ocasião, o representante da C... referiu, informalmente, aos demais sócios ou seus representantes, que tinha a intenção de transmitir a sua quota no capital social da OL... a outra sociedade, por questões que se prendiam, única e exclusivamente, com a C...; esta outra sociedade seria detida e controlada pelos mesmos sócios da C...; embora não tenha identificado o nome mesma, nem data especifica para a  transmissão, a referida circunstância apontava para que a quota continuaria, em substância, a ser controlada pelas mesmas pessoas do ramo da família O... que detêm o capital social da C...; na referida ocasião não foi referido o preço da cessão, nem foi feita qualquer notificação para preferência.
A 17 de Novembro de 2017 foi realizada uma Assembleia da OL..., estando presentes ou representados todos os seus sócios, incluindo a Cr..., SA; no Relatório e Contas do exercício de 2016, com referência a 31/12/2016, a C... está identificada como sócia, muito embora conste da Acta da referida Assembleia, a Cr..., SA; em momento algum foi aí identificado quem controlava ou eram os sócios da mesma, nem foram informados ou notificados os termos ou condições do negócio de cessão; apenas com a citação para a acção é que a O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA foi informada da cedência da quota da C... á Cr..., pelo preço de € 1.500,00; tendo requerido certidão comercial da Cr..., SA verificou que os sócios e as pessoas que a controlam são distintos dos sócios e pessoas que controlam a C...; a 30/10/2017 a sócia única da Cr..., SA era GG, que não é membro da família O....
O direito de preferência da O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA foi violado pelo que a mesma tem o direito de exercer preferência.
Impugna um conjunto de factos alegados pelas RR. na sua contestação.
Invocou também a ilegitimidade da A... – Investimentos, Ldª, dizendo para tanto que a mesma é uma sociedade comercial distinta da A...; não consta da certidão comercial da OL... como sujeito activo da aquisição de qualquer quota representativa do capital social da mesma; A..., Lda não foi chamada, apenas tendo sido chamada a A...; A..., Lda não pode, á luz do disposto no art.º 242º A do CSC, opor a terceiros, incluindo aos demais sujeitos da presente acção, o facto de ter adquirido, por força de uma cisão da A..., a quota desta na OL...; na data em que A..., Lda manifestou a intenção de exercer a preferência, a mesma não podia invocar a qualidade de sócia da OL....
Mais invocou que, caso se conclua que a O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA não tem direito de preferência sobre a transmissão da quota da C..., então não haverá lugar a preferência da A., nem de qualquer interveniente principal, porque a OL... não consentiu na transmissão, nem tacitamente, pelo que esta é ineficaz perante a sociedade; para que houvesse consentimento tácito era necessário que quem participou na Assembleia soubesse que a Cr..., SA era um verdadeiro terceiro e não estava a coberto do n.º 3 do art.º 9 dos Estatutos da sociedade, o que não sucedeu.
Alegou também que a contestação das RR. contém factos que determinam a nulidade da transmissão da quota por simulação porque, aparentemente, não pretendiam e não terão feito, em substância, uma cessão para um verdadeiro terceiro, no caso de a Cr..., SA ser detida e controlada pelos mesmos sócios da Ré C...; a transmissão terá, inclusive, o potencial intuito de enganar terceiros, como os eventuais credores da Ré C..., que terão visto o património da mesma diminuir.
Invocou ainda a nulidade do despacho de agendamento da licitação, pronunciou-se quanto ao Direito aplicável e quanto ao valor da causa.

Terminou pedindo:

1) a titulo principal:
i) seja reconhecido à O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA o direito de exercer preferência sobre a quota que a C... transmitiu para a Cr..., SA, oferecendo o preço de € 24.750,00 acrescido de € 250,00 a título de eventuais custos e, por conseguinte, deve o tribunal declarar a transmissão a favor da O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA pelo referido preço;
ii) a excepção perenptória de ilegitimidade activa da A... deve ser julgada procedente e a mesma ser considerada parta ilegítima, não sendo admitido o direito de preferência invocado pela mesma;
iii) deve ser declarada a nulidade do despacho de agendamento da licitação.
2) a titulo subsidiário, caso se conclua que a O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA não tem direito de preferência:
a) a transmissão da quota da C... para a Cr..., SA deve ser declarada ineficaz perante a própria OL...;
b) a transmissão da quota da C... para a Cr..., SA deve ser declarada nula por simulação.
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Também as RR. por requerimento de 06/01/2020 invocaram a nulidade do despacho que designou dia e hora para a licitação, por não terem sido notificadas dos articulados próprios apresentados por cada um dos chamados, a fim de possibilitar o exercício do contraditório.
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Veio A..., Lda responder ao articulado apresentado pela O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA dizendo que através de cisão inscrita na CRComercial adquiriu à A... a quota desta na OL...; a falta de registo da cessão de quotas da A... a favor da A... não afecta a titularidade, nem tão pouco impede que A..., Lda exerça o direito de preferência; para aferir da sua legitimidade o que releva é que seja sócia e preferente perante a C... e a Cr..., SA, sendo irrelevante que o seja ou não perante a OL...; a cessão de quotas efectuada pela A... à A... é eficaz perante a sociedade, apesar de não ter sido registada, porque A..., Lda esteve presente e participou nas deliberações tomadas na Assembleia da OL... de 16 de Julho de 2019, a qual contou com a presença e participação de todos os sócios, deliberações aquelas que não foram impugnadas, nomeadamente com fundamento na participação da A..., pelo que a OL... consentiu na cessão.
Mais refere que a falta de registo só impede que o proprietário não registado oponha a sua propriedade ao adquirente, de boa fé, de um mesmo transmitente, de direitos incompatíveis, sobre a mesma coisa; nem a OL..., nem a C..., nem a Cr..., SA, nem os demais sócios são terceiros para efeitos de registo pois não adquiriram da A... qualquer direito incompatível com o direito não registado da A..., sobre a quota adquirida à A...; o que se refere não é prejudicado pelo facto de o conceito de terceiros para efeitos de registo comercial e de registo predial serem diferentes, sendo mais amplo no primeiro; mas no que se refere a negócios sobre bens sujeitos a registo, a função do registo comercial é igual á função do registo predial e, como tal, igual deve ser o conceito de terceiro; relativamente ao grupo de factos relativos à constituição ou transmissão de direitos sobre coisas ou direitos “coisificados”, como sejam quotas, partes de capital de sociedades em nome colectivo, acções, direitos intelectuais e industriais, o conceito de terceiro significa o adquirente, de boa fé, de um mesmo transmitente comum, de direitos incompatíveis, sobre a mesma coisa.
Refere ainda que a invocada prevalência do preço oferecido pela O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA não tem fundamento; havendo uma pluralidade de preferentes, aplica-se o n.º 6 do art.º 6º dos Estatutos: a quota alienada é repartida entre os preferentes na proporção das quotas de cada um deles; o oferecimento pela O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA de uma quantia superior ao preço da venda é, por isso, inútil e de nenhum efeito.
Finalmente e para o caso de haver motivo para colocar em causa a sua intervenção, requer a sua habilitação, em substituição da A..., como adquirente da quota da mesma, com aproveitamento de todos os actos já praticados.
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Também BB veio responder ao articulado apresentado pela O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA, pronunciando-se quanto à invocada prevalência do preço oferecido pela mesma em termos idênticos aos da A....
E quanto á reunião ocorrida em determinado momento de 2016, em que não esteve presente, a ter vencimento da tese das RR e a concluir-se que, na mencionada reunião, os sócios da OL... presentes foram informados e tiveram conhecimento dos elementos essenciais da alienação levada a cabo pela C..., forçoso será concluir pela intempestividade do exercício do direito de preferência por parte de todos os sócios da OL..., á excepção do respondente.
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A O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA e a A. vieram requerer fosse dada sem efeito a data agendada para licitação.
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Foi então proferido despacho com o seguinte teor:
“A Oro- Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA, veio a fls 367 e ss requerer se dê sem efeito a audiência de licitação para permitir às partes que se pronunciem sobre a invocada nulidade do seu agendamento, dado o prazo terminar na véspera e ainda ser possível às partes pronunciarem-se para lá daquela data, com o pagamento de multa.
A A AA veio secundá-la por requerimento de fls 369.
Efetivamente, assim é. Pelo que, para evitar a deslocação inútil de todos os intervenientes para a diligência de licitação já que não pode o tribunal decidir as invocadas nulidades sem estar cumprido o contraditório, dou sem efeito a agendada diligência até decisão das nulidades invocadas pela O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA e pelas RR C... SGPS, SA e Cr..., SA”
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A J..., BB e CC vieram dizer não dever haver lugar a licitação por se aplicar o art.º 6º n.º 6 dos Estatutos.
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A 04/02/2020, a O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA veio pronunciar-se quanto às respostas da A... e de BB.
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BB e A..., Lda invocaram a inadmissibilidade da resposta da O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA.
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A O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA pronunciou-se quanto á invocada inadmissibilidade da sua resposta.
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A 27/02/2020 foi proferido despacho que, na parte que releva, tem o seguinte teor:

“Antes de proferir decisão importa deixar consignado que a decisão das questões invocadas, especificamente, a requerida habilitação da A... I..., Lda no lugar da A... SGPS, SA e o pedido formulado pela J...- Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA, BB e CC de repartição da quota em questão por todos os sócios por os Estatutos da OL... admitirem o exercício da preferência por mais de uma pessoa, repartindo-se a quota entre os preferentes na proporção das respetivas participações no capital social, pode determinar a improcedência do pedido formulado na presente ação de preferência pela A, pelo que, nos termos do artigo 3º, nº3 do CPC, para evitar que possa ser proferida uma decisão- surpresa, concedo às restantes partes o prazo de 10 dias para se pronunciarem, querendo.
Notifique.
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Requerimento de 4-2-2020: Desentranhe e devolva à apresentante, pois não se pronuncia sobre qualquer questão nova, não sendo admissível tal articulado.”
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Veio a O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA pronunciar-se quanto à habilitação da A..., pugnando pela sua improcedência, invocando que a cessão de quotas está sujeita a registo, a cessão a favor da A... não foi registada no registo comercial, a cessão é ineficaz perante a sociedade e perante a O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA, a cessão estava sujeita ao consentimento da sociedade que não foi solicitado, nem foi concedido, de forma expressa ou tácita, A..., Lda nunca participou em qualquer Assembleia da OL....
E pronunciou-se quanto á repartição da quota pelos preferentes dizendo que os intervenientes J... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA, BB e CC não invocaram a repartição da quota nem deduziram pedido de repartição da quota em causa, pelos demais sócios da OL...; a A. também não o fez; a adesão dos intervenientes à posição da A. cobre o pedido relativo á licitação, a qual é incompatível com um pedido de repartição da quota, pelo que o tribunal não pode apreciar qualquer questão relacionada com a repartição da quota, sob pena de incorrer em excesso de pronúncia.
Mais refere que apenas o interveniente BB apresentou um requerimento que abordou de forma intempestiva a questão da repartição da quota, por estar ultrapassado o prazo do n.º 2 do art.º 319º, mas não formulou qualquer pedido nesse sentido; no requerimento conjunto dos intervenientes J... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA, BB e CC, apesar de haver referência á questão da repartição, não foi feito qualquer pedido de repartição; tudo o referido aplica-se à A..., cujo articulado não contêm qualquer referência à repartição; o tribunal não pode conhecer da questão da repartição sob pena de violar o disposto na 2ª parte da alínea d) do n.º 1 do art.º 615º do CPC.
Finalmente refere que não há fundamento para aplicar o art.º 6º n.º 6 dos Estatutos, o qual apenas se aplica quando a sociedade consinta na cessão, o que não se verifica in casu.
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BB veio requerer que fosse abrangida pelo despacho supra referido a questão de o único direito de preferência exercido tempestivamente ser o do próprio.
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A A. veio pronunciar-se quanto á questão da habilitação dizendo que  face ao alegado pela AO no seu requerimento de intervenção, a mesma é titular da relação material controvertida, em virtude de deter, material e juridicamente, desde 29 de Dezembro de 2017, a qualidade de sócia, por efeito da operação de cisão simples ali alegada e documentada, a qual constitui uma forma especial e com regime próprio de transmissão de participações sociais; A..., Lda esteve presente na Assembleia de 17 de Junho de 2019, tendo o seu representante tomado a palavra, intervindo e votado nos termos que refere, sem oposição ou reserva dos demais sócios.
Mais refere que se a transmissão não foi levada ao registo comercial do lado da OL..., a operação de cisão simples foi registada quanto à A... e à A...1 e, assim, produziu os seus efeitos.
No caso, a operação de cisão não implicou a extinção da sociedade cindida, pelo que por aqui não há lugar a habilitação; e ao tempo da transmissão não havia acção; uma vez que a transmissão ocorre em momento anterior ao da instauração da acção, não se justifica a habilitação; à data da instauração da acção e face ao que consta do registo comercial (da OL...) a A... era parte legitima do ponto de vista adjectivo, mas não era do ponto de vista substantivo; efectuada a transmissão em momento anterior ao da propositura da acção, o primitivo titular já não tem o mesmo interesse na afirmação do direito e na concretização das pretensões da acção; a necessidade de fazer corresponder a legitimidade substantiva da A... á legitimidade processual resolve-se pela intervenção da mesma na relação material controvertida, como sucedeu.
E quanto ao pedido” formulado por BB e CC refere, em síntese, que o direito que se pretende exercer na acção foi configurado na petição inicial como comum, não sendo da titularidade autónoma e independente de cada um dos interessados, mas antes pertencendo a todos eles conjuntamente; a A., com os intervenientes da acção, enquanto sócios da OL..., usufruem, em conjunto ou em contitularidade e na proporção das suas participações sociais, de tal direito de preferência.
Mais refere que resulta das disposições do art.º 6º que os sócios condicionaram a alienação de participações sociais ao consentimento da sociedade, convencionando um mecanismo interno para a sua prestação, que, a ocorrer, faz nascer a favor de todos eles, o direito de preferência na alineação consentida; não como direitos individuais ou concorrentes entre si, no sentido de reciprocamente se excluírem de modo a serem exercidos por um só, mas como um direito de exercício conjunto, de conteúdo e medida concretamente indeterminado antes da deliberação dos sócios; um sócio pode exercer o direito de preferência relativamente à totalidade da participação alienada, mas apenas quando nenhum dos outros quiser igualmente exercer; se mais do que um sócio ou todos pretenderem exercer o direito, a participação alienada será repartida entre os que o desejem concretizar, funcionando um direito de acrescer relativamente aos que não o queiram; o direito de preferência é atribuído a todos, em conjunto; na falta de deliberação expressa de consentimento, por omissão do dever de comunicação da transmissão á sociedade, foi vedado aos sócios proceder á determinação da medida e conteúdo do exercício de tal direito de preferência conjunto, o que terá de acontecer na acção de preferência, mediante a sua intervenção, obrigando, assim, à substituição da vontade deliberativa, pela vontade expressa no processo.
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Pronunciou-se A..., Lda quanto ao requerimento da O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA dizendo que o pedido formulado pela A. em a) engloba e admite a repartição (da quota) e é a única solução admitida e consonante com os Estatutos da OL....
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Pronunciou-se a O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA quanto ao requerimento apresentado pela A., abordando a questão da A....
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Pronunciou-se A..., Lda pela inadmissibilidade do requerimento da O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA.
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Vieram as RR. apresentar contestação aos articulados apresentados pela AO, O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA, F..., J..., CC e BB, dando por reproduzido o já referido na contestação á petição inicial e invocando a caducidade do direito de preferência dos intervenientes.
Mais invocam que decorre dos Estatutos da OL... que o consentimento da sociedade só pode ser manifestado em assembleia geral reunida para o efeito e através de deliberação positiva dos sócios com essa finalidade, o que afasta a possibilidade de consentimento tácito; nas assembleias de 16/11/2017 e 17/06/2019 não houve qualquer deliberação que tivesse por objecto o consentimento da sociedade; para que houvesse declaração de consentimento tácito, era necessário que os intervenientes tivessem consciência de que a Ré Cr..., SA era um terceiro a quem tinha sido transmitida a quota; como alegado pela A. e não contraditado por nenhum dos intervenientes, os sócios desconheciam a transmissão da quota da C... para a Cr..., SA, assumindo que esta era, apenas, a nova denominação social daquela.
Invocam também que a A... foi objecto de um cisão simples e parcial, que não coloca em causa a existência da sociedade cindida; a sociedade cindida continua a existir e, como tal, mesmo que o direito de preferência conste do elenco dos bens transmitidos à sociedade beneficiária (AO), aquela continua a ter legitimidade para a causa, enquanto a beneficiária não for, por meio do incidente de habilitação, admitida a substitui-la; a A... não apresentou articulado, nem aderiu aos apresentados pela A. e, consequentemente, não declarou a vontade de exercer a preferência; o direito de preferência não pode ser declarado em relação à A... uma vez que a A... mantém a sua legitimidade na causa; a intervenção processual da A... é despida de eficácia por ter ocorrido antes de para tanto ter sido habilitada através do competente incidente; a aludida decisão, na parte relativa à transmissão da quota da A..., configura-se como cessão de quota, a qual está sujeita a registo obrigatório; a cessão da quota da A... à A... não está registada; daqui resulta que A..., Lda não pode invocar ter sucedido à A... na titularidade da quota social por forma a ter legitimidade para ocupar a posição de parte principal na causa, como interveniente, pelo que o articulado da A... é inadmissível e ineficaz e, como tal, não pode ser atendido para efeito de lhe ser reconhecido o direito de preferência.
Relativamente ao articulado da O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA referem que a alegação de que a transmissão da quota da C... para a Cr..., SA é simulada não é exacta; tendo em consideração que o único activo da C... era a participação na OL... e os custos associados ao funcionamento da sociedade, os seus accionistas decidiram proceder a uma reestruturação da sua organização empresarial; para o efeito contactaram a Cr..., SA que era e é detida por pessoas da sua amizade e inteira confiança, propondo que esta adquirisse a quota da C..., com a finalidade de a administrar e retransmiti-la a quem, no futuro, lhe viesse a ser indicado; a Cr..., SA aceitou administrar a participação social e o encargo de a retransmitir à C... ou a terceiro, logo que para tanto seja interpelada; está-se em presença de um negócio fiduciário, que não se confunde com a simulação.
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Conclusos os autos a 02/11/2020, foi, na mesma data, proferido despacho com o seguinte teor:
“Considerando o objeto da presente ação, o valor da causa, o disposto nos artigos 593.º, n.º 1 e 2, 595.º, 596.º e 597.º do Código de Processo Civil (na sua atual redação), por a complexidade da causa o não justificar e por não se vislumbrar qualquer circunstância que, nesta fase, determine a necessidade de fazer atuar o princípio do contraditório, dispenso a realização de audiência prévia, procedendo-se, desde já, à elaboração de despacho saneador, ao despacho destinado a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas de prova.
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Nos termos do disposto no artigo 301º, nº1 do CPC, por ter sido pedido se declare o direito de preferência em cessão de quota da sociedade OL..., fixo à causa o valor pelo qual o negócio foi realizado - € 1.500,00.
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O Tribunal é o competente em razão da nacionalidade e da hierarquia.
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O Tribunal é competente em razão da matéria.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias.
Da falta de legitimidade ativa da co-A..., Lda
A co-A O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA veio invocar a ilegitimidade ativa da A...- Investimentos, Lda, por esta não poder opor a terceiros, incluindo os demais sujeitos processuais da presente ação, o facto de ter adquirido por força de cisão da A... SGPS, SA, a quota desta na OL... como alegou no seu articulado a 28-10-2019, pois é uma sociedade comercial distinta da A....
Alega que o artigo 242º-A do CSC prevê que os factos relativos a quotas são ineficazes perante a sociedade enquanto não for solicitada, quando necessária, a promoção do respetivo registo. A cessão de quotas constitui um ato sujeito a registo obrigatório e faz-se por registo por depósito- artigos 3º, nº1, al c) e 53º-A, nº5, al a) do Código de Registo Comercial.
A O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA defende, assim, que A..., Lda não pode ser admitida a preferir por se verificar uma exceção de ilegitimidade substantiva que consubstancia uma exceção peremtória.
A..., Lda- Investimentos, Lda veio a fls 338 e ss, pronunciar-se sobre a sua falta de legitimidade pugnando pela eficácia da cessão de quotas a favor da A... perante a sociedade OL..., bem como perante as RR, e requerendo subsidiariamente a sua habilitação em substituição da A..., para o caso de se entender que não faz valer um direito próprio, como titular do correspondente direito de preferência, com aproveitamento de todos os atos já por si praticados.
A A também tomou posição por requerimento pugnando pela legitimidade da cessão de quotas da A... para A..., Lda- Investimentos Lda por força da cisão simples a que houve lugar.
Cumpre decidir.
De facto, a cessão de quotas constitui um ato sujeito a registo obrigatório, por depósito- artigos 3º, nº1, al c) e 53º-A, nº5 al a) do Código de Registo Comercial.
Contudo, “o registo não é condição de validade do ato, ainda que seja obrigatório”. E o facto é oponível à sociedade “uma vez solicitada a promoção do registo”- Código das Sociedades Comerciais em comentário, vol III, Almedina, 2011, página 598.
Ademais, pela forte argumentação e documentação junta aos autos, resulta que houve lugar a consentimento tácito da cessão de quotas da A... para A..., Lda- Investimentos, Lda, por parte da sociedade ao deixar A..., Lda participar em assembleia geral da OL... sem pôr em causa a sua intervenção.
Assim também entende HH em Cessão de Quotas, Almedina, 2ª edição, 2016, página 89, pois acrescenta que “se o cessionário pode retirar da conduta da sociedade a conclusão de que esta deu o consentimento para a cessão, a sua confiança merece ser protegida e a recusa posterior de consentimento até pode ser vista como um venire contra factum proprium”.
Efetivamente, o artigo 230º, nº6 CSC dispõe expressamente que: “Considera-se prestado o consentimento da sociedade quando o cessionário tenha participado em deliberação dos sócios e nenhum deles a impugnar com esse fundamento, provando-se o consentimento tácito, para efeitos de registo de cessão, pela ata da deliberação”.
Falece assim a exceção de ilegitimidade invocada da O... SGPS, SA, uma vez que tal cessão de quotas foi tacitamente consentida pela OL....
Pelo que não se conhece do pedido subsidiário de habilitação da A...- Investimentos, Lda em substituição da A... nos autos, por desnecessidade.
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As partes são legítimas.
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A invocada exceção de prévia determinação do preferente já foi decidida no Acórdão proferido nos autos.
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A invocada nulidade do despacho que agendou diligência de licitação, nos termos do artigo 195º, nº1 do CPC alegando que foi cometida irregularidade que pode influir no exame ou decisão da causa, já foi decidida ao ter sido dada sem efeito a marcação e permitido aos sócios co-AA pronunciarem-se.
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Da invocada caducidade do direito de ação
As RR vieram invocar a caducidade do direito que a A e os co- AA chamados pretendem exercer por não respeitar o prazo de seis meses previsto no artigo 1410º do CC.
Alegam para o efeito que a A e os co-AA tiveram conhecimento dos elementos essenciais da alienação na primeira semana de Março de 2016, bem como os demais sócios da OL..., tendo-lhes sido transmitidos o valor da cessão, as condições de pagamento (imediato) e a identidade da cessionária. Pelo que pugnam pela verificação da exceção peremptória de caducidade do direito de preferência nos termos do artigo 1410º, nº1 do CC.
A A pronunciou-se pela improcedência da exceção, alegando que nunca lhe foi comunicada a cessão.
Cumpre decidir.
Contudo, como a decisão da presente exceção de caducidade de exercer o direito a preferir, está dependente de prova a produzir, relego o seu conhecimento para final.
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Da invocada ineficácia da cessão da quota da R C... para a R Cr..., SA
A co-A O... SGPS, SA veio invocar a ineficácia da cessão da quota da R C... para a R Cr..., SA perante a OL... por força do disposto no artigo 228º, nº2 do CSC, alegando que os sócios não tinham conhecimento na assembleia geral de 17-11-2017 de que a Cr..., SA seria um terceiro e que não estava protegida pelo artigo 9º, nº3 dos Estatutos da OL.... E que o consentimento, mesmo tácito, tem de ser um consentimento informado.
A este respeito veio a A no requerimento de 9-6-2020 pugnar pela eficácia da cessão de quota da R C... para a Cr..., SA.
Cumpre decidir.
Dispõe o artigo 228º CSC que: “2- A cessão de quotas não produz efeitos para com a sociedade enquanto não for consentida por esta, a não ser que se trate de cessão entre cônjuges, entre ascendentes e descendentes ou entre sócios. 3- A transmissão de quota entre vivos torna-se eficaz para com a sociedade logo que lhe for comunicada por escrito ou for por ela reconhecida, expressa ou tacitamente”.
Na verdade, o consentimento tácito tem que ser um consentimento informado, mas a obrigação de pedir a informação incumbe ao interessado.
Tendo a Cr..., SA participado na assembleia geral de 17-11-2017, sem que qualquer dos sócios da OL... tenha colocado qualquer objeção ou procurado informação sobre a sua intervenção, sibi imputet, tendo de se concluir que aqueles sócios reconheceram tacitamente a qualidade de sócia da Cr..., SA.
Aliás, o artigo 230º, nº6 do Código das Sociedades Comerciais dispõe expressamente que: “Considera-se prestado o consentimento da sociedade quando o cessionário tenha participado em deliberação dos sócios e nenhum deles a impugnar com esse fundamento, provando-se o consentimento tácito, para efeitos de registo de cessão, pela ata da deliberação”.
Se o consentimento expresso é dado por deliberação dos sócios também o consentimento tácito pode resultar de deliberação dos sócios.
E HH, em Cessão de Quotas, Almedina, 2ª edição, 2016, página 89, acrescenta que “se o cessionário pode retirar da conduta da sociedade a conclusão de que esta deu o consentimento para a cessão, a sua confiança merece ser protegida e a recusa posterior de consentimento até pode ser vista como um venire contra factum proprium”.
Assim sendo, a cessão de quotas da R C... para a R Cr..., SA tem de considerar-se eficaz relativamente à sociedade OL... por ter sido tacitamente consentida, improcedendo a exceção inominada invocada.
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O processo é o próprio e não enferma de nulidade que de todo o invalide.
Não existem questões prévias, nulidades ou exceções que cumpra agora conhecer.
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Afigura-se-nos não existirem, ainda, nos presentes autos, elementos suficientes que permitam conhecer do mérito da causa, pelo que se passa a identificar o objeto do presente litígio e a enunciar os temas de prova.
Assim, o objeto do presente litígio é o seguinte: aferir dos pressupostos do exercício do direito de preferência na cessão de quota da OL... que a R C... cedeu à R Cr..., SA.

Temas de prova:
- apurar se no início de março de 2016, nas instalações da sede da OL... teve lugar uma reunião em que se encontravam representados todos os sócios da OL..., com exceção de BB, a saber: II (A...) JJ (F...), O... (O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA), CC (J...), KK (a A), EE e EE (C...);
- apurar se na referida reunião de março de 2016 os acionistas da C... transmitiram aos presentes o seu propósito de encerrarem a sociedade e transmitirem a titularidade da sua quota para a Cr..., SA, detida pelos mesmos accionistas;
- apurar se todos os sócios deram a sua concordância à cessão da quota prescindindo de qualquer direito de preferência que em relação a ela pudessem ter;
- apurar se os sócios da OL... à data sabiam que a Cr..., SA era uma pessoa jurídica distinta da C..., e com sócios diferentes, na assembleia geral de 17-11-2017;
- apurar se ao negócio de cessão de quota da OL..., que a C... cedeu à Cr..., SA se verificam os requisitos da simulação.
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Notifique, sendo as partes para, querendo, reclamarem, em 10 dias.
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Prova
(…)
Para a realização da audiência de julgamento sugiro …..
(…)”
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Foi interposto recurso do despacho que fixou o valor da causa em € 1.500,00, tendo esta TRG, por Acordão de 06/05/2021 revogado o mesmo, fixando á causa o valor de € 24.750,00.
Do referido Acordão foi interposto recurso de revista para o STJ, que negou a revista.
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Entretanto veio a O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA invocar a nulidade parcial do Despacho Saneador por omissão de pronúncia quanto a prova arrolada pela interveniente e reclamar quanto ao objecto do litigio por não contemplar a questão da simulação da cessão de quotas da C... para a Cr..., SA, apesar de constar dos temas da prova.
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Vieram as RR. reclamar dizendo que a identificação do objecto do litigio e, por arrastamento, a enunciação dos temas da prova, deve atender às várias soluções plausíveis de direito, não sendo admissível um pré-julgamento, cujo resultado se possa antecipar através da conformação do objecto do litigio, o qual, por seu turno, ditará  o âmbito dos temas da prova, acrescentando que a selecção dos temas da prova deve ser feito segundo as várias soluções plausíveis de direito, seja qual for o entendimento do juiz sobre qual deva ser a solução jurídica da causa, os temas da prova visam uma livre investigação e consideração de todas as matérias com pertinência para a decisão da causa, sem uma prévia definição do que é matéria relevante para tal.
E concretizando invocaram que há que incluir no objecto do litigio: a questão da notificação para preferência e a possibilidade do “enxerto” desse processo especial na acção em causa (art.ºs 37º a 108º da contestação), referindo que foi ordenada a comparência das partes para a realização de licitações, diligência que foi adiada, não tendo tido qualquer seguimento ulterior; a questão da caducidade da acção; do preço ”vil” da cessão de quotas, que coenvolve a questão do abuso de direito, de conhecimento oficioso (art.ºs 163º a 195º da contestação); da ilegalidade da cláusula estatutária de preferência (art.ºs 196º a 210º da contestação); da falta de eficácia real do direito de preferência (art.sº 211º a 223º da contestação); da renúncia ao direito de preferência ( art.ºs 224º a 236º da contestação); do negócio fiduciário ( art.s 64º a 104º da contestação aos requerimentos de intervenção principal); e da ilegitimidade activa da interveniente AO (art.ºs 31º a 63º da contestação aos requerimento de intervenção principal).
Invocaram também que a referência singela e genérica aos “pressupostos do exercício do direito de preferência “na identificação do litigio apresenta-se como dúbia ou ambígua tendo em conta que a A. e os intervenientes principais pedem o reconhecimento do direito de preferência individual ou conjuntamente.
Finalmente invocam que importa incluir nos temas da prova a materialidade alegada relativamente à caducidade da acção, ao preço “vil” da cessão de quota e/ou abuso de direito, á renúncia ao direito de preferência e ao negócio fiduciário.
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Por requerimento de 16/11/2020 vieram ainda as RR. invocar a nulidade da não convocação da audiência prévia (requerimento que está junto a fls. 517-522 do processo físico) alegando que era obrigatória e que não se verificava nenhuma das hipóteses de dispensa da mesma; uma das finalidades da audiência prévia é facultar às partes a discussão de facto e de direito, sobre as exepções dilatórias e o mérito da causa; a leitura do despacho de dispensa da audiência revela que o tribunal pretendia conhecer imediatamente, como conheceu, da excepção perenptória de ineficácia da cessão da quota por falta de consentimento da sociedade, pelo que se impunha a convocação da audiência prévia; e mesmo que se entenda que a referida excepção foi objecto de suficiente debate nos articulados, ainda assim a dispensa da audiência prévia tinha de ser precedida de prévia auscultação das partes.
Mais alegam que a dispensa não encontra arrimo no art.º 597º do CPC porque, muito embora a norma confira ao Tribunal uma certa latitude na convocação ou não da audiência prévia, não se resolve num poder discricionário do julgador, sendo balizada pelos critérios da necessidade e adequação do acto ao fim do processo; os poderes de adequação formal previstos no art.º 597º, estão sujeitos aos limites gerais do art.º 547º do CPC; a adopção de mecanismos de agilização processual não é absoluta, nem discricionária, tendo como referência e limites o principio do contraditório, impondo a audiência prévia das partes quanto á adopção de mecanismos de simplificação e agilização; no caso a dispensa da audiência prévia não foi precedida da prévia audição das partes; a complexidade jurídica e factual da causa e a sua já longa pendência impunham a não dispensa da audiência prévia, permitindo ás partes discutir com maior detalhe e actualidade as questões controvertidas e carrear mais provas; a realização da audiência prévia revela-se necessária e adequada ao fim do processo.
Termina requerendo a anulação do despacho saneador.
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A 25/11/2020 foi proferido despacho a ordenar a notificação das partes para se pronunciarem sobre as nulidades invocadas pela O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA e pelas RR.
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A 21/12/2020 foi proferido despacho com o seguinte teor:
“Fls 510: Não assiste razão à co-A O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA uma vez que a omissão da admissão de prova junta apenas constitui uma irregularidade, sanada logo que verificada. Desta forma, desde já corrigimos a omissão identificada, admitindo as três testemunhas arroladas a fls 290 e as declarações de parte do legal representante da O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA, que esta deve vir aos autos identificar, para depor à matéria indicada a fls 290 que seja do seu conhecimento pessoal.
Quanto à reclamação sobre o objeto do litígio, entendemos que o pedido por si formulado é, de facto, subsidiário, pelo que não deve constar da identificação do objeto do litígio.
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Fls 513 e ss: As RR C... SGPS, SA e Cr..., SA vieram apresentar reclamação à identificação do objeto do litígio e temas de prova do saneador.de facto, importa aditar aos temas de prova o seguinte: - Apurar se o filho da A, na qualidade de seu representante, na reunião que teve lugar na primeira semana de março de 2016, em resposta à comunicação do projeto de cessão e condições essenciais, declarou que a sua mãe não pretendia adquirir para si a quota em causa. – Apurar se o preço fixado para a cessão de quotas da C... para a Cr..., SA é muito inferior ao valor real da quota transmitida.
No mais, não assiste razão às reclamantes uma vez que os factos relativos às questões de direito que levantaram no seu articulado não têm que estar todos identificados nos temas de prova, mas apenas a indicação genérica da controvérsia sobre as questões em discussão sobre que recairá a prova a produzir. O que teve lugar, pelo que não julgamos necessário alargar o seu âmbito nem esclarecer qualquer obscuridade por inexistente.
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(…)”
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A ...9/06/2021 veio a A. requerer fosse esclarecido em que momento terá lugar a diligência de licitações (este requerimento está junto a fls. 598 do processo físico).
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Veio a O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA dizer que não haverá lugar a tal diligência por ter exercido o seu direito de preferência por um valor superior ao da A. e dos demais intervenientes principais, que assim prevalece sobre os direitos de preferência dos demais;  o Ac. da RG de 06 de maio de 2021 já referiu que, tendo a O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA exercido o direito de preferência por um preço mais alto dio que o apresentado pela A. e demais intervenientes, é a ele que se deve atender e subsistem questões prévias que podem determinar a improcedência da acção.
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Na sessão de julgamento que teve lugar a 17/06/2021 foi proferido o seguinte despacho:
Quanto ao requerimento de fls. 598 e fls. 600, nada há a decidir, uma vez que já foi apreciado em sede de despacho saneador e aquando do despacho proferido relativamente ao acórdão do 1º recurso.
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Realizou-se o julgamento, tendo a 27/02/2022 sido proferida sentença com o seguinte decisório:

“Pelo exposto,
a) Reconheço à aqui A e co-AA, AA, A..., Lda, F...P..., SGPS, S.A., O... SGPS, SA, J... I..., SGPS, SA, BB e CC, o direito a preferir conjuntamente, na proporção da sua participação no capital social, na cessão da quota da O... S.G.P.S, Lda, com o valor nominal de € 994.625,95, que a C... cedeu à Cr..., SA a 25-3-2016, pelo preço convencionado de € 1.500,00.
b) Em consequência, ordeno o cancelamento de todos os registos que hajam sido feitos em consequência dessa cessão, nomeadamente a favor da R Cr..., SA, e a sua inscrição em nome dos aqui preferentes.
Custas pelas RR - artigo 526º, nº1 e 2 CPC.”
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A 05/04/2022 foi proferido o seguinte despacho:
“Req. de 11-3-2022: Efetivamente, resulta do teor da certidão comercial da OL..., dos restantes factos provados e da fundamentação da própria sentença dos autos que o facto descrito no artigo 7º dos factos provados se encontra incompleto, dado que antes da cessão da quota em causa nestes autos eram sócios da sociedade, para além dos descritos no artigo 7º dos factos provados, a fls 768 verso dos autos, ainda a sociedade A... SGPS, Lda, titular de uma quota no valor nominal de € 994.625,95.
Assim, nos termos dos artigos 613º, nº2 e 614º, nº1 e 2 do CPC, retifico o lapso, acrescentando no artigo 7º dos factos provados a “sociedade A... SGPS, Lda, titular de uma quota no valor nominal de € 994.625,95”.
Notifique e retifique na sentença dos autos.”
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Veio a O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA, SA interpor recurso, que terminou com as seguintes conclusões:[2]
1. O presente recurso de apelação é interposto da sentença, que colocou termo ao processo, proferida pela 1.ª Instância, em 27 de Fevereiro de 2022.
2. Sem prejuízo de o prazo de recurso ser de 30 dias (artigo 638.º, n.º 1 - 1.ª parte, do CPC), considerando que a sentença recorrida ordenou o cancelamento de registos ao apreciar o mérito da causa, este recurso tem efeito suspensivo da sentença recorrida, porquanto, aplica-se a remissão do artigo 647.º, n.º 3 - al. e), do CPC para a al. f) do n.º 2 do artigo 644.º do CPC (exclusivamente quanto ao efeito do recurso, mas já não ao prazo), que se refere às decisões que ordenem o cancelamento de registos, como é o caso da sentença recorrida.
3. No seu articulado próprio apresentado em 16 de Dezembro de 2019 (ao abrigo do artigo 319.º, n.º 3, do CPC), a ora Interveniente Principal O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA peticionou, a título principal, que o direito de preferência aqui em causa lhe fosse atribuído exclusivamente, com prevalência sobre o direito de preferência invocado pela Autora e demais Intervenientes Principais e, para tanto, a Interveniente Principal O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA exerceu a preferência pelo valor de EUR 24.750,00 (acrescido de EUR 250 para despesas), para prevalecer sobre o preço de EUR 1.500,00 depositado pela Autora e cada um dos demais Intervenientes Principais (acrescido de EUR 250 para despesas).
4. Sucede que, na sentença recorrida, foi determinada a repartição da aludida quota única (representativa de 20% do capital social da OL...) entre a Autora e todos os Intervenientes Principais, na proporção das suas participações, pelo que o pedido principal da ora Recorrente não foi acolhido (pelo menos, in totum). Logo, a Interveniente Principal O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA decaiu no seu pedido principal.
5. No Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 6 de Maio de 2021 (confirmado pelo Acórdão do STJ, de 8 de Fevereiro de 2022), o valor deste processo foi fixado em EUR 24.750,00, que supera a alçada da 1.ª Instância (artigo 44.º da LOSJ).
6. Assim, os critérios da alçada e decaimento (artigo 629.º, n.º 1, do CPC) estão preenchidos.

NULIDADES DA SENTENÇA RECORRIDA

7. PRIMEIRO: a sentença recorrida incorreu em nulidade ter conhecido de questões de que não podia tomar conhecimento (artigo 615.º, n.º 1 - al. d), do CPC) e condenado em objecto diverso do pedido (artigo 615.º, n.º 1 - al. e) in fine, do CPC).
8. Na p.i., a Autora invocou a existência do direito de preferência daqueles que aí indicou como sócios da OL... sobre a quota cedida pela ré C... à Ré Cr..., SA.
9. Na p.i., a Autora não suscitou a questão específica de que, no caso de os demais sócios da OL... pretendessem exercer a preferência em sede de intervenção principal provocada, a quota única cedida pela Ré C... à Ré Cr..., SA, a quota objecto da preferência tinha de ser repartida entre os sócios na proporção das suas participações e, muito menos, formulou o pedido de que, em caso de reconhecimento do direito de preferência a mais do que um sujeito processual do lado activo, a quota objecto da preferência deveria ser dividida por tantos sujeitos processuais a quem fosse atribuído este direito e os respectivos registos de divisão de quota deveriam ser ordenados.
10. A questão da divisão da quota constitui uma questão autónoma, em sentido técnico-normativo e tem tratamento legal autónomo, em particular, nos artigos 219.º, n.º 2, 221.º, 246.º, n.º 1 - al. b) do CSC e artigo 3.º, n.º 1 - al. c), do Código do Registo Comercial.
11. Tanto assim é que, em caso de divisão de quota, mesmo que as novas quotas sejam adquiridas pelos anteriores sócios, as suas quotas anteriores e as novas quotas resultantes da divisão mantêm a sua independência, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 219.º do CSC.
12. Além de a p.i. não ter suscitado a questão da “repartição” da quota objecto da preferência no caso concreto, nem ter formulado qualquer pedido neste sentido, a Autora inclusivamente formulou um segundo pedido principal alternativo, que é contraditório à repartição da quota, porquanto fundou a intervenção dos Intervenientes Principais numa eventual necessidade de licitação (no caso destes exercerem a preferência) e aí peticionou que fosse: (a) “reconhecido à autora o direito à licitação no exercício do direito de preferência na aquisição da identificado quota social”; e (b) “ordenada a notificação dos agora intervenientes para comparecerem no Tribunal no dia e hora que sejam fixados, a fim de se proceder a licitação entre eles e a autora, no que respeita ao exercício daquele direito de preferência.” (artigos 43.º, 44.º, 48.º e 69.º da p.i. e pedido vertido nas páginas 23 e 24 da p.i.).
13. À excepção da ora Interveniente Principal Recorrente O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA, todos os demais Intervenientes Principais aderiram, integralmente, às questões alegadas e pedidos formulados na p.i.
14. Através de articulado próprio de 16 de Dezembro de 2019, a Interveniente Principal O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA declarou exercer a preferência e peticionou que o direito de preferência aqui em causa lhe fosse atribuído exclusivamente, com prevalência sobre o direito de preferência invocado pela Autora e demais Intervenientes Principais e, para tanto, a Interveniente Principal O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA exerceu a preferência pelo valor de EUR 24.750,00 (acrescido de EUR 250,00 para despesas).
15. Nem na p.i., nem nos articulados próprios dos Intervenientes Principais apresentados ao abrigo do artigo 319.º, n.º 3, do CPC, nenhum dos sujeitos processuais do lado activo suscitou, de forma tempestiva, a questão e pedido relativos à repartição e divisão da quota cedida pela Ré C... à Ré Cr..., SA.
16. Pelo contrário, porquanto a Autora referiu-se a um exercício conjunto do direito de preferência e à licitação que pressupõe a indivisibilidade da quota objecto da preferência, por um lado, e a Interveniente Principal O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA alegou, desde logo, que os termos e que exerceu o direito de preferência prevalecem sobre a preferência alegada
pela Autora e demais Intervenientes Principais.
17. No caso do exercício “conjunto” de um direito único que consta do primeiro pedido principal alternativo da p.i., que se converte em concorrente, este leva à licitação, pelo que o que está pressuposto não é uma questão relativa à repartição da quota, já que o direito conjunto e a licitação pressupõem, pelo contrário, que a quota se mantenha indivisa.
18. Aliás, mesmo em momento posterior, a Autora insistiu na licitação, através de requerimento de 9 de Junho de 2021 (ref. de entrada no Tribunal 11589559 e formulário do citius ...). De resto, no requerimento de 28 de Junho de 2021, o Interveniente Principal BB também salientou a necessidade de realização de licitação (ainda que erradamente).
19. Sucede que a sentença recorrida conheceu de questão que não podia tomar conhecimento, porquanto – desta forma – conheceu, necessariamente, da questão da divisão da quota objecto da preferência, por força de ter determinado a repartição da quota objecto da preferência pela Autora e Intervenientes Principais (cfr. 5.º parágrafo da penúltima página da sentença recorrida: “a quota a ceder é repartida por eles na proporção das respetivas participações no capital social”).
20. Assim, a sentença recorrida violou os artigos 3.º, 5.º, 608.º, n.º 2 - 2.ª parte, e 609.º, n.º 1, do CPC e também incorreu em nulidade, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1 - al. d), do CPC, por ter conhecido de questões de que não podia tomar conhecimento.
21. Acresce que, também por força dos fundamentos acima expostos e da violação dos artigos 3.º, 5.º, 608.º, n.º 2 - 2.ª parte, e 609.º, n.º 1, do CPC, a sentença recorrida acabou por condenar em objecto diverso do pedido, tendo incorrido em consequente nulidade, nos termos e para os efeitos do artigo 615.º, n.º 1 - al. e) in fine, do CPC.
22. É que, não obstante o dispositivo formal constante da última página da sentença recorrida, repetir formalmente um dos pedidos que foi feito na petição inicial, também é verdade que esse mesmo dispositivo e seus efeitos jurídicos não podem ser dissociados do comando que consta imediatamente antes desse dispositivo, maxime no penúltimo parágrafo da página 20 da sentença recorrida, em que se determina a “repartição” da quota objecto da preferência.
23. Aliás, se assim não fosse, o dispositivo da sentença recorrida nem sequer poderia ser cumprido, porquanto a declaração de transmissão simultânea da quota objecto da preferência Autora e, simultaneamente, para os Intervenientes Principais implicar o registo de divisão, nos termos acima indicados, o qual não foi pedido.
24. Com efeito, o pedido formulado pelas partes do lado activo apenas consistiu no cancelamento do registo de aquisição da quota a favor da Ré Cr..., SA e no registo de aquisição a favor do preferente, sem qualquer pedido de registo da divisão da quota, o que reforça que a divisão de quota é uma questão autónoma, nos termos acima demonstrados, que não integrou o objecto tempestivo da presente acção.
25. Consequentemente, ao ter condenado num objecto que determina a repartição da quota objecto da preferência, a sentença recorrida condenou em objecto diverso do pedido, tendo incorrido em nulidade, nos termos do disposto do artigo 615.º, n.º 1 - al. e) in fine, do CPC, por violação dos artigos 3.º, 5.º, 608.º, n.º 2 - 2.ª parte e 609.º, n.º 1, do CPC.
26. A “prova dos 9” de que ambas as nulidades suscitadas acima (ao abrigo da al. d) e da parte final da al. e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC) são procedentes assenta na circunstância de que, de forma intempestiva e em violação da oportunidade e prazo processuais previstos no artigo 319.º, n.º 3, do CPC, os Intervenientes Principais J..., BB e CC terem apresentado um requerimento em 27 de Janeiro de 2020, com vista a suscitar a questão da repartição da quota (o mesmo se aplica aos requerimentos dos Intervenientes Principais de 15 e 16 de Janeiro de 2020).
27. Isto sem sequer ter sido formulado qualquer pedido a final nesse requerimento de 27 de Janeiro de 2020, o qual, aliás, depois foi desmontado pelo requerimento do próprio Interveniente Principal BB, de 28 de Junho de 2021.
28. Caso a questão autónoma da repartição da quota objecto da preferência tivesse sido tempestivamente suscitada na p.i. ou nos articulados previstos no artigo 319.º, n.º 3, do CPC, então teria de ter sido aí suscitada com referência à “repartição” (sic) da quota aludida nos artigos 6. e 7. do requerimento de 27 de Janeiro de 2020, o que, no entanto, não sucedeu.
29. Em qualquer caso, repita-se: no aludido requerimento dos Intervenientes Principais J...J..., BB e CC, de 27 de Janeiro de 2020, não foi, a final, formulado ou deduzido qualquer pedido de repartição ou divisão da quota objecto da preferência em causa nestes autos.
30. Aliás, nos artigos 70. a 119. do seu requerimento de 16 de Março de 2020 (em resposta ao contraditório conferido pelo Despacho de 27 de Fevereiro de 2021), a ora Interveniente Principal O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA suscitou, precisamente: (a) a intempestividade da questão da repartição da quota suscitada no requerimento dos Intervenientes Principais J...J..., BB e CC, de 27 de Janeiro de 2020; e (b) a falta de formulação de qualquer pedido a final neste sentido, nesse requerimento.
31. SEGUNDO: de forma subsidiária, caso se entenda que a sentença recorrida não incorreu nas nulidades suscitadas acima, então a sentença recorrida terá incorrido em contradição entre a fundamentação e a decisão (artigo 615.º, n.º 1 - al. c), do CPC).
32. Isto porque, por um lado, no 5.º parágrafo da página 20 da sentença recorrida, foi determinada a repartição da quota entre a Autora e os Intervenientes Principais, nos seguintes termos: “a quota a ceder é repartida por eles [Autora e Intervenientes Principais] na proporção das respetivas participações no capital social” (parêntesis rectos nossos).
33. Mas, por outro lado, no dispositivo da sentença recorrida apenas está reconhecido o direito da Autora e Intervenientes Principais a preferir sobre a quota em causa, “conjuntamente” (sic), e aí se ordenou o cancelamento da aquisição a favor da Ré Cr..., SA e “a sua inscrição em nome dos preferentes” (sic).
34. No entanto, em contradição com o 5.º parágrafo da página 20 da sentença recorrida, o seu dispositivo manda registar ou inscrever a favor ou “em nome dos preferentes” a aludida quota, o que significa a determinação de uma única inscrição de aquisição de uma quota única, a favor de todos os preferentes, até porque o dispositivo não contém qualquer determinação a propósito do registo de divisão da quota objecto da preferência.
35. Isto é, manifestamente, contraditório. Isto porque, das duas, uma:
(i) estando determina na fundamentação da sentença recorrida a repartição / divisão da quota única objecto da preferência pela Autora e Intervenientes Principais, então, logicamente, o dispositivo final teria de ordenar o registo da divisão da quota e posterior inscrição de cada quota dividida a favor de cada um dos preferentes; ou
(ii) estando reconhecido no dispositivo final da sentença recorrida o exercício conjunto da preferência por todos os preferentes, então a fundamentação da sentença recorrida não poderia ter ordenado a repartição da quota, mas antes teria que ter determinado a licitação entre os preferentes ou a prevalência de quem já ofereceu e depositou o preço mais alto, que foi a Interveniente Principal O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA.
36. Assim, a sentença recorrida deve ser declarada nula, por oposição entre os fundamentos e a decisão, nos termos do artigo 615.º, n.º 1 - al. c) (1.ª parte), do CPC.
37. A procedência ou deferimento de qualquer uma das três nulidades suscitadas acima determina que a sentença recorrida seja declarada nula e revogada, o que se requer.
38. TERCEIRO: a título principal, acresce que, nos termos do artigo 615.º, n.º 1 - al. d) 1.ª parte, do CPC, também se invoca aqui a nulidade da sentença recorrida, por omissão de pronúncia.
39. Isto porque, nos artigos 70. a 119. do requerimento da Interveniente Principal O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA, de 16 de Março de 2020 (apresentado em cumprimento de contraditório concedido por Despacho de 27 de Fevereiro de 2020), esta suscitou a intempestividade e natureza inconsequente do requerimento dos Intervenientes Principais J..., BB e CC, de 27 de Janeiro de 2020, em que foi abordada a questão da repartição da quota.
40. Sucede que a 1ª Instância nunca se chegou a pronunciar sobre esta questões autónomas e específicas da intempestividade e da falta de pedido / inconsequência da questão da repartição da quota em causa.
41. É verdade que a 1.ª Instância não tinha, obrigatoriamente, de apreciar estas questões no saneador, podendo o seu conhecimento ficar relegado para a sentença final, mas a sentença recorrida não conheceu estas questões autónomas relativas à intempestividade e falta de pedido / inconsequência da questão da repartição da quota em causa que a Interveniente Principal O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA suscitou quanto ao requerimento dos Intervenientes Principais J..., BB e CC, de 27 de Janeiro de 2020.
42. A 1.ª Instância estava obrigada a conhecer e apreciar estas questões suscitadas pela Interveniente Principal O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA, de 16 de Março de 2020, até porque estas questões foram suscitadas pela ora Interveniente Principal O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA em sede de contraditório, especificamente, concedido pelo Despacho da própria 1.ª Instância de 27 de Fevereiro de 2020.
43. Assim, por ter violado o artigo 608.º, n.º 2 - 1.ª parte, do CPC, a sentença recorrida incorreu em nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos e para os efeitos do artigo 615.º, n.º 1 - al. d) 1.ª parte, do CPC, por não ter apreciado as questões suscitadas nos artigos 70. a 119. do requerimento da Interveniente Principal O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA, de 16 de Março de 2020, a propósito da intempestividade e natureza inconsequente do requerimento dos Intervenientes Principais J..., BB e CC, de 27 de Janeiro de 2020, quanto à repartição da quota objecto da preferência.
44. Por conseguinte, a sentença recorrida deve ser declarada nula e revogada, sendo substituída por decisão deste Tribunal Superior (artigo 665.º do CPC) que aprecie e determine a intempestividade da questão da repartição da quota objecto de preferência suscitada no requerimento dos Intervenientes Principais J..., BB e CC, de 27 de Janeiro de 2020, e bem assim determine a natureza inconsequente dessa mesma questão aí suscitada, por falta de pedido.
45. QUARTO: por cautela, nos termos do artigo 615.º, n.º 1 - al. d) 1.ª parte, do CPC, também se invoca aqui a nulidade da sentença recorrida, por omissão de pronúncia quanto ao pedido principal da Interveniente Principal O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA.
46. Isto porque, no seu articulado próprio de 16 de Dezembro de 2019, a Interveniente Principal O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA peticionou, a título principal, que o seu direito de preferência quanto à cessão da quota fosse reconhecido e julgado procedente com prevalência sobre os demais preferentes, atento o valor superior oferecido e depositado pela Interveniente Principal O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA (EUR 24.750,00) relativamente à Autora e demais Intervenientes Principais.
47. Este pedido principal formulado pela Interveniente Principal O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA no respectivo articulado próprio apresentado, ao abrigo do artigo 319.º, n.º 3, do CPC, assenta um direito próprio autónomo que, enquanto interveniente principal pelo lado activo, aquela tem o direito de deduzir e ver ser apreciado, por força do artigo 608.º, n.º 2 - 1.ª parte, do CPC.
48. É verdade que se poderia dizer que, ao determinar a repartição da quota objecto da preferência pela Autora e Intervenientes Principais, a sentença recorrida teria implicitamente julgado improcedente o aludido pedido principal deduzido no articulado próprio da Interveniente Principal O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA, de 16 de Dezembro de 2019, quanto a que o seu direito de preferência deveria prevalecer.
49. No entendo, por força da 1.ª parte do n.º 2 do artigo 608.º do CPC, a decisão do Tribunal sobre todas as questões suscitadas pelas partes deve ser expressa, por forma a não suscitar insegurança, nem dúvidas.
50. No caso concreto, a sentença recorrida não apreciou, em momento algum, a pretensão de prevalência do valor mais alto pelo qual a Interveniente Principal O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA exerceu a preferência, o que se afigura mais grave, uma vez que os Tribunais Superiores fixaram o valor da presente causa, precisamente, por referência a este valor, tendo revogado a decisão da 1.ª Instância que havia fixado o valor da causa em apenas em EUR 1.500.
51. Mais: o dispositivo da sentença recorrida omite se o pedido principal de prevalência do direito de preferência exercido pela Autora é, ou não, integralmente procedente.
52. Caso se considere o entendimento da sentença recorrida quanto à repartição da quota objecto da preferência entre a Autora e Intervenientes Principais não contém a apreciação do pedido principal da Interveniente Principal O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA de prevalência do seu direito de preferência autonomamente formulado no seu articulado próprio, a sentença recorrida incorreu em nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1 - al. d) 1.ª parte, do CPC e, em consequência, a sentença recorrida deve ser anulada.

VIOLAÇÃO E INAPLICABILIDADE DA “REPARTIÇÃO” OU “DIVISÃO” DE QUOTA PREVISTA NO ARTIGO 6.º, N.OS 4 A 6 E 9, DOS ESTATUTOS DA OL... E VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 236.º, N.º 1, 238.º, N.º 1, E 414.º E 421.º DO CÓDIGO CIVIL PELA SENTENÇA RECORRIDA

53. A sentença recorrida determinou a “repartição” da quota objecto da preferência entre a Autora e os Intervenientes Principais, na proporção das quotas detidas por estes na OL..., ao abrigo do artigo 6.º, n.os 4e 6, dos estatutos da OL... (cfr. penúltimo parágrafo da página 20 da sentença recorrida).
54. No entanto, o n.º 6 do artigo 6.º dos estatutos da OL... apenas é aplicável no caso de, nos termos dos n.os 2, 4, 5 e 7 desse mesmo artigo 6.º, a OL... ter consentido, prévia e expressamente, na cessão da quota, conforme resulta das regras de interpretação previstas nos artigos 236.º, n.º 1, e 238.º, n.º 1, do Código Civil, aplicáveis a negócios formais, como é o caso do contrato de sociedade (artigo 7.º do CSC) e dos pactos de preferência sujeitos a eficácia real (artigos 414.º e 421.º do Código Civil).
55. No caso concreto, não existiu consentimento prévio e expresso da OL... à cessão da quota da Ré C... para a Ré Cr..., SA, conforme resulta dos factos provados 8 a 12 da sentença recorrida (página 6). Aliás, como resulta dos factos provados 9 e 12 da sentença recorrida, a cessão da quota em causa nem sequer foi comunicada à OL..., nem submetida a deliberação de consentimento da respectiva Assembleia Geral.
56. Assim, a repartição de quota prevista no n.º 6 do artigo 6.º dos estatutos da OL... não é aplicável ao caso concreto, em função dos critérios normativos de interpretação previstos nos artigos 236.º, n.º 1, e 238.º, n.º 1, do Código Civil, aplicável aos pactos de preferência previstos no artigo 414.º do Código Civil, os quais foram todos violados pela sentença recorrida, que incorreu em erro de julgamento de direito, atento os fundamentos enunciados de seguida.
57. PRIMEIRO: da leitura conjugada do n.º 6 do artigo 6.º dos estatutos da OL... com os demais números que compõem este artigo 6.º, em particular os respectivos n.os 4 e 5, resulta que o n.º 6 apenas é aplicável quando a OL... – através da respectiva Assembleia Geral, composta pelos seus sócios – consinta, prévia e expressamente, na transmissão da quota.
58. Tanto assim é que, marcando o enquadramento e a regulação da hipótese prevista no n.º 6 do artigo 6.º dos estatutos da OL..., a redacção dos respectivos n.os 2 a 5 (que aparecem, imediatamente, antes do n.º 6) pressupõe, necessariamente, que o sócio interessado na transmissão da quota tenha solicitado, previamente, o respectivo consentimento da Assembleia Geral da OL... e esta, por sua vez, tenha prestado este consentimento expresso.
59. O n.º 7 do artigo 6.º dos estatutos reitera e confirma a necessidade de o aludido consentimento ser prévio à pretendida cessão da quota, porquanto utiliza a forma verbal do futuro, nos seguintes termos: “A cessão será feita nos termos e condições referidos na carta prevista no número dois da presente cláusula (…)”.
60. Estes requisitos previstos nos n.os 2 a 5 do artigo 6.º dos estatutos da OL... não se verificaram, nem se preencheram, no caso concreto, já que a Ré C... nem sequer solicitou o consentimento à Assembleia Geral da OL... para alienar a quota à Ré Cr..., SA, nem a referida Assembleia prestou, previamente, o seu consentimento expresso a tal cessão, como resulta dos factos provados 8 a 12 da sentença recorrida.
61. Assim, no caso concreto, o n.º 6 do artigo 6.º do estatutos da OL... não tem aplicação, já que não se verifica a hipótese subjacente para a qual esta norma esta pensada e prevista, conforme o enquadramento marcado e limitado pelos n.os 2 a 5 do artigo 6.º da OL....
62. SEGUNDO: acresce que, conforme resulta da conjugação do n.º 5 com o n.º 6 do artigo 6.º dos estatutos da OL..., a repartição da quota objecto de alienação pelos demais sócios tem origem em declarações de preferência feitas, simultaneamente, por dois ou mais sócios da OL... ab initio, logo na Assembleia Geral, em que a OL... presta o consentimento à alienação de uma quota representativa de parte do capital social.
63. E não posteriormente, sobretudo depois de o comprador da quota (Ré Cr..., SA) já a ter adquirido ao anterior sócio (Ré C...) e, inclusivamente, participado e votado em deliberações discutidas e aprovadas em ulteriores Assembleias Gerais da OL... (cfr. factos provados 13., 14. e 16. da sentença recorrida).
64. Assim, no caso concreto, a única reacção possível a posteriori contra a cessão de quota é – e, assim, efectivamente foi – a instauração de uma acção de preferência e não a repartição da quota já alienada pelos demais sócios, ao contrário do que foi determinado na sentença recorrida, que incorreu em erro de julgamento, quanto à interpretação e aplicação do artigo 6.º, n.º 2 a 6, dos estatutos da OL....
65. TERCEIRO: nos casos em que a alienação de uma quota não consentida pela OL... ocorre, é registada e, inclusivamente, dá lugar à participação e votação do adquirente dessa quota na Assembleia Geral da OL..., tem todo o sentido que essa quota permaneça indivisa, na titularidade de um sócio, porquanto, após a cessão, a quota em causa já foi utilizada para emitir um voto único e indiviso.
66. Portanto, seria contrário à unidade do ordenamento jurídico societário que, depois de um voto emitido em assembleia geral já pelo terceiro aquirente da quota, se permitisse a repartição dessa mesma quota única e indivisa por vários sócios.
67. É que, por força do exercício da preferência, tudo se teria de passar como a repartição da quota tivesse ocorrido à data da assembleia geral em que se prestou o consentimento ou, pelo menos, em que o terceiro votou de forma indivisa, o que não se coaduna com a “repartição” da quota, com referência a essa mesma data.
68. QUARTO: a sentença recorrida confunde a natureza da presente acção e exercício do direito de preferência, ao abrigo do artigo 1410.º do Código Civil ex vi artigo 421.º do mesmo diploma, com outras questões societárias que não são aplicáveis (nem foram suscitadas), no caso concreto.
69. Com efeito, os presentes autos correspondem a uma “acção declarativa comum” (sic), na qual foi deduzido o incidente de intervenção principal da Interveniente Principal O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA e outros sócios da OL..., e não à acção especial prevista nos artigos 1028.º e ss. do CPC, que regula o processo especial de notificação para preferência.
70. Na presente acção de preferência, não há lugar à aplicação do artigo 6.º, n.º 6, dos estatutos da OL..., porquanto cada um dos sócios que ocupam o lado activo deste processo (Autora e Intervenientes Principais) tem um direito de preferência próprio.
71. Ao ter interpretado e aplicado os n.os 4 e 6 do artigo 6.º dos estatutos da OL... e determinado a repartição da quota objecto da, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, na interpretação e aplicação destas cláusulas estatutária.
72. QUINTO: o artigo 6.º dos estatutos da OL... prevêem um pacto de preferência convencional, com eficácia real, que está integrado num contrato de sociedade, o qual, por sua vez, consubstancia um negócio formal sujeito a registo, por força do artigo 7.º do CSC e dos artigos 414.º e 421.º do Código Civil.
73.  A interpretação normativa do artigo 6.º dos estatutos – vertido no facto provado 3 da sentença recorrida – está sujeita aos artigos 236.º, n.º 1, e 238.º, n.º 1, do Código Civil, com particular destaque para esta última norma, que rege a interpretação dos negócios formais.
74. No entanto, a aludida interpretação e aplicação que a sentença recorrida fez do artigo 6.º, n.os 4 e 6, dos estatutos da OL..., no sentido de determinar a “repartição” ou “divisão” da quota objecto da preferência nestes autos – apesar de, no caso concreto, não ter havido qualquer deliberação prévia e expressa a consentir a cessão, nem qualquer comunicação –, violou os artigos 236.º, n.º 1, e 238.º, n.º 1, do Código Civil.
75. É que, à luz dos factos que ficaram provados na própria sentença recorrida e do critério plasmado no artigo 238.º, n.º 1, do Código Civil, a aludida interpretação aí acolhida não tem um mínimo de correspondência no texto do artigo 6.º dos estatutos da OL..., que constam do facto provado 3. da sentença recorrida.
76. Assim, ao ter interpretado o artigo 6.º, n.os 4 e 6, dos estatutos da OL... e determinado a “repartição” da quota objecto da preferência, a sentença recorrida violou os artigos 236.º, n.º 1, 238.º, n.º 1, 414.º e 421.º do Código Civil, o artigo 7.º do CSC e, ainda, o artigo 6.º, n.os 2 a 7, dos estatutos da OL..., tendo incorrido em erro de julgamento de direito.
77. SEXTO: independentemente de se concordar, ou não, com a necessidade de ser desencadeada uma licitação, de forma paradoxal, a sentença recorrida vai contra a própria posição manifestada nos autos pela Autora e pelo Interveniente BB.
78. Em particular, a sentença recorrida vai contra o requerimento da Autora, de 9 de Junho de 2021 (ref. de entrada ...59 e formulário do citius ...), em que esta insistiu para que a 1.ª Instância procedesse, novamente, ao reagendamento da diligência de licitação entre a Autora e os Intervenientes Principais.
79. De resto, a sentença recorrida vai contra a posição assumida pelo Interveniente Principal BB no seu requerimento de 28 de Junho de 2021, em que este salientou que teria de haver licitação, o que pressupõe que não haja repartição ou divisão da quota.
80. Em face do exposto, o presente recurso deve ser julgado procedente e a sentença recorrida deve ser revogada, no segmento que determinou a repartição da quota objecto da preferência pela Autora e todos os Intervenientes Principais, em consequência do direito de preferência.

PREVALÊNCIA DO DIREITO DE PREFERÊNCIA DA INTERVENIENTE PRINCIPAL O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA

81. A Autora instaurou esta acção com fundamento na causa de pedir que a Ré C... transmitiu à Ré Cr..., SA uma quota representativa de 20% do capital social da OL..., pelo preço de EUR 1.500,00, em violação do direito de preferência dos demais sócios desta sociedade, pretendendo exercer o direito de preferência que invoca e cancelar o registo da cessão de quota a favor da Ré Cr..., SA. A Autora requereu, igualmente, a intervenção principal provocada dos demais sócios da OL... para intervirem, pelo lado activo, por serem titulares do mesmo direito invocado pela Autora.
82. Em 31 de Dezembro de 2018, a 1.ª Instância proferiu saneador sentença no qual fixou o valor da causa em EUR 481.179,37 e julgou a acção improcedente e, em 14 de Fevereiro de 2019, a Autora interpôs recurso de apelação do aludido saneador sentença.
83. Em 6 de Junho de 2019, o Tribunal da Relação de Guimarães proferiu acórdão em que julgou procedente o recurso da Autora, admitiu a intervenção principal dos demais sócios da OL... e, no que se refere ao valor da causa, determinou que a sua fixação devia ser relegada para momento ulterior após contraditório de todos os sujeitos processuais.
304. Considerando que o valor da causa é definido em função da sua utilidade e valor económico, o Tribunal da Relação antecipou, desde logo, a possibilidade de os demais Intervenientes Principais oferecerem e depositarem, aquando da apresentação do seu articulado próprio ao abrigo do artigo 319.º, n.º 3, do CPC, um valor superior àquele pelo qual a Autora exerceu a preferência.
84. À excepção da ora Interveniente Principal O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA, cada um dos demais Intervenientes Principais ofereceu e depositou o preço de EUR 1.500,00, para efeitos do exercício do direito de preferência (acrescido de EUR 250 para custos), mas, em 16 de Dezembro de 2019, a Interveniente Principal O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA apresentou o seu articulado próprio, no qual inter alia exerceu o seu direito de preferência quanto à cessão da quota em causa, peticionando a prevalência do seu direito sobre os demais preferentes por um valor superior aos demais sócios da OL..., pelo montante de EUR 24.750,00, que depositou (acrescido de EUR 250 para custos).
85. Em consequência, não há lugar a licitação e a Interveniente Principal O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA defendeu requereu a nulidade de diligência de licitação que havia sido marcada e, em 27 de Fevereiro de 2020, a 1.ª Instância proferiu Despacho a deferir a nulidade da diligência de licitação e anulou a determinação da realização da diligência de licitação (o que foi reiterado no Despacho saneador em 2 de Novembro de 2020).
86. A verdade é que o direito de preferência da Interveniente Principal O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA deve prevalecer sobre o direito de preferência da Autora e demais Intervenientes Principais, sem necessidade de qualquer licitação, com base nos fundamentos indicados de seguida.
87. PRIMEIRO: a intervenção provocada pelo lado activo da Interveniente Principal O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA foi admitida e, em consequência, esta tem direito a fazer valor um direito próprio na presente acção, que pode fazer valer autonomamente, mediante a formulação de um pedido autónomo (artigos 312.º, 316.º, n.º 1, e 319.º, n.º 3, do CPC).
88. Na verdade, em decorrência de os intervenientes principais pelo lado activo exercerem um direito próprio e autónomo, isto pode gerar interesses divergentes entre os sujeitos processuais do lado activo (o que sucede, neste caso), tal como decidido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 9 de Outubro de 2008 (proc. 08..., www.dgsi.pt).
89. Daqui resulta que a Interveniente Principal O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA tem o direito de, desde logo, em sede do seu articulado apesentado ao abrigo do artigo 319.º, n.º 3, do CPC, oferecer e depositar um preço mais alto do que o da Autora e demais Intervenientes, para fazer valer o seu “direito próprio”.
90. A partir do momento em que a Interveniente Principal O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA exerceu o seu direito de preferência por um “valor mais alto” relativamente à Autora e demais Intervenientes Principais, o seu direito de preferência prevalece, enquanto direito autónomo.
91. SEGUNDO: o Tribunal da Relação de Guimarães (e, bem assim, o STJ) acabou por reconhecer isto mesmo, ao decidir e fundamentar os motivos que impõem fixar o valor da presente causa – que é uma acção de preferência – no “valor mais alto” pelo qual a Interveniente Principal O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA exerceu o seu direito de preferência (cfr. páginas 21 e 24 do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 6 de Maio de 2021), EUR 24.750,00, em vez do valor de EUR 1.500, que havia sido fixado pela 1.ª Instância em saneador sentença (e contra o qual a Interveniente Principal O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA reagiu em recurso, sobre o qual recaiu decisão da Relação).
92. Com efeito, na página 21 do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 6 de Maio de 2021, foi entendido que o valor da causa corresponde “ao preço mais alto oferecido por um dos titulares, sendo que, no caso, é o preço apresentado pela interveniente O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA – 24.750,00” (sic), o que foi confirmado por Acórdão do STJ, de 8 de Fevereiro de 2022.
93. No Acórdão do STJ, de 8 de Fevereiro de 2022, foi também referido que, considerando que a Interveniente Principal O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA já apresentou o “valor mais alto” (sic) para o exercício do direito de preferência, então o valor da acção já está definido em função desse “valor mais alto” (sic) que já existe, tendo todas as partes do lado activo já apresentado o seu pedido concreto e quantificado.
94. Estas decisões da Relação de Guimarães e do STJ transitaram em julgado (artigo 620.º do CPC) e, portanto, importa ser consequente e coerente com o seu teor, também em sede de apreciação da causa, sob pena de se gerar uma antinomia normativa no próprio processo.
95. Não é possível afirmar, num momento, que o valor mais alto deve prevalecer para aferir a utilidade económica do pedido e, depois, ignorar que foi oferecido um valor mais alto.
96. Note-se que aqui não está em causa a típica separação entre a questão processual e a questão de mérito, que, normalmente, existe entre a decisão de fixação de valor da causa e a apreciação do mérito feita na sentença.
97. Isto porque a sentença recorrida reconheceu, em sede de mérito, que os pressupostos do exercício do direito de preferência da Interveniente O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA estão preenchidos.
98. Por conseguinte, em termos de efeitos jurídicos, há que ser consequente com a utilidade económica que já foi atribuída pelos Tribunais Superiores ao pedido de preferência formulado pela Interveniente Principal O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA.
99. Acresce que, quando o aludido Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 6 de Maio de 2021 (que fixou o valor da causa em EUR 24.750), foi proferido quando todos os Intervenientes Principais já tinham exercido nos presentes autos o seu direito de preferência, pelos valores que voluntariamente entenderam fazê-lo e por valores diferentes.
100. Isto ao contrário do contexto processual que existia quando foi proferido o anterior Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 6 de Junho de 2019, altura em que se desconhecia se os Intervenientes Principais iriam, ou não, exercer preferência pelo mesmo valor, até porque o incidente de intervenção principal ainda não tinha sido admitido.
101. Em face do exposto, o direito de preferência próprio exercido pela Interveniente Principal O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA aquando da apresentação do seu articulado próprio ao abrigo do artigo 319.º, n.º 3, do CPC, pelo valor mais alto de EUR 24.750,00 (acrescido de EUR 250 para custos), prevalece sobre o direito de preferência da Autora e demais Intervenientes Principais.
102. TERCEIRO: acresce que a prevalência do direito de preferência da Interveniente Principal O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA é reforçada pela circunstância de que, após a apresentação do articulado próprio desta Interveniente Principal – com um valor superior àqueles pelos quais a Autora e demais Intervenientes Principais excederem a preferência –, a própria 1.ª Instância julgou procedente a nulidade invocada nesse articulado próprio quanto à diligência de licitação e, em consequência, deu sem efeito qualquer licitação.
103. Por um lado, através de despacho proferido em 27 de Fevereiro de 2020, a própria 1.ª Instância proferiu Despacho a deferir a nulidade da determinação da diligência de licitação invocada pela Interveniente Principal O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA e anulou a marcação da diligência de licitação.
104. Por outro lado, no despacho saneador, de 2 de Novembro de 2020, a 1.ª Instância reforçou o seguinte: “A invocada nulidade do despacho que agendou diligência de licitação, nos termos do artigo 195º, nº1 do CPC alegando que foi cometida irregularidade que pode influir no exame ou decisão da causa, já foi decidida ao ter sido dada sem efeito a marcação e permitido aos sócios co-AA pronunciarem-se”.
105. De resto, face à insistência da Autora na realização da licitação vertida em requerimento de 9 de Junho de 2021, a 1.ª Instância proferiu o seguinte Despacho em 17 de Junho de 2021:  “Quanto ao requerimento de fls. 598 e fls. 600, nada há a decidir, uma vez que já foi apreciado em sede de despacho saneador e aquando do despacho proferido relativamente ao acórdão do 1º recurso”.
106. Considerando que a própria 1.ª Instância já excluiu e afastou a aplicabilidade da licitação entre a Autora e os Intervenientes Principais, resta concluir que o direito de preferência próprio exercido pela Interveniente Principal O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA, no “valor mais alto” de EUR 24.750,00, prevalece sobre os demais direitos de preferência da Autora e outros Intervenientes Principais.
107. QUARTO: não obstante a Autora ter apresentado o seu articulado próprio (ao abrigo do artigo do 319.º, n.º 3, do CPC) em 16 de Dezembro de 2019, e todos os demais sujeitos processuais terem sido, imediatamente, notificados electrónica desta peça processual por via dos respectivos I. Mandatários (artigo 221.º do CPC), a verdade é que, nem a Autora, nem os demais Intervenientes Principais, declararam então exercer a preferência por um valor superior a EUR 24.750,00, nem procederam então a depósito de valor igual ou superior.
305. Aliás, claramente consciente de que não lhe assiste razão e da sua falta de reacção processual, já em manifesto desespero de causa, apenas em 27 de Outubro de 2021 (passados quase dois anos do articulado próprio da Interveniente Principal O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA e decorrido um ano e oito meses do  Despacho da 1.ª Instância que anulou a marcação da licitação), é que a Autor se lembrou de, contra e à revelia do Tribunal, ficcionar uma inexistente e ilegal licitação.
306. A reacção processual ilegal e intempestiva da Autora, através do aludido requerimento de de Outubro de 2021, apenas evidencia a sua consciência quanto à prevalência do “valor mais alto” de EUR 24.750,00.
307. Em qualquer caso, por cautela de patrocínio, através de requerimento de 12 de Novembro de 2021, a Interveniente Principal O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA invocou a intempestividade e ilegalidade da pretensão vertida no requerimento da Autora, de 27 de Outubro de 2021, e também por manifesta e excessiva cautela de patrocínio, elevou o valor pelo qual exerceu a preferência para EUR 27.750, em resultado do depósito adicional realizado para perfazer este montante.
308. A Autora estendeu o périplo que, por auto-recriação, ficcionou para realizar uma série de sucessivos aumentos dos depósitos dos valores pelo que, intempestiva e tardiamente, pretendia exercer a preferência, através de requerimentos intempestivos e inadmissíveis, de 30 de Novembro de 2021, 13 de Janeiro de 2022, 21 de Janeiro de 2022 e 17 de Fevereiro de 2022, com vista a elevar o valor do exercício da sua preferência até EUR 34.000,00 (acrescidos de depósito para custos de EUR 250,00).
309. Assim, à Interveniente Principal O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA restou invocar a ilegalidade e intempestividade de todos estes requerimentos da Autora, o que fez através de contraditório exercidos em requerimentos apresentados em 13 de Dezembro de 2021, 21 de Janeiro de 2022, 1 de Fevereiro de 2022 e 21 de Fevereiro de 2022, tendo aí, também e por excessiva cautela de patrocínio aumentado o valor pelo qual exerceu a preferência e respectivo depósito para EUR 34.100 (acrescido de depósito para custos de EUR 250,00).
310. QUINTO: a prevalência do direito de preferência da Interveniente Principal O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA resulta ainda de que o próprio Interveniente Principal BB assumiu posições contraditórias ao longo da tramitação em 1.ª Instância.
311. Com efeito, ora o Interveniente Principal BB referiu que deveria haveria repartição da quota objecto da preferência (requerimento de 27 de Janeiro de 2020), ora referiu que deveria haver licitação entre a Autora e os Intervenientes Principais (cfr. requerimento de 28 de Junho de 2021).
312. EM FACE DO EXPOSTO, tendo a sentença recorrida incorrido em erro de julgamento de direito, maxime por violação dos artigos 236.º, n.º 1, 238.º, n.º 3, 414.º e 421.º do Código Civil, artigo 7.º do Código das Sociedades Comerciais e artigo 6.º, n.os 1, 4 e 6, dos estatutos da OL..., a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra decisão que declare e julgue integralmente procedente o direito de preferência da Interveniente Principal O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA à aquisição da quota representativa de 20% do capital da OL... em causa, pelo montante de EUR 24.750,00, com prevalência dos direitos de preferência da Autora e demais Intervenientes Principais, ordenando-se o cancelamento do registo de aquisição a favor da Ré Cr..., SA e o seu registo a favor da Interveniente Principal O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA.
313. Caso assim não se entenda, subsidiariamente, sempre haverá que ordenar a licitação entre a Autora e os Intervenientes Principais, porquanto esta pretensão sim foi deduzida e formulada nos autos, ainda que a Interveniente Principal O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA entenda que o exercício do seu direito de preferência próprio prevalece, desde já (sem conceder).
Em face do exposto, presente recurso dfeve ser julgado integralmente procedente e, em consequência:
(i) a título principal, deve ser declarada a nulidade da sentença recorrida (artigo 615.º, n.º 1 - als. d) e e) in fine, do CPC);
(ii) ainda a título principal, a sentença recorrida deve ser substituída por outra que declare e julgue integralmente procedente o direito de preferência da Interveniente Principal O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA à aquisição da quota representativa de 20% do capital da OL... em causa, pelo montante de EUR 24.750,00, com prevalência dos direitos de preferência da Autora e demais Intervenientes Principais, ordenando-se o cancelamento do registo de aquisição a favor da Ré Cr..., SA e o seu registo a favor da Interveniente Principal O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA; e
(iii) Caso assim não se entenda, subsidiariamente, sempre haverá que ordenar a licitação entre a Autora e os Intervenientes Principais, porquanto esta pretensão sim foi deduzida e formulada nos autos, ainda que a Interveniente Principal O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA entenda que o exercício do seu direito de preferência próprio prevalece.
*
Vieram as RR. C... e Cr..., SA interpor recurso, que remataram com as seguintes conclusões:

1ª. A audiência prévia, prevista no art. 591º do CPC, visa o objectivo fundamental de materializar os princípios gerais da justa composição do litígio, do contraditório, da cooperação e da imediação; dada a sua importância central no processo, é entendimento pacífico que a regra é a da obrigatoriedade da sua realização.
2ª. A não realização da audiência prévia apenas pode verificar-se em duas situações excepcionais: quando a lei assim o estabeleça, o que sucede nas hipóteses taxativamente previstas no art. 592,º, n.º 1, do CPC e quando o juiz dispense a sua realização, ao abrigo do art. 593.º, n.º 1, ambos do CPC.
3ª. No caso dos não se verifica nenhuma das hipóteses em que está prevista a dispensa legal de audiência prévia, pelo que o tribunal a quo, sem prévia audição das partes, por despacho de 2-11-2022 dispensou ilegalmente a realização de audiência prévia.
4ª. Com resulta do despacho em apreço, o tribunal pretendia conhecer imediatamente, como efectivamente conheceu, da excepção peremptória de ineficácia da cessão da quota por falta de consentimento da sociedade, pelo que impunha a convocação da audiência prévia para facultar às partes a discussão de facto e de direito (art. 591.º, n.º 1, al. b) do CPC), independentemente do sentido da decisão projectada.
5ª. Sempre que, como é o caso, o juiz projecte conhecer, total ou parcialmente, do mérito da causa no despacho saneador, seja quanto ao pedido seja quanto a alguma excepção peremptória, (art. 595.º, n.º 1, al. b) do CPC), a convocação da audiência prévia é um acto vinculado e obrigatório.
6ª. Mesmo que se entenda que a excepção material em apreço sobre que recaiu a decisão de mérito foi objecto de suficiente debate nos articulados – o que, com o devido respeito, não se concede – ainda assim a dispensa de audiência prévia teria de ser precedida de prévia auscultação das partes, nos termos do disposto nos arts. 3.º, n.º 3, e 6.º, n.ºs 1 e 3, do CPC – cfr., Ac. RL de 9.10.2014, Proc. n.º ...2.
7ª. O princípio noético do processo equitativo, previsto expressamente para o processo civil no n.º 4 do art. 20.º da CRP, constitui o alfa e o ómega do dever de adequação formal, legitimando-o e limitando-o simultaneamente, pelo que, qualquer despacho proferido ao abrigo do dever de adequação formal deve cumprir as garantias constitucionais pelas quais se concretiza o princípio do processo equitativo, nomeadamente o princípio da audiência prévia e do contraditório.
8ª. Diga-se, ainda, por dever de cautela, que mesmo que ao tempo da prolação do despacho recorrido o valor fixado para a causa fosse de € 1.500,00, a complexidade da acção sub judice, e a consequente necessidade de adequação dos actos processuais ao seu julgamento, justificavam a observância de uma tramitação similar à definida para as acções cujo valor exceda metade da alçada da Relação; e mesmo que assim não fosse, a dispensa da audiência prévia não podia ser decidida antes que as partes fossem ouvidas a esse respeito.
9ª. A não convocação da audiência prévia, sem que tenha sido precedida de audição das partes, integra uma nulidade processual inominada, (art. 195.º, n.º 1, CPC), (cfr., inter alia, Acs. RC de 4.5.2004, Proc. n.º ...4, e de 19.12.2012, Proc. n.º 132/12....), devendo, portanto, ser anulado o despacho em crise e todos os actos subsequentes.
10ª. Apresentado requerimento em 16.11.2020 (ref: ...59) com a reclamação do despacho que identificou o objecto do litígio e enunciou os temas de prova, onde as RR. pugnaram pelo alargamento do objecto do litígio e pelo aditamento aos temas de prova, veio a recair o despacho de 21-12-2020 que, sem se ter pronunciado expressamente sobre a matéria da identificação do objecto do litígio, determinou o aditamento aos temas de prova, julgando, no mais, a reclamação improcedente, pelo que, nos termos do disposto no art. 644º, n.º 3, do CPC, a parte desfavorável desse despacho foi objecto de impugnação deferida, nos termos e com os fundamentos alegados supra sob a epígrafe B).
11ª. O despacho previsto no art. 596º do CPC tem por função a condensação do objecto do processo, delimitando o objecto do litígio e fixando os temas de prova.
12ª. Na identificação do objecto do litígio, o despacho em apreço consiste na explicitação dos pedidos deduzidos sobre os quais haja controvérsia e das questões fundamentais (causas de pedir e excepções) que se encontram controvertidas e servirão para orientar, num momento subsequente, a actividade probatória.
13ª. Não é por isso admissível um pré-julgamento, cujo resultado se possa  antecipar através da conformação do objecto do litígio, o qual, por seu turno, ditará o  ambito dos temas de prova.
14ª. Os temas de prova são instrumentos de organização dos factos da acção e da defesa, relevantes para a audiência final, em particular os que integram a causa de pedir e os que fundam as excepções, segundo as várias soluções plausíveis das questões de direito, independentemente do entendimento do juiz sobre qual deva ser a solução jurídica da causa; o juiz também deve, por isso, seleccionar os temas de prova que interessem a outra via de solução possível do litígio.
15ª. A não abrangência pelos temas de prova enunciados de factos essenciais  relativos à causa de pedir ou às excepções deduzidas acarreta a anulação da decisão – cfr., Ac. RG de 17.12.2014, Proc. n.º 2777/12.1TBBRG.G1.
16ª. O despacho de fls. … omitiu pontos relevantes quer quanto ao objecto do litígio quer quanto aos temas de prova.
17ª. Tendo em conta as posições assumidas nos autos pelas Rés, há que incluir na identificação do objecto do litígio as questões suscitadas, em sede de excepção, da ilegalidade da cláusula estatutária de preferência (arts. 196.º a 210.º da contestação), da falta de eficácia real do direito de preferência e do negócio fiduciário (art. 107.º e ss. da contestação, e arts. 86.º a 103.º da oposição aos articulados apresentados pelos intervenientes principais).
18ª. No que respeita aos temas de prova, pela sua manifesta relevância para as soluções plausíveis da causa, deve ser incluída nos temas de prova a materialidade alegada pelas RR. relativamente à natureza fiduciária da cessão de quota.
19ª. A omissão de pontos relevantes quanto ao objecto do litígio, e a não inclusão nos temas de prova de factos relativos às excepções deduzidas acarreta a anulação da decisão – cfr., Ac. RG de 17.12.2014, Proc. n.º ...2.
20ª. A A. não requereu a intervenção principal provocada da A..., razão por que não  foi ordenada a sua citação; o que a A. requereu foi a intervenção principal da A... e, nessa conformidade, foi ordenada a sua citação.
21ª. Citada, a A... não apresentou articulado próprio, não declarou aderir aos articulados da A., assim como não interveio nos autos fosse de que modo fosse.
22ª. Em seu lugar, apresentou-se a intervir A..., Lda, invocando, para tanto, ter  sucedido nas posições activas e passivas da A... por força de uma cisão simples desta sociedade.
23ª. Sucede que, transmitida por acto entre vivos a coisa ou direito litigioso, o transmitente ou cedente continua a ter legitimidade para a causa, enquanto o adquirente ou cessionário não for, por habilitação, admitido a substitui-lo (art. 263.º, n.º 1 do CPC).
24ª. Ao tempo em que formulou a sua petição, declarando querer exercer a  preferência, A..., Lda não tinha sido (como, de resto, não foi até à data) julgada habilitada a substituir a A..., pelo que, sobre ser parte ilegítima na acção, o articulado apresentado pela AO não é apto, nem idóneo, para produzir qualquer efeito material ou processual - cfr. Ac. Rel. Lisboa de 2.10.2007, Proc. n.º ...07.
25ª. Acresce que, por força da cisão, A..., Lda sucedeu nas posições activas e passivas que a A... detinha na OL..., nelas incluídas, portanto, a quota de que a A... era titular na OL....
26ª. A aquisição de activos, através de uma operação de cisão, integra uma transmissão entre vivos, pelo que, juridicamente qualificada, a transmissão para A..., Lda da participação social da A... na OL..., coenvolvida na operação de cisão, configura uma cessão de quota.
27ª. Nas sociedades por quotas, como é o caso da OL..., a cessão de quota está obrigatoriamente sujeita a registo (arts. 3.º, n.º 1, al. c), e 53.º A, n.º 5, al. a) do CRC).
28ª. Porém, à data em que apresentou o seu articulado próprio, A..., Lda não constava (como ainda não consta) no registo comercial como sujeito activo da aquisição de quota representativa do capital social da OL... (cfr., certidão comercial da OL... junto como doc. n.º ... na petição da A...), pelo que a falta de registo da cessão de quota da A... a favor da A... importa a ineficácia da mesma perante a OL... (art. 242º-A do CSC).
29ª. O art. 242.º-A do CSC prevalece “sobre o princípio da livre invocabilidade entre  as partes de factos sujeitos a registo ainda que não registados, consignado no n.º 1 do art. 13.º do CRC” - Ac. RG de 8.10.2015 (Proc. n.º ...2).
30ª. Além de ineficaz relativamente à OL..., a cessão de quota a favor da A... enferma do mesmo vício em relação a todos os terceiros (art. 168º, n.º 1, do CSC e art. 14º, n.º 1, do CRC); donde, A..., Lda não pode opor a terceiros a cessão de quota se o acto não estiver registado, mas os terceiros podem prevalecer-se desse acto, cujo registo e publicação não tenham sido efectuados, se isso for do seu interesse – cfr., Ac. STJ de 18.5.99, CJ, STJ, ano 7, t.2, pg. 92, em especial pg. 94, in fine; M. Henrique Mesquita, RLJ, ano 133.º, pg. 303.
31ª. Ao contrário do que sucede no registo predial, para efeitos de registo  comercial, terceiro é quem não é parte no facto sujeito a registo, seu herdeiro ou representante – cfr., Ac. STJ de 15.3.2012, Proc. n.º ...6, Ac. RC de 12.2.2008, Proc. n.º ...7; A. Soveral Martins, “Falta de registo ou publicação”, in CSC em Comentário (coord: Coutinho de Abreu), vol. II, 2.ª ed., pgs. 719-720.
32ª. Uma vez que as Rés não foram parte na cessão de quota da A... à A..., são terceiros relativamente a esse negócio jurídico, pelo que a cessão de quotas a favor da A... não produz efeitos em relação às Rés, assim como é ineficaz relativamente a todos os outros terceiros e à OL....
33ª. Na data em que A..., Lda manifestou em articulado próprio a intenção de exercer   preferência, não podia, válida e eficazmente, invocar a qualidade de sócio, em razão da falta de registo da cessão de quota.
34ª. Sendo, como é, a qualidade de sócio condição sine qua non para que se possa exercer a preferência, também por este ângulo complementar de análise fica demonstrada a ilegitimidade da A....
35ª. Nos autos, entre o mais, as RR. suscitaram as seguintes questões, sobre as quais os tribunal a quo não se pronunciou, como lhe competia:
a) Natureza fiduciária da cessão de quota (cfr., art. 171.º e ss da contestação à petição da A., e arts. 66.º a 103.º da contestação às petições dos intervenientes);
b) Inexistência do direito convencional de preferência (arts. 163.º a 195.º da contestação);
c) Ilegalidade da cláusula estatutária de preferência (arts. 196.º a 210.º da contestação);
d) Falta de eficácia real do direito de preferência (arts. 211.º a 223.º da contestação);
e) Renúncia ao direito de preferência (arts. 224.º a 236.º da contestação);
f) Nulidade do despacho proferido em 2.11.2020 que dispensou a realização de audiência prévia (cfr., requerimento de 16.11.2020, ref: ...62);
36ª. Nos termos da al. d), do n.º 1 do art. 615.º do CPC, a decisão é nula quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, o que constitui a sanção para a violação do disposto na 1.ª parte do art. 608.º, n.º 2, do mesmo diploma, onde se estabelece que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.”
37ª. Quer a arguida nulidade do despacho de dispensa de audiência prévia, quer as excepções invocadas pelas Rés nos articulados (elencadas supra), oportuna e tempestivamente por si suscitadas, constituem questões submetidas ao Tribunal a quo, que, como tal, tinha o dever de sobre elas emitir pronúncia; omitindo esse dever de pronúncia, incorreu no vício de omissão de pronúncia, determinante de nulidade da decisão recorrida.
38ª. Nos termos do disposto no n.º 1 do art. 613.º do CPC, “proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa”, princípio aplicável aos despachos, por força do disposto n.º 3 do mesmo preceito.
39ª. Em 11.12.2019 (Ref: ...79), o tribunal a quo proferiu o seguinte despacho: “Perante a intenção dos demais titulares do direito de preferência na compra e venda da quota em questão nos autos, designo o dia 28-1-2020 para se proceder a licitação entre todos, incluindo, naturalmente, a A., nos termos dos artigos 1037.º, n.º 1 e 1032.º, n.ºs 1 a 3 CPC. Notifique”.
40ª. A interveniente O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA suscitou a nulidade do agendamento da diligência de licitação para o dia 28.1.2020 (cfr., arts. 119.º a 130), tendo sido sobre ela proferido despacho em 22.1.2020, com o seguinte teor: “A O..., S. A., veio a fls 367 e ss requerer que se dê sem efeito a audiência de licitação para permitir às partes que se pronunciem sobre a invocada nulidade do seu agendamento, dado o prazo terminar na véspera e ainda ser possível às partes pronunciarem-se para lá daquela data, com o pagamento de multa.
A A. AA veio secundá-la por requerimento de fls. 369.
Efectivamente, assim é. Pelo que, para evitar a deslocação inútil de todos os intervenientes para a diligência de licitação já que não pode o tribunal decidir as invocadas nulidades sem estar cumprido o contraditório, dou sem efeito a agendada diligência até decisão das nulidades invocadas pela O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA e pelas RR C... SGPS, SA e Cr..., SA”.
41ª. Por despacho de 27.2.2020, foi ordenada a notificação das partes para, entre o mais, se pronunciaram sobre as nulidades invocadas, relativamente à marcação da diligência para o dia 28.1.2020, tendo o tribunal a quo decido no despacho saneador que “A invocada nulidade do despacho que agendou diligência de licitação, nos termos do artigo 195.º, n.º 1 do CPC alegando que foi cometida irregularidade que pode influir no exame ou decisão da causa, já foi decidida ao ter sido dada sem efeito a marcação e permitido aos sócios co-AA pronunciarem-se”.
42ª. Posteriormente, sobre o requerimento da A. de 9.6.2021 (ref. ...53), onde requeria esclarecimento sobre o momento em que a licitação teria lugar, o tribunal a quo decidiu que “Quanto ao requerimento de fls 598 e fls 600, nada há a decidir, uma vez que já foi apreciado em sede de despacho saneador e aquando do despacho proferido relativamente ao acórdão do 1.º recurso” – cfr., acta de audiência de julgamento de 17.6.2021.
43ª. É inquestionável que apenas foi dado sem efeito o agendamento da licitação; já quanto à realização da licitação nada se decidiu, nem tinha de se decidir, pois decidido estava pelo referido despacho de 11.12.2019.
44ª. Tendo efectivamente determinado, por despacho de 11.12.2019, a realização de licitação entre a A. e os Co-AA Intervenientes, esgotou-se o poder jurisdicional do Tribunal a quo.
45ª. Porém, tendo sido proferida sentença, que, em proposição antagónica com a finalidade da licitação, veio atribuir o direito de preferência à A. e aos Intervenientes Principais em conjunto, o tribunal a quo alterou aquele despacho de 11-12-2019 que determinou a realização de licitação, revogando-o.
46ª. Com efeito, a sentença recorrida, ao atribuir em conjunto o direito de preferência, revoga a parte dispositiva do despacho de 11.12.2019 (determinação da realização de licitação), radicando-se numa mudança de fundamentos que conduzem a efeitos, materiais e processuais, opostos.
47ª. Uma vez prolatada a decisão de realização de licitação, o poder jurisdicional do Tribunal a quo extinguiu-se, e, por isso, a sentença de fls. …, que, alterando aquele despacho, atribui o direito de preferência em conjunto, é juridicamente inexistente.
48ª. A coerência lógica e compatibilidade das respostas à matéria de facto constitui um dever da 1.ª instância, sendo motivo de anulação da sentença, por parte da Relação, a verificação de contradição intrínseca entre determinados pontos da matéria de facto (arts. 607.º, n.º 4, 662.º, n.º 2, al. c) e n.º 3, al. b), do CPC); em simetria, o art. 682.º, n.º 3, do CPC interpela o Supremo para a necessidade de determinar a baixa do processo à Relação quando “ocorram contradições na obre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito”.
49ª. Em regra, a contradição reporta-se à matéria de facto dada como provada, mas é também relevante a contradição entre factos provados e não provados, sempre que as respostas não tiverem acolhido factualidade que constitui antecedente lógico necessário da resposta afirmativa – cfr., Ac. STJ de 20.5.2010, Proc. n.º 2655/04, e J. Lebre de Freitas, CPC Anotado, vol. II, pg. 631.
50ª. A contradição na decisão de facto releva-se impeditiva da aplicação do direito sempre que determine a ilogicidade de qualquer decisão, pois qualquer que ela fosse sempre seria contrariada por factos considerados provados, sendo de conhecimento oficioso – cfr., v.g., Acs. STJ de 20.5.2010, Proc. n.º 2655/04, e Ac. STJ de 26.5.2015, Proc. n.º 269/12.
51ª. A sentença recorrida revela contradições entre os factos provados, as quais inviabilizam a inclusão da matéria factual adquirida na fattispecie das normas aplicáveis, prejudicando, nessa medida, decisivamente a solução jurídica da causa.
52ª. Com efeito, reportando-se à assembleia geral da OL... de 16.11.2017 (cfr., ponto 13.º dos factos provados), a decisão recorrida deu como provado que:
- “A autora, na completa ignorância da realização de tal negócio, supôs que a “Cr..., SA” fosse a nova denominação social da sócia “C...” e que se mantivesse, portanto, a titularidade daquela quota na mesma pessoa jurídica” (ponto 17 dos factos provados);
- “Depois de finda a assembleia, veio a verificar pela consulta da certidão permanente da sociedade que tinha ocorrido a já identificada transmissão” (ponto 18 dos factos provados);
- “No dia 23 de Novembro de 2017 fez diligências junto da Conservatória do Registo Comercial ... e obteve cópia dos documentos destinados a instruir o depósito 123/2016.04.27, pelo qual se inteirou, pela primeira vez, dos respectivos termos e condições daquele negócio e, nomeadamente, do preço” (ponto 19 dos factos provados);
- “A primeira vez que a A.../A...1- Investimentos, LDA., teve conhecimento de que a Cr..., SA era titular da quota antes detida pela C... na OL... foi na assembleia geral de 16 de Novembro de 2017 […]” (ponto 20 dos factos provados);
- “Assumindo, nessa altura, que de uma mera alteração de denominação societária se tratava” (ponto 21 dos factos provados);
- “Com a presente ação a A... e a O... SGPS, Lda, tiveram conhecimento de que a sucessão da Cr..., SA à C... tinha tido como base a alienação da quota e, mais concretamente, os termos desse negócio” (ponto 22 dos factos provados);
Simultaneamente, na decisão recorrida dá-se como provado que:
- “Fruto do bom relacionamento que até há pouco tempo existiu entre todos os sócios e os seus descendentes, todos os actos que se prendiam com a gestão da sociedade, com o relacionamento entre os sócios no âmbito da relação societária, com a realização de assembleias-gerais, com as substituições dos membros dos corpos sociais e com as alterações na titularidade das quotas sempre se pautaram pela cordialidade, consensualidade e informalidade” (ponto 24 dos factos provados);
- “Foi nesse contexto que no início de Março de 2016, durante uma reunião que se realizou com os representantes dos cinco ramos familiares que eram sócios da OL..., estando a A. represando pelo seu filho KK e a F... SGPS, SA por JJ, o Dr EE informou todos os presentes da intenção de o seu ramo familiar, encabeçado pelo seu pai, EE, pretender transferir a quota que detinham através da C... para uma outra sociedade, a Cr..., SA” (ponto 25 dos factos provados);
- “Tendo explicitado nessa altura que: i) a operação visava tão-somente reestruturar o modo de participação do seu ramo familiar na OL...; ii) a projetada cessão de quota mantinha inalterada a natureza fechada da OL... e a posição paritária de todos os ramos familiares no seu capital social; iii) atenta a finalidade do projecto de operação, a cessão de quota seria feita por um valor simbólico muito inferior ao seu valor real” (ponto 26 dos factos provados);
- “Em face dessa comunicação sobre os termos e circunstâncias da projetada transmissão, todos os sócios, sem exceção, deram-lhe o seu pleno assentimento, sem que tivesse sido manifestada qualquer reserva, designadamente de um ulterior exercício de direito de preferência relativamente à cessão da quota” (ponto 27 dos factos provados);
- “Na assembleia-geral da OL... realizada a 16 de Novembro de 2017, todos os sócios, bem como os seus representantes que nela participaram, já tinham inteiro e perfeito conhecimento de que a Cr..., SA era a detentora da quota que anteriormente pertencera à sociedade C... e não levantaram a mínima reserva ou obstáculo a que o seu representante nela participasse, discutisse e deliberasse sobre os factos constantes da ordem de trabalhos” (ponto 28 dos factos provados).
53ª. As transcritas respostas à matéria de facto evidenciam a existência de uma manifesta contradição entre, de um lado, os factos 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º e 22.º, e, do outro, os factos 24.º, 25.º, 26.º, 27.º, e 28.º.
54ª. O Tribunal a quo considerou provado que, na assembleia geral de 6.11.2017, a A. e os demais sócios da OL... (ou seja, os AA – Intervenientes) ignoravam o projecto e os termos da cessão de quota da C... à Cr..., SA, supondo que esta última fosse a nova denominação social daquela; porém, em simultâneo, deu como provado que, em reunião ocorrida no início de Março de 2016: (i) a C..., representada pelo Dr. EE, comunicou a todos os demais sócios aí presentes a intenção de transmitir a sua quota à Cr..., SA  por um valor meramente simbólico muito inferior ao seu valor real (factos 25.º e 26.º), (ii) “em face dessa comunicação sobre os termos e circunstâncias da projetada transmissão, todos os sócios, sem exceção, deram-lhe o seu pleno assentimento, sem que tivesse sido manifestada qualquer reserva, designadamente de um ulterior exercício de direito de preferência relativamente à cessão da quota (facto 27.º), (iii) “na assembleia-geral da OL... realizada a 16 de Novembro de 2017, todos os sócios, bem como os seus representantes que nela participaram, já tinham inteiro conhecimento de que a Cr..., SA era a detentora da quota que anteriormente pertencera à sociedade C... (facto 28.º).
55ª. Por referência à mesma data e ocasião (assembleia-geral de 16.11.2017), o tribunal a quo deu como provado, por um lado, o desconhecimento pelos sócios da cessão de quota, e, por outro lado, considerou como provados os factos opostos do conhecimento desse negócio, cujo projecto e termos foi comunicado, em reunião ocorrida no início de Março de 2016, pelo representante da C... a todos os demais sócios da OL... aí presentes os quais, em face de tal comunicação, “deram-lhe o seu pleno assentimento”, declarando não querer exercer a preferência.
56ª. São factos contraditórios, dados igualmente como provados, contradição que impede, por si só, a determinação e fixação do regime jurídico aplicável ao litígio, pois fosse qual fosse a decisão de direito sempre seria contrariada pela factualidade considerada provada, pelo que o Tribunal ad quem não dispõe de base factual que lhe permita aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.
57ª. Em razão das apontadas contradições na decisão da matéria de facto, e tendo presente de que se trata de factualidade essencial para se conhecer do mérito da causa (designadamente, em sede de caducidade do direito de acção e de renúncia ao direito de preferência) deve ser anulada a sentença recorrida e ordenada a integral repetição do julgamento.
58ª. A sentença recorrida revela também uma ostensiva contradição entre os factos provados e não provados: dão-se como não provados factos que constituem pressuposto lógico necessário das respostas afirmativas contidas nos pontos 25, 26, 27 e 28 da matéria de facto.
59ª. Essa contradição intrínseca entre a matéria de facto provada e não provada inviabiliza também a solução jurídica do pleito, pelo que, em conclusão, deve ser anulada a decisão recorrida e determinada a remessa dos autos à 1.ª instância para se proceder a novo julgamento e subsequente decisão de mérito.
60ª. Nos termos do disposto no art. 155.º do Cód. Proc. Civil, as provas produzidas oralmente em audiência de discussão e julgamento foram registadas em suporte áudio – cfr. actas de audiência de discussão e julgamento de 17-6-2021 (referência Citius n.º ...), de 28-10-2021 (referência Citius n.º ...) e de 30-11-2021 (referência Citius n.º ...).
61ª. O Tribunal da Relação é um órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, cabendo-lhe decidir sobre a matéria de facto submetida à sua apreciação com base numa valoração autónoma dos meios de prova utilizados pelo Tribunal a quo para fundamentar a sua decisão, podendo, in casu, devendo, alterar a decisão do Tribunal recorrido sobre a matéria de facto, de acordo com o disposto nos arts. 640º, nºs 1 e 2 e 662º, nºs 1 e 2, do CPC.
62ª. À luz da vontade expressa pelo legislador, a reapreciação da matéria de facto  em sede de recurso, mormente pelo recurso à reapreciação dos depoimentos prestados em julgamento e constantes da prova gravada, tem de ser absoluta e sem qualquer restrição, sob pena de ficar colocado em causa o duplo grau de jurisdição consignado no art. 640.º do CPC e de, com uma interpretação mais restritiva nesse sentido deste normativo, se mostrar violado o art. 20.º da CRP – cfr., Ac. STJ de 5.1.16, Proc. n.º 36/09.6TBLMG.C1.S1, Ac. STJ de 14.2.12, Proc. n.º 6823/09.3TBBRG.G1.S1, Ac. STJ de 10.1.12, Proc. n.º 1452/04.5TVPRT.P1.S1, Ac. STJ de 5.6.12, Proc. n.º 5534/04.5 TVLSB.L1, Ac. STJ de 6.7.11, Proc. n.º 8609/03.4TVLSB.L1.S1, Ac. STJ de 25.11.08, Proc. n.º 08A3334, Ac. STJ de 13.4.11, Proc. n.º 1724/04.9TBBCL.G1.S1; vd., tb., Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, pg. 225.
63ª. Daí que qualquer interpretação mais restritiva do art. 640.º do CPC seja manifestamente inconstitucional por violação do art. 20.º da CRP e do direito a um duplo grau de jurisdição aí consagrado;
64ª. Resulta da certidão permanente da O... S.G.P.S, Lda. de fls. … que na sua  constituição estiveram as sociedades comerciais denominadas A... SGPS, SA, C... SGPS, SA, F..., S. A., O... SGPS, SA e a J... – I..., SGPS, SA.
65ª. Cada uma dessas sociedades sócias pertencia a cada um dos cinco irmãos, e correspondentes famílias, que estiveram na génese da fundação da OL..., que as dominavam e controlavam.
66ª. E cada um dos cinco irmãos (rectius sociedade dominada por cada um dos cinco irmãos) detinha uma quota representativa de 20% do capital social da OL..., que era, e é, portanto, uma sociedade de cariz familiar, sempre orientada e gerida segundo princípios de cordialidade, consensualidade e informalidade.
67ª. Foi sob o manto dos enunciados princípios de gestão que, em Março de 2016, a propósito da necessidade de os vários elementos de cada um dos ramos das cinco famílias discutirem uma questão que envolvia um investimento avultado na REN, a C... transmitiu a todos os presentes pela voz do seu legal representante EE as razões que a levavam a ter que transmitir a sua participação social na OL... para uma outra sociedade.
68ª. Tendo, para o efeito, explicitado que a operação visava apenas reestruturar o modo de participação do seu ramo familiar na OL...; que a projectada cessão de quota mantinha inalterada a natureza fechada da OL... e a posição paritária de todos os ramos familiares no seu capital social; e que, atenta a finalidade do projecto de operação, a cessão de quota seria feita por um valor meramente simbólico, muito inferior ao seu valor real.
69ª. Assim transmitida aos seus sócios e aos representantes das suas sócias a  decisão de transmissão da quota na OL..., nem a A., nem nenhum outro sócio ou sócia, designadamente as sociedades comerciais intervenientes, colocaram qualquer reserva, pediram explicações ou se opuseram, pelo que consentiram na cessão da quota.
70ª. Por essa razão, na assembleia-geral da OL... realizada em 16-11-2017, todos os sócios, bem como os seus representantes que nela participaram, já tinham inteiro e perfeito conhecimento de que a Cr..., SA era a detentora da quota que anteriormente pertencera à sociedade C....
71ª. Tendo mantido inalterada a anterior postura, não suscitaram a mínima reserva ou obstáculo a que o representante da Cr..., SA nela participasse, discutisse e deliberasse sobre os assuntos constantes da ordem de trabalhos.
72ª. O Tribunal a quo julgou incorrectamente a matéria fáctica contida dos pontos 9, 10, 11, 12, 17, 18, 19, 20, 21 e 22 dos factos elencados como provados na sentença recorrida, seja porque estão em oposição com os depoimentos prestados em juízo e objecto de gravação, seja porque não têm suporte em qualquer outro meio probatório constante dos autos, devendo, em consequência, ser dados como não provados.
73ª. Por identidade de fundamentos, devem ser eliminados dos factos não provados as alíneas C, E, F, G e H.
74ª. Para assim se concluir, há que ter em consideração os seguintes depoimentos prestados em audiência de julgamento, cujas extratações, reproduzidas no corpo da alegação, se dão aqui por reproduzidas em nome dos princípios da celeridade e da economia processual:
- EE, legal representante da C..., por depoimento prestado na sessão da audiência de julgamento que teve lugar no dia 17-6-2021, e que se encontra gravado no sistema de gravação integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, com início às 14 horas e 28 minutos e termo às 15 horas e 34 minutos – vd., Acta com a referência Citius n.º ...);
- LL, testemunha, por depoimento prestado na sessão da audiência de julgamento que teve lugar no dia 17-6-2021, e que se encontra gravado no sistema de gravação integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, com início às 15 horas e 36 minutos e termo às 15 horas e 50 minutos – vd., Acta com a referência Citius n.º ...);
- JJ, testemunha, (depoimento prestado na sessão da audiência de julgamento que teve lugar no dia 28-10-2021, e que se encontra gravado no sistema de gravação integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, com início às 15 horas e 19 minutos e termo às 15 horas e 56 minutos – vd., Acta com a referência Citius n.º ...);
- MM, testemunha, por depoimento prestado na sessão da audiência de julgamento que teve lugar no dia 28-10-2021, e que se encontra gravado no sistema de gravação integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, com início às 15 horas e 58 minutos e termo às 16 horas e 20 minutos – vd., Acta com a referência Citius n.º ...);
- II, legal representante da A... (A..., Lda I..., Lda), por depoimento prestado na sessão da audiência de julgamento que teve lugar no dia 30-11-2021, e que se encontra gravado no sistema de gravação integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, com início às 14:42:59 e termo às 14:59:28 – vd., Acta com a referência Citius n.º ...).
75ª. Desses todos esses depoimentos retira-se que, em reunião havida em Março de 2016, onde estavam presentes todos os cinco ramos da família, únicos detentores da totalidade do capital social da OL... – onde se incluía a própria A. –, os mesmos, ao conhecer essa decisão de transmissão e os motivos que a determinaram, nada disseram no sentido de se opor, colocar reservas ou pedir esclarecimentos, como, igualmente, nenhuma manifestação tiveram no sentido de exercer o direito de preferência na transmissão, comportamentos esses naturalmente concludentes no sentido da desnecessidade de obter consentimento quer deles próprios quer da própria OL..., já que a sua vontade, dela, OL..., não era distinta de cada uma das vontades dos seus sócios, quer individualmente considerados, quer no seu conjunto.
76ª. A A., e o restante universo de sócios da OL..., tinham perfeito conhecimento e, portanto, estavam devidamente inteirados dos pressupostos necessários para, querendo – mas que não quiseram – exercer o direito de preferência na transmissão da quota de 20% do capital social detido pela C... na OL... para a Cr..., SA.
77ª. Por outro lado, considerando o modo por que qualquer um dos membros integrantes dos cinco ramos da família se relacionava no universo societário que partilhavam, relativamente a assuntos que envolviam os seus interesses e os interesses das suas sociedade comerciais, maxime na OL... – pautados por cordialidade, consensualidade e, fundamentalmente, informalidade (cfr. neste sentido o n.º 24 dos factos provados), nunca se colocou a questão da necessidade de obter qualquer deliberação de consentimento da própria OL... para a transmissão da quota.
78ª. Em conformidade com o teor dos depoimentos, quer de parte quer testemunhais, vindos de extractar, deve ser dado como provado que:
- Todos os sócios da OL..., especialmente a A. e as sociedades comerciais intervenientes nos autos, foram informadas pela C... em reunião havida em Março de 2016 convocada para tratar de assuntos relacionadas com a REN, da futura transmissão da quota representativa de 20% do capital social detido na OL... para uma outra sociedade, continuando a quota a transmitir sob o controle e domínio dos então accionistas da C... (EE, a sua mulher II, e os seus filhos NN e BB), do ramo da família “DD”.
- À semelhança de situações similares ocorridas anteriormente noutros ramos da
família, os sócios da OL..., e a própria OL..., bastavam-se com essa informação, por ser a suficiente, razão por que não houve necessidade de perguntar, nem de transmitir, a identidade da sociedade cessionária, a indicação do preço e demais termos ou condições do negócio, bem com a obtenção de consentimento pela OL... através de deliberação formal tomada em assembleia-geral.
79ª. A A., à semelhança de todos os seus familiares detentores do capital social da OL..., sabia desde Março de 2016 da realização do negócio de transmissão da quota de 20% que a C... detinha na OL... para a Cr..., SA, bem como das razões que o tinham determinado.
80ª. Em conformidade com o teor dos depoimentos, quer de parte quer testemunhais, vindos de extractar no corpo da alegação, e que, igualmente em nome dos princípios da celeridade e economia processuais se dão por reproduzidos, deve ser dado como provado que:
- A A., e as sociedades intervenientes nos autos, sabiam desde Março de 2016, e por isso não podiam ignorar, que a C... tinha transmitido a sua quota de 20% no capital social da OL... para outra sociedade comercial, a Cr..., SA, pelo que a referida quota não se mantinha na titularidade da mesma entidade jurídica e não tinha havido uma mera alteração na denominação social da C....
81ª. Em decorrência da anterior conclusão, os n.ºs 17, 18, 19, 20, 21 e 22 devem ser eliminados da factualidade considerada prova pela sentença recorrida.
82ª. Devem ser eliminadas dos factos não provados as alíneas A, B, C, D, E, F, G e H.
83ª. Em consequência das propugnadas alterações da matéria de facto apurada, que confiadamente se espera que sejam atendidas, deverá a acção improceder, na medida em que não resulta demonstrado que a R. tenha cedido a sua quota social na OL... à revelia e com o desconhecimento da A. e das sociedades comerciais intervenientes nos autos.
84ª. Está cabalmente demonstrado que a A. e as sociedades comerciais  intervenientes nos autos foram informadas dessa cessão, tendo-se bastado com essa comunicação verbal para a consentir, como realmente consentiram, e não quiseram exercer qualquer direito de preferência.
85ª. A matéria de facto consiste no conjunto da materialidade controvertida ou não, que as partes carreiam para o processo, e que consideram relevantes para o Tribunal emitir decisão final quanto ao pedido ou pedidos que lhe são dirigidos (cfr., v.g., arts. 5.º, n.º 2, 411.º, 552.º, n.º 1, al. d), 572.º, al. c) e 607.º, n.º 4, todos do CPC).
86ª. Daí que a matéria de facto dada como provada ou não provada só possa integrar factos concretos, materiais; a prova no processo judicial só pode recair sobre factos, e, por isso, as afirmações formadas por juízos conclusivos, valorativos ou de direito são, por natureza, insusceptíveis de ser provadas.
87ª. O conteúdo do ponto 35 da matéria de facto dada como provada encerra uma asserção conclusiva: dar-se como provado que “a R. Cr..., SA não é controlada nem detida por membros da família O..., designadamente, pelos membros que controlam a R. C...”, não corresponde a um acontecimento do mundo empírico susceptível de percepção directa; é antes uma conclusão que só poderia ser extraída de factos que a sustentassem – rectius: a concreta identificação dos sócios de uma e outra das sociedades.
88ª. O enunciado no ponto 35.º da matéria de facto provada é o resultado de um processo mental no qual o Tribunal a quo terá ponderado factos naturalísticos mas que não constam da dita afirmação, permanecendo ocultos; só os dados empíricos (isto é, a concreta identidade dos sócios) poderão conduzir à conclusão de que a composição social das duas sociedades é diferente. A identidade dos sócios de cada uma das sociedades é, essa sim, de natureza factual; pode ser averiguada empiricamente; não depende do observador, sendo um dado objectivo.
89ª. De igual modo, a resposta contida no ponto 35 dos factos provados não recai sobre matéria factual concreta; trata-se, ao invés, de uma ilação ou inferência que pressupõe uma valoração de factos, que, contudo, não estão enunciados.
90ª. A solução dever ser a desconsideração do ponto 35.º da matéria de facto dada como provada, tudo se passando como se não existisse, devendo por isso ter-se por não escritas as afirmações contidas naquela decisão que incorrem no vício decorrente da violação dessa regra.
91ª. Em face da matéria conclusiva ou valorativa, a intervenção do Tribunal de 2.ª instância não se dá no âmbito do disposto nos arts. 640.º (impugnação da decisão relativa à matéria de facto) ou 662.º do CPC (modificabilidade da decisão de facto); a consequência de uma resposta à matéria de facto se esgotar num juízo conclusivo ou valorativo é ser eliminada pela Relação – cfr., Ac. STJ de 29.4.2015, Proc. n.º 360/12, e Ac. RE de 28.6.2018, Proc. n.º 170/16.
92ª. De acordo com o art. 662.º, n.º 2, al. c) do CPC, a Relação deve, mesmo oficiosamente, anular a decisão proferida em 1.ª instância, quando repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a ampliação desta.
93ª. A decisão é deficiente quando o Tribunal não se pronuncia sobre factos essenciais ou complementares (aqueles que são necessários à procedência da acção ou excepção), e, por essa razão, não se mostrou adquirida a materialidade relevante para a solução jurídica do caso – cfr. Ac. RG de 4.10.2018, Ac. RL de 27.10.2009, Proc. n.º 3084/08, e Ac. RC de 19.2.2013, Proc. n.º 618/12.
94ª. É pacífica a orientação de que a omissão de julgamento de factualidade relevante para a causa importa a anulação da sentença, com vista à ampliação da matéria de facto – cfr. Ac. RG de 10.7.2019, Proc. n.º 130/16, Acs. STJ de 4.7.2013, CJ, STJ, ano 21, t.2, pg. 264, e de 2.4.2019, CJ, STJ, ano 27, t.2, pg. 23; Acs. RG de 2.11.2017, Proc. n.º 1724/15, e de 2.5.2016, Proc. n.º 196/13; Acs. RP de 13.2.2017, Proc. n.º 1961/15, e de 18.11.2019, CJ, ano 44, t.5, pg. 200; Acs. RL de 26.6.2019, Proc. n.º 1184/18, e de 22.3.2018, Proc. n.º 12551/16; Acs. RE de 17.1.2019, Proc. n.º 3328/17, de 24.5.2018, Proc. n.º 2962/16, e de 8.2.2018, Proc. n.º 692/11; na doutrina, vide, por todos, A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, pg. 240.
95ª. Sendo que o vício de insuficiência da decisão de facto é de conhecimento oficioso, e a sua invocação não está sujeita aos requisitos da impugnação da matéria de facto prescritos no art. 640.º, n.º 1, do CPC – cfr., Ac. STJ de 22.3.2018, Proc. n.º 290/12.
96ª. Na decorrência de reclamação deduzida pelas Rés ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 596.º do CPC, por despacho de 21.12.2020 (Refª. ...09) foi aditado aos temas de prova “apurar se o preço fixado para a cessão de quotas da C... para a Cr..., SA é muito inferior ao valor real da quota transmitida.”
97ª. Não obstante a matéria relativa ao valor real da quota ter sido incluída nos temas de prova, o Tribunal recorrido desconsiderou em absoluto na decisão de facto a materialidade alegada a esse respeito pelas Rés, pois da sentença recorrida não consta qualquer facto, provado ou não provado, atinente ao valor da quota.
98ª. O apuramento dessa factualidade é essencial para a decisão de mérito, na medida em que se vier a ser demonstrado, conforme alegado pelas RR., que o valor real da quota excede significativamente o preço convencionado na cessão da quota (€ 1.500,00), o exercício da preferência por esse montante estipulado, configura, juridicamente qualificado, um manifesto abuso de direito, nos termos do art. 334.º do CC).
99ª. Com efeito, é corrente a jurisprudência no sentido de que o exercício do direito de preferência, numa situação em que os preferentes pretendem pagar pela coisa preferenda um preço muito inferior ao valor real, constitui um abuso de direito, por exceder manifestamente os limites impostos pela boa-fé e pelos bons costumes – cfr., inter alia, Acs. STJ de 4.3.97, CJ, STJ, ano 5, t. 1, pg. 122, de 23.9.99, BMJ, 489.º-304, e de 25.11.86, BMJ, 361.º-534; Acs. RP de 20.9.2012 e de 21.11.2005.
100ª. In casu, a concessão da preferência pelo preço convencionado significa a atribuição de uma vantagem que choca o sentimento geral de justiça da comunidade, é atentatório da boa-fé e o princípio da materialidade subjacente, enquanto vectores fundamentais do sistema jurídico, pois a A. e os Intervenientes pretendem exercer a preferência pela importância minguada e irrisória de € 1.500,00, como uma contrapartida efectiva da transmissão de uma quota, que sabem e não podem ignorar valer, no mínimo, € 481.179,37.
101ª. Em suma, ponderando as várias soluções plausíveis de direito, a  materialidade alegada pelas RR. relativamente ao valor da quota (que não foi objecto de qualquer resposta pelo Tribunal a quo) revela-se essencial para a resolução do litígio, pois na hipótese de a acção não ser julgada improcedente, torna-se indispensável ampliar a matéria de facto para se poder decidir se o exercício da preferência pelo preço convencionado constitui abuso de direito.
102ª. O mesmo se diga, mutatis mutandis, relativamente à natureza indirecta e fiduciária do negócio jurídico de cessão da quota invocada pelas Rés nos arts. 171.º e ss. da contestação e desenvolvida na resposta aos articulados dos intervenientes (arts. 66.º a 104.º), pois a matéria de facto alegada a este propósito não foi, contudo, incluída na selecção dos temas de prova, tendo as Rés reclamado a sua inclusão, no que não foram atendidas pelo tribunal a quo (cfr., fls. 513 e ss., e despacho de 21.12.2020).
103ª. O apuramento dos factos integrativos do invocado negócio fiduciário reveste-se de essencialidade para o julgamento da causa, pois, se forem julgados provados, tal obvia ao exercício do direito de preferência pela circunstância de, no rigor dos conceitos, não se ter verificado uma compra e venda ou uma dação em cumprimento, mas apenas uma transmissão temporária e funcionalmente ligada à administração da quota, que, como tal, não permite o exercício da preferência. – cfr. Ac. RP de 5.6.97, CJ, ano 22, t.3, pg. 208, Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, pg. 179, Castro Mendes, Teoria Geral da Relação Jurídica, 1979, vol. III, pg. 368, L. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, pg. 318, Ferrer Correia, Sociedades Fictícias e Unipessoais, pg. 148.
104ª. Uma das modalidades do negócio indirecto é o negócio fiduciário que se reconduz a uma transmissão de bens ou direitos, realmente querida pelas partes para valer entre elas e em face de terceiros, com uma finalidade de administração ou de garantia; de harmonia com o entendimento consolidado da doutrina e da jurisprudência, é plenamente válido – cfr., Vaz Serra (Cessão de Créditos, BMJ, número especial, 1955, pg. 172), Castro Mendes, Direito Civil, Teoria Geral, vol. III, 1973, pg. 269; O. Ascensão, Teoria Geral, vol. III, pgs. 308-309; Bigotte Chorão, Teoria Geral do Direito Civil, vol. III, 1972, pgs. 209-211, P. Pais de Vasconcelos, Contratos Atípicos, 1995, pg. 280; L. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, 3.ª ed., pg. 317; Pestana de Vasconcelos, Direito das Garantias, 2.ª ed., 2015, pg. 568, e, na jurisprudência, Acs. de STJ de 23.2.2012 e de 11.5.2006, Procs. n.ºs 1942/06 e 06B1501, respectivamente.
105ª. Concretamente, o negócio celebrado entre as Rés traduz-se na fiducia cum  amico, em que o bem é transmitido para que o fiduciário o guarde e administre no interesse do fiduciante e, passado um tempo, o restitua, na medida em que, no âmbito da restruturação da C..., esta propôs à Cr..., SA, que aceitou, a aquisição da quota na OL... com a finalidade de a administrar e lha retransmitir quando para tal fosse interpelada (cfr., arts. 66, 67 e 68 da contestação aos articulados dos intervenientes principais).
106ª. Temos assim que o apuramento dos factos relativos ao invocado negócio fiduciário de administração da quota com o encargo de posterior retransmissão é, pois, essencial, pois se provada, essa materialidade pode determinar a improcedência da acção, e, por essa decisiva razão, devia ter sido objecto de instrução probatória e de resposta na decisão da matéria de facto.
107ª. Vale isto por dizer que tendo sido alegados factos relevantes, que, todavia, não foram considerados e decididos, verifica-se insuficiência da decisão da matéria de facto, pelo que esta deve ser anulada, e determinar-se a ampliação da matéria de facto, com a consequente repetição do julgamento e proferimento de nova sentença (art. 662.º, n.º 2, al. c), e n.º 3, al. c), do CPC).
108ª. O art. 607.º do CPC estabelece que “a sentença começa por identificar as partes e o objecto do litígio, enunciando, de seguida, as questões que ao tribunal cumpre conhecer” (n.º 2); “seguem-se os fundamentos”, onde deve o juiz “discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final” (n.º 3); na fundamentação da sentença, “o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas (…) e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção (…)” (n.º 4).
109ª. Significa isto que a fundamentação da sentença, cumprindo a função de enunciar as premissas, de facto e direito, de que a decisão é a conclusão, comporta o julgamento da matéria de facto (elenco de factos provados e não provados) e a respectiva motivação, enquanto manifestação da obrigação do juiz, ditada pelo art. 205.º, n.º 1, da CRP e pelo art. 154.º do CPC, de fundamentar as suas decisões.
110ª. O Tribunal Constitucional, na senda Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), vem entendendo que o dever de fundamentação cumpre essencialmente duas funções: uma, de ordem endoprocessual, mediante avaliação propedêutica e de autocontrolo crítico da lógica decisória, que permita depois às partes o conhecimento da racionalidade dessa decisão e, em caso de recurso, habilite o Tribunal Superior a pronunciar-se; outra, de ordem extraprocessual, possibilitando à comunidade um controlo externo e geral sobre a fundamentação decisória, tanto factual como jurídica, e, desse modo, garantir a transparência do processo e dos sentenciamentos judiciais – cfr., entre muitos outros, os Acs. TC n.ºs 55/85 e 135º/99, em BMJ, 360º-195 e 408º-207, respectivamente.
111ª. Numa palavra, a fundamentação constitui, a um tempo, um instrumento de ponderação e legitimação da decisão judicial e, a outro tempo, um meio de garantia do direito de recorrer, revelando-se imprescindível a um processo equitativo, na medida em que salvaguarda a garantias das partes, bem como assegura que o tribunal de recurso dispõe de todos os elementos para a apreensão e reapreciação da matéria de facto e de direito.
112ª. No que concerne especificamente à decisão da matéria de facto, sediada no art. 607.º do CPC, destacam-se dois aspectos: (i) a exigência da fundamentação dos factos considerados provados foi estendida aos factos dados como provados; (ii) para além de especificar os fundamentos (isto é, os concretos meios de prova) que foram decisivos para a sua convicção, o julgador tem de proceder à análise crítica de toda a prova produzida nos autos, explicitando os motivos que o levaram a optar por este ou aquele elemento de prova em detrimento dos outros.
113ª. Assim, para se afirmar que a 1.ª instância analisou criticamente a prova e especificou os fundamentos da sua convicção no domínio do julgamento da matéria de facto, como impõe n.º 4 do art. 607.º do CPC, é mister pois, que o julgador explicite o processo racional de que lançou mão, expondo os fundamentos sobre o julgamento de um facto como provado ou não provado e indicando os meios de prova utilizados e respectiva relevância para formar a sua convicção, explicando os motivos que o levaram a optar por um elemento de prova em detrimento de outros, de modo a que, por aplicação das regras da lógica, da normalidade das coisas ou da experiência, se possa sindicar o bem fundado, ou, pelo menos, a razoabilidade daquela convicção.
114ª. Com efeito, a análise crítica da prova não pode ser reduzida ao mero elencamento descritivo das provas produzidas e à simples menção dos meios probatórios que mereceram acolhimento, em prejuízo de outros, exigindo ao invés que o juiz estabeleça o fio condutor entre a decisão sobre os factos provados e não provados, e os meios de prova usados na aquisição da sua convicção, revelando o iter cognoscitivo e valorativo seguido – cfr., v.g., Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9.ª ed., pg. 19, e Ana Luísa Geraldes, “Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Lebre de Freitas, vol. I, pg. 591, JJ, Processo Civil Declarativo, 2014, pg. 325, M. Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2.ª ed., pg. 348, A. Abrantes Geraldes, Reforma de Processo Civil, vol. II, pg. 243, F. Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, vol. II, pgs. 350-351 e Ac. RC de 29.6.2011, Proc. n.º 151/10, Ac. RL de 3.5.2018, Proc. n.º 188/12, Ac. RP de 7.12.2018, Proc. n.º 2688/15 e Acs. TC n.º s 258/2001, 288/99 e 320/2007.
115ª. No âmbito da fundamentação da decisão de facto no que diz respeito aos factos dados como provados nos pontos 9.º a 12.º, a sentença recorrida limita-se a remeter de modo genérico para o “teor dos depoimentos ouvidos em audiência de julgamento” e, para além de não identificar as testemunhas, o Tribunal a quo não faz a mínima menção ao conteúdo, consistência e relevância dos depoimentos (designadamente razão de ciência das testemunhas, credibilidade e articulação dos depoimentos com outros meios de prova) acompanhada da necessária análise crítica, em ordem a externar os motivos da sua convicção.
116ª. Ora, o incumprimento do dever de fundamentação ocorre não só quando falta em absoluto a motivação devida, mas também, como sucedeu in casu, quando se empregam fórmulas vagas e genéricas, que como tal, não permitem conhecer as razões pelas quais o julgador considerou provado ou não provado determinado facto – cfr. Acs. TCAN de 25.5.2016,Proc. n.º 00724/04, de 24.5.212, Proc. n.º 248/11 e de 30.9.2015, Proc. n.º 00481/10.
117ª. O mesmo se diga, com as devidas adaptações, face à matéria de facto dada como não provada, pois também aqui o Tribunal a quo se confinou a uma fórmula vazia e meramente conclusiva: “a matéria não provada resulta de nenhuma prova digna de crédito se ter produzido a esse respeito” (sic), que nada nos diz sobre o percurso da convicção formada, o seu iter cognoscitivo, omitindo desde logo os meios de prova que não considerou credíveis, e, menos ainda, por que razão deu relevância a outros.
118ª. Por outro lado, estando em causa meios de prova susceptíveis de avaliação subjectiva, como é o caso da prova testemunhal e das declarações de parte, era indispensável indicar as razões pelas quais não se deu valor probatório a este ou àquele depoimento ou se conferiu relevância a outro(s), tendo o Tribunal a quo omitido totalmente a fundamentação dos factos dados como provados sob os n.ºs 17.º, 29.º, 30.º e 34.º e incumprido o dever de apreciar a prova separadamente para cada facto.
119ª. A falta ou insuficiência da fundamentação da decisão de facto está sujeita ao regime do art. 662.º, n.º 2, al. d) do CPC (cfr., Ac. RC de 11.10.2017, CJ ano 42, t.4,322), pelo que deve ser ordenada a baixa do processo à 1.ª instância para que o Tribunal a quo fundamente devidamente as respostas dadas, tendo em conta os depoimentos gravados.
120ª. A cessão de quotas em apreço foi registada a 27.4.2016, através da menção DEP. 123/2016-4-27, sendo certo que, a partir desse momento e através da simples consulta dos documentos destinados a instruir o depósito 123/2016-4-27, a A. e os Intervenientes podiam facilmente inteirar-se dos elementos essenciais da cessão, como seja a identidade do cessionário, preço e condições de pagamento, cujo conhecimento se tornou público.
121ª. O registo é promovido e organizado pelo Estado com o propósito de divulgar e publicitar as situações jurídicas a ele sujeitas, pelo que aquilo que ele patenteia e certifica passa a ser conhecido, ou, pelo menos, cognoscível por todos os interessados, donde, em face do registo efectuado em 27.4.2016, quer à A. quer aos Intervenientes não lhes era mais possível invocar a ignorância dos elementos essenciais do negócio objecto de registo e, por isso, para efeitos de caducidade da acção, são absolutamente irrelevantes os pontos 17, 18, 19, 20, 21 e 22 da matéria de facto provada.
122ª. Dito de outro modo, com a inscrição no registo comercial em 27.4.2016, a cessão de quota tornou-se, a partir dessa data, oponível erga omnes, gozando de eficácia absoluta, pelo que, quando a acção proposta pela A. deu entrada em juízo (16.5.2018), há muito que estava ultrapassado o prazo de 6 meses fixado no art. 1410.º, n.º 1, do CC, o mesmo valendo, a fortiori, para a petição dos Intervenientes formulada em Outubro de 2018.
123ª. Complementarmente, tendo sido dado como provado que, em reunião informal realizada em Março de 2016, na qual estiveram presentes todos os sócios da OL..., o representante da C... deu a conhecer o propósito de cessão da quota à Cr..., SA por um valor simbólico, muito inferior ao valor real dessa participação social (pontos 25, 26, 27 e 28 da matéria de facto provada), significa isto que, desde Março de 2016, quer a A. quer os Intervenientes tinham conhecimento da identidade do cessionário (Cr..., SA) e a natureza simbólica do preço, muito inferior ao valor real, que veio a ser fixado em € 1.500,00, cujo valor diminuto tornava absolutamente desnecessária a menção das condições de pagamento.
124ª. Acresce que o conhecimento dos elementos essenciais da alienação desde Março de 2016 é confessado pela interveniente F... SGPS, SA (cfr., arts. 3.º, 4.º, 5.º e 6.º da respectiva petição) e o Interveniente BB invoca, em requerimento de 16.1.2020 (refª ...13), a intempestividade do exercício do direito de preferência por parte dos demais sócios da OL..., bem como a A. alega na p.i. (art. 68.º) que não se revelou possível obter acordo com os demais sócios da OL... para o exercício do direito de preferência, razão pela qual decidiu avançar sozinha para a acção, o que demonstra, sem margem para dúvidas, que antes da propositura da acção todos os ora intervenientes foram contactados pela A. e que em resultado dessa abordagem ficaram a conhecer, pelo menos desde esse momento, os termos e condições da cessão de quota.
125ª. É, pois, forçoso concluir, à luz da experiência corrente e da normalidade das coisas que, pelo menos ao tempo da propositura da acção (16.5.2018), todos os intervenientes estavam cientes dos termos do negócio ajuizado nos autos ainda que nenhum dos intervenientes tivesse proposto a acção de preferência, ou requerido a sua intervenção espontânea no processo, o que apenas ocorreu em finais do ano 2019, quando há muito tinha decorrido o prazo de caducidade de 6 meses estabelecido no art. 1410.º, n.º 1, do CC.
126ª. Mostra-se assim verificada a excepção peremptória de caducidade, a qual, extinguindo o efeito jurídico dos factos articulados pela A. e pelos Intervenientes, determina a absolvição das Rés do pedido.
127ª. É dado como provado, no ponto 27, que “em face dessa comunicação sobre os termos e circunstâncias da projetada transmissão, todos os sócios, sem exceção, deram-lhe o seu pleno assentimento, sem que tivesse sido manifestada qualquer reserva, designadamente de um ulterior exercício de direito de preferência relativamente à cessão da quota”, o que, em termos jurídicos configura uma renúncia expressa ao direito de preferência por parte da A. e dos Intervenientes.
128ª. Nos termos e para os efeitos do art. 129.º do CC, a validade da renúncia não depende da observância de forma especial e, importando a referida renúncia a extinção do direito, extinguiu-se necessariamente o direito de preferência invocado pela A. e pelos Intervenientes.
129ª. O n.º 1 do art. 6.º do contrato de sociedade submete a eficácia da transmissão de quotas efectuada por negócio entre vivos a uma dupla condição: (i) consentimento prévio da sociedade; (ii) preferência dos demais sócios; sendo que da concatenação dos n.ºs 1, 4 e 9 da referida resulta ainda que a subordinação da cessão da quota à preferência dos demais sócios, quer a sociedade consinta quer recuse o consentimento para a cessão.
130ª. Sucede que, ao subordinar, para além do consentimento da sociedade, os efeitos da cessão à vontade dos demais sócios de exercerem a preferência, a cláusula 6.ª do contrato de sociedade viola o princípio da taxatividade das restrições permitidas à livre transmissibilidade das quotas contido no n.º 5 do art. 229.º do CSC, na medida em que a exigência do consentimento da sociedade é, pois, a única limitação legalmente admitida à eficácia de uma cessão de quota.
131ª. Consequentemente, a cláusula de preferência é nula por violação de norma legal de carácter imperativo (art. 294.º do CSC).
132ª. Mesmo que se entenda ser válida a subordinação cumulativa da cessão da quota ao consentimento da sociedade e à preferência dos sócios – o que apenas se admite a benefício de raciocínio – o certo é que, in casu, não se mostram preenchidos os pressupostos de aplicação do art. 6.º dos estatutos, nomeadamente do seu n.º 6.
133ª. Decorre do n.º 1 da cláusula 6.ª e da cláusula 4.ª que o consentimento da sociedade só pode ser manifestado em assembleia geral reunida para o efeito, e através de deliberação positiva tomada pelos sócios com essa finalidade, o que afasta a admissibilidade de consentimento tácito, isto é, o consentimento da sociedade pressupõe uma conduta activa, expressa no voto de cada sócio, não se bastando com uma simples oposição à presença do sócio cessionário em assembleia geral.
134ª. Ora, conforme se constata da leitura da acta n.º ...5, relativa à Assembleia geral da OL... realizada em 17.11.2017, não houve qualquer discussão, e muito menos votação, sobre uma deliberação que tivesse por objecto o consentimento da sociedade na transmissão da quota da 1.à... 2.ª Ré, e o mesmo se diga relativamente à Assembleia Geral de 17.6.2019, que reuniu para que fossem discutidos e aprovados os relatórios de gestão e das contas de exercício, assim como os demais documentos de prestação de contas, referentes aos exercícios de 2017 e 2018.
135ª. Pelo que em razão de a OL... não ter dado o consentimento expresso à cessão, a A. e os Intervenientes não podem valer-se do n.º 6 dos estatutos da sociedade, que fazem depender a atribuição do direito de preferência desse prévio consentimento prestado por deliberação positiva dos sócios.
136ª. A sentença recorrida decidiu reconhecer à “aqui A. e CO-AA, AA, A..., Lda, F... SGPS, SA, O... SGPS, SA, J... I..., SGPS, SA, BB e CC, o direito a preferir conjuntamente, na proporção da sua participação no capital social, na cessão da quota da O... S.G.P.S, Lda, com o valor nominal de € 994.625,95 que a C... cedeu à Cr..., SA a 25-3-2016, pelo preço convencionado de € 1.500,00.” e, ao fazê-lo, incorreu em manifesto erro de julgamento.
137ª. No regime legal do direito de preferência há que ter em conta duas fases ou momentos totalmente distintos: (i) a fase do momento anterior à alienação (projecto) da coisa sujeita a preferência, em que se deve notificar o(s) preferente(s) dos elementos essenciais do negócio projectado, para que este(s) possa(m) declarar, dentro de determinado prazo e sob pena de caducidade do seu direito, se pretende(m) ou não preferir na venda (art. 416.º do Cód. Civil); (ii) a fase do momento posterior à transmissão, quando efectuada sem que ao preferente tenha sido proporcionada, nos termos legais ou convencionais, a possibilidade de exercer o seu direito, em que, havendo direitos de preferência concorrentes, radicados autonomamente na esfera jurídica de cada um dos respectivos titulares, não é possível, uma vez efectuada a alienação, a atribuição ou adjudicação em conjunto do bem sujeito à prelação, fazendo-se a determinação do preferente através do processo especial de notificação para preferência previsto no art. 1037.º do CPC, de cujo regime resulta que o direito de preferir é encabeçado no preferente que em licitação ofereça o lanço mais elevado.
138ª. Ou seja, nesta segunda hipótese, que é precisamente a dos autos, havendo vários direitos de preferência distintos e concorrentes entre si, o respectivo direito só pode ser atribuído a um dos preferentes.
139ª. Na verdade, a existência de direitos de preferência autónomos e concorrentes foi assumida pelo próprio tribunal a quo no despacho de 11.12.2019, pois que considerou que a determinação do preferente devia ter lugar através do processo especial de notificação para preferência e que, desse modo, o direito de preferência não podia ser atribuído em conjunto, devendo antes ser adjudicado a um, e apenas um, dos Autores (aquele que, em licitação, viesse a oferecer o lanço mais alto), em conformidade com o pedido formulado pela A. a título alternativo.
140ª. Por um lado, é inconciliável a determinação de realização de licitação entre os preferentes e a atribuição em conjunto do direito de preferência, pois aquela diligência visa justamente adjudicar o direito a um dos preferentes, com exclusão dos demais e, por outro, significa isto que o tribunal a quo, ao atribuir na sentença o direito de preferência em conjunto incorre em manifesta contradição com o decidido no despacho de 11.12.2019, o qual deve prevalecer seja em decorrência do princípio do esgotamento do poder jurisdicional, seja porque, não tendo sido impugnado, transitou com força de caso julgado formal (art. 620.º do CPC).
141ª. De igual modo, a natureza concorrencial dos direitos de preferência ajuizados nos autos é sustentada pelas decisões proferidas nos autos pelo Tribunal da Relação de Guimarães e confirmada pela própria conduta processual da A. e dos Intervenientes Principais, pois que a A. procedeu a sucessivos depósitos de € 1.500,00, € 25.250,00, € 1.750 e € 1.250,00, que acresceram ao depósito inicial efectuado com a instauração da acção (cfr., requerimentos de 27.10.2021, 13.12.2021 e de 13.1.2022), bem como como a Interveniente O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA, no seu articulado próprio, ofereceu e depositou o valor de € 24.750,00 (acrescido de € 250,00 para custos, e, por requerimento de 12.11.2021, procedeu a um depósito adicional de € 3.000,00, procedendo, assim a uma “licitação, competindo entre si para a adjudicação em exclusivo do direito de preferência.
142ª. Acresce que, tendo os restantes Intervenientes Principais declarado querer exercer a preferência, oferecendo, cada um, para o efeito, o valor de € 1.750,00, que igualmente depositaram, segue-se que o depósito do montante correspondente à totalidade do preço convencionado para a cessão da quota significa, e só pode significar, que o depositante pretende que a sua posição prevaleça sobre os demais preferentes e, que, portanto, não haja repartição dessa participação social por todos os interessados.
143ª. Está-se, por conseguinte, em presença de distintos e autónomos direitos de preferência, concorrentes entre si e colocados no mesmo plano: há tantos direitos de preferência quanto os sócios e, assim sendo, o direito de preferência da titularidade autónoma e independente de cada um dele, não pode ser atribuído conjuntamente a todos eles, antes devendo ser adjudicado apenas a um através de licitação nos termos do art. 1037.º do CPC, que tem por fim atribuir em caso de concurso de vários direitos de preferência sobre a mesma coisa, ao titular de um deles (aquele que maior lanço tenha oferecido) o exercício do mesmo, com exclusão dos restantes, o que conduz à revogação da sentença recorrida.
144ª. Num ângulo complementar de observação, reitera-se que o art. 6.º dos estatutos da OL... não é aplicável ao caso dos autos, pois que reporta-se precipuamente a um momento anterior à alienação da quota, e, portanto, conforme resulta da sua letra e economia, não cobra aplicação nas situações em que, como é o caso dos autos, o sócio interessado na transmissão da participação social não solicitou o consentimento prévio da sociedade, nem esta o prestou de forma expressa.
145ª. A sentença recorrida violou as disposições legais supra citadas.
Termos em que, se requer que a apelação seja julgada procedente, e, em consequência, declarada a revogação ou anulação das decisões recorridas.
*
Relativamente ao recurso interposto pela O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA, contra alegaram BB e J... I..., SGPS, SA, pugnando pela sua improcedência e manutenção da decisão recorrida, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:

1.ª — O recurso a que se responde vem interposto da douta sentença proferida pelo Juízo de Comércio ... que reconheceu à Autora e aos Intervenientes Principais que a ela se associaram “o direito a preferir conjuntamente, na proporção da sua participação no capital social, na cessão da quota da O... S.G.P.S, Lda, com o valor nominal de € 994.625,95, que a C... cedeu à Cr..., SA a 25-3-2016, pelo preço convencionado de € 1.500,00”, e, em consequência, ordenou “o cancelamento de todos os registos que hajam sido feitos em consequência dessa cessão, nomeadamente a favor da R Cr..., SA, e a sua inscrição em nome dos aqui preferentes”.
2.ª — A Apelante, por pretender adquirir para si, em exclusivo, a aludida quota, vem apontar à sentença diversos vícios formais e substantivos.
3.ª — No entanto, e desde logo, nenhuma das nulidades, previstas nas alíneas c), d) e e), do artigo 615.º, que foram arguidas pela Apelante, se verifica.
4.ª — Não tem qualquer fundamento e é mesmo contra legem a tese da Apelante de que a cessão de quota não teria sido consentida pela OL... e que a disposição do artigo 6.º, n.º 6, dos estatutos da OL... apenas seria aplicável caso tivesse existido consentimento prévio e expresso da sociedade para a referida cessão da quota.
5.ª — No artigo 230.º, n.º 6, do CSC, a lei admite:
a. Que exista um consentimento tácito — a que aliás expressamente se refere desde logo naquele artigo 230.º, n.º 6, do CSC — por haver deliberação em que participe o cessionário sem que a mesma seja impugnada com esse fundamento; e
b. Que esse consentimento tácito seja posterior à alienação da quota, e não prévio – como sucede expressamente no caso a que se refere aquele mesmo artigo 230.º, n.º 6, do CSC.
6.ª — É pacífico na doutrina e jurisprudência portuguesas que o consentimento à cessão de quotas pode ser prévio ou subsequente à transmissão, assim como pode ser expresso ou tácito.
7.ª — Na situação em apreço, o que resulta dos factos julgados provados é (i) que depois de cedida a quota, foi realizada uma assembleia geral da OL..., em 16 de Novembro de 2017, na qual esteve presente e interveio a adquirente Cr..., SA, e (ii) que «[n]o decurso [dessa] reunião foram debatidos os pontos da ordem de trabalhos e realizadas as correspondentes votações e tomadas deliberações, mas nenhuma alusão foi feita à transmissão daquela participação social por qualquer dos intervenientes e o assunto relativo a essa cessão de quotas não foi tratado ou discutido, nem sujeito a qualquer deliberação da assembleia e dos sócios» (factos provados n.ºs 13 a 16).
8.ª — Tendo o adquirente da quota participado em deliberação da assembleia geral da OL..., sem que a mesma tenha sido impugnada com esse fundamento, a OL... prestou tacitamente o consentimento à cessão da quota, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 230.º, n.º 6, do CSC.
9.ª — Por conseguinte, é o próprio facto pressuposto em que assenta toda a construção da Apelante que não se verifica, o que necessariamente a deita por terra. A cessão de quota da C... á Cr... foi consentida pela OL..., após o que foi proposta, e bem, a presente acção de preferência.
10.ª — Aliás, a mais autorizada doutrina lusa defende mesmo que, coexistindo cláusulas estatutárias de consentimento e preferência, a acção de preferência pode ser proposta na hipótese em que «[o] sócio que quer ceder quota não pede consentimento, nem cumpre a obrigação de preferência, mas cede a quota.».
11.ª — Quer dizer: no entender de J. Manuel Coutinho de Abreu, o consentimento da cessão, mesmo quando os estatutos subordinam a cessão de quotas ao consentimento da sociedade e estabelecem um direito de preferência dos demais sócios, não é condição necessária para que os preferentes possam propor a correspondente acção de preferência.
12.ª — A circunstância, perfeitamente habitual, de os estatutos regularem o pedido e a concessão do consentimento para a alienação de quota não impede que um sócio possa alienar a sua quota a um terceiro sem observar esse procedimento.
13.ª — Quando tal sucede, como sucedeu no caso dos presentes autos, não só os demais sócios podem preferir através de propositura da correspondente acção de preferência, como, também, e ao contrário do que pretende fazer crer a Apelante, a sociedade pode, no futuro, consentir na cessão feita à revelia da sociedade e dos demais sócios.
14.ª — A lei expressamente (i) admite que a sociedade preste o consentimento depois da cessão feita à revelia dos estatutos e (ii) considera prestado o consentimento em determinadas situações, como sucede com a descrita no n.º 6 do art. 230.º do CSC, preceito este que prevê um comportamento objectivo, independente da vontade da sociedade e dos sócios, e, não menos importante, tem natureza imperativa, o que significa que, em bom rigor, a solução nele vertida faz parte dos estatutos da sociedade e por eles não pode ser afastado.
15.ª — Aos olhos da lei, o consentimento tácito e o consentimento prévio e expresso são uma mesma realidade, tendo o mesmo valor e produzindo os mesmos efeitos.
16.ª — Face ao exposto, forçoso será concluir que, uma vez prestado o consentimento, expresso ou tácito, prévio ou subsequente, à cessão, aos demais sócios assiste o direito de preferir nos termos e condições estatutariamente previstos, seja na hipótese de consentimento prévia e expresso, seja na hipótese de consentimento tácito prevista no art. 230.º, n.º 6, do CSC — termos e condições esses de que resulta que os sócios que manifestem a vontade de exercer a preferência poderão repartir entre si a quota alienada na proporção das respectivas participações no capital social, conforme previsto no n.º 6 do artigo 6.º dos estatutos da OL....
17.ª — Na verdade, do ponto de vista dos restantes sócios, as duas situações, de consentimento prévio expresso ou tácito posterior, não diferem em substância, pelo que nada justificaria que numa hipótese a quota alienada fosse a repartir pelos sócios preferentes e que na outra hipótese a solução já fosse uma outra qualquer.
18.ª — Os interesses dos sócios tutelados pelo artigo 6.º dos estatutos da OL... só são efectivamente protegidos se aos mesmos for dada a possibilidade de preferir e de o fazer nos moldes estatutariamente previstos sempre que haja uma cessão de quotas consentida pela sociedade.
19.ª — Pode assim dizer-se que a aplicação do art. 6.º dos estatutos da OL... no caso dos autos é não só a solução imposta lei, mas, outrossim, a solução que resulta de uma correcta interpretação da lex contractus ou da vontade que os sócios teriam tido se tivessem previsto o ponto omisso.
20.ª — Improcedem, por isso, todas as conclusões 53 a 80 do recurso da Apelante.
21.ª — O segundo reparo que, do ponto de vista substantivo, a Apelante dirige à douta sentença recorrida tem a ver com a suposta prevalência do direito da Apelante sobre o dos demais preferentes por esta, quando foi chamada a intervir no processo, e aproveitando-se do facto de ter sido a última a apresentar o seu articulado, ter declarado exercer a preferência por um valor superior ao do contrato de cessão da quota e ter feito um depósito de valor superior ao realizado pelos demais preferentes.
22.ª — Lamenta-se que a Apelante persista na tentativa de tirar benefícios de uma habilidade processual praticada com o fito de se colocar em suposta posição de supremacia relativamente aos demais preferentes.
23.ª — A Primeira Instância, como é óbvio, recusou-se a reconhecer qualquer merecimento a tal jogada da Apelante, e fez muito bem.
24.ª — Na realidade, a inenarrável insistência da Apelante em querer prevalecer-se do facto de ter depositado uma quantia superior aos demais preferentes por ter podido exercer a preferência num momento processual posterior àquele em que a Autora e os demais Intervenientes manifestaram a intenção de exercer a preferência, e, portanto, num momento em que já sabia que quantias é que foram por estes depositadas, não deve merecer senão uma liminar rejeição.
25.ª — A preferência exerce-se a tanto por tanto, ou seja, pelo valor pelo qual a coisa foi adquirida pelo terceiro — e foi isso que a Autora e os demais Intervenientes fizeram ao declararem a sua vontade de exercer a preferência.
26.ª — O depósito do preço constitui uma condição do prosseguimento da acção de     preferência, conforme previsto no art. 1410.º do Código Civil, e não corresponde a qualquer proposta ou lance de uma licitação.
27.ª — O facto de a Apelante ter efectuado um depósito por valor superior é irrelevante, por isso, do ponto de vista que aqui interessa, do exercício do direito de preferência e da relação com os demais preferentes.
28.ª — Acresce que, na situação em apreço, os estatutos da OL... contêm uma disposição especial destinada a regular a situação de pluralidade de preferentes em caso de alienação de uma quota a terceiro, que estabelece a repartição da quota pelos preferentes na proporção da sua participação no capital social e torna, por isso, desnecessária qualquer licitação — o que faz com que seja ainda mais escandalosa a pretensão da Apelante.
29.ª — Na verdade, e como bem se decidiu na sentença recorrida, reconhecida a titularidade de direitos de preferência aos vários Intervenientes, não cabe estabelecer qualquer hierarquização entre eles mas apenas respeitar a regra de repartição da quota do artigo 6.º, n.º 6, dos estatutos da OL....
30.ª — Ainda que houvesse lugar a licitação, daí não decorreria qualquer prevalência do direito da Apelante.
31.ª — A licitação é um expediente de que a lei se socorre para resolver a questão da concorrência entre preferentes, e é necessariamente posterior ao exercício da preferência, sendo feita em leilão competitivo entre os preferentes, em que todos partem em pé de igualdade.
32.ª — A ser como pretendido pela Apelante, nunca haveria na prática licitação entre dois preferentes concorrentes: proposta a acção por um deles, o outro, uma vez chamado, depositava mais um cêntimo e tinha a coisa vendida para si!
33.ª — Em apoio da sua tese, a Apelante invoca o decidido nos acórdãos da Relação de Guimarães de 6 de Junho de 2019 e de 6 de Maio de 2021 proferidos em fases anteriores dos presentes autos. Mas sem sucesso.
34.ª — No primeiro desses acórdãos, apenas se decidiu que não estamos perante um direito de preferência conjunto e que qualquer dos titulares do direito de preferência podia propor a acção e nela fazer intervir os demais titulares de um direito de preferência para na acção se resolver, se necessário por licitação, a questão da eventual concorrência de preferentes.
35.ª — O segundo acórdão proferido nestes autos, de 6 de Maio de 2021, versa unicamente sobre a questão do valor da acção e o que dele resulta são apenas duas coisas, ambas relacionadas estritamente com a questão do valor da causa: uma, que se entendeu que o critério relevante para efeitos da aferição do valor da causa é o do “valor do ato determinado pelo preço a que alude o artº 301º, nº 1 do CPC e não apenas o valor constante do contrato”; a outra, que se verificou que um dos preferentes, a Apelante, havia depositado uma quantia de 24.750 euros a título de preço, pelo que se decidiu fixar nesse montante o valor da causa.
36.ª — Ao constatar que uma das partes declarou pretender exercer a preferência e depositou para o efeito a mencionada quantia, o Tribunal da Relação, atenta a opção que fizera quanto ao critério relevante para efeitos de fixação do valor da causa, não precisava de mais para determinar o valor da acção nesse mesmo montante. Com isso, porém, não estava a pronunciar-se sobre se a Apelante tinha ou não um direito de preferência, sobre se relevava para efeitos da decisão sobre o fundo da causa (e não apenas sobre o seu valor) o facto de ter sido efectuado um depósito naquele montante nem sobre o modo como, sendo vários os titulares de direitos de preferência, se resolveria a questão do destino da quota que é objecto desses direitos.
37.ª — Improcedem na totalidade, por isso, também as conclusões 81 a 313 do recurso.
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Relativamente ao recurso interposto pelas RR. C... e Cr..., SA, contra alegaram BB e J... I..., SGPS, SA, pugnando pela sua improcedência e manutenção da decisão recorrida e, caso se julgue procedentes as questões suscitadas pelas Apelantes, impugnam, a título subsidiário e ao abrigo do disposto no artigo 636.º, n.º 2, a decisão sobre a matéria de facto quanto aos pontos 24 a 28 dos factos dados como provados, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:

1.ª — O recurso a que se responde vem interposto da douta sentença proferida pelo Juízo de Comércio ... que reconheceu à Autora e aos Intervenientes Principais que a ela se associaram “o direito a preferir conjuntamente, na proporção da sua participação no capital social, na cessão da quota da O... S.G.P.S, Lda, com o valor nominal de € 994.625,95, que a C... cedeu à Cr..., SA a 25-3-2016, pelo preço convencionado de € 1.500,00”, e, em consequência, ordenou “o cancelamento de todos os registos que hajam sido feitos em consequência dessa cessão, nomeadamente a favor da R Cr..., SA, e a sua inscrição em nome dos aqui preferentes”.
2.ª — À data da prolação do despacho que dispensou a audiência prévia, o valor da acção era de 1.500,00, pelo que jamais poderia aquele despacho padecer de nulidade.
3.ª — Não houve violação do “princípio da audiência prévia e do contraditório”, uma vez que as Apelantes tiveram oportunidade de se pronunciar na Contestação sobre a excepção que referem nas alegações e que, tendo sido deduzida pela O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA, foi julgada improcedente no saneador.
3.ª — O objecto do litígio formulado nos autos identifica o que está em causa na acção e abrange todas as questões que possam interferir, de forma positiva ou negativa, com o direito de preferência, incluindo as matérias indicadas pelas Apelantes na sua reclamação.
4.ª — As Apelantes sustentam que nos temas da prova deve ser incluída “a materialidade alegada pelas RR. relativamente à natureza fiduciária da cessão de quota”, mas não indicam os factos concretos que tenham sido por elas alegados a esse respeito.
5.ª — Além disso, também não justificam em que medida a validade do negócio fiduciário, que de modo extenso defenderam na Contestação, contenderia com o direito de preferência dos demais sócios.
6.ª — A..., Lda adquiriu a quota representativa de 20% do capital da OL... pertencente à A... em 29/12/2017, que foi a data da inscrição da sua constituição por efeito da cisão simples da A... (cfr. o art. 112.º, alínea a), do CSC, aplicável à cisão por força da remissão contida no art. 120.º do mesmo código) e, portanto, em data anterior à data da propositura da presente acção, que ocorreu em 16/05/2018.
7.ª — Do conjunto de direitos que integram o estatuto de sócio da OL... pertencente à A... faz parte o direito de preferir na cessão de quota da OL... efectuada pela C... a favor da Cr..., SA.
8.ª — Na pendência da presente acção, não ocorreu qualquer transmissão por acto entre vivos do direito de preferência de A..., Lda se arroga e exerceu e que nela está em discussão, pelo que não é aplicável in casu o disposto no art. 263.º do CPC: quer se entenda que o direito de preferir da A... se constituiu ab initio na sua esfera jurídica em virtude da sua qualidade de sócio da OL..., quer se entenda que o mesmo foi por esta adquirido através da aquisição, por cisão, da quota da OL... pertencente à A..., o certo é que, em qualquer um dos casos, na pendência da presente acção, não ocorreu qualquer transmissão, por acto entre vivos, desse direito e, nessa medida, o art. 263.º do CPC não é aplicável.
9.ª — A..., Lda é o sujeito da relação jurídica controvertida tal como configurada pelo autor, ou seja, o sócio preferente, que, querendo, poderia ter proposto a presente acção, isolada ou conjuntamente com a A., em termos de tornar possível um hipotético litisconsórcio e, nessa medida, tem legitimidade para, por iniciativa sua, intervir na acção a título principal para nela fazer «valer um direito próprio, paralelo ao do autor […], apresentando o seu próprio articulado ou aderindo aos apresentados pela parte com quem se associa.» (art. 312.º do CPC).
10.ª — Independentemente do que vai dito, a verdade é que A..., Lda, a título cautelar, requereu a sua habilitação, com aproveitamento de todos os actos por si praticados nos autos, incluindo, portanto, o exercício do direito de preferir na cessão de quota da OL... efectuada pela C... a favor da Cr..., SA.
11.ª — Habilitação essa que, conforme expressamente prevê o art. 263.º, n.º 2, do CPC, «é admitida quando a parte contrária esteja de acordo e, na falta de acordo, só deve recusar-se [a substituição] quando se entenda que a transmissão foi efetuada para tornar mais difícil, no processo, a posição da parte contrária.».
12.ª — Sendo manifesto que a cisão da A... e a consequente transmissão da quota a OL... para A..., Lda não foi efectuada para tornar mais difícil a posição das RR, não há fundamento que impeça a habilitação da A... e o aproveitamento dos actos por ela praticados, conforme requerido, a título cautelar, pela AO.
14.ª — A aquisição pela AO da quota da OL... pertencente à A..., ainda que não registada, produz efeitos para com a OL..., a C... á Cr... e os demais sócios da OL....
15.ª — A mencionada falta de registo só impediria que A..., Lda invocasse a titularidade da quota da OL... perante os terceiros para efeitos de registo, os quais, conforme ensina a doutrina mais autorizada, «são os adquirentes, de boa-fé, de um mesmo transmitente comum, de direitos incompatíveis, sobre a mesma coisa», o que não se verifica in casu com qualquer uma daquelas sociedades.
16.ª — A alegada falta de eficácia perante a OL..., a existir, no que não se concede, nunca prejudicaria nem limitaria a eficácia perante a C... á Cr... e os demais sócios da OL... (o mesmo sucedendo com uma eventual falta eficácia perante a OL... por falta de consentimento da sociedade para a transmissão a favor da A..., admitindo que este era necessária, no que não se concede).
17.ª — Na verdade, o direito da A... de preferir na cessão de quotas da OL... efectuada pela Cr..., SA a favor da C... é exercido perante a Cr..., SA e perante os sócios da OL..., e não perante a própria OL..., que não é parte na presente acção.
18.ª — Não se verifica nenhuma das nulidades por omissão de pronúncia invocadas pelas Apelantes.
19.ª — Quer a O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA quer as Apelantes requereram que fosse declarada a nulidade do despacho proferido em 11.12.2019, sendo que entre os fundamentos apresentados por aquela Interveniente Principal, contaram-se os que “não deveria ter sido agendada uma eventual diligência de licitação, sem que se soubesse: (i) se haveria necessidade de proceder à licitação dos preferentes, por igualdade de circunstâncias e necessidade de desempatar as ofertas ou propostas dos preferentes; (ii) quem nela deveria participar; (iii) se os sujeitos processuais não tem impedimento em nela participar; e (iv) qual o valor-base da eventual diligência de licitação”, além de que a irregularidade cometida poderia “influir no exame ou decisão da causa” e ainda a existência de “questões prévias” pela mesma levantadas e de “excepções suscitadas na contestação quanto à Autora”, que designadamente poderiam levar a que se verificasse posteriormente que o adjudicatário vencedor não tinha o direito de preferência “e [se] tivesse afastado outros interessados que, sim, teriam esse direito”.
20.ª — Tal levou o Tribunal a quo a proferir o despacho de 27.02.2020 concedendo às partes o exercício do contraditório quanto às questões entretanto levantadas pelas partes, nomeadamente a da “repartição da quota em questão por todos os sócios por os Estatutos da OL... admitirem o exercício da preferência por mais de uma pessoa, repartindo-se a quota entre os preferentes na proporção das respetivas participações no capital social” para “evitar que possa ser proferida uma decisão-surpresa”.
21.ª — As Apelantes não se pronunciaram sobre nenhuma das questões.
22.ª — O despacho de 11.12.2019 era, de facto, nulo, nos termos da dita disposição legal, e o Tribunal reconheceu-o, dando-o sem efeito, e permitindo às partes o exercício do contraditório, pelo que não se vê como podem pretender as Apelantes repristiná-lo, o que sempre constituiria uma posição de venire contra factum proprium.
23.ª — Não se verificou violação do princípio do esgotamento do poder jurisdicional
24.ª — Nas conclusões 42.ª a 43.ª as Apelantes pretendem, salvo o devido respeito, deturpar o despacho proferido em sede de audiência do dia 17.06.2021.
25.ª — Não se verifica a maior parte das contradições apontadas pelas Apelantes na decisão sobre a matéria de facto.
26.ª — Existem sim contradições entre os factos provados n.ºs 24 a 28 e a própria fundamentação de facto da sentença, na qual se esclareceu que a matéria em causa teria resultado demonstrada do teor dos depoimentos prestados em audiência de julgamento — que se afiguraram “coerentes e credíveis” —, sendo que as referências feitas na sentença quanto a partes desses depoimentos não permitiam que tal matéria fosse dada como provada.
27.ª — Sem embargo, parece evidente que os factos provados n.ºs 24 a 28 não são incompatíveis com os factos dados como não provados, que foram alegados pelas Rés nas suas Contestações e que o Tribunal entendeu que, tendo tais factos — nos quais se inclui matéria relativa à alegada comunicação aos sócios da OL..., na reunião de Março de 2016, das “cláusulas essenciais da projetada cessão de quotas”, da “identidade da cessionária”, do “valor da cessão (€ 1.500,00)” e das “condições de pagamento”, dos motivos e finalidade da “projetada transmissão”, bem como os termos e condições em que o negócio da cessão da quota se iria processar, e à alegada circunstância de todos os sócios terem ficado cientes desses motivos e finalidade, e terem dado “a sua concordância à cessão da quota, prescindido de qualquer direito de preferência que em relação a ela pudessem ter” ou mesmo que “pelo menos ao tempo da propositura da presente ação, todos os intervenientes estavam cientes dos termos do negócio ajuizado nos autos, nomeadamente o preço” — “relevância para a decisão a proferir”, “nenhuma prova digna de crédito” se produziu a seu respeito.
28.ª — Não se verifica nenhuma contradição na matéria de facto que prejudique, como pretendem as Apelantes, a solução jurídica da causa e justifique a anulação da decisão recorrida e a repetição do julgamento.
29.ª — A base factual da decisão de mérito no caso sub judice consta da matéria dada como provada, cuja eliminação não é pretendida pelas Apelantes.
30.ª — Mas o certo é que, mesmo que se considere existir uma contradição entre os factos dados como provados quanto ao conhecimento da natureza da Cr..., SA (C... com outra designação ou uma diferente pessoa jurídica) à data da realização da assembleia geral da OL... de 2017, o certo é que nenhum dos factos dados como provados sobre a comunicação (ou conhecimento) de uma projetada ou já realizada transmissão da quota colide com a falta de prova do conhecimento dos elementos essenciais desse negócio.
31.ª — E a circunstância de os intervenientes na reunião não terem manifestado a intenção de virem a exercer o seu direito de preferência não significa que tenham prescindido ou renunciado a esse direito.
32.ª — No entanto, para o caso de procederem as questões suscitada pelas Apelantes, os Apelados impugnam, a título subsidiário, e ao abrigo do disposto no artigo 636.º, n.º 2, a decisão sobre a matéria de facto quanto aos pontos 24 a 28, com fundamento nos depoimentos prestados por EE, KK, LL e II, e nos seguintes termos:
— devem ser eliminados o ponto 24 e a expressão “foi nesse contexto” do ponto 25;
— quanto ao ponto 25, deve ser eliminada a referência à presença na reunião dos representantes dos cinco ramos familiares e a menção ao nome da sociedade Cr..., SA — deve, pelo menos, ser eliminada do ponto 26 a alínea iii)
— a redacção ponto de facto 27 deve passar a ser a seguinte: “na reunião em que foi comunicada a projetada transmissão da quota, nenhum dos presentes manifestou qualquer reserva, designadamente de um ulterior exercício de direito de preferência relativamente à cessão da quota”.
— o ponto 28 deve ser eliminado embora se reconheça que o facto aí descrito (tal como os anteriores que aqui se impugnam) não tem relevo para a decisão da causa.
33.ª — A impugnação feita pelas Apelantes da decisão sobre a matéria de facto quanto aos pontos 9 a 12 dos Factos Provados não tem sentido.
34.ª — No que respeita à eliminação dos pontos de facto 17 a 22 e das alíneas A) a H) dos factos não provados crê-se não ser possível que as Apelantes esperem que essa eliminação tenha algum efeito na decisão da causa.
35.ª — O direito de preferência exercido nos presentes autos não é afastado pelo teor dos factos provados n.ºs 24 a 28, nomeadamente pela não oposição ou colocação de reservas, aquando da comunicação do projecto de transmissão, não tendo os sócios presentes ou representados na reunião que manifestar qualquer vontade quanto a um eventual e futuro exercício desse direito.
36.ª — O argumento da informalidade a que as Apelantes se apegam poderia porventura afastar a necessidade de comunicação do cessionário, do preço e dos demais termos e condições da cessão “por carta registada com aviso de recepção” (como vem previsto no artigo 6.º, n.º 2 dos Estatutos da sociedade), mas não a necessidade de esses elementos serem de facto comunicados, fosse por que via fosse.
37.ª — Os factos que as Apelantes pretendem que sejam dados como provados e que constam das conclusões 78.ª. a 80.ª não têm suporte probatório.
38.ª — Assinala-se que a pretensão das Apelantes, de que seja aditado o facto de que “não houve necessidade de perguntar, nem de transmitir, a identidade da sociedade cessionária, a indicação do preço e demais termos ou condições do negócio” contradiz a sua posição quanto à eliminação das alíneas A), B), C) e E) dos factos não provados e deita por terra o seu argumento de que estes factos estão em contradição com os que foram dados como provados na sentença.
39.ª — Seja como for, as alterações da matéria de facto pretendidas pelas Apelantes jamais poderiam levar à improcedência da acção uma vez que o que está em causa não é a circunstância de a C... ter ou não cedido a sua quota “à revelia e com o desconhecimento da A. e das sociedades comerciais intervenientes nos autos” ou se estas consentiram ou não nessa cessão, mas sim se desta decorre o direito de preferência e se se verificam os pressupostos do exercício desse direito.
40.ª — A dar-se provimento à pretensão das Apelantes, de ser desconsiderado o ponto de facto 35, sempre se deveria dar como não provado que os accionistas da C... e da Cr..., SA são EE e mulher II e os seus filhos NN e BB, face às contradições verificadas entre as duas Contestações apresentadas pelas Apelantes e ao facto de sobre a matéria não ter sido produzida qualquer prova, dando-se como provado que são diferentes os administradores de cada uma das duas sociedades, por tal resultar das certidões permanentes juntas aos autos.
41.ª — A inclusão nos factos não provados da matéria sobre o alegado valor real da quota alienada seria um preciosismo sem sentido, uma vez que no recurso as Apelantes não defendem que tenha existido erro no julgamento dessa matéria nem pedem que ela seja incluída na lista dos factos assentes.
42.ª — Por outro lado, a discussão sobre a possibilidade de aplicação do regime do abuso do direito em matéria de preferência que a jurisprudência tem tratado coloca-se perante situações de comprovada simulação no contrato celebrado entre o obrigado à preferência e o terceiro, com artificial redução do preço por exemplo por razões fiscais, em que o preferente aparece a beneficiar dessa redução artificial; ora, no caso, nada ficou demonstrado que permita concluir pela verificação de nenhum desses pressupostos, desde logo a simulação, a estipulação de um preço artificialmente reduzido ou o aproveitamento abusivo do mesmo prelos preferentes. Por conseguinte, nenhuma razão existe para se cogitar sequer a aplicação do regime do abuso do direito.
43.ª — O facto de, alegadamente, a finalidade prosseguida com a venda ser em concreto atípica, por supostamente visar uma função fiduciária, em nada releva para efeitos do exercício da preferência.
44.ª — Os preferentes não podem ser prejudicados no seu direito pela alegada finalidade visada pelas partes com o negócio de alienação da quota.
45.ª — Tratando-se o suposto negócio indirecto de um negócio eficaz perante terceiros, nenhum interesse teria discutir no processo a alegada natureza fiduciária da alienação da quota, porque também aí haveria lugar à preferência nos mesmos termos em que foi exercida.
46.ª — A sentença não padece de falta de fundamentação relativamente ao julgamento da matéria de facto relativamente aos pontos assinalados pelas Apelantes.
47.ª — Não é verdade, por outro lado, que não tenha sido feita a avaliação crítica de cada um desses depoimentos. Essa avaliação foi feita na sentença, individualizadamente, a propósito de cada uma das testemunhas e ainda dos depoimentos das partes, pelo que é de todo em todo insubsistente a alegada insuficiência da fundamentação.
48.ª — O facto de a acção não ter sido proposta no prazo de 6 meses contado da data em que foi registada a cessão de quotas ou da data da reunião informal de Março de 2016 em que alegadamente estiveram presentes os sócios da OL... não determinou a caducidade do direito dos preferentes, porque nenhum desses factos teve a aptidão de determinar o início da contagem do prazo para a propositura da acção de preferência.
49.ª — Mesmo em face do que é dito no ponto 27 dos fundamentos de facto da sentença, que deve ser modificado, existe pelo menos um elemento essencial do contrato que está em falta, que é o preço de venda.
50.ª — Assim, o silêncio dos demais sócios sobre o exercício da preferência, ainda que lhes tivesse sido comunicado o projecto de venda nos termos descritos em 27, não significaria qualquer renúncia eficaz ao ulterior exercício do direito de preferência, quando lhes fosse devidamente comunicado o projecto completo de contrato ou quando fossem confrontados com uma venda feita sem respeito por esse direito.
51.ª — Improcede, por absoluta falta de apoio na lei, a alegação de pretensa nulidade da disposição do artigo 6.º, n.º 1, dos estatutos da OL... por suposta violação da norma do artigo 229.º, n.º 5, do C.S.C.
52.ª — A validade de cláusulas estatutárias que estabelecem o direito de preferência a favor dos sócios nessas situações de venda a terceiros é não só unanimemente aceite pela doutrina (veja-se, por todos, JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, 6.ª ed., Almedina, Coimbra, 2019, Vol. II, pp. 349-350, e 69 bibliografia aí citada) como também pela jurisprudência (cfr., por ex., o acórdão do             S.T.J. de 12.9.2013, proc. n.º 388/04.4TYLSB.L1.S1).
53.ª — Acresce que, como também é pacificamente reconhecido, a cláusula que estabelece a preferência a favor dos sócios em nada afronta o disposto no artigo 229.º, n.º 5, do C.S.C., porque a estipulação de um direito de preferência não faz depender os efeitos da cessão da quota a qualquer requisito diferente do consentimento da sociedade. A cessão é eficaz perante a sociedade independentemente da observância do direito de preferência.
54.ª — Mais: a eventual nulidade da cláusula estatutária que estabeleça ou que se considere estabelecer a referida ineficácia deve limitar-se a essa parte, o que significa que, mesmo nesse caso, deve manter-se o direito de preferência, ainda que não se mantenha como requisito de eficácia perante a sociedade (JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, ob. e loc. cit. supra).
55.ª — Tendo o adquirente da quota participado em deliberação da assembleia geral da OL..., sem que a mesma tenha sido impugnada com esse fundamento, a OL... prestou tacitamente o consentimento à cessão da quota, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 230.º, n.º 6, do CSC.
56.ª — Não se verifica, por isso, o pressuposto central e único sobre o qual a Apelante assenta a sua alegação de que não existiria o direito dos preferentes, que é o de que a cessão de quota da C... á Cr... não teria obtido o consentimento da sociedade e que tal consentimento teria forçosamente de ser prévio e expresso, sob pena de não poder ser exercida a preferência pelos sócios.
57.ª — Uma vez prestado o consentimento, expresso ou tácito, prévio ou subsequente, à cessão, aos demais sócios assiste o direito de preferir nos termos e condições estatutariamente previstos, seja na hipótese de consentimento prévia e expresso, seja na hipótese de consentimento tácito prevista no art. 230.º, n.º 6, do CSC, termos e condições esses de que resulta que os sócios que manifestem a vontade de exercer a preferência poderão repartir entre si a quota alienada na proporção das respectivas participações no capital social, conforme previsto no n.º 6 do artigo 6.º dos estatutos da OL....
58.ª — Não é verdade que, uma vez violada a preferência através da alienação da quota a terceiro sem prévio respeito pela preferência, o direito dos preferentes tenha necessariamente de ser exercido através do processo especial de notificação para preferência do artigo 1037.º do C.P.C. e que dele decorra que o direito de preferir seja necessariamente encabeçado no preferente que ofereça o lanço mais elevado.
59.ª — A natureza e o conteúdo dos direitos dos preferentes não se convertem em coisa diferente se esses direitos não forem respeitados e os preferentes tiverem de se socorrer da acção judicial para obterem tutela efectiva para os mesmos — como sucedeu na situação em apreço, perante a alienação da quota da C... á Cr....
60.ª — O direito processual é instrumental do direito substantivo e não se destina a reconfigurá-lo mas a dar protecção e efectividade às posições subjectivas dele resultantes.
61.ª — Se o direito dos restantes sócios que quisessem exercer a preferência era, por força dos estatutos da OL..., o de repartirem entre si a quota da C... no caso de esta a pretender vender a um terceiro, então é esse mesmo direito que aqueles têm quando, confrontados com a violação da preferência, têm de lançar mão da acção de preferência para obterem satisfação efectiva desse mesmo direito.
62.ª — Foi isso mesmo que foi reconhecido na douta sentença recorrida, que não incorreu, por isso, em qualquer violação das normas aplicáveis.
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2. Questões a apreciar

O objecto do recurso, é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC), pelas conclusões (art.ºs 608º n.º 2, 609º, 635º n.º 4, 637º n.º 2 e 639º n.ºs 1 e 2 do CPC), pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso, cuja apreciação ainda não se mostre precludida. 
No caso dos autos as RR. e a interveniente O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA interpuseram recurso da sentença e, relativamente ao recurso das RR., os intervenientes BB e J... I..., SGPS, SA vieram requerer a ampliação do recurso, ao abrigo do art.º 636º n.º 2 do CPC, impugnando determinados pontos de facto não impugnados pelas RR., para o caso de procedência da impugnação deduzida por aquelas.

São múltiplas as questões suscitadas nos recursos interpostos, as quais podem ser reunidas em quatro grupos tendo em consideração o seu objecto - a) decisões interlocutórias; b) inexistência e nulidades da sentença; c) decisão de facto; d) decisão de direito - e, dentro de cada grupo, ordenadas nos seguites termos:

a) decisões interlocutórias;
i) Omissão de pronúncia quanto à nulidade da dispensa da audiência prévia invocada pelas RR. (recurso das RR).
ii) Impugnação da decisão que julgou improcedente a ilegitimidade da A... – Investimentos, Ldª (recurso das RR.)
iii) Omissão de pronúncia quanto à reclamação das RR. tendo por objecto o despacho de identificação do objecto do litigio e impugnação do despacho que decidiu a reclamação das RR. quanto á enunciação dos temas da prova (recurso das RR.).
b) inexistência e nulidades da sentença
iv) Inexistência da sentença por esgotamento do poder jurisdicional – a questão da licitação (recurso das RR.);
v) Nulidade da sentença por omissão de pronúncia quanto á questão da intempestividade e inconsequência da invocação da repartição da quota no requerimento da J... e BB, de 27/01/2020 (recurso da interveniente O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA);
vi) Nulidade da sentença por omissão de pronúncia quanto a um conjunto de questões (recurso das RR.);
vii) Nulidade da sentença por omissão de pronúncia quanto ao pedido da O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA (recurso da interveniente O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA)
viii) Nulidade da sentença por ter conhecido de questão que não podia conhecer e ter condenado em objecto diverso (a questão da repartição da quota) (recurso da interveniente O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA);
ix) Subsidiariamente, nulidade da sentença por contradição (recurso da interveniente O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA);
c) decisão de facto
x) Contradição na matéria de facto (recurso das RR);
xi) Deficiência da matéria de facto (recurso das RR.);
xii) Ampliação da matéria de facto (recurso das RR.);
xiii) Eliminação do ponto 35º dos factos provados (recurso das RR.);
xiv) Deficiente fundamentação da decisão de facto (recurso das RR.);
xv) Modificação da decisão quanto a determinados pontos de facto (recurso das RR.);
xvi) Subsidiariamente, modificação da decisão quanto aos pontos 24 a 28 dos factos provados, não impugnados pelas RR. (ampliação do recurso, ao abrigo do art.º 636º, n.º 2 do CPC, requerida pelos intervenientes/recorridos BB e J... I..., SGPS, SA, no caso de procedência da modificação da decisão de facto deduzida pelas RR.);
d) decisão de direito
xvii) Caducidade do direito de acção (recurso das RR.)
xviii) Renúncia à preferência (recurso RR.);
xix) Ilegalidade da atribuição em conjunto do direito de preferência (recurso RR.);
xx) Ilegalidade da cláusula de preferência (recurso RR.);
xxi) Inaplicabilidade da “repartição” ou “divisão” da quota (recurso interveniente O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA);
xxii) Prevalência do direito de preferência da interveniente principal O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA (recurso da interveniente principal O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA).
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3. Impugnação de decisões interlocutórias;
3.1. Nulidade da sentença por omissão de pronúncia quanto à nulidade da dispensa da audiência prévia invocada pelas RR. (recurso das RR).

Como decorre do Relatório supra, por requerimento de 16/11/2020 as RR. invocaram a nulidade da convocação da audiência prévia.
A Srª Juiz a quo nunca se pronunciou quanto a tal questão.

Dispõe o art.º 608º do CPC

1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 278.º, a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica.
Decorre deste n.º 1 que o juiz na sentença deve conhecer de todas as questões processuais, suscitadas pelas partes ou que sejam de conhecimento oficioso, e não se encontrem precludidas, que determinem a absolvição do réu da instância – são as chamadas excepções dilatórias. Ainda nesta sede, o juiz deve conhecer das nulidades processuais arguidas pelos litigantes ou que sejam de conhecimento oficioso, ajuizando sobre a sua relevância anulatória, ao abrigo do disposto nos artigos 196.º e 200.º do CPC, a não ser que as considere sanadas ou precludidas, nos termos da lei (cfr. Manuel Tomé Soares Gomes, in Da Sentença Cível, CEJ, 2014, in https://elearning.cej.mj.pt/mod/folder/view.php?id=6202, pág. 42, com sublinhado nosso).
No mesmo sentido Abrantes Geraldes, JJ e Luís Sousa, in CPC Anotado, I, 2ª edição, pág. 752, referindo: “Determina o art.º 608º que deve ser dada prioridade às questões de natureza processual que ainda estejam por resolver (nulidades…)…”
O art.º 615º n.º 1 alínea d) do CPC dispõe que é nula a sentença quando: (…) d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…).
Tendo as RR. suscitado a questão da nulidade da não convocação da audiência prévia e não tendo a mesma sido conhecida pela Sra. Juiz a quo, nomeadamente na sentença, como se lhe impunha à luz do disposto no n.º 1 do art.º 608º, é patente a nulidade por omissão de pronúncia.
Dispõe o art.º 665º n.º 1 do CPC que ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer o objecto da apelação, o que significa que se impõe a esta Relação conhecer do mérito da referida nulidade, invocada no recurso.
A primeira questão que se impõe dilucidar é a do regime jurídico aplicável.
E isto porque nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 591º do CPC “concluídas as diligências resultantes do preceituado no n.º 2 do artigo anterior, se a elas houver lugar, é convocada audiência prévia, a realizar num dos 30 dias subsequentes, destinada a algum ou alguns dos fins seguintes:…”.
Mas nos termos do art.º 597º do CPC nas acções de valor não superior a metade da alçada da Relação, findos os articulados, sem prejuízo do disposto no art.º 590º, o juiz, consoante a necessidade e a adequação do ato ao fim do processo: (…) b) convoca audiência prévia (…)”
Face ao n.º 1 do art.º 591º, nas acções de valor superior a metade da alçada da Relação, a regra é a da convocação da audiência prévia (as excepções são as situações em que não há lugar a audiência prévia, previstas no art.º 592º e as situações em que o juiz pode dispensar essa realização, previstas no art.º 593º).
Face ao art.º 597º do CPC, nas acções de valor não superior a metade da alçada da Relação, cabe ao juiz, consoante a necessidade e a adequação do ato ao fim do processo, convocar, ou não a audiência prévia.
No despacho saneador a Srª Juiz a quo fixou á causa o valor de € 1.500,00.
Esta decisão foi revogada por Ac. desta Relação de 06/05/2021, que fixou á causa o valor de € 24.750,00, decisão esta confirmada por Ac. do STJ de 08/02/2022.
Porém, nenhum destas decisões determinou qualquer influência nos actos anteriores.
Destarte, tem aplicação ao caso o disposto no art.º 597º do CPC.
A respeito desta norma referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in CPC Anotado, volume 2º, 3ª edição, pág. 673, que o referido normativo é “tributário de um dos princípios integrantes do principio da gestão processual (art.º 6º) - o principio da adequação formal (art.º 547º) (…).
Ao juiz compete, então, nestas acções decidir sobre a prática de certos atos que a lei insere na tramitação do processo comum de declaração; mas não se pode dizer que a regra é a de que os mesmos não sejam praticados (por exemplo, não se pode depreender do art.º 597º que nas acções de valor mais baixo não tem normalmente lugar o despacho saneador, a menos que o juiz decida proferi-lo). O poder do juiz é, em principio, discricionário quanto á prática desses actos.”
E Abrantes Geraldes, JJ e Luís Sousa, in CPC anotado, I, 2ª edição, pág. 728 afirmam que nas acções de valor não superior a metade da alçada da Relação, “é ao juiz que cabe definir quais os trâmites processuais que devem ser seguidos, tendo em conta a natureza e complexidade da acção e a necessidade e adequação dos atos ao seu julgamento.”
E JJ in Processo Civil Declarativo, 3ª edição, pág. 343, refere que no normativo em referência “é colocada à disposição do juiz uma panóplia de opções quanto à tramitação subsequente dos autos”.
E, mais adiante (pág. 344) refere: “O regime do art.º 597º confere ao juiz a hipótese de fazer uma opção entre diversas possibilidades antecipadamente alinhadas pelo legislador, o que significa que, nesse contexto, a decisão de gestão processual (porque é disso que se trata) tomada pelo juiz se inscreve no uso legal de um poder discricionário, não sendo susceptível de impugnação em recurso (art.º 630º, 1.”
Também na obra de João Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil II, AAFDL, pág. 102 se engloba a convocação da audiência prévia nos actos discricionários.
O art.º 195º n.º 1 do CPC dispõe que, fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
Decorre da interpretação do corpo do art.º 597º acima referida e que se acolhe, que nas acções de valor não superior a metade da alçada da Relação não é obrigatória a convocação da audiência prévia.
Sendo assim não pode ter aplicação o disposto no art.º 195º n.º 1 na parte em que se refere à “omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva”, o que determina a improcedência da invocada nulidade da não convocação da audiência prévia.
Relativamente à parte do recurso que visa colocar em crise o uso, pelo tribunal recorrido, dos poderes conferidos pelo art.º 597º (com a invocação da necessidade do tribunal de assegurar um processo equitativo e ouvir previamente as partes quanto ao uso de tais poderes), no que respeita à não convocação da audiência prévia, decorre da interpretação supra referida que o uso de tais poderes, é discricionário.
Sendo assim e como decorre do disposto no art.º 630º n.º 1 do CPC, não é admissível recurso nessa parte.
Destarte, não se conhece do recurso na parte que tem por objecto o uso, pelo tribunal recorrido, dos poderes conferidos pelo art.º 597º do CPC.
*
3.2. Impugnação da decisão que julgou improcedente a ilegitimidade da A... – Investimentos, Ldª (recurso das RR.)

As RR. recorrem (conclusões a 20ª a 34ª) do despacho saneador na parte em que julgou improcedente a ilegitimidade da A... e não conheceu do pedido subsidiário de habilitação da mesma em substituição da A..., por desnecessidade, invocando que:
- transmitida por acto entre vivos a coisa ou direito litigioso, o transmitente ou cedente continua a ter legitimidade para a causa, enquanto o adquirente ou cessionário não for, por habilitação, admitido a substitui-lo (art. 263.º, n.º 1 do CPC);
- a transmissão para A..., Lda da participação social da A... na OL..., coenvolvida na operação de cisão, configura uma cessão de quota, a qual está sujeita registo obrigatório, o que não sucedeu, pelo que a referida cessão não é eficaz perante a OL..., nem perante terceiros, considerando que terceiro é quem não é parte no facto sujeito a registo, seu herdeiro ou representante.       

Impõe-se antes de mais sintetizar a realidade processual.

A A. intentou a acção requerendo a intervenção principal provocada da A... SGPS, SA, como sócia da OL....
A A..., citada, nada disse.
A 28/10/2019 veio A..., Lda – Investimentos, Ldª apresentar o seu articulado, invocando que a A... SGPS, SA foi objecto de uma cisão operada a 29 de Dezembro de 2017, por força dessa operação A..., Lda – Investimentos, Ldª sucedeu, no que à OL... diz respeito, nas posições activas e passivas da A....
Mais declarou dar por reproduzida a factualidade constante da petição inicial,
Com o seu articulado A..., Lda juntou a respectiva “Certidão Permanente”, donde resulta que foi matriculada pela Ap. ...29 e se trata de “Sociedade resultante da Cisão-simples da sociedade “A... SGPS, SA”.
Resulta da “Certidão Permanente” da OL..., junta com o requerimento da O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA, que a A... SGPS, SA era sócia da OL....
Não foi impugnada a alegação de que no âmbito da referida cisão, a participação social na OL... de que a A... era titular, foi transmitida para A..., Lda.
Não foi junta aos autos qualquer certidão do registo comercial donde resulte a inscrição da transmissão da participação social da A... na OL..., para A..., Lda
Quanto ao primeiro fundamento do recurso, está em causa a questão de saber se A..., Lda só devia ser admitida a intervir mediante a dedução do incidente de habilitação
O tribunal recorrido não conheceu do pedido de habilitação da A...- Investimentos, Lda em substituição da A... nos autos, por “desnecessidade”, pois a considerou parte legítima.
Sucede que, não sendo A..., Lda, A. nem R., nem tendo sido pedida a sua intervenção (sendo, portanto, em toda a plenitude, um terceiro), há-de colocar-se, previa e logicamente, a questão de saber por que modo a mesma pode tornar-se parte principal.
Vejamos então
Dispõe o art.º 260º do CPC que citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei.
As possibilidades de modificação são as consagradas nos artigos 261º - chamamento em virtude da decisão que julgou ilegítima alguma das partes por não estar em juízo determinada pessoa – e 262º - a) em consequência da substituição de alguma das partes, quer por sucessão, quer por ato entre vivos, na relação substantiva em litígio; b) Em virtude dos incidentes da intervenção de terceiros.
Relativamente á substituição de alguma das partes por ato entre vivos, dispõe especificamente o n.º 1 do art.º 263º do CPC que [n]o caso de transmissão, por ato entre vivos, da coisa ou direito litigioso, o transmitente continua a ter legitimidade para a causa enquanto o adquirente não for, por meio de habilitação, admitido a substituí-lo.
A legitimidade a que se refere o n.º 1 do art.º 263º do CPC é de natureza processual.
A transmissão para A..., Lda da participação social da A... na OL..., coenvolvida na operação de cisão da A..., é anterior à propositura da acção.
Como refere Salvador da Costa, in Incidentes da Instância, 9ª edição, pág. 221, “pela sua natureza e fim, esta habilitação não pode ter lugar na acção declarativa se a transmissão do direito ocorreu antes do seu inicio ou depois do seu termo.”
Para que o normativo se pudesse aplicar, a transmissão haveria de ter por objecto “coisa ou direito litigioso”.
Assim, o objecto imediato da controvérsia deveria ser a quota da A... na OL....
Não é esse o objecto da controvérsia nos autos o objecto central é a cessão da quota da C... na OL..., à Cr..., SA.
Face à realidade acima referida, não há dúvidas que A..., Lda era um terceiro relativamente á acção, uma vez que relativamente a ela não foi solicitada qualquer providência judicial. Foi solicitada a intervenção principal da A..., enquanto sócia da OL..., mas não da A....
O certo é que A..., Lda apresentou o seu articulado e, muito embora não o tenha qualificado, tal actuação configura uma intervenção principal espontânea.
Assim dispõe o art.º 311º do CPC que estando pendente causa entre duas ou mais pessoas, pode nela intervir como parte principal aquele que, em relação ao seu objeto, tiver um interesse igual ao do autor ou do réu, nos termos dos artigos 32.º, 33.º e 34.º.
E o art.º 312º dispõe que o interveniente principal faz valer um direito próprio, paralelo ao do autor ou do réu, apresentando o seu próprio articulado ou aderindo aos apresentados pela parte com quem se associa, dispondo o n.º 2 do art.º 313º que a intervenção por mera adesão é deduzida em simples requerimento, fazendo o interveniente seus os articulados do autor ou do réu.
Ora, A..., Lda apresentou-se (espontaneamente) a associar-se à A., dando por reproduzida a factualidade alegada pela mesma, o que configura uma mera adesão ao articulado daquela (cfr. Salvador da Costa, ob cit. pág. 76), tendo em vista a apreciação do direito de preferência de que se considera titular, em função da titularidade da quota que antes pertencia à A..., na cessão da quota da C... á Cr..., relação jurídica esta conexa com a formulada pela A., que também invoca a qualidade de sócia da OL... e preferente na referida cessão, pretendendo, assim, assumir, por esta via, o estatuto de parte principal e levando a uma “cumulação de apreciação da relação jurídica invocada pelo interveniente e da desenvolvida entre as partes primitivas, aquela com esta conexa.” (Salvador da Costa, in ob. cit. pág. 71).
E não só o referido articulado não foi indeferido liminarmente, como a intervenção não foi rejeitada (cfr. art.º 315º n.º 1 do CPC) e, antes do despacho de 27/02/2022, apenas a O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA veio invocar a ilegitimidade da A... para intervir, questão que foi apreciada no despacho recorrido.
Em face do exposto, porque A..., Lda se apresentou a intervir espontaneamente e essa intervenção nunca foi indeferida liminarmente, nem em algum momento rejeitada, tendo, inclusive, sido apreciada a sua legitimidade, a mesma foi admitida, implicitamente, a intervir a titulo principal nos autos.
Por isso e também porque não se verificam os pressupostos da habilitação de adquirente prevista no art.º 263º do CPC, não tinha A..., Lda que deduzir incidente de habilitação de adquirente para intervir nos autos.
Improcede, assim, esta questão.
Quanto ao segundo fundamento, impõe-se distinguir a legitimidade processual da legitimidade substantiva.
Dispõe o art.º 30º, nº 1, do C.P.Civil que o autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar …, dizendo o n.º 2 que o interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção….
Nos termos do n.º 3 do mesmo preceito, na falta de indicação em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.
Para a cabal compreensão da formulação dada ao actual art.º 30º do CPC e que era o art.º 26º no CPC revogado, mantém interesse, por manifestamente elucidativo, o relatório do DL n.º 329-A/95, onde se refere:
“Decidiu-se (...) tomar posição expressa sobre a “vexata quaestio “do estabelecimento do critério de determinação da legitimidade das partes, visando a solução legislativa proposta contribuir para pôr termo a uma querela jurídico-processual que, há várias décadas, se vem interminavelmente debatendo na nossa doutrina e jurisprudência, sem que se haja até agora alcançado um consenso.
Partiu-se, para tal, de uma formulação da legitimidade semelhante à adoptada pelo DL n.º 224/82 e assente, consequentemente, na titularidade da relação material controvertida, tal como a configura o autor, próxima da posição imputada a Barbosa de Magalhães na controvérsia que historicamente o opôs a Alberto dos Reis.
Na falta de indicação em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.
Do exposto extrai-se que na legitimidade processual o que releva é aferir se a parte é, ou não, sujeito da relação material controvertida, tal como é configurada pelo autor. A sua verificação constitui uma excepção dilatória que determina a absolvição da instância.
Na legitimidade substantiva, o que ocorre é que a parte não tem, na relação material controvertida, tal como é na realidade, uma posição que a torne sujeito de direitos ou de deveres. A legitimidade substantiva é condição de procedência do pedido. E assim, a falta da mesma determina a absolvição do pedido.
Aplicando o exposto ao caso dos autos, impõe-se concluir que a alegação das recorrentes - de que a transmissão para A..., Lda da participação social da A... na OL..., coenvolvida na operação de cisão, configura uma cessão de quota, a qual está sujeita registo obrigatório, o que não sucedeu, pelo que a referida cessão não é eficaz perante a OL..., nem perante terceiros, ou seja, perante quem não é parte no facto sujeito a registo, seu herdeiro ou representante -, não é uma questão de legitimidade processual, mas de legitimidade substantiva ou, dito de outra forma, não é questão processual ou formal relativa à instância, mas uma questão substantiva relativa ao fundo.
O que as recorrentes alegam é que A..., Lda não pode invocar, perante a OL... e perante os sócios desta, a qualidade de sócia – emergente do facto de a A... lhe ter transmitido a quota que detinha na OL... – e, por isso, a mesma não é titular do direito de preferência, ou seja, a mesma não tem uma posição – a qualidade de sócia - que a torne sujeito de direitos – no caso, do direito de preferir.
Ora, o momento para apreciar essa questão não é o da apreciação do pressuposto processual da legitimidade, mas o da apreciação do mérito da causa, máxime da sentença.
Deve aliás referir-se que a decisão recorrida considerou que a excepção de ilegitimidade da A..., suscitada pela O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA tinha natureza substantiva.

Em face do exposto, face à relação material controvertida, tal como é configurada pela interveniente AO, a mesmo é parte legítima do ponto de vista processual.
Saber se o é, também, do ponto de vista substantivo, é matéria que tem lugar na apreciação do mérito da causa, concretamente na sentença.
Assim, ainda que por razões diversas, a decisão que julgou improcedente a ilegitimidade processual da A... deve manter-se, relegando-se para a apreciação do mérito da causa a invocada ilegitimidade substantiva.
*
3.3. Omissão de pronúncia quanto à reclamação das RR. tendo por objecto o despacho de identificação do objecto do litigio e impugnação do despacho que decidiu a reclamação das RR. quanto á enunciação dos temas da prova (recurso das RR.).
3.3.1. Mais uma vez se impõe sintetizar a realidade que cumpre apreciar.
Assim a 02/11/2020 foi proferido despacho com o seguinte teor:
“Assim, o objeto do presente litígio é o seguinte: aferir dos pressupostos do exercício do direito de preferência na cessão de quota da OL... que a R C... cedeu à R Cr..., SA.
Temas de prova:
- apurar se no início de março de 2016, nas instalações da sede da OL... teve lugar uma reunião em que se encontravam representados todos os sócios da OL..., com exceção de BB, a saber: II (A...) JJ (F...), O... (O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA), CC (J...), KK (a A), EE e EE (C...);
- apurar se na referida reunião de março de 2016 os acionistas da C... transmitiram aos presentes o seu propósito de encerrarem a sociedade e transmitirem a titularidade da sua quota para a Cr..., SA, detida pelos mesmos accionistas;
- apurar se todos os sócios deram a sua concordância à cessão da quota prescindindo de qualquer direito de preferência que em relação a ela pudessem ter;
- apurar se os sócios da OL... à data sabiam que a Cr..., SA era uma pessoa jurídica distinta da C..., e com sócios diferentes, na assembleia geral de 17-11-2017;
- apurar se ao negócio de cessão de quota da OL..., que a C... cedeu à Cr..., SA se verificam os requisitos da simulação.
Vieram as RR,. reclamar dizendo que há que incluir no objecto do litigio: a questão da notificação para preferência e a possibilidade do “enxerto” desse processo especial na acção em causa ( art.ºs 37º a 108º da contestação), referindo que foi ordenada a comparência das partes para a realização de licitações, diligência que foi adiada, não tendo tido qualquer seguimento ulterior; a questão da caducidade da acção; do preço ”vil” da cessão de quotas, que coenvolve a questão do abuso de direito, de conhecimento oficioso ( art.ºs 163º a 195º da contestação); da ilegalidade da cláusula estatutária de preferência ( art.ºs 196º a 210º da contestação); da falta de eficácia real do direito de preferência ( art.sº 211º a 223º da contestação); da renúncia ao direito de preferência ( art.ºs 224º a 236º da contestação); do negócio fiduciário ( art.s 64º a 104º da contestação aos requerimentos de intervenção principal); e da ilegitimidade activa da interveniente AO (art.ºs 31º a 63º da contestação aos requerimento de intervenção principal).
Invocaram também que a referência singela e genérica aos “pressupostos do exercício do direito de preferência “na identificação do litigio apresenta-se como dúbia ou ambígua tendo em conta que a A. e os intervenientes principais pedem o reconhecimento do direito de preferência individual ou conjuntamente.
Finalmente invocam que importa incluir nos temas da prova a materialidade alegada relativamente à caducidade da acção, ao preço “vil” da cessão de quota e/ou abuso de direito, à renúncia ao direito de preferência e ao negócio fiduciário.
A 21/12/2020 foi proferido despacho que, no que releva, tem o seguinte teor:
Fls 513 e ss: As RR C... SGPS, SA e Cr..., SA vieram apresentar reclamação à identificação do objeto do litígio e temas de prova do saneador.de facto, importa aditar aos temas de prova o seguinte: - Apurar se o filho da A, na qualidade de seu representante, na reunião que teve lugar na primeira semana de março de 2016, em resposta à comunicação do projeto de cessão e condições essenciais, declarou que a sua mãe não pretendia adquirir para si a quota em causa. – Apurar se o preço fixado para a cessão de quotas da C... para a Cr..., SA é muito inferior ao valor real da quota transmitida.
No mais, não assiste razão às reclamantes uma vez que os factos relativos às questões de direito que levantaram no seu articulado não têm que estar todos identificados nos temas de prova, mas apenas a indicação genérica da controvérsia sobre as questões em discussão sobre que recairá a prova a produzir. O que teve lugar, pelo que não julgamos necessário alargar o seu âmbito nem esclarecer qualquer obscuridade por inexistente.”
3.3.2. Enquadramento jurídico – obejcto do litigio e temas da prova
Já acima se concluiu que ao caso dos autos aplica-se o disposto no art.º 597º, o qual dispõe, além do mais:
Nas ações de valor não superior a metade da alçada da Relação, findos os articulados, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 590.º, o juiz, consoante a necessidade e a adequação do ato ao fim do processo:
(…)
e) Profere o despacho previsto no n.º 1 do artigo 596.º;
(…)”
O n.º 1 do art.º 596º dispõe que proferido despacho saneador, quando a ação houver de prosseguir, o juiz profere despacho destinado a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova.
Rui Pinto, in Notas ao Código de Processo Civil, Volume II, 2ª edição, pág. 69, refere que a “delimitação do objecto do litigio consiste, no plano do textual, numa síntese narrativa do que se afigura ao tribunal como sendo a causa de pedir e o efeito pretendido pelo autor, as impugnações do réu e as excepções opostas.”   
Mais adiante (pág. 70) considera que “identificar o objecto do litigio é mais do que fazer uma síntese narrativa: ela deve ser a síntese processualmente adequada a servir de base aos atos processuais seguintes, de prova, discussão e julgamento.
Por isso, a identificação do objecto do litigio implica, necessariamente que o juiz terá de lhe dar uma provisória qualificação jurídica (…)”
E quanto aos temas da prova refere (ob. cit. pág. 70) que “no plano do conteúdo, os temas são enunciados genéricos de questões de facto (factos “abstractos”) que possam integrar previsões normativas (…). Os temas da prova não são, por conseguinte, institutos, excepções ou qualificações legais respectivos (…)”
Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in CPC Anotado, Volume 2º, 3ª edição, pág. 669, consideram que o “conteúdo do novo despacho que identifica o objecto do litigio e enuncia os temas da prova não se encontra descrito no Código, nem este oferece parâmetros para a sua elaboração, pelo que é difícil delimitá-lo.
(…)
Em termos amplos – mas também não é possível acrescentar muito mais à definição -, dir-se-á que tal despacho consiste na explicitação dos pedidos deduzidos sobre os quais haja controvérsia e das questões fundamentais (causas de pedir e excepções) que se encontram controvertidas e servirão para orientar, num momento subsequente, a actividade probatória. Ao exigir a enunciação dos temas da prova, não pretendeu o legislador que o juiz elencasse factos descritos segundo a sua perspectiva sob a distribuição do ónus da prova, mas apenas questões genéricas (…) que podem ser formuladas mediante o uso de qualificações jurídicas e que têm como referência a causa de pedir e as excepções alegadas pelas partes.  (…) a enunciação dos temas da prova não tem em vista (embora também não vede) uma listagem de factos, ainda que principais, mas questões formuladas de modo abrangente, que orientem a posterior produção de prova, sem, todavia, a condicionar ou restringir.”     
E consideram ainda – pág. 671 – citando jurisprudência - que muito embora inexista norma que preveja a organização dos temas de prova em função das soluções plausíveis de direito, aqueles devem tê-las em consideração.
Abrantes Geraldes, JJ e Luís Sousa, in CPC Anotado, Volume I, 2ª edição, pág. 723 referem:
“A seguir ao despacho saneador inscreve-se a peça em que o juiz identifica o objecto do litigio, através de uma formulação genérica, de pendor jurídico, á semelhança do que ocorre na sentença. Formulação que, por outro lado, serve de baliza aos temas da prova, levando a que se exclua toda a matéria que não revele concreto interesse para a decisão do caso. O objecto do litigio é definido em face dos pedidos deduzidos (das pretensões formuladas) e corresponde ao thema decidendum.
Relativamente aos temas da prova a enunciar, não se trata mais da quesitação atomística e sincopada dos pontos de facto…
(…)
O legislador foi parco na regulamentação dos temas da prova (…) o seu teor deve ser moldado de forma a corresponder ao objecto do litigio anteriormente definido e a poder integrar os factos essenciais alegados pelas partes, o que significa que a enunciação dos temas da prova deverá ser balizada somente pelos limites que decorrem da causa de pedir e das excepções invocadas…
(…)
A enunciação dos temas da prova pode fazer-se em diversos graus de abstracção ou concretização, ora mais vaga, ora mais precisa, tudo dependendo daquilo que seja realmente adequado ás necessidades de uma instrução apta a propiciar a justa composição do litigio…
(…)
O que é realmente importante é que, em cada acção, uma vez enunciados os temas da prova, fique claro aquilo que é suposto ser provado nos autos…”
Na obra de João Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil II, AAFDL, pág. 97, abordando as regras de selecção dos temas da prova refere-se que:
- “a selecção só incide sobre matéria de facto, não sobre matéria de direito; a selecção destina-se a preparar a instrução, ou seja, a actividade probatória referente aos factos obre cuja verdade ou falsidade o tribunal tem de se pronunciar;
(…)
- através da selecção da matéria de facto, o juiz faz uma triagem das questões de facto levantadas pelas partes, escolhendo as pertinentes e afastando as impertinentes (…); são questões de facto pertinentes, as que interessam à decisão da causa.”
Finalmente Francisco Ferreira de Almeida, in Direito Processual Civil, II, 3ª edição, pág. 226-227 refere que o despacho a identificar o objecto do litigio será proferido “em função da causa de pedir e do pedido” e os temas da prova são “as questões essenciais de facto relevantes (rectius, pertinentes/imprescindíveis) para uma boa e justa decisão do pleito que permaneçam controvertidos (assim concretizando o objecto da prova a efectuar subsequentemente) (…)
Na fixação das matérias (temas) controvertidas, o juiz procura selecionar (circunscrever) os temas ou questões de facto (real e efectivamente) relevantes para uma boa e justa decisão da causa, ou seja, as questões temáticas centrais de facto, sobre os quais vai incidir a prova constituenda (…), não deixando de atentar, com vista a tal desideratum, nas várias soluções plausíveis da questão de direito, tal como postulava a sugestiva terminologia do n.º 1 do art.º 511º do CPC/61”

E mais adiante (pág. 237) reportando-se ao conteúdo dos temas da prova refere que a eles de devem poder “reconduzir os pontos ou conjunto de pontos de matéria de facto ainda controvertidos e, como tal, carecidos de prova” e (pág. 243) a “definição dos temas probatórios deve circunscrever-se, face ao disposto no art.º 596º, a uma enunciação que (…) se traduza na delimitação genérica dos quadros ou epígrafes referenciais (questões temáticas centrais), com conexão substancial e nos quais possam ser abstratamente subsumidos os pontos factuais controvertidos do litigio, sobre os quais incidir a instrução e discussão da causa.
Enunciação (selecção) essa, pois, que – tendo presente o principio do dispositivo – deve reportar-se à matéria ou matéria consubstanciadas nos factos principais (essenciais), não só os integradores da causa de pedir, como também daqueles em que se fundem as excepções deduzidas, todos eles resultantes do cumprimento do ónus da afirmação, alegação ou dedução (art.º 5º, n.º 1)”
E remata (pág. 240): “ O que importa elencar são as simples ( mas sempre de conteúdo genérico) “proposições “ ou “ temas” da prova  - elaborados sob forma meramente enunciativa ou até disjuntiva ou interrogativa – contendo (explicita ou implicitamente subjacentes questões essenciais à prova dos factos alegados que, nesse momento subsistam como controvertidas – o que envolve um prévio juízo de prognose jurídico-subsuntivo ou jurídico-qualificativo da hipótese concreta na fattispecie normativa adequada à solução do litigio, tendo sempre e mente as diversas (e potenciais) soluções plausíveis da questão ou questões de direito submetidas ao veredictum final.”
No Ac. do STJ de 16/06/2016, processo 3296/11.9TBLLE.E1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj afirmou-se quanto aos temas da prova:
“A partir dos factos controvertidos que corporizam a causa de pedir e as exceções, procede-se à sua enumeração, delimitando a matéria objeto da instrução, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito.
Apesar de certa desvalorização e também alguma indefinição, a enunciação dos temas da prova constitui um ato processual relevante, nomeadamente pela definição do objeto da instrução e por poder facilitar a disciplina da audiência, bem como o julgamento da matéria de facto, o qual, naturalmente, requer um cuidado extremo, de modo a obter-se a justa composição do litígio e, assim, legitimar e prestigiar a administração da justiça, pilar fundamental do Estado de Direito.”
As transcrições feitas visam tornar patente, por um lado, que existem divergências quanto ao conteúdo do “objecto do litigio” (se abrange apenas os pedidos ou abarange também as excepções) e, por outro, que ensaiam-se diversas formas linguísticas de captar e exprimir o que sejam os “temas da prova”.
Tendo em consideração os dados legais e os contributos da doutrina, vislumbra-se possível afirmar que:
- identificar o objecto do litigio significa definir, jurídica e sinteticamente, os thema decidendum, ou seja, as pretensões deduzidas no processo, seja por via de acção, seja por via de reconvenção, tendo por referência o pedido e a causa de pedir (e não também as excepções de direito material, as quais apenas integrarão “as questões que ao tribunal cumpre solucionar”, a identificar na sentença, tendo em consideração a distinção que neste âmbito é feita pelo art.º 607º n.º 2 do CPC);
- enunciar os temas da prova tem em vista orientar a produção da prova e significa, através de proposições mais ou menos genéricas (tudo depende da natureza e complexidade do caso concreto), mas suficientemente abrangentes da realidade fáctica a que se quer referir e independentemente de saber a quem cabe o ónus da prova, expor (de forma englobante) os pontos de facto essenciais que permanecem controvertidos e que, por isso, devem ser objecto de prova, tendo em consideração dois referenciais: i) os factos essenciais que integram a causa de pedir ou as excepções, e que se constituem como um limite à referida  enunciação; ii) os elementos integradores da ou das fattispecie normativas adequadas á solução do litigio, de acordo com várias soluções plausíveis de direito.
Coloca-se a questão de saber o que são as várias soluções plausíveis de direito.
No direito anterior Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, Coimbra, Coimbra Editora, 2001, p. 381 defendiam que as soluções plausíveis de direito eram as “vias de solução possível do litígio, tidas em conta as posições assumidas pelas partes quanto à fundamentação jurídica das pretensões e exceções, e as correntes doutrinárias e jurisprudenciais formadas em torno dos tipos de questão que elas levantem”.
Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, Lex, 1997, (nota 4), p. 311 defende que as várias soluções plausíveis da questão de direito são “todos os possíveis enquadramentos jurídicos do objeto da ação”.
E Paulo Ramos de Faria in Relevância das (outras) soluções plausíveis da questão de direito, Julgar Online, Outubro 2019, 1, pág. 5, consultável in http://julgar.pt/wp-content/uploads/2019/10/20191018-ARTIGO-JULGAR-Solu%C3%A7%C3%B5es-plaus%C3%ADvel-de-direito-Paulo-Ramos-de-Faria.pdf, refere:
“Finalmente, também um entendimento dogmático ultraminoritário poderá não merecer a qualificação de solução plausível quando, versando sobre matéria comum, não exista registo (ou perspetiva razoável) da sua adoção pelos tribunais.
Do raciocínio expendido resulta que a plausibilidade da solução deve ser efetiva na circunstância do caso, e não somente teórico-dogmática, sendo a fórmula equivalente a resoluções ou decisões de mérito razoáveis.”
A nosso ver solução plausível de direito será aquela cuja fundamentação jurídica, analisada por si e à luz da lei, doutrina e jurisprudência convocáveis, for, racional e justificadamente susceptível de razoável aceitação na comunidade jurídica e, assim, justificar o desenvolvimento de uma actividade instrutória.
3.3.3. Enquadramento jurídico – reclamações e impugnação do despacho que decide as reclamações
 O tribunal recorrido proferiu despacho destinado a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova.
Dispõe o n.º 2 do art.º 596º que as partes podem reclamar do despacho previsto no número anterior.
Como referido, as RR. usaram deste direito.
A respeito desta norma, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in CPC Anotado, 2º Volume, 3ª edição, pág. 671 alertam:
“Atendendo a que a lei reserva ao juiz uma grande margem de autonomia na elaboração do correspondente despacho [de identificação do litigio e enunciação dos temas da prova], é arriscado avançar os fundamentos possíveis dessa reclamação. Uma hipótese é entender que tais fundamentos se reconduzem, no essencial, àqueles que podiam ser aduzidos contra as antigas selecção da matéria de facto assente e fixação da base instrutória, Assim a deficiência consistirá na omissão de pontos relevantes para a decisão da causa; o excesso, na inclusão de pontos irrelevantes, fora do objecto do processo ou não introduzidos pelas partes, devendo sê-lo; obscuridade, em redacção que suscite dúvidas quanto á identificação do objecto do litigio ou ao enunciado dos temas da prova.”
E Abrantes Geraldes, JJ e Luís Sousa, in CPC Anotado, Vol. I, 2ª edição, pág. 727 referem:
“A reclamação prevista no n.º 2 pode ter como fundamentos: a omissão de enunciação de pontos relevantes no que tange ao objecto do litigio e aos temas da prova (deficiência); o vicio inverso de inclusão de matéria espúria que ultrapassa o objecto do processo ou a factualidade aduzida pelas partes (excesso); a ininteligibilidade ou o carácter dúbio do objecto do litigio ou de um tema da prova (obscuridade).”
E também JJ in Processo Civil Declarativo, 3ª edição, pág. 333 refere que “a reclamação pode ter por fundamento a deficiência, o excesso ou a obscuridade do despacho.”
No mesmo sentido obra de João Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil II, AAFDL, pág. 100.
E dispõe o n.º 3 do art.º 596º que o despacho proferido sobre as reclamações apenas pode ser impugnado no recurso interposto da decisão final.
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3.3.4. Vejamos agora em concreto
Em primeiro lugar verifica-se que muito embora as RR. tenham reclamado quanto á identificação do objecto do litigio, a Sra. Juiz à quo não se pronunciou quanto a tal questão.
As RR. invocam no recurso tal omissão de pronúncia e com fundamento nisso pedem a anulação da decisão.
Há efectivamente omissão de pronúncia e, nessa medida, verifica-se a nulidade prevista na 1ª parte da alínea c) do n.º 1 do art.º 615º do CPC.
Impõe-se então e à luz do disposto no art.º 665º do CPC, conhecer da questão.
O que as RR. pretendem seja integrado no objecto do litigio não são pretensões, mas excepções.
Como resulta do n.º 2 do art.º 607º, o CPC distingue o que é objecto do litigio e as questões que cumpre apreciar.
Como ficou referido supra o objecto do litigio apenas contempla as pretensões deduzidas e não também as excepções de direito material (com todo o respeito por opinião contrária) as quais apenas devem ser integradas nas “questões que o tribunal cumpre solucionar”, a identificar na sentença (cfr. 607º n.º 2).
Independentemente disso, na fórmula abrangente utilizada pelo tribunal recorrido, para identificar o objecto do litígio – “…aferir dos pressupostos do exercício do direito de preferência na cessão de quota da OL... que a R C... cedeu à R Cr..., SA.” – cabem todas as exepções de direito material oponíveis a tal direito e ao seu exercício (por exemplo, a caducidade).
Essencial é que nenhuma escape ao oportuno conhecimento, em observância do artº 608º, nº 2, CPC.
Em face do exposto, improcede a reclamação quanto ao objecto do litigio.
Em segundo lugar as RR. pretendem que integre os temas da prova a materialidade relativa ao negócio fiduciário, alegada nos art.ºs 64º a 104º da contestação aos requerimentos de intervenção principal.
Mas mais adiante as mesmas também invocam a necessidade de ampliação da matéria de facto, pretendendo que se inclua a factualidade relativa à natureza indirecta e fiduciária do negócio jurídico de cessão da quota invocada pelas Rés nos arts. 171.º e ss. da contestação e desenvolvida na resposta aos articulados dos intervenientes (arts. 66.º a 104.º).
Já ficou referido que o n.º 3 do art.º 596º do CPC dispõe que o despacho proferido sobre as reclamações apenas pode ser impugnado no recurso interposto da decisão final.
O despacho que decide as reclamações constitui uma decisão interlocutória.
A impugnação das decisões interlocutórias está sujeita ao disposto no art.º 660º do CPC, o qual dispõe: O tribunal só dá provimento à impugnação das decisões interlocutórias, impugnadas conjuntamente com a decisão final nos termos do n.º 3 do artigo 644.º, quando a infração cometida possa modificar aquela decisão ou quando, independentemente dela, o provimento tenha interesse para o recorrente.
Daqui decorre que não se pode analisar o despacho que decide as reclamações quanto aos temas da prova de per si, mas apenas em função da decisão final, isto é, verificando se implica ou é susceptível de implicar uma modificação dessa decisão.
É o que sucede se os temas da prova omitirem um ou vários pontos de facto essenciais relativamente a uma das pretensões deduzidas ou a uma das excepções invocadas, tornando necessária a ampliação da matéria de facto, à luz do disposto no art.º 662º n.º 2, alínea c), parte final, em que se refere o dever da Relação de, mesmo oficiosamente, anular a decisão de facto proferida em 1ª instância quando considere indispensável a ampliação desta.
Mas sendo assim a questão da reclamação quanto aos temas da prova só assume pleno relevo no momento de apreciar a decisão de facto e de se concluir que é necessária a sua ampliação.
Em face do exposto, remete-se a apreciação da questão relativa aos temas da prova para o momento da apreciação da pretendida ampliação da matéria de facto.
*
4. Inexistência e nulidades da sentença
4.1. Inexistência da sentença por esgotamento do poder jurisdicional – a questão da licitação (recurso das RR.)

Invocam as RR. / recorrentes que tendo o tribunal proferido despacho a designar data para licitação, o poder jurisdicional do Tribunal a quo quanto a essa questão extinguiu-se; a sentença, ao atribuir o direito de preferência em conjunto, altera aquela decisão, pelo que é juridicamente inexistente.
Há que sintetizar a realidade:
a) A 11.12.2019 o tribunal a quo proferiu o seguinte despacho:
“Perante a intenção dos demais titulares do direito de preferência na compra e venda da quota em questão nos autos, designo o dia 28-1-2020 para se proceder a licitação entre todos, incluindo, naturalmente, a A., nos termos dos artigos 1037.º, n.º 1 e 1032.º, n.ºs 1 a 3 CPC.
Notifique”.
b) A interveniente O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA, por requerimento de 16/12/2019 e as RR. por requerimento de 06/01/2020, invocaram a nulidade do referido despacho.
c) A interveniente O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA, por requerimento de 21/01/2020 e a A. por requerimento da mesma data, vieram requerer fosse dada sem efeito a designação de data para licitação.
d) A 23/01/2020 foi proferido o seguinte despacho:
“A O..., S. A., veio a fls 367 e ss requerer que se dê sem efeito a audiência de licitação para permitir às partes que se pronunciem sobre a invocada nulidade do seu agendamento, dado o prazo terminar na véspera e ainda ser possível às partes pronunciarem-se para lá
daquela data, com o pagamento de multa.
A A. AA veio secundá-la por requerimento de fls. 369.
Efectivamente, assim é. Pelo que, para evitar a deslocação inútil de todos os intervenientes para a diligência de licitação já que não pode o tribunal decidir as invocadas nulidades sem estar cumprido o contraditório, dou sem efeito a agendada diligência até decisão das nulidades invocadas pela O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA e pelas RR C... SGPS, SA e Cr..., SA”.
e) A 02/11/2020 foi proferido despacho saneador em que na 3ª pág. Se exarou:
“A invocada nulidade do despacho que agendou diligência de licitação, nos termos do artigo 195.º, n.º 1 do CPC alegando que foi cometida irregularidade que pode influir no exame ou decisão da causa, já foi decidida ao ter sido dada sem efeito a marcação e permitido aos sócios co-AA pronunciarem-se”.
f) A ...9/06/2021veio a A. dizer:
“1. Pelo douto Despacho de 11 de Dezembro de 2019, com a referência ...79, foi designado o subsequente dia 28 de Janeiro para que se procedesse a licitação entre os diferentes preferentes.
2. Já pelo douto Despacho de 22 de Janeiro de 2020, com a referência ...62, foi essa diligência dada sem efeito até à decisão das nulidades invocadas pelas partes.
3. Compulsados os autos, verifica-se que a diligência nunca foi novamente agendada, pelo que, consequentemente, não se realizou.
4. Impõe-se, assim, que seja devidamente esclarecido em que momento terá lugar, o que se requer.”
g) Na sessão de julgamento que teve lugar a 17/06/2021 foi proferido o seguinte despacho:
Quanto ao requerimento de fls. 598 e fls. 600, nada há a decidir, uma vez que já foi apreciado em sede de despacho saneador e aquando do despacho proferido relativamente ao acórdão do 1º recurso.
Vejamos
Nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 613º, proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, normativo que é aplicável aos despachos nos termos do n.º 3 do mesmo normativo.
Por outro lado, dispõe o n.º 1 do art.º 625º do CPC que, havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar.
A decisão proferida sobre objecto já coberto pelo caso julgado é ineficaz – Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in CPC Anotado, 2º Volume, 3ª edição, pág. 731 (anotação ao art.º 613º) e 766 (anotação ao art.º 625º) – e não inexistente, como invocam as RR/recorrentes.
O tribunal, por despacho de 23/01/2020, deu sem efeito a diligência agendada.
Esta decisão não foi impugnada em recurso, tendo, portanto, transitado em julgado.
É certo que o fez “até decisão das nulidades invocadas pela O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA e pelas RR C... SGPS, SA e Cr..., SA”.
Porém, a 02/11/2020 foi proferido despacho saneador em que na 3ª pág. se decidiu que a nulidade do despacho que agendou diligência de licitação, “já foi decidida ao ter sido dada sem efeito a marcação e permitido aos sócios co-AA pronunciarem-se”.
Também este despacho não foi impugnado em recurso, pelo que transitou em julgado.
E finalmente, tendo a A. requerido fosse esclarecido quando teria lugar as licitações, o tribunal, na sessão de julgamento que teve lugar a 17/06/2021, declarou “nada há a decidir, uma vez que já foi apreciado em sede de despacho saneador e aquando do despacho proferido relativamente ao acórdão do 1º recurso.”
De tudo decorre que aquando da prolação da sentença, não havia nenhum despacho eficaz a designar dia e hora para licitações, pelo que a sentença, ao reconhecer à A. e a todos os intervenientes, “o direito de preferir conjuntamente”, não decidiu sobre objecto já coberto pelo caso julgado.
Improcede assim a invocada “inexistência” da sentença
*
4.2. Nulidade da sentença por omissão de pronúncia quanto á questão da intempestividade e inconsequência da invocação da repartição da quota no requerimento da J... e BB, de 27/01/2020 (recurso da interveniente O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA)
Recordando rapidamente a tramitação processual verifica-se que:
- por requerimento de 15/01/2020, A..., Lda, em resposta ao articulado da O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA, veio dizer que a prevalência do preço oferecido pela O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA não tem fundamento; havendo uma pluralidade de preferentes, aplica-se o n.º 6 do art.º 6º dos Estatutos: a quota alienada é repartida entre os preferentes na proporção das quotas de cada um deles; o oferecimento pela O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA de uma quantia superior ao preço da venda é, por isso, inútil e de nenhum efeito.
- por requerimento de 16/01/2020, BB veio responder ao articulado apresentado pela O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA, pronunciando-se quanto à invocada prevalência do preço oferecido pela O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA em termos idênticos aos da A...;
- por requerimento de 27/01/2020, J... – I..., SGPS, SA, BB e CC vieram dizer não dever haver lugar a licitação por se aplicar o art.º 6º n.º 6 dos Estatutos, daí retirando que a quota deve ser repartida face ao exercício do direito de preferência por mais de um sócio;
-  04/02/2020, a O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA veio pronunciar-se quanto aos requerimentos da A... de 15/01/2020 e de BB de 16/01/2020, nada dizendo quanto á questão suscitada por aqueles da repartição da quota;
- por requerimentos de 12/02/2020 e de 17/02/2020, vieram, respectivamente, BB e AO, invocar a inadmissibilidade da resposta da O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA;
- por requerimento de 27/02/2020, a O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA respondeu á invocada inadmissibilidade da sua resposta;
- a 27/02/2020 foi proferido despacho que, na parte que releva, tem o seguinte teor:
“Antes de proferir decisão importa deixar consignado que a decisão das questões invocadas, especificamente, a requerida habilitação da A... I..., Lda no lugar da A... SGPS, SA e o pedido formulado pela J...- Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA, BB e CC de repartição da quota em questão por todos os sócios por os Estatutos da OL... admitirem o exercício da preferência por mais de uma pessoa, repartindo-se a quota entre os preferentes na proporção das respetivas participações no capital social, pode determinar a improcedência do pedido formulado na presente ação de preferência pela A, pelo que, nos termos do artigo 3º, nº3 do CPC, para evitar que possa ser proferida uma decisão- surpresa, concedo às restantes partes o prazo de 10 dias para se pronunciarem, querendo.
Notifique.
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Requerimento de 4-2-2020: Desentranhe e devolva à apresentante, pois não se pronuncia sobre qualquer questão nova, não sendo admissível tal articulado.”
- por requerimento de 16/03/2020 veio a O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA dizer que o despacho supra referido parte de um pressuposto incorrecto quando concede o contraditório quanto ao “pedido formulado pela J...- Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA, BB e CC de repartição da quota em questão por todos os sócios por os Estatutos da OL... admitirem o exercício da preferência por mais de uma pessoa, repartindo-se a quota entre os preferentes na proporção das respetivas participações no capital social” dizendo que os referidos intervenientes não deduziram nem formularam qualquer pedido de repartição da quota, nos respetivos articulados não invocaram como causa de pedir a repartição da quota, nem invocaram o art.º 6º n.º 6 dos Estatutos.
Mais refere que a 16/01/2020 o interveniente BB apresentou um requerimento que abordou, de forma intempestiva, a questão da repartição da quota, por estar ultrapassado o prazo do n.º 2 do art.º 319º, mas não formulou qualquer pedido nesse sentido.
Mais invoca que no requerimento conjunto dos intervenientes J... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA, BB e CC de 27/01/2020, apesar de haver referência á questão da repartição, não foi feito qualquer pedido de repartição.
Refere ainda que udo o referido aplica-se à A..., cujo articulado não contém qualquer referência à repartição,
E terminou o seu requerimento nos seguintes termos:
Em face do exposto, é forçoso concluir o seguinte:
1. (…)
2. Este Tribunal não pode conhecer da questão da repartição da quota em causa, ao abrigo do artigo 6.º, n.º 6, dos estatutos da OL..., sob pena de violação dos artigos 3.º e 319.º, n.º 3, do CPC, e incorrer na nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1 - al. d) - 2.ª parte, do CPC, por nem a Autora, nem os Intervenientes BB, J... e CC terem deduzido uma causa de pedir e formulado o respectivo pedido neste sentido.
Caso assim não se entenda, é forçoso concluir que a causa de pedir e o pedido dos Intervenientes BB, J... e CC e, ainda, da A... - Investimentos, Lda. neste sentido são, manifestamente, intempestivos.
3. (…)
Dispõe o n.º 2 do art.º 608º do CPC
2 - O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
O art.º 615º n.º 1 alínea d) do CPC dispõe que é nula a sentença quando: (…) d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…).
Tendo a interveniente O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA suscitado a questão da intempestividade da questão da repartição da quota á luz do n.º 6 do art.º 6º dos Estatutos e da não formulação de qualquer pedido nesse sentido e tendo o tribunal recorrido considerado, na sentença, aplicável a referida norma estatutária e reconhecido à A e co-AA, AA, A..., Lda, F...P..., SGPS, S.A., O... SGPS, SA, J... I..., SGPS, SA, BB e CC, o direito a preferir conjuntamente, na proporção da sua participação no capital social, na cessão da quota da O... S.G.P.S, Lda, com o valor nominal de € 994.625,95, que a C... cedeu à Cr..., SA a 25-3-2016, pelo preço convencionado de € 1.500,00, impunha-se que, previamente, se tivesse pronunciado quanto às questões suscitadas pela interveniente O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA, sendo certo que tais questões não estavam prejudicadas pela solução dada a outras.
Porém e como resulta da sentença recorrida, isso não sucedeu.
É, assim, patente, a nulidade da sentença proferida por omissão de pronúncia (art.º 615º n.º 1, alínea d), 1ª parte) quanto às supra referidas questões suscitadas pela interveniente O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA no seu requerimento de 16/03/2020.
Impõe-se então, nos termos do disposto no art.º 665º n.º 1 do CPC, conhecer das referidas questões.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, mas o foco essencial não é a intempestividade, mas a inconsequência da suscitada questão da repartição da quota.
A repartição da quota não é seguramente uma questão de facto.
Tem uma dupla natureza: é uma questão de direito e é um efeito jurídico que pode ser extraído ou não, da aplicação do direito aplicável, ou seja, pode ser decretada pelo tribunal.
Mas para isso, é necessário que seja pedido.
E no caso, nem a A., nem nenhum dos intervenientes, pediu, fosse no respectivo articulado inicial, fosse posteriormente, mediante ampliação do pedido, que, no caso de haver vários sócios a preferir, a quota fosse repartida entre eles na proporção das respectivas participações sociais.
Destarte, muito embora tenha sido suscitada a questão da repartição da quota, não tendo sido formulado qualquer pedido nesse sentido, a questão é, nessa estrita medida, inconsequente, o que se declara.
*
4.3. Nulidade da sentença por omissão de pronúncia quanto a um conjunto de questões (recurso das RR.)

Invocam as RR. que suscitaram as seguintes questões, sobre as quais o tribunal a quo não se pronunciou, como lhe competia:

a) Natureza fiduciária da cessão de quota (cfr., art. 171.º e ss da contestação à petição da A., e arts. 66.º a 103.º da contestação às petições dos intervenientes);
b) Inexistência do direito convencional de preferência (arts. 163.º a 195.º da contestação);
c) Ilegalidade da cláusula estatutária de preferência (arts. 196.º a 210.º da contestação);
d) Falta de eficácia real do direito de preferência (arts. 211.º a 223.º da contestação);
e) Renúncia ao direito de preferência (arts. 224.º a 236.º da contestação);
Invoca também, neste âmbito, o não conhecimento da invocada nulidade da audiência prévia.
Esta questão já foi objecto de análise e decisão no ponto 3.1. supra.

Dispõe o art.º 615º do CPC:
1. É nula a sentença quando:
(…)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
(…)”
A sentença pode ser vista como trâmite ou como acto: no primeiro caso, atende-se à sentença no quadro da tramitação da causa; no segundo, considera-se o conteúdo admissível ou necessário da sentença.
As nulidades da sentença e dos acórdãos referem-se ao conteúdo destes actos, ou seja, estas decisões não têm o conteúdo que deviam ter ou têm um conteúdo que não podiam ter (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, in O que é uma nulidade processual? in Blog do IPPC, 18-04-2018, disponível em https://blogippc.blogspot.com/search?q=nulidade+processual).
*
Em concreto:
A alínea d), contempla duas situações: a) quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (omissão de pronúncia) ou b) conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (excesso de pronúncia).
A primeira – que está aqui em causa - está correlacionada com a 1ª parte do n.º 2 do art.º 608º do CPC, que dispõe (sublinhado nosso): “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras;…”
Relativamente à expressão “questões”, referia Alberto dos Reis, in CPC Anotado, Volume V, Coimbra, 1984, pág. 53-55, em primeiro lugar, que “a sentença deve incidir sobre tudo o que for pedido e só sobre isso” e em segundo lugar, que “há que ter em conta a causa de pedir”, o fundamento ou razão de pedir.
Também Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in CPC Anotado Volume 2º, 3ª edição, pág. 737 referem que deve “o juiz conhecer de todas a questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas”
E Abrantes Geraldes, JJ, Luís Sousa, CPC Anotado I, 2ª edição, pág. 753 referem que são os pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição das partes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, pedido e excepções.
O normativo tem em vista as questões essenciais, ou seja, o juiz deve conhecer todos os pedidos, todas as causas de pedir e todas as excepções invocadas e as que lhe cabe conhecer oficiosamente (desde que existam elementos de facto que as suportem), sob pena da sentença ser nula por omissão de pronúncia.
As questões essenciais não se confundem com os argumentos invocados pelas partes nos seus articulados. O que a lei impõe, sob pena de nulidade, é que o juiz conheça das questões essenciais e não os argumentos invocados pelas partes.
Assim, “o tribunal não tem de se pronunciar sobre todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes, desde que não deixe de apreciar os problemas fundamentais e necessários à decisão da causa” (Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1979, pág. 220).
É abundante a jurisprudência quanto a esta questão - vd., a título meramente exemplificativo, o Ac. do STJ de 21/01/2014, proc. 9897/99.4TVLSB.L1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj).
As questões a que se referem as RR./recorrentes são excepções de direito material, pelo que deviam ter sido conhecidas na sentença.
Porém, percorrida a sentença, é patente que a mesma não se pronuncia quanto a nenhuma delas, pelo que a mesma é nula a luz da 1ª parte da alínea d) do n.º 1 do art.º 615º do CPC.
*
4.4. Nulidade da sentença por omissão de pronúncia quanto ao pedido da O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA (recurso da interveniente O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA)
A 16/12/2019 a O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA apresentou o seu articulado, tendo terminado pedindo, a título principal, que fosse “reconhecido à O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA o direito de exercer preferência sobre a quota que a C... transmitiu para a Cr..., SA, oferecendo o preço de € 24.750,00 acrescido de € 250,00a título de eventuais custos e, por conseguinte, deve o tribunal declarar a transmissão a favor da O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA pelo referido preço”.
O referido pedido foi formulado com o sentido de o direito de preferência da interveniente ser reconhecido e julgado procedente com prevalência sobre os demais preferentes, atento o valor superior oferecido e depositado pela mesma, relativamente à Autora e demais Intervenientes Principais.
Sucede que a sentença recorrida não apreciou, na sua fundamentação de direito, a pretensão da Interveniente Principal O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA que – repete-se – é da prevalência do seu direito de preferência - e – coerentemente, diga-se - o dispositivo da mesma omite qualquer juízo de procedência ou de improcedência da mesma.
Mas, caberá perguntar se a sentença recorrida, ao reconhecer à A. e aos co-AA, AA, A..., Lda, F...P..., SGPS, S.A., O... SGPS, SA, J... I..., SGPS, SA, BB e CC, o direito a preferir conjuntamente, na proporção da sua participação no capital social, na cessão da quota da O... S.G.P.S, Lda, com o valor nominal de € 994.625,95, que a C... cedeu à Cr..., SA a 25-3-2016, pelo preço convencionado de € 1.500,00, se pronuncia implicitamente sobre a pretensão da interveniente, questão que, aliás, é colocada pela própria recorrente e a que responde negativamente.
Previamente há que perguntar da admissibilidade do julgamento implícito.
O art.º 660º do CPC de 1939 continha um parágrafo único que dizia - “Consideram-se resolvidas tanto as questões sobre que recair decisão expressa, como as que, dados os termos da causa, constituírem pressuposto ou consequência necessária do julgamento expressamente proferido”.
A este respeito ensinava Alberto dos Reis in CPC Anotado, Vol. V, pág. 59, que “o parágrafo único contém uma regra da maior importância e ao mesmo tempo da maior delicadeza. Aceita o julgamento implícito, aplicando-o às questões que, dados os termos da causa, constituírem pressuposto ou consequência necessária do julgamento expresso. É a doutrina dos autores de maior categoria científica. Mas não pode deixar de reconhecer-se que o princípio é perigoso, pelo que a jurisprudência deve fazer dele uso prudente e moderado.
E afirmava (ob. cit. pág. 65) que caso julgado implícito é aquele que “não é claramente enunciado, mas tem de ser reconhecido mediante um esforço de interpretação.” e (ob. cit. pág. 66) que “o problema do julgamento implícito só surge quando nem a parte justificativa nem a parte dipositiva fornecem elementos suficientes para se afirmar que o juiz se pronunciou sobre determinada questão”.
E concluía (ob. cit. pág. 67): “Não basta que a questão sobre a qual não recaia decisão expressa seja, em face dos princípios, pressuposto necessário ou consequência lógica do julgamento explicito; é indispensável que os próprios termos da causa estabeleçam esse nexo e autorizem essa ligação.”
A Reforma de 1961 suprimiu aquele parágrafo único.
O Ac. do STJ de 12/09/2007, processo 07S923, consultável in www.dgsi.pt/jstj considerou que decisão implícita é aquela que está subentendida numa decisão expressa e tal só acontece quando a solução da questão sobre que recaiu a decisão expressa pressupõe a prévia resolução de uma outra questão que, todavia, não foi expressamente assumida.
O Ac. do STJ de 14/05/2014, processo 120/13.1TTGRD-A.C1S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj considerou ser de admitir o chamado caso julgado implícito quando a afirmação que faz caso julgado impõe, como consequência necessária, outra a que o caso julgado se alarga.
E no Ac. da RC de 08/11/2016, processo 170/14.0TBCTB-A.C1, considerou-se dever acolher-se a tese da admissibilidade do julgamento implícito em processo civil apenas nas situações em que o objecto do processo é composto por uma cumulação aparente de pedidos, correspondendo a decisão implícita a um pressuposto necessário do julgamento expresso.

E em texto referiu-se:

Contudo, a identificação do julgamento implícito exige a necessidade de um critério de conexão lógica entre decisões implícitas e as decisões expressas, não bastando, para o efeito, que em face dos termos da causa, as decisões (implícitas) constituam pressuposto necessário do julgamento expresso, porque um tal entendimento pode originar incerteza e violar o princípio da segurança jurídica e do contraditório.
E o Ac. do STJ de 11/05/2022, processo 60/08.6TBADV.2.E1.S1 consultável in www.dgsi.pt/jstj considerou que no nosso ordenamento jurídico-processual, o caso julgado implícito só pode ser admitido em relação a questões suscitadas no processo e que devam considerar-se abrangidas, embora de forma não expressa, nos termos e limites precisos em que julga.
Na doutrina Francisco Ferreira de Almeida, in Direito Processual Civil, II, 3ª edição, pág. 762, considera que, se perante os termos da causa, a questão satisfez a exigência do art.º 608º, isto é, ser pressuposto ou consequência necessária do julgamento expresso, há julgamento implícito e não haverá omissão de pronúncia.
Não há dúvidas que nos termos do n.º 2 do art.º 608º do CPC o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação…
Naturalmente que a lei exige uma pronúncia expressa, pois só essa respeita o direito das partes de acesso á justiça e de impugnação da decisão  e assegura a certeza e segurança jurídica.
Mas a norma, ao determinar que “o juiz deve resolver todas as questões…” admite o julgamento implícito sobre dada questão, desde que, face aos termos da causa, a mesma constitua pressuposto ou consequência necessária do julgamento expressamente proferido.
No primeiro caso, o julgamento implícito abrange os antecedentes lógicos do julgamento expresso; no segundo caso, o julgamento implícito abrange um efeito necessário do julgamento expresso.
Vejamos em concreto
O tribunal estava colocado perante a questão de saber se devia reconhecer à A. e a todos os intervenientes o direito de preferir ou se devia reconhecer esse direito exclusivamente à interveniente O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA, sendo que:
- reconhecendo-se à A. e aos co-AA, AA, A..., Lda, F...P..., SGPS, S.A., O... SGPS, SA, J... SGPS, SA, BB e CC, o direito a preferir na cessão da quota da O... S.G.P.S, Lda, pela C... á Cr..., não podia reconhecer a prevalência do direito de preferência da O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA;
- reconhecendo-se a prevalência do direito de preferência da O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA, ou seja, o direito exclusivo da mesma preferir, não podia reconhecer à A. e aos co-AA, AA, A..., Lda, F...P..., SGPS, S.A., O... SGPS, SA, J... SGPS, SA, BB e CC, o direito a preferir na cessão da quota da O... S.G.P.S, Lda, pela C... á Cr....
Mas entre as duas pretensões não se verificam as conexões exigidas para o julgamento implicito:
- o reconhecimento à A. e a todos os intervenientes do direito de preferir não é antecedente lógico do reconhecimento desse direito exclusivamente à interveniente O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA e o reconhecimento desse direito exclusivamente à interveniente O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA também não é antecedente lógico do reconhecimento desse direito à A. e a todos os intervenientes, já que, como referido, um exclui o outro;
- o reconhecimento à A. e a todos os intervenientes do direito de preferir não tem como efeito necessário o reconhecimento desse direito exclusivamente à interveniente O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA e o reconhecimento desse direito exclusivamente à interveniente O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA também não tem como efeito necessário o reconhecimento desse direito à A. e a todos os intervenientes, já que, como referido, um exclui o outro.
É verdade, em termos puramente lógicos, que o reconhecimento à A. e a todos os intervenientes do direito de preferir exclui o reconhecimento desse direito exclusivamente à interveniente O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA.
Mas isso não releva como “julgamento implícito” porquanto a exclusão não constitui critério de conexão para efeitos de julgamento implícito.
Face aos termos da causa, a pretensão da interveniente O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA constituía uma pretensão autónoma relativamente à da A. e de todos os intervenientes.
Porém, na parte dispositiva não consta qualquer decisão quanto á mesma.
Poder-se-ia encontrar na motivação alguma referência que permitisse concluir que tribunal examinou e decidiu a pretensão da interveniente.
Porém, isso não sucede.
E do facto de ter analisado o reconhecimento à A. e a todos os intervenientes do direito de preferir, não se extrai, de forma alguma, que tenha analisado e decidido a questão do reconhecimento desse direito exclusivamente à interveniente O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA.
Neste conspecto ( e sendo manifesto que não o fez de forma expressa), não é possível afirmar que o tribunal apreciou e decidiu “implicitamente“ a pretensão da interveniente O... SGPS, SA, de que lhe seja reconhecido exclusivamente o direito preferir na cessão da quota, pelo que estamos perante uma efectiva omissão de pronúncia, o que determina, nesta parte, a nulidade da sentença à luz do disposto na 1ª parte da alínea d) do n.º 1 do art.º 615º do CPC, que se declara.
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4.5. Nulidade da sentença por ter conhecido de questão que não podia conhecer e ter condenado em objecto diverso (a questão da repartição da quota) (recurso da interveniente O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA);
A recorrente invoca, em síntese, que:
- nem a A., nem os restantes intervenientes suscitaram, nos respectivos articulados e de forma tempestiva, a questão da repartição da quota à luz do disposto no art.º 6º n.º 6 dos Estatutos, para o caso de todos os sócios quererem preferir e, correspondentemente, não pediram que, no caso de reconhecimento do direito de preferir a mais do que um sócio, se procedesse à repartição da quota entre eles;
- por isso, o tribunal ao reconhecer à “A. e co-AA, AA, A..., Lda, F...P..., SGPS, S.A., O... SGPS, SA, J... I..., SGPS, SA, BB e CC, o direito a preferir conjuntamente, na proporção da sua participação no capital social, na cessão da quota da O... S.G.P.S, Lda, com o valor nominal de € 994.625,95, que a C... cedeu à Cr..., SA a 25-3-2016, pelo preço convencionado de € 1.500,00.” conheceu de questão que não podia conhecer e condenou em objecto diverso do pedido.
Dispõe o art.º 615º do CPC:
1. É nula a sentença quando:
(…)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
(…)”
Está aqui em causa a segunda das situações referidas na alínea d) do n.º 1 do art.º 615º - o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento -, a qual está relacionada com a 2ª parte do n.º 2 do art.º 608º do CPC, que dispõe: “O juiz (…) não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
A situação em referência verifica-se quando o tribunal conhece de questões que não foram invocadas pelas partes e de que não podia conhecer oficiosamente.
Naturalmente, que tal conhecimento há-de importar consequências para a decisão da causa, ou seja, desse conhecimento hão-de ser extraídos efeitos jurídicos.
Caso assim não suceda, caso o juiz conheça de uma questão que é desnecessária para a boa decisão da causa, no sentido em que o seu conhecimento se revela inconsequente para a decisão final, o juiz terá praticado um acto inútil (art.º 130º), mas não ocorre nulidade da sentença por excesso de pronúncia.
Por outro ldo, não há excesso de pronúncia se o juiz para decidir usar de fundamentos jurídicos diferentes dos invocados pelas partes (Ac. do STJ de 27/04/2017, proc. 685/03.6TBPRG.G1.SI, consultável in 8/02/2022).
Já Alberto dos Reis, in ob. cit. pág. 56 afirmava: “Não basta que haja coincidência ou identidade entre o pedido e o julgado; é necessário, além disso, (…) que haja identidade entre a causa de pedir (causa petendi) e a causa de julgar (causa judicandi).”
E depois de analisar situações em que o que ocorreu foi uma diferente qualificação jurídica dos factos, afirma (pág. 58) que: “quando o juiz julga procedente a acção com fundamento em causa de pedir diversa da alegada pelo autor, conhece de questão que o autor não submeteu á sua apreciação, isto é, de questão de que não podia tomar conhecimento”, considerando que a sentença incorria na nulidade prevista na 2ª parte do n.º 4 do art.º 668º do CPC então vigente, ou seja, em excesso de pronúncia e que hoje integra a 2ª parte da alínea d) do n.º 1 do art.º 615º do CPC.
Também Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos… pág. 223 refere que “se o tribunal condena no pedido formulado, mas utiliza um fundamento que excede os seus poderes de conhecimento, a hipótese cabe na nulidade prevista no art.º 668º, n.º 1 alínea d), 2ª parte” e que corresponde hoje a 2ª parte da alínea d) do n.º 1 do art.º 615º do CPC.
E Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in CPC anotado, II volume, pág. 737 referem: “Não podendo o juiz conhecer de causas de pedir não invocadas, nem de excepções não deduzidas na exclusiva disponibilidade das partes (art.º 608-2) é nula a sentença que o faça.”
Na jurisprudência o Ac do STJ de 07/04/2016, processo 842/10.9TBPNF.P2.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj refere:
“… para além de o processo só se iniciar sob o impulso do autor ou requerente – tem este o ónus de delimitar adequadamente o thema decidendum, formulando o respectivo pedido, ou seja , indicando qual o efeito jurídico, emergente da causa de pedir invocada, que pretende obter e especificando ainda qual o tipo de providência jurisdicional requerida, em função da qual se identifica, desde logo, o tipo de acção proposta ou de incidente ou providência cautelar requerida - definindo ainda o núcleo essencial da causa de pedir em que assenta a pretensão deduzida .
Daqui decorre naturalmente um princípio de correspondência ou congruência entre o pedido deduzido e a pronúncia jurisdicional obtida pela parte, devendo o decidido pelo juiz adequar-se às pretensões formuladas, ser com elas harmónico ou congruente, sob pena de se verificar a nulidade da sentença por excesso de pronúncia”
Também o Ac. do STJ de 05/12/2019, processo 5940/16.2T8GMR.G1.S2, consultável in www.dgsi.pt/jstj, conclui que “incorre em nulidade por excesso de pronúncia o acórdão que conhece de um pedido com base em causa de pedir diversa da que o havia fundado.”
A alínea e) do n.º 1 do art.º 615º está relacionada com o disposto no n.º 1 do art.º 609º, o qual dispõe que a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.
A noção legal de pedido extrai-se do n.º 3 do art.º 581º do CPC: é o efeito jurídico que o Autor pretende obter.
No dizer de Miguel Teixeira de Sousa, in Introdução ao Processo Civil, pág. 23, o pedido consiste na forma de tutela jurisdicional que é requerida para determinada situação subjectiva.
Mais importante que a qualificação jurídica que, porventura seja dada pelo autor, deve atender-se ao efeito prático que se pretende alcançar – Anselmo de Castro, in Processo Civil (Declaratório), pág. 160.
A interpretação do pedido não deve cingir-se aos estritos dizeres da formulação do petitório, devendo antes ser conjugada com o sentido e alcance resultantes dos fundamentos da pretensão – cfr. Ac. do STJ de 19/0172017, processo 873/10.9T2AVR.P1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj.
Nos termos do art.º 552º n.º 1, alínea e) do CPC, o pedido deve ser expressamente formulado na conclusão da petição, não bastando que apareça acidentalmente referido na narração (Varela, Bezerra e Nora, in Manual de processo Civil, 2ª edição, pág. 245, nota (1), posição que é seguida por Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in ob. cit., pág. 493 e JJ , Processo Civil Declarativo, 3ª edição, pág. 166, afirmando Abrantes Geraldes, JJ e Luís Sousa, in CPC Anotado, I, 2ª edição, pág. 632, ponto 20, que “a “conclusão” é a parte da petição em que o autor indica a concreta tutela jurisdicional pretendida com a acção, devendo formular expressamente o pedido correspondente”.
No entanto, a doutrina, à luz de alguns acórdãos, não exclui a formulação de pedidos implícitos, referindo Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, I Volume, 2ª edição revista e ampliada, pág. 123, nota 164:
“Noutras situações e contra todas as regras que devem orientar a apresentação de petições iniciais, o pedido, em vez de surgir no local adequado – o final da petição – está integrado e misturado com a respectiva fundamentação fáctica ou jurídica.
Nesta área de expressa manifestação de obtenção de uma determinada forma de tutela judiciária pode ainda inserir-se a questão da admissibilidade de pedido implícitos…
Em matéria de acção de revindicação, o Ac. do STJ de 24/01/95, in CJSTJ, tomo I, pág. 38, pronunciou-se positivamente, posição também sustentada no Ac. da RL de 18/01/96, in CJ, I, 92, quanto ao pedido de resolução do contrato de arrendamento, num caso em que apenas se formulara o pedido de “condenação do réu a despejar imediatamente o local arrendado”.”
Também Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in ob. cit. 493 referem que a necessidade de o pedido ser formulado expressamente na conclusão “não obsta a que o [mesmo] seja expresso na parte narrativa do articulado, desde que se revele com nitidez, como sentido de declaração para o declaratário normal, a intenção de obter o efeito jurídico pretendido, máxime, quando o réu o haja entendido correctamente (…)”
E finalmente Abrantes Geraldes, JJ e Luís Sousa in ob cit. pág. 633, ponto 22, afirmam que não está afastada de todo a admissibilidade de pedidos implícitos.
Vejamos
A A. alegou na PI:
- no art.º 2º, que era sócia da OL...;
- no art.º 5º, o art.º 6º dos Estatutos da sociedade;
- no art.º 57º, que “face ao estabelecido no pacto – cfr. n.º 4 daquele artigo sexto – (…) é estabelecido um pacto de preferência em beneficio dos demais sócios, representando uma convenção, a que atribuíram eficácia real, pela assumiram a obrigação de dar preferência aos demais sócios na transmissão das participações sociais”;
- no art.º 66º, que “os intervenientes indicados no cabeçalho da (…) petição são os demais sócios da “OL...”;
- no art.º 67º, que “na proporção das respectivas participações [os sócios da OL...] são co-titulares do direito de preferência relativo á transmissão da identificada participação social”;
- art.º 68º, que “não se revelou possível obter acordo com eles quando ao modo de exercício desse direito”, tendo pedido a intervenção dos demais sócios.
E pediu:
- a título principal:
a) ser reconhecido à autora, conjunta ou individualmente, o direito de preferência na cessão da quota com o valor nominal de € 994.625,95 no capital social da “OL...”, que a “C...” fez à “Cr..., SA” pelo preço de €1.500,00 (mil e quinhentos euros), substituindo-se a autora à ali cessionária no respectivo contrato.
b) ser ordenado o cancelamento de todos e quaisquer registos que hajam sido feitos na sequência dessa cessão, nomeadamente a favor da ré “Cr..., SA”, pelo Dep. 123/2016.04.27 e a sua inscrição na titularidade daqueles que venham a exercer a preferência;
c) ser admitida a pretendida intervenção principal provocada activa e ordenada a citação dos intervenientes para, como autores, declararem nos autos se pretendem exercer a preferência.
d) serem as rés condenadas em custas.
- ou, a título alternativo: quando se entenda dever aplicar-se a forma processual do artigo 1037.º do Código de Processo Civil, ser ordenada a alteração da forma de processo e aproveitados os actos praticados e:
a) ser reconhecido à autora o direito à licitação no exercício do direito de preferência na aquisição da identificado quota social;
b) ser ordenada a notificação dos agora intervenientes para comparecerem no Tribunal no dia e hora que sejam fixados, a fim de se proceder a licitação entre eles e a autora, no que respeita ao exercício daquele direito de preferência.

À excepção da O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA, que pediu que lhe fosse reconhecido a si, de forma exclusiva, o direito de exercer preferência sobre a quota que a C... transmitiu para a Cr..., SA, oferecendo o preço de € 24.750,00 acrescido de € 250,00 a título de eventuais custos, todos os restantes intervenientes principais aderiram à petição inicial.
A sentença recorrida considerou (pág.20):
Não recusando o consentimento à cessão, foi ainda criado mais um entrave à entrada de estranhos à sociedade, no artigo 6º, nº4 e 6 do Estatuto, pois os restantes sócios têm o direito de preferir na cessão e havendo mais do que um a pretender preferir, a quota a ceder é repartida por eles na proporção das respetivas participações no capital social.
E decidiu:
a) Reconheço à aqui A e co-AA, AA, A..., Lda, F...P..., SGPS, S.A., O... SGPS, SA, J... I..., SGPS, SA, BB e CC, o direito a preferir conjuntamente, na proporção da sua participação no capital social, na cessão da quota da O... S.G.P.S, Lda, com o valor nominal de € 994.625,95, que a C... cedeu à Cr..., SA a 25-3-2016, pelo preço convencionado de € 1.500,00.
Antes de avançar importa aqui referir que o direito de preferência pode ser titulado apenas por um sujeito, como pode ser titulado por vários.
Esta última situação pode assumir diversas configurações, como aliás resulta do disposto nos artigos 1031º a 1036º do CPC.
Assim e em primeiro lugar, temos a situação em que um mesmo direito de preferência cabe simultaneamente, a vários titulares, como sucede nas situações em que os bens estão em compropriedade, contitularidade ou comunhão, o que se traduz numa situação de contitularidade do direito, que assim deve ser exercido por todos, em conjunto e em que, se algum declarar que não o quer exercer, acresce o seu direito aos restantes (art.º 419º n.º 1 do CC e 1031º do CPC).
Outra situação é o direito de preferência caber simultaneamente a várias pessoas, mas apenas uma delas o pode exercer, como sucede nas situações de venda de prédio rústico, havendo vários proprietários confinantes com direito de preferência em igualdade de circunstâncias, havendo lugar a licitação (art.º 1380º do CC e 1032º do CPC).
Depois existem situações em que o direito de preferência cabe a mais de uma pessoa, mas sucessivamente, ou seja, em que existe uma hierarquia (art.º 1091º, n.º 3 do CC e 1033º do CPC).
Finalmente as situações em que o direito de preferência pertence a várias pessoas, ou seja, em que existem direitos de preferência concorrentes, a exercer por cada um deles individualmente e em que, no caso de todos preferirem, o bem objecto de alienação é adjudicado a todos os preferentes na proporção das suas quotas (art.º 1409º n.º 2 do CC e 1036º do CPC).
A A. alegou que os sócios da OL... “são co-titulares do direito de preferência relativo á transmissão da identificada participação social”, “na proporção das respectivas participações”, pelo que configurou o direito de preferência daqueles, na cessão de quota em causa nos autos, como um direito comum ou contitularidade, o que implica a indivisibilidade da quota, precisamente o que veio a referir no seu requerimento de 08/06/2020
E esta situação é incompatível com a repartição do bem cedido, a qual só se aplica nas situações em que existem direitos concorrentes, situação que a A., no seu requerimento de 08/06/2020, reconhece não ter sido alegada na PI.
E, em conformidade com o alegado, deduziu, a titulo principal:
- o pedido de que lhe seja reconhecido, “conjunta ou individualmente, o direito de preferência na cessão da quota…” - sendo que a expressão “conjunta” nos remete para o exercício conjunto, ou seja, por todos os sócios, do direito de preferência no caso de contitularidade e a expressão “individualmente” nos remete para a possibilidade de nenhum dos restantes contitulares pretender exercer a preferência;
- e o pedido de “inscrição [da quota] na titularidade daqueles que venham a exercer a preferência”.
Em momento algum da petição inicial a A. invocou a repartição da quota, à luz do n.º 6 do art.º 6º do Estatutos da sociedade, para o caso de todos ou alguns dos sócios quererem preferir (o que apenas se aplica a direitos de preferência concorrentes)
E, correspondentemente ao por si alegado, a A. não pediu (nem expressa nem implicitamente) que, no caso de ser reconhecido a todos ou alguns dos sócios do direito de preferir, se procedesse à repartição da quota entre eles.
Invocam os recorridos BB e J... – I..., SGPS, SA:
- o art.º 38º da PI, que tem o seguinte teor: “A acção funda-se nas regras convencionais do artigo sexto do estatuto da sociedade que estabelecem inequivocamente um pacto de preferência na alienação das participações sociais a terceiros e surge, portanto, como o exercício de um direito conferido pelo estatuto, ou seja, um direito eminentemente social, porque ligado à titularidade da participação social a que diz respeito, a justificar a proclamada competência material.”
- o facto de a A. transcrever o art.º 6º dos Estatutos;
- o facto de a A. ter requerido a intervenção dos demais sócios, alegando serem “co-titulares do direito de preferência relativo á transmissão da identificada participação social”, “na proporção das respectivas participações”.
Mas é patente que:
a) o art.º 38º da PI não tem qualquer relação com a questão da repartição da quota, antes dizendo respeito á questão da competência material do Juízo de Comércio;
b) a A. limitou-se a transcrever o art.º 6º dos Estatutos na integra, sem relevar, fosse de forma fosse, o n.º 6 e a questão da repartição da quota;
c) relativamente ao alegado no art.º 67º, já acima ficou referido que a A. configurou o direito de preferência, como estando em contitularidade entre os vários sócios.
E o que se disse relativamente à A., aplica-se, com excepção da interveniente O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA - que declarou pretender exercer o direito de preferência de forma exclusiva, invocando uma alegada prevalência do seu direito sobre os demais sócios –  integralmente a todos os restantes intervenientes, porquanto, nos respectivos articulados, apresentados ao abrigo do disposto no art.º 319º n.º 3 do CPC, aderiram á posição da A., não tendo adoptado posição diversa.
E só relevam os articulados apresentados ao abrigo do disposto no art.º 319º n.º 3 do CPC, pois é neles que devem ser deduzidos os pedidos que as partes tiverem por pertinentes e a respectiva causa de pedir, sendo irrelevantes quaisquer outros entretanto apresentados.
Como já acima ficou referido, aquando da apreciação da intempestividade e inconsequência da suscitação da questão da repartição da quota, não foi tempestivamente deduzida qualquer ampliação do pedido.
Destrate é manifesto o equívoco em que incorreu o despacho proferido pela Sra. Juiz a quo a 27/02/2020, ao referir-se a um alegado pedido de repartição da quota formulado pelos intervenientes J... – Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA, BB e CC.
Em face de tudo o exposto há que retirar as devidas consequências.
Não se verifica a nulidade da sentença prevista na 2ª parte do n.º 1 do art.º 615º do CPC ao conhecer a questão da repartição da quota, porque a mesma foi suscitada, pelo que improcede esta questão.
O facto de, como já se deixou dito, a suscitação da referida questão ser inconsequente, por não ter sido deduzido pedido nesse sentido, não implica qualquer nulidade.
Mas o segmento (sublinhado) do dispositivo em que reconhece o direito da A. e dos intervenientes a preferir na cessão da quota “na proporção da sua participação no capital social”, integra condenação ultra petitum, pois a repartição que lhe subjaz não foi pedida por nenhuma das partes, pelo que se verifica a nulidade da alínea e) do n.º 1 do art.º 615º do CPC.
*
4.5. Subsidiariamente, nulidade da sentença por contradição – alínea c) do n.º 1 do art.º 615º do CPC (recurso da interveniente O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA)
Subsidiariamente e para o caso de se entender que a sentença recorrida não incorreu nas nulidades das alíneas d) e e) do n.º 1 do art.º 615º, a interveniente O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA invocou que a sentença recorrida incorreu em contradição entre a fundamentação e a decisão (artigo 615.º, n.º 1 - al. c), do CPC).
Tendo sido julgada procedente a nulidade da sentença, no segmento que tem por conteúdo “na proporção da sua participação no capital social”, está prejudicada a apreciação da nulidade ora em referência.
*
5. Fundamentação de facto
5.1. A sentença recorrida considerou:

Factos provados [inclui a rectificação ordenada por despacho de 05/04/2022]
1- A “OL...” é uma sociedade comercial por quotas com número único de pessoa coletiva e matrícula número único de pessoa coletiva e matrícula ..., com sede Avenida ..., ... POUSADA ..., que tem por objeto a gestão de participações sociais noutras sociedades como forma indireta de exercício de atividades económicas (adiante designada abreviadamente apenas por “OL...”).
2- O seu capital social é de 4.973.129,75 (quatro milhões, novecentos e setenta e três mil, cento e vinte e nove euros e setenta e cinco cêntimos), e, atualmente, é da titularidade dos seguintes sócios:

• “Cr..., SA”, titular de uma quota no valor nominal de €994.625,95(novecentos e noventa e quatro mil, seiscentos e vinte e cinco euros e noventa e cinco cêntimos), adiante designada abreviadamente apenas por “Cr..., SA”;
• “O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA”, titular de uma quota no valor nominal de €994.625,95 (novecentos e noventa e quatro mil, seiscentos e vinte e cinco euros e noventa e cinco cêntimos) adiante designada abreviadamente apenas por “O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA”;
• “F... SGPS, SA”, titular de uma quota no valor nominal de €994.625,95 (novecentos e noventa e quatro mil, seiscentos e vinte e cinco euros e noventa e cinco cêntimos), adiante designada abreviadamente apenas por “F...”;
• “J... I..., SGPS, SA”, titular de uma quota com o valor nominal de €850.609,05 (oitocentos e cinquenta mil, seiscentos e nove euros e cinco cêntimos), adiante designada abreviadamente apenas por “J...”;
• BB, titular de uma quota no valor nominal de €48.004,43 (quarenta e oito mil, quatro euros e quarenta e três cêntimos);
• CC, titular de uma quota no valor nominal de €48.008,04 (quarenta e oito mil, oito euros e quatro cêntimos);
• AA, aqui autora, titular de uma quota no valor nominal de €48.004,43(quarenta e oito mil, quatro euros e quarenta e três cêntimos).
•  A..., Lda, titular de uma participação de 20%, que corresponde a uma quota no valor nominal de €994.625,95 (novecentos e noventa e quatro mil, seiscentos e vinte e cinco euros e noventa e cinco cêntimos).
3- O artigo 6º do estatuto da sociedade estabelece:
“1. A transmissão de quotas, gratuita ou onerosa, efectuada por negócio entre vivos, fica sujeita ao prévio consentimento da sociedade, prestado pela Assembleia Geral e preferência, com eficácia real, dos demais sócios, nos termos dos números seguintes.
2. O sócio que pretenda transmitir a quota comunicará o facto à sociedade e aos demais sócios, por carta registada com aviso de recepção, indicando o cessionário, o preço e os demais termos e condições da cessão, nomeadamente garantias de pagamento do preço de compra,quando existam.
3. No prazo de sessenta dias a contar da recepção da carta prevista no número anterior, a sociedade comunicará o consentimento ou a recusa do mesmo ao sócio cedente mediante carta registada com aviso de recepção, sob pena de o consentimento se ter por concedido.
4. Caso a sociedade consinta na cessão, os demais sócios gozarão de direito de preferência na cessão, nos termos dos números seguintes.
5. Na própria Assembleia Geral que deliberou o consentimento, os sócios manifestarão se pretendem exercer o seu direito de preferência, na proporção, em proporção inferior ou em proporção superior à respectiva participação no capital social.
6. Se mais do que um sócio pretender exercer o seu direito de preferência, a quota ou quotas a ceder serão repartidas entre eles, na proporção das respectivas participações no capital social.
7. A cessão será feita nos termos e condições referidos na carta prevista no número dois da presente cláusula. Na ausência de prazo imperativo ou de indicação de prazo na comunicação prevista no número três, a cessão deverá encontrar-se concluída no prazo de trinta dias a contar da data da Assembleia Geral referida no número cinco.
8. O consentimento da sociedade pode ser parcial assim como pode ser condicionado. Nestes dois casos, o sócio que pretenda ceder as suas quotas pode, em alternativa à transmissão, exigir que a sociedade amortize, nos termos do número nove, todas as quotas que pretenda transmitir ou todas aquelas em cuja transmissão a sociedade não consentiu ou consentiu com condições.
9. Caso a sociedade recuse o consentimento à cessão, a sociedade fica obrigada a amortizar, ou fazer adquiriras quotas pretendida transmitir no caso de estar legalmente impedida de amortizar as quotas pretendidas transmitir ou, no caso de os sócios que aprovaram a recusa do consentimento, aprovarem também, em simultâneo com a deliberação de recusa de consentimento a aquisição das quotas pretendidas transmitir pelos sócios da sociedade, proporcionalmente à participação de cada um deles, e/ou, na parcela não adquirida pelos sócios, por um terceiro. Os sócios que votaram contra a recusa de consentimento têm o direito, mas não a obrigação, de comprar as quotas pretendidas transmitir, no exercício dos respetivos direitos legais de preferência.
10. A amortização e a aquisição previstas nos dois números anteriores devem ser formalizadas nos trinta dias seguintes à comunicação prevista no número quatro, pelo preço comunicado pelo sócio que solicitou o consentimento ou, tratando-se de transmissão gratuita, pelo preço global de um euro.
4- Por escrito de 25 de Março de 2016, a ré “C...” cedeu à ré “Cr..., SA” a quota de que era titular no capital social da “OL...”, com o valor nominal de €994.625,95.
5- A cessão daquela quota foi efetuada livre de qualquer ónus ou encargo e com os correspondentes direitos e obrigações, incluindo as prestações suplementares que foram efetuadas à sociedade pela cedente.
6- O preço convencionado foi de €1.500,00 (mil e quinhentos euros).
7- Antes de tal cessão, eram sócios da sociedade:
• “C...”, titular de uma quota no valor nominal de €994.625,95; • “O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA”, titular de uma quota no valor nominal de €994.625,95;
• “F...”, titular de uma quota no valor nominal de €994.625,95; • “J...”, titular de uma quota com o valor nominal de €850.609,05;
• BB, titular de uma quota no valor nominal de €48.004,43;
• CC, titular de uma quota no valor nominal de €48.008,04;
• AA, aqui autora, titular de uma quota no valor nominal de €48.004,43.
• “sociedade A... SGPS, Lda, titular de uma quota no valor nominal de € 994.625,95”.
8- Na última assembleia geral da sociedade anterior à data da cessão, ocorrida em 20 de Junho de 2014, estiveram presentes ou representados aqueles referidos sócios.
9- Essa transmissão ou o seu projeto, incluindo, nomeadamente, a indicação do cessionário, do preço e dos demais termos e condições, contendo eventuais garantias de pagamento do preço, não foram por qualquer meio comunicados à“OL...”, nem foi pedido, por cedente ou cessionário, qualquer consentimento da sociedade à cessão.
10- A mesma transmissão ou o seu projeto, também não foram comunicados à autora, que deles não se inteirou.
11- E também não foram comunicados a qualquer um dos outros identificados sócios, que deles igualmente não se inteiraram.
12- E não foi, assim, submetida a qualquer deliberação de consentimento.
13- A única assembleia geral da “OL...” que se realizou depois daquela cessão e até à entrada em juízo da presente ação, foi convocada para funcionar no dia 16 de Novembro de 2017, pelas 11h00m, na Avenida ..., ... POUSADA ... e tinha apenas como ordem de trabalhos: 1. Análise e discussão do procedimento administrativo de dissolução n.º 775/2017, iniciado oficiosamente com o fundamento na alínea a) do artigo 5.º do Regime Jurídico dos Procedimentos de Dissolução e de Liquidação de Entidades Comerciais, notificado à sociedade em 20 de outubro de 2017; 2. Discussão e aprovação dos relatórios de gestão e das contas de exercício, assim como os demais documentos de prestação de contas, referentes aos exercícios de 2013, 2014, 2015 e 2016.
14- No dia e hora fixados e no local indicado, apresentaram-se no local da reunião:
• OO, em representação de “A...”, enquanto titular da indicada quota com o valor nominal de €994.625,95;
• BB, em representação de “Cr..., SA”, enquanto titular da indicada quota com o valor nominal de €994.625,95;
• O..., em representação de “O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA”, enquanto titular de uma quota no valor nominal de €994.625,95;
• EE, em representação de “F...”, enquanto titular de uma quota no valor nominal de €994.625,95;
• PP, em representação da “J...”, enquanto titular da indicada quota om o valor nominal de €850.609,05, de BB, enquanto titular da indicada quota com o valor nominal de €48.004,43 e de CC, enquanto titular da indicada quota com o valor nominal de €48.008,04;
• O signatário, em representação de AA, aqui autora, enquanto titular da indicada quota com o valor nominal de €48.004,43.
15- Estiveram, ainda, presentes:
• QQ, na qualidade de representante da Sociedade Revisora Oficial de Contas;
• LL, enquanto contabilista certificado.
16- No decurso da reunião foram debatidos os pontos da ordem de trabalhos e realizadas as correspondentes votações e tomadas deliberações, mas nenhuma alusão foi feita à transmissão daquela participação social por qualquer dos intervenientes e o assunto relativo a essa cessão de quotas não foi tratado ou discutido, nem sujeito a qualquer deliberação da assembleia e dos sócios.
17- A autora, na completa ignorância acerca da realização de tal negócio, supôs que a “Cr..., SA” fosse a nova denominação social da sócia “C...” e que se mantivesse, portanto, a titularidade daquela quota na mesma pessoa jurídica.
18- Depoisde finda a assembleia, veio a verificar pela consulta da certidão permanente da sociedade que tinha ocorrido a já identificada transmissão.
19- No dia 23 de Novembro de 2017 fez diligências junto da Conservatória do Registo Comercial ... e obteve cópia dos documentos destinados a instruir o depósito 123/2016.04.27, pelo qual se inteirou, pela primeira vez, dos respetivos termos e condições daquele negócio e, nomeadamente, do preço.
20- A primeira vez que a A.../A...1- Investimentos, LDA., teve conhecimento de que a Cr..., SA era titular da quota antes detida pela C... na OL... foi na assembleia geral de 16 de novembro de 2017, a qual teve como ordem de trabalhos a análise e discussão do procedimento administrativo de dissolução nº 8778/2017 referente à própria OL..., e a discussão e aprovação dos relatórios de gestão e contas de exercício referentes aos exercícios de 2013 a 2016 da mesma sociedade.
21- Assumindo, nessa altura, que de uma mera alteração de denominação societária se tratava.
22- Com a presente ação a A... e a O... SGPS, Lda tiveram conhecimento de que a sucessão da Cr..., SA à C... tinha tido como base a alienação da quota e, mais concretamente, os termos desse negócio.
23- A sociedade OL... é uma sociedade de cariz familiar, tendo sido constituída por cinco irmãos, em que cada um subscreveu 20% do capital social.
24- Fruto do bom relacionamento que até há pouco tempo existiu entre todos os sócios e os seus descendentes, todos os actos que se prendiam com a gestão da sociedade, com o relacionamento entre os sócios no âmbito da relação societária, com a realização de assembleias-gerais, com as substituições dos membros dos corpos sociais e com as alterações na titularidade das quotas sempre se pautaram pela cordialidade, consensualidade e informalidade.
25- Foi nesse contexto que no início de março de 2016, durante uma reunião que se realizou com os representantes dos cinco ramos familiares que eram sócios da OL..., estando a A representada pelo seu filho KK e a F... SGPS, SA por JJ, o Dr EE informou todos os presentes da intenção de o seu ramo familiar, encabeçado pelo seu pai, EE, pretender transferir a quota que detinham através da C... para uma outra sociedade, a Cr..., SA.
26- Tendo explicitado nessa altura que: i) a operação visava tão-somente reestruturar o modo de participação do seu ramo familiar na OL...; ii) a projetada cessão de quota mantinha inalterada a natureza fechada da OL... e a posição paritária de todos os ramos familiares no seu capital social; iii) atenta a finalidade do projeto de operação, a cessão de quota seria feita por um valor meramente simbólico, muito inferior ao seu valor real.
27- Em face dessa comunicação sobre os termos e circunstâncias da projetada transmissão, todos os sócios, sem exceção, deram-lhe o seu pleno assentimento, sem que tivesse sido manifestada qualquer reserva, designadamente de um ulterior exercício de direito de preferência relativamente à cessão da quota.
28- Na assembleia-geral da OL... realizada a 16 de novembro de 2017, todos os sócios, bem como os seus representantes que nela participaram, já tinham inteiro e perfeito conhecimento de que a Cr..., SA era a detentora da quota que anteriormente pertencera à sociedade C... e não levantaram a mínima reserva ou obstáculo a que o seu representante nela participasse, discutisse e deliberasse sobre os assuntos constantes da ordem de trabalhos.
29- A cessão de quotas em apreço foi registada a 27-4-2016 através da menção DEP.123/2016-4-27.
30- A sociedade OL... visou reunir como sócios os cinco ramos da família O..., cada um dos quais representado por uma holding familiar pertencente a cada ramo com 20% da OL..., a saber: O..., Lda, F... SGPS, SA, C... SGPS, SA, A... SGPS, SA e J... SGPS, SA ( a quota desta última só perfaz 20% em conjunto com as quotas de BB, CC e M...).
31- Os sócios da OL... acordaram num conjunto elaborado de restrições e condicionantes da transmissão de quotas representativas do capital social desta sociedade, com o objetivo de preservar o cariz familiar desta sociedade e que as quotas representativas do capital social fiquem na titularidade de membros da família O....
32- Os Estatutos da OL... estão registados na Conservatória do Registo Comercial.
33- A 22-11-2001 os sócios da OL..., a OL... e os accionistas das holdings familiares dos ramos da família O... que são sócias da OL... celebraram um acordo parassocial sob a epígrafe “Contrato entre os Sócios da O... SGPS, Lda, a fls 296 e ss, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
34- Na sequência da citação da O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA para a presente ação, esta requereu on-line a certidão comercial permanente da R Cr..., SA, SA.- fls 322 e 323.
35- A R Cr..., SA não é controlada nem detida por membros da família O..., designadamente, pelos membros que controlam a R C....
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- Factos Não provados (com relevância para a decisão a proferir)

A- Que a A teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação na primeira semana de Março de 2016.
B- Que nessa data foram comunicadas à A, representada pelo seu filho, bem como aos demais sócios da OL..., as cláusulas essenciais da projetada cessão de quotas.
C- Que em concreto, foi transmitido ao representante da A a identidade da cessionária, a aqui 2ª R, o valor da cessão (€ 1.500,00) e as condições de pagamento (imediato).
D- Que o Dr NN informou que os accionistas da C... também são os únicos accionistas da Cr..., SA.
E- E que explicitou os motivos e a finalidade da projetada transmissão, bem como os termos e condições em que o negócio da cessão da quota se iria processar.
F- Que todos os sócios da OL... presentes na reunião ficaram cientes que a quota se mantinha no domínio da família de EE e que a substituição da C... pela Cr..., SA não tinha outro objetivo que não fosse a de permitir o encerramento daquela sociedade.
G- E todos os sócios, sem exceção, se bastaram por essa comunicação verbal e deram a sua concordância à cessão da quota, prescindido de qualquer direito de preferência que em relação a ela pudessem ter.
H- Que, pelo menos ao tempo da propositura da presente ação, todos os intervenientes estavam cientes dos termos do negócio ajuizado nos autos, nomeadamente o preço.

5.2. E motivou a decisão de facto nos seguintes termos:

Fundamentação De Facto

A matéria de facto provada resulta do teor dos documentos junto aos autos conjugados com os depoimentos das testemunhas inquiridas.
Mais concretamente, a matéria dos artigos 1º, 2º, 7º e 29º resulta da certidão do registo comercial ... a fls 15 e ss dos autos.
A matéria do artigo 3º resulta do teor do Estatuto da OL..., o seu pacto social, a fls 21 verso e ss. A matéria dos artigos 4º a 6º resulta do contrato de cessão de quota de fls 26 e ss dos autos. A matéria do artigo 8º resulta do teor da ata nº ...4 da assembleia geral a fls 28 verso e ss. A matéria dos artigos 9º a 12º resulta do teor dos depoimentos ouvidos em audiência de julgamento. A matéria dos artigos 13º a 16º resulta do teor da convocatória para a assembleia e fls 30 e a ata da referida assembleia geral de 16-11-2017, a fls 32 a 37 dos autos. A ação foi interposta a 16-5-2018 e autuada no dia seguinte. Pelo que foi interposta nos rigorosos seis meses após a assembleia de 16-11-2017.Não se conseguiu apurar concretamente em que data é que as co-AA tiveram conhecimento dos elementos essenciais da alienação da quota. Mas o ónus da prova de que tiveram conhecimento em data anterior aos seis meses que tinham para declarar que queriam preferir compete às RR, a quem a caducidade aproveita- artigo 342º, nº2 do Código Civil- que não o conseguiram provar.
A matéria dos artigos 18º, 19º, 20º e 21º resulta do teor conjugado da ata da assembleia de 16-11-2017 e da requisição da Conservatória de fls 27 dos autos, datada de 23-11-2017. Tendo também sido confessado no articulado da A... ter tido conhecimento de que a quota da C... pertencia à Cr..., SA logo na assembleia de 16-11-2017, sem ter conhecido os elementos essências do negócio, e tendo mesmo assumido de que se tratou apenas de uma mera alteração de denominação societária.
A matéria dos artigos 22º a 28º resulta do teor dos depoimentos prestados em audiência de julgamento, como abaixo se passa a descrever, que se nos afiguraram coerentes e credíveis, logrando convencer o tribunal. A matéria dos artigos 31º, 32º, 33º e 35º resulta do acordo parassocial de fls 296 e ss, dos Estatutos da OL... e das certidões comerciais das RR C... e Cr..., SA.
O depoente de parte EE, membro do conselho de administração da C..., declarou que a A é sua prima mas não estão de boas relações. O negócio de cessão da quota da O... para a Cr..., SA foi realizado a 25-3-2016, para permitir fazer o downsizing das empresas do núcleo para liquidarem empresas inativas e nesse âmbito foram transferidas as participações sociais para uma empresa amiga para depois reverter a situação. O objetivo era liquidar a C.... Quando se resolvesse o imbróglio da Rp... via-se se tinha algum valor e revertia para quem o tribunal dissesse. O preço estabelecido foi de € 1.500,00. O preço foi pago. Fizeram um contrato a prever a reversão da quota ao dar-lhe um valor simbólico. O declarante afirmou numa reunião informal em finais de fevereiro ou março que a quota cedida continuaria sob o controlo da C..., estando presentes o JJ, o O..., o pai do depoente, o KK, a II e o primo do depoente, CC. O tema da reunião era o financiamento da REN. Não disse a quem ia ser cedida a quota nem por que preço. Declarou ainda que tinham a F2 is- imobiliária, que tinha abaixo as outras empresas imobiliárias O Banco 1... era o maior credor e o acordo com o Banco 1... tinha um perdão de dívida de 60 e tal % e pressupunha um pagamento adicional de um milhão e meio de euros. Depois o Banco 1... voltou atrás. Quanto à reunião, ninguém lhe perguntou a quem ia ser cedida a quota nem por que valor. A A... pertencia ao seu tio DD. O BB não participou nesta reunião. Ele tinha dito ao depoente que os assuntos extra têxtil eram da responsabilidade do seu sobrinho KK. Acrescentou que deram o valor da quota que lhes pareceu razoável na altura, “era um bocado simbólico”. Não valia a pena fazer circular grandes montantes de dinheiro.
Na assembleia geral de novembro de 2017 o BB representou a Cr..., SA. Ninguém pôs em causa se a C... era a Cr..., SA, nem foi colocada em causa a participação desta última. Na reunião, onde estavam representados os cinco ramos da família O..., o direito de preferência não foi tema. O controlo era sobre a quota e não sobre a sociedade que ia deter a quota. Foi sempre o depoente ou o seu irmão a ir às reuniões em nome da Cr..., SA ou da C....
A testemunha LL, contabilista certificado, declarou que o Dr BB é atualmente seu patrão na R... Têxteis, SA. Foi o depoente que assinou as últimas contas da OL... que foram aprovadas (2015, 2016 e 2017).Os sócios estavam desavindos. Em 2017 receberam de uma Conservatória um procedimento de resolução oficiosa e tiveram que aprovar as contas, tendo o depoente elaborado a ata da assembleia de aprovação de contas. Não se tocou no assunto da Cr..., SA. O Dr EE é que lhe disse que agora já não era a C... a detentora da quota mas a Cr..., SA. Ficou com a sensação de que era outra sociedade.
A testemunha KK, filho da A, e acionista da J..., declarou que as sociedades RR são accionistas da OL..., que neste momento não têm relação com as outras sociedades e os outros primos por causa de um negócio que correu mal em 2005/6.
Não houve nenhuma reunião na primeira semana de março e nada lhe foi transmitido sobre a cessão de quotas da C.... Dos seus apontamentos apenas consta uma reunião a 15 de fevereiro e outra a 18 de março, a primeira no escritório do Dr RR para falar sobre a participação na REN, e a segunda na OL..., o tema foi a REN novamente, em que esteve presente o depoente, o NN, o O..., a II, o JJ e o LL. Normalmente eram marcadas por mail. O EE não esteve presente. E nunca lhe causou mal nenhum, mas os dois irmãos da sua mãe sofreram porque ele pôs um processo crime ao seu tio CC.
A testemunha SS, economista, foi revisor oficial de contas da C... e da F... e é-o atualmente da J... e da O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA. Declarou ter presidido à assembleia geral da OL... porque lhe pediram para presidir aos trabalhos. A ordem de trabalhos foi a aprovação de contas de vários anos porque as contas estavam atrasadas. E redigiu a ata. Estavam representadas as cinco sociedades: C..., A..., AO. Não se lembra se estava presente a Cr..., SA. Para o depoente era a C.... Foi informado durante ou antes da assembleia que a Cr..., SA tinha adquirido a quota da C.... Acrescentou que certificou as contas da OL... de 2013 a 2016 antes da assembleia geral.
A testemunha JJ, administrador da A..., SA, J... Automóveis, SA, Re...1, Re..., A..., SA, C..., SA., licenciado em gestão de empresas, declarou serem o TT e o CC seus primos tal como a A.
Houve uma reunião no primeiro trimestre de 2016 em que foi falada a cessão da quota da C... para a Cr..., SA pelo EE, estava presente o filho da UU, o KK, o tio CC, a II (prima), o depoente, o NN e o seu tio EE. Estavam os cinco ramos representados. O NN e o tio EE disseram que iam passar a posição que a C... tinha na OL... para outra empresa. Os presentes não se pronunciaram. Ninguém levantou qualquer questão ou objeção. Não mexia com a estrutura da OL.... Nessa data o relacionamento entre todos os ramos da família era bom, o tema principal era a Oliren, e eram convocados informalmente por telefone.
O Dr KK representava o BB (...) porque ele raramente aparecia nas reuniões de família. Quando a A... transferiu a quota para A..., Lda não foi falado, ninguém achou estranho, era a prática habitual. Não se falou em venda da quota da OL..., mas a passagem para outra empresa controlada por eles. Nas reuniões seguintes eles continuaram a aparecer sempre os mesmos, não sabe se como C..., se como Cr..., SA. No fim da reunião é que foi falada a questão da cessão da quota, em 10, 15 minutos. O depoente pensou que tivesse a ver com questões da parte imobiliária.
A testemunha VV, economista, declarou trabalhar com a família DD, que sofreu em 2011 com a crise financeira internacional. A Diretora Financeira é que liderou as negociações. A C... tinha 20% da OL..., que, por sua vez, tem participação na Rp.... A C... tinha participações que pertenciam também aos irmãos do sr EE. Os capitais próprios da OL... em 2016 eram de € 729.000,00. Pelo que 20% disso corresponde a € 145.816,34, valor da OL... junto da C.... Se a quota fosse alienada o preço andaria à volta desse valor. A OL... tinha um passivo de um milhão seiscentos e setenta e seis mil e seiscentos e sessenta e cinco euros.
Na reestruturação do passivo do grupo a C... tinha uma participação na OL... e passou-se para uma empresa de pessoas amigas, a Cr..., SA, (amigos dos legais representantes da C...). Nunca ouviu falar como é que essa participação voltava para trás, para a C....
O depoente de parte, WW, licenciado em Economia, administrador da Cr..., SA desde início deste ano, declarou que a sociedade tem uma atividade muito reduzida. Havia uma participação social numa sociedade ligada ao grupo Rp... mas os ativos dessa sociedade sã um terreno e uma viatura, apenas. Disseram-lhe na empresa que havia uma participação social, mas não viu documentos. E voltou a reiterar que a sua participação na gestão da sociedade é praticamente nula, só tendo aceite fazê-la a título de favor a uma amiga de longa data.
A depoente de parte, II, legal representante da A... desde há dois, três anos, declarou conhecer a C..., que pertence ao seu tio EE e primos. E, instada, lembrava-se de uma reunião em inícios de 2016 sobre outra empresa do grupo e no fim pediram para falar de um assunto particular e o EE falou de uma hipotética transmissão de participação da C... para outra sociedade. Era um projeto. Ninguém se opôs. Mas não se recorda de todas as pessoas que estavam, lembrando-se do NN, o CC e o JJ. Não se recorda se estava o seu tio EE. Ele, ao colocar o assunto dessa forma, esperaria que fosse suficiente. Todas as situações eram conversadas. O NN não falou em nenhum nome da sociedade que iria adquirir nem falou em qualquer valor. Nem disse que ia continuar a controlar essa quota. A depoente percebeu que ia ficar tudo na mesma, com a mesma estrutura de distribuição de quotas e eles a controlar na mesma aquela quota. Foi perguntado se se oporiam caso viesse a acontecer.
Acrescentou que pediu a alguém para a representar na assembleia geral da OL... de 2017, onde já apareceu a Cr..., SA. A depoente só soube depois da assembleia e percebeu que era outra sociedade que não a C..., tendo verificado tal nos documentos que saíram da assembleia.
A matéria não provada resulta de nenhuma prova digna de crédito se ter produzido a seu respeito.
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6. Decisão de facto
6.1. Decisão de facto - Enquadramento jurídico

O n.º 4 do art.º 607º do CPC dispõe que “Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados….”
Na parte citada, este normativo dirige um comando ao juiz cujo primeiro sentido é este: na fundamentação (de facto) da sentença, só devem constar factos e não matéria de direito e/ou conclusões.

Neste sentido os Acs. desta Relação de:

- 20.09.2018, proc. 778/16.0T8BCL.G1, consultável in www.dgsi.pt/jtrg em cuja fundamentação consta: “O Código do Processo Civil de 2013 eliminou o citado preceito [646º n.º 4 do CPC de 1961], no entanto é de considerar que se mantém tal entendimento, interpretando a contrario sensu o n.º 4 do art. 607.º, segundo o qual, na fundamentação da sentença o juiz declara quais os factos que julga provados. Ou seja o tribunal só pode e deve considerar como provado em resultado da prova produzida “os factos” e não as conclusões ou juízos de valor a extrair dos mesmos à luz das normas jurídicas aplicáveis, o que é uma operação intelectual bem distinta.
- 11.10.2018, proc. 616/16...., consultável no mesmo sitio do anterior, onde consta: “ De resto, ainda que o actual CPC não inclua uma disposição legal com o conteúdo do art.º 646º n.º 4 do pretérito CPC (o qual considerava não escritas as respostas sobre matéria de direito), (…) que tal não permite concluir que pode agora o juiz incluir no elenco dos factos provados meros conceitos de direito e/ou conclusões normativas, e as quais, a priori e antecipada e comodamente, acabem por condicionar e traçar desde logo o desfecho da acção ou incidente, resolvendo de imediato o “thema decidendum”.
A propósito das alegações conclusivas refere Manuel Tomé Soares Gomes, in Da Sentença Cível, CEJ, 2014, in https://elearning.cej.mj.pt/mod/folder/view.php?id=6202, pág. 28-29, com sublinhado nosso).
“Também ocorrem, por vezes, situações em que se consigna, na motivação da decisão de facto, que nada há a pronunciar sobre “a restante matéria alegada” por se tratar de matéria conclusiva ou de direito, quando não se mostra claro qual a matéria que assim foi considerada, sabido como é que a natureza conclusiva de determinada alegação é, por vezes, problemática. Nestes casos, é conveniente, desde logo, que as partes sejam, oportunamente, alertadas pelo tribunal, na audiência prévia ou mesmo no decurso da instrução, sobre o carácter conclusivo ou normativo de certos enunciados, de modo a não gerar falsas expectativas sobre a sua pretensa factualidade e a evitar uma decisão-surpresa.
De qualquer modo, quando se entenda que determinada alegação, pretensamente alegada como facto, tem natureza conclusiva ou meramente normativa, há que circunscrevê-la de forma a que, em sede de recurso, se possa divisar sobre que enunciados recaiu essa qualificação.”
Também Helena Cabrita in A Fundamentação de Facto e de Direito da Decisão Civil, 2015, Coimbra Editora, pág. 147 refere:
“A matéria conclusiva, irrelevante e de direito não deverá merecer uma pronúncia por parte do tribunal em termos de ser considerada provada ou não provada, mas, ao invés, ser incluída em lista que o tribunal elaborará (após a indicação dos factos não provados e antes de passar à fase da análise crítica da prova) e na qual indicará (através dos artigos onde tal matéria se encontra alegada nos articulados das partes) que a concreta matéria da qual não tomou conhecimento por entender que a mesma era conclusiva, irrelevante ou de direito.”
Em segundo lugar e no que tange à seleção dos factos a enunciar, a mesma tem por objecto os factos essenciais relevantes para a boa decisão da causa.

E são relevantes (cfr. Manuel Tomé Soares Gomes, ob. cit., pág. 14, que seguiremos de perto):

- os factos essenciais à procedência das pretensões deduzidas, ou seja, aqueles que têm a virtualidade de preencher a previsão normativa (facti species) favorável a tais pretensões, na perspetiva do efeito pretendido, segundo as regras de repartição do ónus da prova; 
- os factos essenciais suscetíveis de integrar os fundamentos de exceção perentória deduzida ou que deva ser objeto de conhecimento oficioso.
De entre os factos essenciais, há que destacar os que respeitam a factualismos complexos tendentes a preencher conceitos de direito indeterminados ou cláusulas gerais (culpa, necessidade do locado para habitação, justa causa, abuso de direito, boa fé, alteração normal das circunstâncias, posse, sinais visíveis e permanentes para efeitos de servidão de passagem, etc.).
Nesse tipo de factualidade, o facto essencial não é consubstanciado num núcleo definido e cerrado, mas irradia-se numa multiplicidade de circunstâncias moleculares que, na sua aglutinação, preenchem o conceito indeterminado ou a cláusula genérica da facti species normativa. É sobretudo no âmbito deste tipo de factos complexos que podem ocorrer concretizações ou complementaridades dimanadas da produção da prova em audiência, suscetíveis de levar ao ajustamento do contexto narrativo dos articulados ao contexto histórico do litígio.
Tais concretizações ou complementaridades fácticas podem ser introduzidas no objeto da prova, ao abrigo e nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea b), do CPC (…)”
Mais adiante, pág. 15, acrescenta que:
“A aferição da relevância dos factos para a resolução do caso deverá ser feita em função de três vectores confluentes:
(i) Em primeiro lugar, o referencial normativo traçado na facti species legal, simples, complexa ou concorrente, em que se inscreve a pretensão deduzida ou a exceção perentória em causa, atentas as regras, gerais ou especiais, de distribuição do ónus da prova, numa perspetiva aberta do quadro de soluções de direito plausíveis que o tribunal possa vir, a final, a considerar, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 5.º do CPC; 
(ii) Em segundo plano, o contexto factológico narrativo alegado pelas partes (…)
(iii) Por fim, o contexto histórico ou real do litígio, que, em regra, emerge da produção da prova.
Os três vectores referidos – o referencial normativo, o contexto factológico narrativo e o contexto factual histórico – representam um esquema de base, triangular, fundamental para delinear tanto o objeto da prova a submeter a instrução na audiência final como para administrar as provas, no sentido de apurar tudo o que se revele necessário e útil para a decisão da causa. 
Com efeito, o referencial normativo indica o quadro das soluções de direito plausíveis, incluindo a repartição do ónus da prova, para que melhor se possa divisar o alcance jurídico de cada facto submetido a prova e o coeficiente de esforço probatório exigido a cada uma das partes.  
Por sua vez, o contexto factológico narrativo permite situar dada espécie factual no universo de cada uma das versões apresentadas pelos litigantes, de modo a ter presente o sentido que ali lhe é dado e a sua coerência como os restantes segmentos fácticos em causa. Tal perspetiva integrada evitará sobreposições, aporias ou mesmo contradições entre os juízos probatórios e proporcionará maior economia na própria atividade instrutória. 
Por fim, o contexto histórico do litígio, que, em regra, emerge da produção da prova, permite pôr em linha o contexto narrativo das partes com a sua matriz factológica, no sentido de um maior apego à dimensão real dos factos, possibilitando, consequentemente, uma concretização ou complementação dos juízos probatórios, quando tal se afigura útil para a subsequente análise jurídica.”

E no mesmo sentido Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in CPC Anotado, 3ª Edição, Almedina, pág. 704, anotação ao art.º 607º referem:
“A aplicação do direito pressupõe o apuramento de todos os factos da causa que, tidos em conta os pedidos e as excepções deduzidas, sejam relevantes para o preenchimento das previsões normativas, sejam elas processuais, sejam de normas de direito material”.
Em terceiro lugar, importa assinalar um aspecto, que, com inusitada frequência, se vem verificando não ser tido em conta, mas que é de extrema importância, atento o disposto no art.º 662º, n.º 2, alínea c) do CPC (A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente: (…) c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute (…), obscura (…) a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto(…))”, e que diz respeito à “linguagem dos enunciados de facto”, para utilizar a expressão de Tomé Gomes, in ob. cit. pág. 19-22.
Assim e desde logo (refere o citado aut., ob cit., pág. 19-22, sendo os sublinhados nossos) tal enunciação deve ser expurgada de valorações jurídicas, de locuções metafóricas e de excessos de adjetivação.
Os enunciados de facto devem ser expressos numa linguagem natural e exata, de modo a retratar com objetividade a realidade a que respeitam, e devem ser estruturados com correção sintática e propriedade terminológica e semântica. A adequação dos enunciados de facto deve pautar-se pela exigência de evitar que esses enunciados se apresentem obscuros (de sentido vago ou equívoco), contraditórios (integrados por termos ou proposições reciprocamente excludentes) e incompletos (de alcance truncado), vícios estes que figuram como fundamento de anulação da decisão de facto, em sede de recurso de apelação, nos termos do artigo 662.º, n.º 2, alínea c), do CPC.
(…)
É (..) através do mundo simbólico da linguagem que logramos obter a objetividade possível sobre o entendimento do mundo e das nossas vivências subjetivas.
(…) as partes tendem a adestrar a factualidade pertinente no sentido estrategicamente favorável à posição que sustentam no seu confronto conflitual, daí resultando enunciados, por vezes, deformados, contorcidos ou de pendor mais subjetivo ou até emotivo.
Cumprirá, por sua vez, ao juiz, na formulação dos juízos de prova, expurgar tais deformações, sendo que, como é entendimento jurisprudencial corrente, não se encontra adstrito à forma vocabular e sintática da narrativa das partes, mas sim ao seu alcance semântico. Deve, pois, adotar enunciados que, refletindo os resultados probatórios, sejam portadores de um sentido semântico, o mais consensual possível, de forma a garantir que a controvérsia se desenvolva em sede da sua substância factual e não no plano meramente epidérmico dos seus modos de expressão linguística.
Os enunciados de facto devem também ser expostos numa ordenação sequencial lógica e cronológica que facilite a conjugação dos seus diversos segmentos e a compreensão do conjunto factual pertinente, na perspetiva das questões jurídicas a apreciar. Com efeito, a ordenação sequencial das proposições de facto, bem como a ligação entre elas, é um fator de inteligibilidade da trama factual, na medida em que favorece uma interpretação contextual e sinótica, em detrimento de uma interpretação meramente analítica, de enfoque atomizado ou fragmentário. Por isso mesmo, na sentença, cumpre ao juiz ordenar a matéria de facto (…) na perspetiva do quadro normativo das questões a resolver. De resto, só uma adequada ordenação dos factos provados permite compatibilizar toda a matéria factual adquirida, como se determina no artigo 607.º, n.º 4, parte final, do CPC.”

Ou como refere Abrantes Geraldes, in Sentença Cível, pág. 7, nota 8, consultável in https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/asentencacivelabrantesgeraldes.pdf (sublinhados nossos):
“No que concerne à matéria de facto provada, deve evidenciar, de forma imediata, coerente e lógica, a realidade sob apreciação, o que de modo algum se satisfaz com a colagem de diversos elementos que nem sequer internamente se mostram ordenados. Tal como acontece com um puzzle, em que o encaixe das peças se revela imprescindível à representação da imagem, também a realidade que o Tribunal considera apurada apenas ganha sentido com a ordenação dos diversos segmentos da matéria de facto. Ainda que se mantenha o número de componentes, o amontoado de peças (ou o arrazoado de factos) não permite perceber a imagem (ou a realidade) em que se integra cada um dos elementos. Acresce que determinados segmentos da matéria de facto apenas revelam o seu verdadeiro sentido depois de contextualizados, atendendo, por um lado, ao modo como foram alegados e, por outro, aos motivos por que foram considerados provados.”
E mais adiante – pág. 10-11 – refere o mesmo autor (sublinhado nosso): “… na enunciação dos factos apurados o juiz deve usar uma metodologia que permita perceber facilmente a realidade que considerou demonstrada, de forma linear, lógica e cronológica, a qual, vez submetida às normas jurídicas aplicáveis, determinará o resultado da acção.
Por isso é inadmissível (tal como já o era anteriormente) que se opte pela enunciação desordenada de factos, uns extraídos da petição, outros da contestação ou da réplica, sem qualquer coerência interna.
Este objectivo – que o bom senso já anteriormente deveria ter imposto como regra absoluta – encontra agora na formulação legal um apoio suplementar, já que o art. 607º, nº 4, 2ª parte, impõe ao juiz a tarefa de compatibilizar toda a matéria de facto adquirida, o que necessariamente implica uma descrição inteligível da realidade litigada, em lugar de uma sequência desordenada de factos atomísticos.”
6.2. Motivação da decisão de facto – enquadramento jurídico
O n.º 4 do art.º 607º do CPC dispõe que “ Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados…., analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.”
Na parte agora em análise ( a negrito), este normativo impõe que o juiz explique como se convenceu com as provas que se produziram, que motive a decisão de facto.
O normativo em referência decorre do disposto no art.º 205º, n.º 1 da CRP o qual dispõe que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
No que tange à razão de ser da motivação da decisão de facto, referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 3ª edição, pág. 315:
 “A fundamentação passou a exercer, pois, a dupla função de facilitar o reexame da causa pelo tribunal superior e de reforçar o autocontrolo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da Justiça, inerente ao ato jurisdicional.”
O que está subjacente à necessidade da motivação não é uma questão de “autocontrolo” do juiz, mas exigir-lhe uma análise empenhada, critica, imparcial, ponderada, problemática de toda a prova produzida, para que um “mero convencimento íntimo do julgador”, dê lugar a “uma razoabilidade persuasiva e suscetível de objetivação” (as expressões entre aspas são de Tomé Gomes, ob. cit. pág. 27), ou seja, permita uma decisão justificada e legitimada.
Como se refere no Ac. da RC de 29.04.2014, processo n.º 772/11.7TBBVNO-A.C1, consultável in www.dgsi.pt/jtrc, a «motivação constitui, portanto, a um tempo, um instrumento de ponderação e legitimação da decisão judicial e, nos casos em que seja admissível (…) de garantia do direito ao recurso».
E quanto ao conteúdo, a motivação consiste em exarar o raciocínio do tribunal para uma dada decisão de facto e deve conter, para além da indicação dos concretos elementos probatórios que lograram aceitação por parte do tribunal, as razões ou motivos dessa aceitação e dos que não lograram aceitação e as razões ou motivos para tal.
Esclareça-se que “A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. Através dessa fundamentação, o juiz deve passar de convencido a convincente.” -  Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre o Novo Processual”, pág. 348.
A propósito da motivação cremos serem impressivas as palavras de Manuel Tomé Soares Gomes, in ob. cit., pág. 28-29 (sublinhados nossos):
“…a motivação da decisão de facto deve fornecer os argumentos probatórios ou os fatores que foram decisivos para a convicção do julgador em 1.ª instância.
Não satisfaz essa exigência o tipo de motivação meramente conclusiva como aquela em que se consiga pura e simplesmente que os factos provados resultaram da análise crítica e conjugada das testemunhas em referência. Uma motivação deste género apenas indica que se procedeu à dita análise, mas nada diz sobre o seu conteúdo.
Outro erro a evitar é o que consiste em consignar apenas que dos depoimentos das testemunhas indicadas nada se provou, importando antes explicitar as razões essenciais pelas quais tais depoimentos, tendo versado sobre a matéria em questão, não convencerem o tribunal.
(…)
As boas práticas aconselham a que, na motivação, o juiz explicite as razões que o levaram, por exemplo, a dar mais crédito a uma testemunha do que a outra, quando os seus depoimentos sejam divergentes, salientando a razão de ciência ou a consistência e maturidade reveladas pelo depoente. De igual modo, quando o argumento probatório repouse em presunções judiciais, importa identificar os factos instrumentais tidos em conta e consignar as ilações deles extraídas, à luz das regras da experiência.
Ademais, a economia da motivação do julgamento de facto obtém-se por via de um método criterioso de seleção dos argumentos probatórios centrado nos concretos meios de prova convocados e nas ilações a extrair dos resultados colhidos na instrução, de forma a especificar os fatores que se revelem decisivos para consubstanciar as razões em que se ancoram os juízos de prova.
Na motivação da decisão de facto, em vez de se sumariarem, de forma aberta e livre, os diversos depoimentos prestados, dever-se-á, em primeira linha, individualizar os pontos de facto em causa e, no âmbito de cada um deles ou até da sua agregação em conjuntos coerentes, identificar então os concretos meios de prova sobre os mesmos produzidos, especificando os que foram decisivos para a convicção do julgador e as respetivas razões de ciência e de teor.
Assim, se, por exemplo, os depoimentos convocados forem convergentes não se justifica, em princípio, um extenso desenvolvimento argumentativo, bastando assinalar essa convergência e as razões de ciência em que se estribam. Já se os depoimentos forem divergentes, haverá que precisar quais os factores que levaram a preferir um depoimento em detrimento de outro, expondo as razões de teor, com a sinalização dos trechos mais pertinentes do seu conteúdo, e as razões de ciência mais específicas tidas em conta.
Há, no entanto, que não confundir a argumentação probatória com o processo psicológico de decisão. O que se impõe na motivação da decisão de facto é a exposição seletiva das razões objetivas em que se baseia a convicção do julgador e não a descrição do iter prosseguido nesse processo decisório nem das suas vicissitudes.
Em síntese, a motivação do julgamento de facto tem como matriz um discurso argumentativo problemático, parcelado na órbita de cada juízo probatório, sem prejuízo da sua compatibilização no universo da trama factual, e rege-se por razões práticas firmadas na análise dos resultados probatórios, à luz das regras da experiência comum ou qualificada e dos padrões de valoração (prova bastante e prova de verosimilhança) estabelecidos na lei.
E Francisco Ferreira de Almeida, in Direito Processual Civil, II, 3ª edição, pág. 425-426 afirma:

“Trata-se de externar, de modo compreensível, o itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pelo tribunal na apreciação da realidade ou irrealidade dos factos submetidos ao seu escrutínio.
Deve, assim, o tribunal enunciar os meios probatórios que hajam sido determinantes para a emissão do juízo decisório, bem como pronunciar-se: - relativamente aos factos provados, sobre a relevância deste ou daquele depoimento (de parte ou testemunhal), designadamente quanto ao seu grau de isenção, credibilidade, coerência e objectividade; - quanto aos factos não provados, indicar as razões pelas quais tais meios não permitiram formar uma convicção minimamente segura quanto à sua ocorrência ou convencer quanto a uma diferente perspectiva da sua realidade ou verosimilhança.”

Como se afirma no Ac. do STJ de 17/01/2012, processo 1876/06.3TBGDM.P1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj (sublinhado nosso): “A necessidade da motivação da decisão de facto ancora neste ajuizamento racional da actividade probatória e na obrigação de o juiz ter de expor os motivos ou razões por que considerou demonstrado um determinado enunciado fáctico, ou no dizer do autor que temos vindo a seguir “[o] juiz está obrigado a racionalizar o fundamento da decisão articulando os argumentos (as «boas razões») em função das quais aquela pode resultar justificada: a motivação é, então, um discurso justificativo constituído por argumentos racionais.” [Taruffo; Michele, in “Paginas sobre Justicia Civil”, Marcial Pons, Madrid, 2009, pág. 535.]

6.3. Patologias da decisão de facto – enquadramento jurídico

Dispõe a alínea c) do n.º 2 do art.º 662º do CPC, com a epigrafe “Modificabilidade da decisão de facto”:
“2. A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
(…)
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
(…)”
Alberto dos Reis in CPC Anotado, IV, pág. 553 referia: “…as respostas são contraditórias quando têm um conteúdo logicamente incompatível, isto é, quando não podem subsistir ambas utilmente. São obscuras quando o seu significado não pode ser apreendido com clareza e segurança. São deficientes quando aquilo que se respondeu não responde a tudo quanto foi quesitado.”
O actual figurino da decisão de facto não contem respostas, porque hoje não exitem quesitos.
Mas o ensino do insigne professor é perfeitamente aplicável considerando-se que haverá contradição quando o conteúdo de um dado ponto de facto for incompatível, for a antítese, for o contrário de outro ponto de facto; haverá obscuridade quando o sentido de um dado ponto de facto não puder ser alcançado com certeza e segurança; haverá deficiência quando a matéria de facto não contemplar algum facto essencial, muito embora integrasse os temas da prova.
Para Abrantes Geraldes, in Recursos em processo civil, pág. 352, a decisão de facto será deficiente se houver “falta de pronúncia sobre factos essenciais ou complementares”, “de modo que conjugadamente se mostre impedido o estabelecimento de uma plataforma sólida para a integração jurídica do caso.”
E mais adiante, pág. 353, refere: “Pode ainda revelar-se uma situação que exija a ampliação da matéria de facto, por ter sido omitida dos temas da prova matéria de facto alegada pelas partes que se revele essencial para a resolução do litigio, na medida em que assegurem enquadramento jurídico diverso do suposto pelo tribunal a quo”.
No Ac. do STJ de 12/05/2016, proc. 2325/12.3TVLSB.L1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj considerou-se que é deficiente o enunciado linguístico que expresse um sentido incompleto do respetivo juízo probatório, nos seus próprios termos, não abrangendo naquele a factualidade ali relevante ou não cobrindo, de forma positiva ou negativa, todo o facto enunciado como provado.
A diferença entre a decisão de facto deficiente e a ampliação da matéria de facto reside no facto de na primeira não terem sido considerados todos os factos objecto dos temas da prova e na segunda não terem sido considerados determinados temas da prova.

6.3.1. Em concreto - Contradição na matéria de facto (recurso das RR)

O tribunal recorrido considerou provado que:
“13-A única assembleia geral da “OL...” que se realizou depois daquela cessão e até à entrada em juízo da presente ação, foi convocada para funcionar no dia 16 de Novembro de 2017, pelas 11h00m (…)
14-No dia e hora fixados e no local indicado, apresentaram-se no local da reunião:
• OO, em representação de “A...” (…);
• BB, em representação de “Cr..., SA” (…);
• O..., em representação de “O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA” (…);
• EE, em representação de “F...” (…);
• PP, em representação da “J... (…) de BB (…) e de CC (…);
O signatário, em representação de AA, aqui autora (…);
(…)
16-No decurso da reunião foram debatidos os pontos da ordem de trabalhos e realizadas as correspondentes votações e tomadas deliberações, mas nenhuma alusão foi feita à transmissão daquela participação social por qualquer dos intervenientes e o assunto relativo a essa cessão de quotas não foi tratado ou discutido, nem sujeito a qualquer deliberação da assembleia e dos sócios.
17 - A autora, na completa ignorância da realização de tal negócio, supôs que a “Cr..., SA” fosse a nova denominação social da sócia “C...” e que se mantivesse, portanto, a titularidade daquela quota na mesma pessoa jurídica.
18 - Depois de finda a assembleia, veio a verificar pela consulta da certidão permanente da sociedade que tinha ocorrido a já identificada transmissão.
19 - No dia 23 de Novembro de 2017 fez diligências junto da Conservatória do Registo Comercial ... e obteve cópia dos documentos destinados a instruir o depósito 123/2016.04.27, pelo qual se inteirou, pela primeira vez, dos respectivos termos e condições daquele negócio e, nomeadamente, do preço.
20 - A primeira vez que a A.../A...1- Investimentos, LDA., teve conhecimento de que a Cr..., SA era titular da quota antes detida pela C... na OL... foi na assembleia geral de 16 de Novembro de 2017(…).
21 - Assumindo, nessa altura, que de uma mera alteração de denominação societária se tratava.
22 - Com a presente ação a A... e a O... SGPS, Lda, tiveram conhecimento de que a sucessão da Cr..., SA à C... tinha tido como base a alienação da quota e, mais concretamente, os termos desse negócio.

Porém, a decisão recorrida também considerou provado que:

“24 - Fruto do bom relacionamento que até há pouco tempo existiu entre todos os sócios e os seus descendentes, todos os actos que se prendiam com a gestão da sociedade, com o relacionamento entre os sócios no âmbito da relação societária, com a realização de assembleias-gerais, com as substituições dos membros dos corpos sociais e com as alterações na titularidade das quotas sempre se pautaram pela cordialidade, consensualidade e informalidade.
25 - Foi nesse contexto que no início de Março de 2016, durante uma reunião que se realizou com os representantes dos cinco ramos familiares que eram sócios da OL..., estando a A. represando pelo seu filho KK e a F... SGPS, SA por JJ, o Dr EE informou todos os presentes da intenção de o seu ramo familiar, encabeçado pelo seu pai, EE, pretender transferir a quota que detinham através da C... para uma outra sociedade, a Cr..., SA.
26 - Tendo explicitado nessa altura que: i) a operação visava tão-somente reestruturar o modo de participação do seu ramo familiar na OL...; ii) a projetada cessão de quota mantinha inalterada a natureza fechada da OL... e a posição paritária de todos os ramos familiares no seu capital social; iii) atenta a finalidade do projecto de operação, a cessão de quota seria feita por um valor simbólico muito inferior ao seu valor real.
27 - Em face dessa comunicação sobre os termos e circunstâncias da projetada transmissão, todos os sócios, sem exceção, deram-lhe o seu pleno assentimento, sem que tivesse sido manifestada qualquer reserva, designadamente de um ulterior exercício de direito de preferência relativamente à cessão da quota.
28 - Na assembleia-geral da OL... realizada a 16 de Novembro de 2017, todos os sócios, bem como os seus representantes que nela participaram, já tinham inteiro e perfeito conhecimento de que a Cr..., SA era a detentora da quota que anteriormente pertencera à sociedade C... e não levantaram a mínima reserva ou obstáculo a que o seu representante nela participasse, discutisse e deliberasse sobre os factos constantes da ordem de trabalhos.”
Não é possível deixar de observar que se procedeu a uma enunciação dos factos desordenada, porquanto se extraiu uns factos da petição inicial, outros dos articulados dos intervenientes, e outros das contestações das RR., em prejuízo de uma ordenação linear, sequencial e lógica dos factos (para além de uma incorrecção formal no ponto 14, em que se utiliza a expressão “signatário”, resultado de cópia da petição inicial).
Em consequência do referido é patente a antinomia essencial entre os pontos 13 a 22 dos factos provados, por um lado e os pontos 24 a 28 também dos factos provados, por outro, porquanto:
- resulta do primeiro grupo de factos (13 a 22 dos factos provados) que aquando da realização da Assembleia Geral de 16/11/2017 a “autora, na completa ignorância da realização de tal negócio, supôs que a “Cr..., SA” fosse a nova denominação social da sócia “C...” e que se mantivesse, portanto, a titularidade daquela quota na mesma pessoa jurídica.”, (ponto 17) que a “ primeira vez que a A.../A...1- Investimentos, LDA., teve conhecimento de que a Cr..., SA era titular da quota antes detida pela C... na OL... foi na assembleia geral de 16 de Novembro de 2017(…)” (ponto 20), e que “ Com a presente ação a A... e a O... SGPS, Lda, tiveram conhecimento de que a sucessão da Cr..., SA à C... tinha tido como base a alienação da quota e, mais concretamente, os termos desse negócio.” (ponto 22);
- resulta do segundo grupo de factos (24 a 28 dos factos provados) que numa reunião realizada no inicio de Março de 2016, entre os cinco ramos familiares que eram sócios da OL... “o Dr EE informou todos os presentes da intenção de o seu ramo familiar, encabeçado pelo seu pai, EE, pretender transferir a quota que detinham através da C... para uma outra sociedade, a Cr..., SA” ( ponto 25, negrito nosso) “ tendo explicitado nessa altura que: i) a operação visava tão-somente reestruturar o modo de participação do seu ramo familiar na OL...; ii) a projetada cessão de quota mantinha inalterada a natureza fechada da OL... e a posição paritária de todos os ramos familiares no seu capital social; iii) atenta a finalidade do projecto de operação, a cessão de quota seria feita por um valor simbólico muito inferior ao seu valor real (ponto 26), que “ em face dessa comunicação sobre os termos e circunstâncias da projetada transmissão, todos os sócios, sem exceção, deram-lhe o seu pleno assentimento, sem que tivesse sido manifestada qualquer reserva, designadamente de um ulterior exercício de direito de preferência relativamente à cessão da quota “ (ponto 27, negrito nosso) e finalmente que “ na assembleia-geral da OL... realizada a 16 de Novembro de 2017, todos os sócios, bem como os seus representantes que nela participaram, já tinham inteiro e perfeito conhecimento de que a Cr..., SA era a detentora da quota que anteriormente pertencera à sociedade C... e não levantaram a mínima reserva ou obstáculo a que o seu representante nela participasse, discutisse e deliberasse sobre os factos constantes da ordem de trabalhos.” (ponto 28, negrito nosso).
No primeiro grupo de factos dá-se como provado que aquando da AG de 16/11/2017 a A., a A..., A..., Lda e a O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA ignoravam que a C... tivesse cedido a sua quota à Cr..., SA
No segundo grupo de factos dá-se como provado que em função do ocorrido na reunião de Março de de 2016 (em que, face ao que consta dos autos A..., Lda apenas foi matriculada pela Ap. ...29) “ na assembleia-geral da OL... realizada a 16 de Novembro de 2017, todos os sócios, bem como os seus representantes que nela participaram, já tinham inteiro e perfeito conhecimento de que a Cr..., SA era a detentora da quota que anteriormente pertencera à sociedade C...”.
Estamos perante realidades incompatíveis.
Mas além disso existe uma contradição entre factos provados e factos não provados.

Assim, considerou-se não provado que:

A- Que a A teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação na primeira semana de Março de 2016.
B- Que nessa data foram comunicadas à A, representada pelo seu filho, bem como aos demais sócios da OL..., as cláusulas essenciais da projetada cessão de quotas.
C- Que em concreto, foi transmitido ao representante da A a identidade da cessionária, a aqui 2ª R, o valor da cessão (€ 1.500,00) e as condições de pagamento (imediato).
D- Que o Dr NN informou que os accionistas da C... também são os únicos accionistas da Cr..., SA.
E- E que explicitou os motivos e a finalidade da projetada transmissão, bem como os termos e condições em que o negócio da cessão da quota se iria processar.
F- Que todos os sócios da OL... presentes na reunião ficaram cientes que a quota se mantinha no domínio da família de EE e que a substituição da C... pela Cr..., SA não tinha outro objetivo que não fosse a de permitir o encerramento daquela sociedade.
G- E todos os sócios, sem exceção, se bastaram por essa comunicação verbal e deram a sua concordância à cessão da quota, prescindido de qualquer direito de preferência que em relação a ela pudessem ter.
H- Que, pelo menos ao tempo da propositura da presente ação, todos os intervenientes estavam cientes dos termos do negócio ajuizado nos autos, nomeadamente o preço.
Por um lado deu-se como provado – pontos 25 e 26 - que numa reunião realizada no inicio de Março de 2016, entre os cinco ramos familiares que eram sócios da OL... o Dr EE informou todos os presentes da intenção de o seu ramo familiar, encabeçado pelo seu pai, EE, pretender transferir a quota que detinham através da C... para uma outra sociedade, a Cr..., SA; tendo explicitado nessa altura que: i) a operação visava tão-somente reestruturar o modo de participação do seu ramo familiar na OL...; ii) a projetada cessão de quota mantinha inalterada a natureza fechada da OL... e a posição paritária de todos os ramos familiares no seu capital social; iii) atenta a finalidade do projecto de operação, a cessão de quota seria feita por um valor simbólico muito inferior ao seu valor real.
Mas por outro lado deu-se como não provado – alínea D e E - que o Dr NN explicitou os motivos e a finalidade da projetada transmissão, bem como os termos e condições em que o negócio da cessão da quota se iria processar”, realidade incompatível com a que foi considerada provada.
Além disso e por um lado considerou-se provado – ponto 27 - que em face dessa comunicação sobre os termos e circunstâncias da projetada transmissão, todos os sócios, sem exceção, deram-lhe o seu pleno assentimento, sem que tivesse sido manifestada qualquer reserva, designadamente de um ulterior exercício de direito de preferência relativamente à cessão da quota
Mas por outro lado considerou-se não provado – alínea G) - que todos os sócios, sem exceção, se bastaram por essa comunicação verbal e deram a sua concordância à cessão da quota, prescindido de qualquer direito de preferência que em relação a ela pudessem ter”, realidade também ela incompatível com a que foi considerada provada.

Quanto às consequências da referida patologia – a decisão de facto ser contraditória -, o art.º 662º n.º 2, alínea c) do CPC dispõe:
2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
(…)
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
Esta norma confere à Relação poderes de cassação (“anular a decisão proferida na 1ª instância…”).
Tem sido entendido que o citado poder “deve ser sempre uma medida de último recurso, apenas legítima quando de outro modo não for possível superar a situação, por forma a fixar com segurança a matéria de facto provada e não provada, tendo em conta, além do mais, os efeitos negativos que isso determina nos vetores da celeridade e da eficácia” (cfr. Abrantes Geraldes, Recursos em processo civil, 6ª edição, pág. 354).
Ou seja, entende-se que o poder rescisório ou cassatório é subsidiário dos poderes de reexame dos factos, pois só será assim se não constarem do processo todos os elementos - factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente - que permitam a alteração (“quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto “, refere a alínea c) do n.º 2 do art.º 662º do CPC).
A consequência desta posição é, no limite e uma vez constatada a existência de deficiências, obscuridades ou contradições da matéria de facto, a imposição á Relação, como tribunal de instância, do dever de analisar toda a prova produzida, incluindo a prova gravada, a fim de aferir se a mesma permite colmatar aquelas patologias.
E caso assim suceda, cumprir o disposto no art.º 3º n.º 3 do CPC (neste sentido e pronunciando-se quanto ao n.º 4 do art.º 712º do CPC revogado, semelhante à actual alínea c) do n.º 2 do art.º 662º do CPC, cfr. Ac. do TC n.º 346/2009, de 08/07/2009, que decidiu julgar inconstitucional, por violação do direito a um processo equitativo consagrado no n.º 4 do artigo 20.º da Constituição, a norma extraída do n.º 3 do artigo 3.º e da alínea a) do n.º 1 e do n.º 4 do artigo 712.º do Código de Processo Civil, quando interpretados no sentido de permitirem que a Relação proceda oficiosamente à alteração da matéria de facto, com fundamento em deficiência, obscuridade ou contradição da decisão da 1.ª instância nesse domínio).
O Ac do STJ de 25/02/2021, proc. 1596/17.3T8PRT.P1.S1, consultável in wwww.dgsi.pt/jstj apreciou uma situação em que a Relação, após audição das partes sobre a existência de contradições, deficiências e obscuridades na decisão de facto, decidiu reapreciar as provas produzidas em primeira instância com vista a expurgar a eliminar as anomalias de que padecia a decisão, constatou que os autos continham os elementos suficientes para alterar a decisão e eliminar tais vícios e procedeu a essa alteração.
O STJ entendeu que tal procedimento se impunha à Relação no contexto dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 662º nº 1 e n.º 2, do CPC.
Mas no Ac. da RC de 03/03/2020, proc. 713/10.9TBFIG.C2 considerou-se (sublinhado nosso):
“Daí que se questione quando é que constam do processo todos os elementos que impliquem a alteração de facto, e, por essa, via solucionar o vício na Relação.
O nº 1 do art.662 CPC apenas enuncia os elementos que podem impor decisão diversa, e, por consequência, alteração de facto: os factos assentes, a prova produzida e documento superveniente.
Uma vez que a factualidade omitida não está logicamente assente, resta apurar se a “prova produzida” permite a alteração, e, por consequência, o reexame, em vez da anulação.
A prova produzida foi a documental e a testemunhal, gravada em audiência. Contudo, para o poder de substituição ou de reexame não basta a mera gravação da prova testemunhal, sem qualquer indicação ou individualização, pois de outro modo tal implicaria uma audição integral e indiscriminada.
Quando o nº 2 c) do art.662 remete para o nº 1 refere-se a todos os elementos que “permitam a alteração da decisão proferida, sobre a matéria de facto”, pressupondo logicamente a respectiva individualização ou discriminação, e que os depoimentos tenham incidido sobre todos os factos.
Note-se que, sendo a Relação chamada a apreciar a prova testemunhal, a lei impõe ao recorrente o ónus de especificação (tanto o ónus primário, como o ónus secundário), e se é assim para a impugnação, também o deve ser por maioria ou identidade de razão para o reexame com vista a solucionar o vício da deficiência.
Por outro lado, se a Relação pode oficiosamente reenviar o processo para fundamentação da decisão de facto, mesmo na situação em que os depoimentos estejam gravados ou registados (cf. alínea d) do nº 2 do art.662), significa que a lei determina que nestes casos não se procede ao reexame (por falta da individualização). Ou seja, se estando a prova gravada quando falte ou seja insuficiente a fundamentação a lei impõe o reenvio, e não o reexame, então o mesmo terá que suceder, por maioria de razão, para a correção do erro de julgamento motivado por um dos vícios, e sobretudo quanto ao vício da deficiência. É que implicando o vício da deficiência a ampliação dos temas da prova, o reexame na Relação importaria a privação do contraditório, do direito à prova quanto aos factos omitidos e a privação [na DGSI consta proibição, mas certamente por lapso] do duplo grau de jurisdição.”
E concluiu pela anulação da decisão
Vejamos
O disposto no art.º 662º n.º 2 alínea c) do CPC tem em vista o principio da celeridade.
Mas a esse valor da celeridade há que contrapor desde logo o do contraditório, que, como afirma Lebre de Freitas, in Introdução ao Processo Civil, Coimbra Editora, 3ª edição, pág.124-125, era tradicionalmente entendido como impondo que: a) formulado um pedido ou tomada uma posição por uma parte, devia à outra ser dada oportunidade de se pronunciar antes de qualquer decisão; b) oferecida uma prova por uma parte, a parte contrária devia ser chamada a controlá-la e ambas sobre ela tinham o direito de se pronunciar.
A esta noção substitui-se uma mais lata, com origem na garantia constitucional do rectliches Gehör germânico, entendida como garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litigio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objecto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão.
E aquele valor há ainda que contrapor o da garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto, afigurando-se que este valor é mais garantístico e proeminente para a realização de um processo equitativo, na vertente de um processo que permita, num prazo razoável, a descoberta da verdade material e a prolação de uma decisão ponderada (art.º 20º, nº4, da Constituição; cf. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2ª ed., p. 441).
Havendo que se sacrificar um dos valores, cremos que deverá ser o da celeridade… (Ac. da RL de 22/03/2022, proc. 2274/19.4T8LSB-A.L1-7).
Por outro lado, mesmo havendo impugnação da matéria de facto, o legislador não consagrou a realização de novo julgamento na segunda instância nem enveredou pela possibilidade de reapreciação de todos os meios de prova anteriormente produzidos
Se assim é para a impugnação, também o deve ser por maioria ou identidade de razão para o reexame com vista a solucionar alguma das patologias – obscuridade, contradição ou deficiência.
Naturalmente que nenhuma questão se coloca se os elementos que permitem a correcção oficiosa da deficiência, obscuridade ou contradição estiverem imediatamente acessíveis – factos admitidos por acordo, confissão espontânea nos articulados, confissão exarada em acta, documento autêntico ou particular não impugnada.
Mas isso não sucede quando uma parte substancial da prova produzida é depoimento/declarações de parte e testemunhas e a mesma foi produzida ao longo de quatro sessões de julgamento.
Neste conspecto é seguro afirmar que na situação em apreço não estão imediatamente acessíveis todos os elementos que permitam a esta Relação suprir as referidas contradições.
Assim, só com a anulação da decisão da matéria de facto quanto aos pontos 13 a 22 e 24 a 28 dos factos provados e quanto às alíneas D), E) e G) dos factos não provados e o cabal cumprimento ao disposto no art.º 607º n.º 4 do CPC, será possível suprir a verificada contradição e, assim, garantir o princípio do contraditório e do duplo grau de jurisdição.
6.3.2. Em concreto - Deficiência da matéria de facto (recurso das RR.)
As RR. alegaram no ponto 149 da sua contestação que o valor nominal da quota cedida era de 994.625,95 euros, mas tomando-se apenas por referência os montantes por que estão contabilizados os ativos da sociedade no documento da Informação Empresarial Simplificada (IES) e no relatório e contas de 2016 e que são necessariamente muito inferiores aos preços de mercado, esta valeria, pelo menos, 481.179.37 euros.
Como se evidencia do Relatório supra, as RR. reclamaram dos temas da prova e nessa sequência o tribunal recorrido, por despacho de 21/12/2020, aditou um tema da prova com o seguinte teor: “apurar se o preço fixado para a cessão de quotas da C... para a Cr..., SA é muito inferior ao valor real da quota transmitida.”
Ao aditar aquele tema da prova, o tribunal recorrido considerou, implicitamente, que o mesmo era esserncial à boa decisão da causa, de acordo com as várias soluções plausíveis de direito.
E verifica-se que o STJ:
- no Ac. de 25/11/86, processo 072826, sumário consultável in www.dgsi.pt/jstj considerou que constitui abuso de direito o exercicio do direito de preferencia, quando a enorme diferença entre o valor real e o valor declarado do predio, conhecida do preferente, exceda manifestamente os limites impostos pelo fim social e economico que lhe estão subjacentes;
- no Ac. de  04/03/1997, in CJ/Supremo V (1997) 1, 121-125 (125/I) considerou que constitui abuso do direito usar da preferência em negócios simulados, de tal modo que o preferente acabaria por adquirir um imóvel por uma pequena fracção do seu valor;
- no Ac. de 23/09/1999, processo 99A593, sumário consultável in www.dgsi.pt/jstj, considerou que excede manifestamente o limite imposto pelos bons costumes, traduzindo um injusto enriquecimento, o que constitui um abuso de direito, o exercício do direito de preferência quando o preço declarado (10 contos) é muito inferior ao valor real (superior a 10000 contos já à data da celebração da escritura);
- no Ac. de 26/04/2018, processo 2037/13.0TBPVZ.P1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj entendeu que visando a autora exercer o direito de preferência sobre o imóvel pelo valor de € 30 000, correspondente ao montante do empréstimo garantido com a sua alienação, quando sabia que o respectivo valor de mercado ascendia a € 118 000 e já havia sido anteriormente notificada para exercer o direito de preferência pelo preço de € 100 000, no contexto do conjunto dos factos provados, choca e ofende o sentimento geral de justiça da comunidade, pelo que o resultado iníquo da procedência do exercício formal desse direito deverá ser corrigido pela figura do abuso de direito (art. 334.º do CC).
Face a esta jurisprudência, impõe-se considerar que constitui uma solução plausível de direito considerar que o exercício de um direito de preferência relativamente à alienação de um bem de valor real muito superior ao preço porque foi vendido, é susceptível de integrar abuso de direito (art.º 334º do CC), independentemente de em alguns arestos se exigir a verificação de requisitos complementares.
 E assim sendo, o valor real da quota constitui um facto indispensável para a boa e cabal decisão da causa.
Percorrida a factualidade provada e não provada, verifica-se que o tribunal recorrido não se pronunciou qunto à referida matéria, não constando, nem dos factos provados, nem dos factos não provados, o valor (real) da quota.
É assim patente a deficiência da decisão de facto.
Quanto às consequências desta patologia, remete-se, em essência para o referido no ponto anterior – não estão imediatamente acessíveis todos os elementos que permitam a esta Relação suprir a referida deficiência – e, assim, só com a anulação da decisão da matéria de facto nesta parte - e, se necessário, mediante nova produção de prova, juízo que caberá ao tribunal a quo realizar - e prolação de nova sentença, contendo uma decisão quanto à questão de facto de saber se a quota da OL... cedida pela C... á Cr... valia, pelo menos, 481.179.37 euros -, com o cabal cumprimento do disposto no art.º 607º n.º 4 do CPC, será possível suprir a referida deficiência e, desse modo, assegurar a base para a boa e cabal decisão da causa, cumprindo o disposto no n.º 2 do art.º 608º do CPC e garantir o princípio do contraditório e do duplo grau de jurisdição.
6.3.3. Em concreto – Ampliação da matéria de facto (recurso das RR.)
Invocam as RR. que a sentença recorrida omite a factualidade relativa à natureza indirecta e fiduciária do negócio jurídico de cessão da quota invocada pelas Rés nos arts. 171.º e ss. da contestação e desenvolvida na resposta aos articulados dos intervenientes (arts. 66.º a 104.º).
Em primeiro lugar remete-se para tudo quanto ficou dito no ponto 3.3. quanto aos temas da prova.
Em segundo lugar importa recordar que referido ponto 3.3., se concluiu, em decorrência do disposto no art.º 660º do CPC, que não se podia analisar tal despacho de per si, mas apenas em função da decisão final, isto é, verificando se implica ou é susceptível de implicar uma modificação desta decisão.
E, concretamente, considerou-se que era o que sucedia com a eventual omissão nos temas da prova, de um ou vários pontos de facto essenciais relativamente a uma das pretensões deduzidas ou a uma das excepções invocadas, tornando necessária uma ampliação da matéria de facto, à luz do disposto no art.º 662º n.º 2, alínea c), parte final.

A este propósito refere-se no Ac. desta RG de 17/12/2014, processo 2777/12.1TBBRG.G1, consultável in www.dgsi.pt/jtrg:
“Por isso, a não abrangência pelos temas da prova enunciados de factos essenciais ou nucleares de um das pretensões deduzidas, acarreta a anulação da decisão, uma vez que se não pode considerar que, realmente, sobre uma tal factualidade, por decorrência de um incumprimento ou do não exercício do contraditório, de um modo directo, incisivo e intencional tenha sido arrolado e produzido todo o substrato probatório que, efectivamente, o poderia teria sido, se resultasse inequívoco, linear e claro que e as partes tiveram a plena consciência de que esse facto fazia parte de um dos temas de prova enunciados.”
E relegou-se a apreciação da questão relativa aos temas da prova para o presente momento.
Vejamos
No art.º 183º da contestação apresentada à petição inicial as RR. alegaram:
183. Com efeito, resulta da matéria de facto alegada supra que:
 a 1.ª e a 2.ª Rés são detidas pelos mesmos sócios;
 a 1.ª R. encontra-se há muito inactiva e, por esse facto, não fazia sentido continuar a deter uma participação social na “OL...”;
 os sócios comuns da 1.ª e 2.ª Rés não tinham como interesse e móbil alienar simplesmente a quota que possuíam na C... e receber o correspondente valor de mercado; pretenderam, tão somente, restruturar o modo de exercício da sua participação na “OL...” através da “Cr..., SA”.
E nos artigos 66º a 69º da contestação aos articulados dos intervenientes alegam:
66. Tendo em conta, por um lado, que a participação na OL... era o único activo da C... e, por outro, os custos associados ao funcionamento dessa sociedade, os seus accionistas (EE e mulher II e os seus filhos NN e BB) decidiram proceder a uma restruturação da sua organização empresarial.
67. Para o efeito, contactaram a Cr..., SA que era, e é, detida por pessoas da sua amizade e inteira confiança propondo que esta adquirisse a quota da C... na OL..., com a finalidade de a administrar e retransmiti-la a quem, no futuro, lhe viesse a ser indicado.
68. A Cr..., SA aceitou administrar a participação social e o encargo de a retransmitir à C... ou a terceiro, logo que para tanto seja interpelada.
69. Está-se, pois, em presença de um negócio fiduciário, que, enquanto tal, é plenamente válido, ao contrário do sustentado pela interveniente “O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA”.
É patente que a questão do negócio indrecto/fiducário não consta dos temas da prova.
Mas há que questionar se tais questões são relevantes à luz das soluções plausíveis de direito.
E isto significa não apenas saber se o negócio fiduciário é admissível no direito português (relativamente ao negócio indirecto a questão não se tem colocado em termos dogmáticos), mas, essencialmente, saber se a eventual configuração da cessão da quota da C... á Cr... como um negócio indirecto ou fiduciário é, à luz das normas legais aplicáveis e da doutrina e jurisprudência convocáveis, susceptível de constituir um facto impeditivo do exercício do direito de preferência por parte da A. e dos intervenientes, ou dito de outra forma, se é oponível á A. e aos demais intervenientes, de tal forma que os impeça de preferir na cessão.
Não se vislumbra na lei qualquer norma que preveja a referida oponibilidade e também não se encontrou na doutrina ou na jurisprudência, incluindo a citada pelas RR. na sua conclusão 103º, qualquer referência à aludida oponibilidade.
Pelo contrário.

O STJ, no Ac. de 26/04/2018, processo 2037/13.0TBPVZ.P1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj considerou:
Questão diversa é a da oponibilidade do negócio fiduciário à autora.
O negócio fiduciário celebrado entre os réus resultou, como antes se focou, da aposição, por negócio jurídico, de uma restrição (de natureza obrigacional) ao contrato de compra e venda por via da celebração do contrato-promessa de compra e venda, consentida pelo disposto na 2ª parte do nº 1 do artigo 1306º do Código Civil.
Como é sabido, o contrato de compra e venda tem eficácia real ou erga omnes (artigos 406.º, n.º 2, 408.º, n.º 1, 874,º e 879.º al. a), todos do Código Civil) enquanto o contrato-promessa tem eficácia relativa ou meramente obrigacional, não só porque não foi registado, podendo sê-lo (cfr. artigo 2.º, n.º 1, als. f) e v) do Código do Registo Predial), como também porque, impondo o pacto fiduciário, de que o contrato-promessa é expressão, uma restrição à faculdade de livre disposição do imóvel não prevista na lei, esta lhe confere, expressamente, essa eficácia (cfr. artigos 1305.º e 1306.º, n.º 1, 2ª parte, do Código Civil e anotação de Calvão da Silva ao Acórdão do STJ de 16-05-2000, in RLJ, ano 133, pág. 88).
Por aqui, os réus, e mais concretamente o réu recorrente, não poderiam opor à autora o referido contrato-promessa – negócio-meio ou negócio indirecto da venda para garantia – e, com ele, o pacto fiduciário para obviar ao exercício do direito de preferência com o argumento de que não ocorreu apertis verbis uma compra e venda ou uma dação em cumprimento geradoras desse direito. 
Em suma, à autora apenas pode ser oposta a celebração, pelos réus, de um contrato de compra e venda, o único com eficácia real, o que se mostra necessário e suficiente à verificação do direito de preferência.”
E Pedro Pais de Vasconcelos, in Teoria Geral do Direito Civil, 8ª edição, pág. 564, referindo-se ao negócio fiduciário refere que: “…os terceiros não são partes no pacto fiduciário e não têm, em principio, a obrigação de o conhecer. O pactum fiduciae não os vincula e não pode ser-lhes oposto. É res inter alios acta.”
Destarte não se vislumbra que as invocadas questões do negócio indirecto e fiduciário constituam uma solução plausível de direito, pelo que não tem cabimento a sua inclusão nos temas da prova e, em consequência, improcede a pretendida ampliação da matéria de facto á luz do disposto na parte final da alínea c) do n.º 2 do art.º 662º do CPC.
6.3.4. Em concreto - Eliminação do ponto 35º dos factos provados (recurso das RR.)
Invocam as RR. que o conteúdo do ponto 35 dos factos provados é conclusivo e, como tal, deve ser eliminado.  
    
O ponto 35 tem o seguinte teor:
35-A R Cr..., SA não é controlada nem detida por membros da família O..., designadamente, pelos membros que controlam a R C....
Refere Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 6ª edição, pág. 351 que “é de defender uma maior liberdade no que concerne à descrição da realidade litgada, a qual não deve ser imoderamente perturbada por juízos lógicos-formais em torno do que seja “matéria de direito” ou “matéria conclusiva” que apenas sirva para provocar um desajustamento entre a decisão final e jutsiça material do caso.” e, mais adiante, que se justifica “o alargamento de uma “zona cinzenta” onde podem coexistir ambas as valorações”, terminando por referir que “a patologia da sentença neste segmento apenas se verificará, em linhas gerais, quando seja abertamente assumida como “matéria de facto provada” pura e inequívoca matéria de direito” e que “ importa que se admita que a descrição da realidade que subjaz ao litigio seja feita a partir de outros pressupostos que valorizem os aspectos de ordem substancial.”
Salvo melhor opinião, mas se não estamos perante um facto puro, manifestamente também não estamos perante uma pura e simples asserção jurídica.
Estamos perante o que Abrantes Geraldes refere como sendo a “zona cinzenta”, em que em termos substanciais e materiais é descrita uma realidade de facto que, no caso, se traduz no seguinte: os titulares das participações sociais na Cr..., SA não são membros da família O... e, concretamente, os titulares dessas participações sociais não são os titulares do capital social da C....
Em face do exposto, deve improceder a pretendida eliminação do ponto 35 dos factos provados.
6.3.5. Em concreto - Deficiente fundamentação da decisão de facto (recurso das RR.)
As RR. invocam que no que diz respeito aos factos dados como provados nos pontos 9.º a 12.º, a sentença recorrida limita-se a remeter de modo genérico para o “teor dos depoimentos ouvidos em audiência de julgamento” e, para além de não identificar as testemunhas, o Tribunal a quo não faz a mínima menção ao conteúdo, consistência e relevância dos depoimentos (designadamente razão de ciência das testemunhas, credibilidade e articulação dos depoimentos com outros meios de prova) acompanhada da necessária análise crítica, em ordem a externar os motivos da sua convicção e o mesmo se diga, com as devidas adaptações, face à matéria de facto dada como não provada, pois também aqui o Tribunal a quo se confinou a uma fórmula vazia e meramente conclusiva: “a matéria não provada resulta de nenhuma prova digna de crédito se ter produzido a esse respeito” (sic), que nada nos diz sobre o percurso da convicção formada, o seu iter cognoscitivo, omitindo desde logo os meios de prova que não considerou credíveis, e, menos ainda, por que razão deu relevância a outros.
Vejamos
No terceiro parágrafo da “Fundamentação de facto” consta:
“(…) A matéria dos artigos 9º a 12º resulta do teor dos depoimentos ouvidos em audiência de julgamento.”
Em primeiro lugar verifica-se que a Sra. Juiz a quo não identifica os sujeitos dos depoimentos a que se refere.
Em segundo lugar, muito embora a seguir faça um resumo dos depoimentos de parte e do depoimento das testemunhas, em momento algum refere que algum deles tenha sido relevante para a prova dos referidos factos e muito menos as razões para tal, ou seja, em que medida ou de que forma o “teor” dos ditos depoimentos foram relevantes para a prova dos factos.
E por isso e ao contrário do que afirmam os recorridos, não é possível afirmar que o tribunal considerou relevantes “todos [os] depoimentos”, porque não se sabe quais, em concreto, foram considerados e se desconhece as razões porque produziram efeitos probatórios.
Como se sintetiza no Ac. da RC de 11/02/2020, processo 37/08.1.TBSCD.C1, consultável in www.dgsi.pt/jtrc:  “O dever de fundamentação da decisão proferida em sede de matéria de facto – imposto pelo nº 4 do art. 607º CPC – não se mostra cumprido com um simples resumo das afirmações proferidas por cada uma das testemunhas e depoentes, por uma identificação de cada um dos documentos juntos aos autos e por um resumo do teor do relatório pericial e esclarecimentos prestados pelos srs. peritos, se tal exposição não se encontrar acompanhada da explicitação, relativamente a cada um dos factos ou matérias em causa, de quais, de entre esses meios de prova ou alguns deles, foram relevantes, por que deu mais credibilidade a uns depoimentos e não a outros, julgou relevantes ou irrelevantes certas conclusões dos peritos ou achou satisfatória ou não a prova resultante de documentos.”.
Em face do exposto, assiste razão às recorrentes quanto á falta de motivação dos pontos 9º a 12º dos factos provados.
Ainda no âmbito dos factos provados, verifica-se que o tribunal omitiu totalmente a motivação quanto aos pontos 17º, 29º, 30º e 34º.
E no final da “Fundamentação de facto” consta:
A matéria não provada resulta de nenhuma prova digna de crédito se ter produzido a seu respeito.
Estamos, efectivamente, perante uma fórmula vazia, que nada nos diz de concreto quanto às razões porque o tribunal não considerou provada a matéria de facto referida, não podendo haver dúvidas, face ao disposto no art.º 607º n.º 4, que o dever de motivação também abrange os factos não provados.
E isto é tanto mais manifesto quando se verifica que foi produzida prova por depoimento de parte e por testemunhas, pelo que cumpriria explicitar, em primeiro lugar, se tais depoimentos incidiram ou não sobre os factos que vieram a ser considerados não provados e, caso tenham incidido, explicitar as razões pelas quais tais depoimentos não convenceram o tribunal, o que manifestamente não sucedeu.
Mais uma vez se refere que apesar de constar da “Fundamentação de facto” um resumo dos depoimentos de parte e do depoimento das testemunhas, em momento algum se refere que os mesmos não foram de molde a convencer o tribunal e as razões para tal.
Em consequência do exposto, fica este Tribunal ad quem impedido de, como é sua função e exige a impugnação da decisão de facto (cfr. conclusões 72ª, 73ª, 81ª e 82ª do recurso das RR)., reapreciar a correcção do julgamento de facto levado a cabo pelo Tribunal a quo, uma vez que dele apenas se conhece a conclusão ou resultado do seu juízo (os factos provados e não provados) mas não as razões que, ao nível da análise crítica da prova, a tal conduziram.
Como se deixou referido, a fundamentação da decisão da matéria de facto – imprescindível, como se viu –, tem precisamente como funções nucleares, por um lado, permitir às partes impugná-la e, por outro, possibilitar ao tribunal superior o seu reexame.
Inexistindo tal motivação, coarctada fica tal possibilidade e, portanto, comprometido o exercício do direito de recurso.
E como se salientou no Acórdão desta RG, de 03/03/2016, processo 130/14.1T8VRL.G1, consultável in www.dgsi.pt/jtrg, “A livre convicção do julgador de 1ª instância só a ele compete e não pode ser confundida e/ou suprida pela convicção do julgador de 2ª instância.”

Quanto ás consequências da patologia em referência, a alínea d) do n.º 2 do art.º 662º do CPC dispõe:
2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
(…)
d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.
Destarte impõe-se determinar que a Sra. Juiz a quo, fundamente devidamente, segundo a lei e os critérios expostos, a sua decisão quanto aos pontos 9º a 12º, 17º, 29º, 30º e 34º dos factos provados e a sua decisão quanto á matéria de facto não provada, tendo em conta a prova produzida.
Síntese
Em face de tudo o exposto, impõe-se suprir as deficiências quanto á decisão de facto supra verificadas, e, na prolação da nova sentença, impõe-se sejam tidas em consideração as declaradas nulidades da sentença.
*
7. Questões constantes dos pontos xv) a xxii).
Em face de tudo o exposto está prejudicada a apreciação de todas as questões elencadas nos pontos xv) a xxii).
*
8. Custas
As custas do recurso, tendo em conta o seu desfecho são, nos termos dos artºs 527º, nºs 1 e 2 CPC, a cargo das recorrentes e dos recorridos que contra alegaram, na proporção do decaimento quanto às questões colocadas, proporção que, atenta a natureza, extensão e relação com as demais, se fixa, por tal se considerar adequado e razoável nos seguintes termos:
- recurso da interveniente O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA: pela recorrente 2/5; pelos recorridos 3/5;
- recuro das RR. – na proporção de ½ pelas recorrentes e ½ pelos recorridos.
*
9. Decisão

Em face de tudo o exposto:
- julga-se procedente a nulidade por omissão de pronúncia quanto á nulidade da não convocação da audiência invocada pelas RR. no seu requerimento de 16/11/2020;
- conhece-se da referida nulidade e julga-se a mesma improcedente;
- não se conhece do recurso na parte em que tem por objecto o uso, pelo tribunal recorrido, dos poderes conferidos pelo art.º 597º do CPC;
- julga-se improcedente o recurso quanto à questão da necessidade da A... – Investimentos, Ldª deduzir incidente de habilitação de adquirente para intervir nos autos;
- julga-se improcedente o recurso quanto à decisão que julgou improcedente a ilegitimidade processual da A..., relegando para a apreciação do mérito da causa a invocada ilegitimidade substantiva da mesma;
- julga-se procedente a nulidade por omissão de pronúncia quanto á reclamação quanto ao objecto do litigio;
- conhece-se da referida questão e julga-se improcedente tal reclamação;
- julga-se improcedente a inexistência da sentença por esgotamento do poder jurisdicional quanto à questão da licitação;
- consigna-se que a questão da repartição da quota, não tendo sido formulado qualquer pedido nesse sentido, é inconsequente;
- julga-se procedente a nulidade da sentença por omissão de pronúncia quanto às seguintes questões:
a) Natureza fiduciária da cessão de quota (cfr., art. 171.º e ss da contestação à petição da A., e arts. 66.º a 103.º da contestação às petições dos intervenientes);
b) Inexistência do direito convencional de preferência (arts. 163.º a 195.º da contestação);
c) Ilegalidade da cláusula estatutária de preferência (arts. 196.º a 210.º da contestação);
d) Falta de eficácia real do direito de preferência (arts. 211.º a 223.º da contestação);
e) Renúncia ao direito de preferência (arts. 224.º a 236.º da contestação);
- julga-se procedente a nulidade da sentença por omissão de pronúncia quanto à pretensão da interveniente O... SGPS, SA, de que lhe seja reconhecido exclusivamente o direito preferir na cessão da quota;
- julga-se improcedente a nulidade da sentença por ter conhecido da questão da repartição da quota;
- julga-se procedente a nulidade da sentença, por condenação ultra petitum, no que respeita ao segmento (a seguir sublinhado) do dispositivo em que reconhece o direito da A. e dos intervenientes a preferir na cessão da quota “na proporção da sua participação no capital social”;
- julga-se prejudicada a questão da nulidade da sentença por contradição;
- anula-se a decisão de facto quanto aos pontos 13 a 22 e 24 a 28 dos factos provados e quanto às alíneas D), E) e G) dos factos não provados, a fim de o tribunal recorrido suprir as contradições verificadas no ponto 6.3.1 deste Acordão;
- anula-se a decisão de facto, a fim de o tribunal recorrido suprir a deficiência quanto questão de facto de saber se a quota da OL... cedida pela C... á Cr... valia, pelo menos, 481.179.37 euros, se necessário, mediante nova produção de prova, juízo que caberá ao tribunal a quo realizar;
- julga-se improcedente a ampliação da matéria de facto quanto ás questões do negócio indirecto e fiduciário;
 - julga-se improcedente a pretendida eliminação do ponto 35 dos factos provados;
- determina-se que a Sra. Juiz a quo, fundamente devidamente, a sua decisão quanto aos pontos 9º a 12º, 17º, 29º, 30º e 34º dos factos provados e a sua decisão quanto á matéria de facto não provada, tendo em conta a prova produzida.
*
Custas:
- recurso da interveniente O... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA: pela recorrente 2/5; pelos recorridos 3/5;
- recuro das RR. – na proporção de ½ pelas recorrentes e ½ pelos recorridos.
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Notifique-se
*
Guimarães, 15/12/2022
(O presente acórdão é assinado electronicamente)

Relator: José Carlos Pereira Duarte
Adjuntos: Maria Gorete Roxo Pinto Baldaia de Morais
José Fernando Cardoso Amaral



[1] Cumpre desde já referir que o Relatório se apresenta anormalmente extenso.
Mas a tramitação do processo e o facto de as partes terem suscitado um conjunto vasto de questões, algumas com repercussão nos recursos interpostos, assim o impõe.
[2] Desde já se consigna que a numeração das conclusões não é sequencial – entre a 83 e a 84 está a 304 e passa da conclusão 107 para a conclusão 306.