Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
594/21.7T8VRL.G1
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR
ALIMENTOS PROVISÓRIOS
CARÁCTER INSTRUMENTAL
ALIMENTOS DEFINITIVOS
ACÇÃO DE DIVÓRCIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/13/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):
(da responsabilidade da Relatora - art. 663.º, n.º 7 do CPC)

I. O carácter instrumental do procedimento cautelar (face à acção principal) significa que este é um instrumento ao serviço da acção judicial a que se encontra associado, com o propósito de garantir a utilidade da respectiva decisão (art. 364.º, n.º 1, do CPC).

II. Os alimentos definitivos podem ser pedidos por um cônjuge contra outro, ou na própria acção de divórcio (como pedido acessório, do principal de dissolução do casamento), ou em acção declarativa autónoma, sob a forma de processo comum (como pedido principal ou único da mesma); e, em qualquer um destes casos, uma vez que se verifica o nexo de instrumentalidade ou dependência exigido por lei, estará o cônjuge carenciado de alimentos autorizado a lançar mão da providência cautelar de alimentos provisórios, prevista no art. 384.º, do CPC.

III. Não sendo acessoriamente pedidos alimentos definitivos em acção de divórcio, e pretendendo o cônjuge carenciado obter alimentos provisórios do outro na pendência da dita acção, terá necessariamente de se socorrer da especialíssima providência prevista no n.º 7, do art. 931.º, do CPC (isto é, requerer a sua fixação na própria acção de divórcio).

IV. Na inversão do contencioso, pressupõe-se que se haja discutido na providência cautelar o mesmo direito que seria discutido na futura acção definitiva (cuja propositura aquele, precisamente, dispensa), por ali se ter adquirido a convicção segura acerca da existência do «direito acautelado» (art. 369.º, n.º 1, do CPC).

V. O caso julgado traduz-se na impossibilidade da decisão proferida ser substituída ou modificada por qualquer tribunal, incluindo aquele que a proferiu (art. 628.º, do CPC); e, ocorrendo casos julgados contraditórios, valerá a decisão contraditória sobre o mesmo objecto que tenha transitado em primeiro lugar, e ainda que ambas tenham sido proferidas dentro do mesmo processo (art. 625.º, do CPC).

VII. A proibição de decisões surpresa (manifestação especial do princípio do contraditório, e pressuposta no direito constitucional a um processo equitativo), tem primordial aplicação face às questões de conhecimento oficioso que as partes não tenham suscitado, impondo que, antes de as decidir, o juiz as convide a pronunciarem-se sobre elas (art. 3.º, n.º 3, do CPC, e art 20.º, n.º 4, da CRP).
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I - RELATÓRIO

1.1. Decisão impugnada
1.1.1. S. M. (aqui Requerente e Recorrente), residente na Rua …, n.º …, em Vila Real, propôs o presente procedimento cautelar de alimentos provisórios, contra V. J. (aqui Requerido e Recorrido), residente na Avenida …, em …, Peso da Régua, pedindo que se:

· fixasse uma pensão de alimentos mensal a favor de si própria, no valor de € 600,00, e a pagar pelo Requerido;

· determinasse a inversão do contencioso.

Alegou para o efeito, e em síntese, que, sendo casada com o Requerido e estando pendente uma acção de divórcio sem consentimento (intentada por si contra ele, e onde não formulou pedido de fixação de alimentos definitivos), encontrar-se-ia a viver numa casa arrendada com a filha comum do casal, estudante, enquanto que o Requerido viveria na que foi casa de morada de família.
Mais alegou que, estando impedida de trabalhar pela sua condição de saúde, teria despesas mensais globais com a sua subsistência e da filha de € 994,67, e teria como únicos rendimentos o subsídio de desemprego mensal de € 457,65; e, por isso, apenas sobreviveria com a ajuda de terceiros.
Alegou ainda Requerente que já o Requerido manteria o estilo de vida economicamente confortável que sempre tinham tido, enquanto casal, à custa do locupletamento indevido com o saldo de contas bancárias comuns, a que acresceria o vencimento mensal próprio, de € 1.300,00.
Por fim, e em sede de inversão do contencioso, a Requerente defendeu permitir toda a matéria por si alegada a formação de convicção segura acerca da existência do direito de alimentos aqui acautelado.

1.1.2. Foi proferido despacho, convidando a Requerente (S. M.) a esclarecer qual a concreta acção de que o presente procedimento cautelar nominado seria dependência, lendo-se nomeadamente no mesmo:

«(…)
Considerando que o dever de prestar alimentos, integrado no dever conjugal de assistência, tem uma dimensão diferente do dever de alimentos posterior ao divórcio e atento o que se mostra alegado nos 32.º e 48.º do requerimento inicial, notifique a requerente para esclarecer a concreta ação de que este procedimento cautelar é dependência, nos termos do art.º 364.º, n.º 1, do CPC.
(…)»

1.1.3. A Requerente (S. M.) respondeu ao convite do Tribunal a quo, esclarecendo nomeadamente que:

«(…)
1. A Requerente intentou a presente providência cautelar especificada a fim de obter uma pensão (de alimentos provisórios), a pagar pelo seu ainda actual cônjuge, o aqui Requerido, V. J..
(…)
Adicionalmente e sem prescindir,
4. A Requerente vem solicitar ao Venerando Tribunal que decrete a inversão do contencioso na presente providência,
5. A fim de garantir o seu direito a alimentos, devido nos termos do art. 2016º-A do C.C., quando ocorrer o divórcio, ou seja, obrigação alimentícia imposta ao seu ex-cônjuge, o aqui Requerido.
6. Note-se que, tais pedidos foram requeridos na pendência da ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, que corre termos neste Colendo Tribunal, sob o processo n.º 2184/20.2T8VRL.
7. Estando a sua audiência de julgamento agendada para o próximo dia 27 de Abril de 2021, pelas 14h00m.
8. Motivo pelo qual, a Requerente apesar de ainda se encontrar casada e estando já separada de facto do Requerido,
9. Para breve, conjectura que adquirirá o estado civil de divorciada.
10. A presente providência cautelar de alimentos provisórios visa acautelar o direito da Requerente em obter uma pensão, a pagar pelo Requerido, nos termos dos art. 1675º e 2015º do Código Civil.
(…)
14. Do mesmo modo que, estando alegado e dando-se como provado que a Requerente, quando a dissolução do casamento se der, continuará carecida de alimentos e continuará a preencher todos os requisitos legais impostos pelo art. 2016º e 2016º-A do Código Civil,
15. A fim de evitar a duplicidade de produção de prova, que sempe se dará se esta for obrigada a intentar uma posterior ação de alimentos (definitivos) a ex-cônjuge, e à luz do princípio da economia e aproveitamento de atos processuais,
16. Se poderá, salvo melhor entendimento, decretar, nos presentes autos, através do mecanismo de inversão do contencioso, a obrigatoriedade de pagamento pelo Requerido de uma pensão de alimentos definitivos à aqui Requerente, enquanto sua ex-cônjuge, pelo período que carecer de alimentos.
(…)

Em suma,
23. Não obstante o enquadramento jurídico-conceptual ser diverso, quanto ao dever que lhe dá origem,
24. É esta obrigação alimentícia existente entre Requerente e Requerido, independentemente do seu estado civil ser o actual ou o futuro certo,
25. Que serve de fundamento, conjunto e singular, à presente providência cautelar de alimentos (provisórios) e à posterior ação de alimentos (definitivos) a ex-cônjuge,
26. Numa primeira fase, a actual, enquanto casados, decorrente do dever de assistência entre cônjuges, e
27. Numa fase posterior, após divórcio, decorrente do dever de solidariedade entre ex-cônjuges.
28. Tratando-se, por isso, do mesmo fundamento acautelado com a presente providência e usado, posteriormente, como alicerce numa seguinte ação de alimentos a ex-cônjuge.
29. Fica configurado, nos presentes autos, a dependência da providência cautelar face à ação principal, nos termos do n.º 1 do art. 364º do C.P.C., tratando-se unicamente de antecipar os efeitos que iriam ser obtidos naquela, face à urgência manifestada nesta.
30. Motivo pelo qual, nada obsta, salvo entendimento diverso, que opere a inversão do contencioso, prevista no n.º 4 do art. 376.º do C.P.C., feita a prova alegada.
31. Determinando-se, no imediato, o pagamento de uma pensão de alimentos provisórios até que, por junção aos presentes autos, se comprove que a Requerente e o Requerido se encontram divorciados (por sentença transitada em julgado nos autos supra identificados), momento no qual, passam a ser devidos alimentos definitivos, o que muii respeitosamente se requer a V/Exa.
(…)»

1.1.4. Foi proferido despacho, considerando «regularizada a instância», admitindo o rol de testemunhas, designando dia para realização a audiência de julgamento, fixando o valor da acção em € 7.200,00, e ordenando a citação do Requerido, nomeadamente para que oferecesse a sua eventual oposição e comparecesse na audiência final, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
Uma vez que se mostra esclarecido que a requerente não pretende usar mão do procedimento cautelar especificado previsto no artigo 931.º, n.º 7, do C.P.C., mas outrossim socorrer-se do procedimento cautelar especificado de alimentos provisórios, considera-se regularizada a instância.
(…)»

1.1.5. Citado o Requerido (V. J.), o mesmo deduziu oposição, pedindo que o procedimento cautelar fosse julgado improcedente, por não provado.
Alegou para o efeito, em síntese, ter a Requerente (S. M.), previamente à acção de divórcio sem consentimento intentada contra si, promovido o arrolamento do saldo de todas as contas bancárias tituladas pelo casal, o que foi feito, sendo ele próprio nomeado fiel depositário respectivo; e ter-se a Requerente, depois e abusivamente, apropriado de parte desses saldos, transferindo-a para conta própria.
Mais alegou: cumprir com as suas responsabilidades para com os dois filhos comuns do casal (auxiliando o já autónomo e pagando a pensão de alimentos mensal de € 250,00 à ainda estudante); permitir a condição de saúde da Requerente que a mesma trabalhe (como sempre o fez); e auferir ele próprio um salário mensal de € 1.049,00, consumido integralmente com encargos bancários assumidos pelo casal e com a sua própria subsistência (conforme discriminou), pelo que só conseguiria sobreviver com a ajuda de terceiros.
Por fim, e quanto à pretendida inversão do contencioso, o Requerido defendeu que a matéria factual e probatória carreada para os autos não permitiria formar convicção segura acerca da existência do direito cautelado, antes impondo a improcedência da presente providência cautelar.

1.1.6. Em sede de audiência final, foi proferido despacho, anunciando às partes, quer a eventual verificação de um erro na forma de processo usada, quer a eventual manifesta improcedência de parte da pretensão formulada, convidando-as a pronunciarem-se, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
Entende este Tribunal que, relativamente à pretensão de alimentos provisórios para vigorar na pendência do processo de divórcio, se verifica a nulidade de erro do meio processual utilizado, insuprível, atento o preceituado no artº 931.º, n.º 7, do C.P.Civil.
Relativamente à pretensão de fixação de alimentos a ex-cônjuges, entendemos que é manifesta a sua improcedência.
Em face do exposto, ao abrigo do estatuído no art.º 3.º do C.P.Civil, determina-se a audição das partes quanto a estas questões.
(…)»

Na mesma audiência, e de imediato, a Requerente (S. M.) reiterou o seu pedido de que o Tribunal se pronunciasse «quanto aos alimentos provisórios, sendo meramente opcional, podendo usar a providência cautelar de alimentos provisórios prevista no art.º 384.º do C.P.Civil»; e o Requerido (V. J.) afirmou que «subscreve na íntegra o douto entendimento do Tribunal».

1.1.7. Na mesma audiência final, foi proferido despacho, absolvendo o Requerido (V. J.) do pedido de fixação de alimentos provisório, e julgando manifestamente improcedente o pedido de fixação de alimentos definitivos, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
DECISÃO
Conforme se afere do requerimento inicial e da explicitação apresentada pela requerente S. M. no seu requerimento de 26 de Março, na sequência do despacho proferido no dia 24 de Março, a mesma instaura o presente procedimento cautelar especificado de alimentos provisórios contra o seu cônjuge, aqui requerido, V. J., por dependência e como preliminar de ação de alimentos definitivos a ex-cônjuge.
Formula o pedido de fixação, a seu favor, de uma pensão de alimentos a pagar pelo requerido, no valor mensal de € 600,00, e que se decrete a inversão do contencioso.
Da parte final do requerimento apresentado pela requerente a 26 de Março afere-se que a mesma pretende a fixação de alimentos provisórios a vigorar na pendência do processo de divórcio por si instaurado, até que se comprove, nos presentes autos, que requerente e requerido se encontram divorciados por sentença transitada em julgado a proferir no processo de divórcio, momento a partir do qual passam a ser devidos alimentos definitivos.
Nos termos do art.º 384.º do CPC o titular de direito a alimentos pode requerer a fixação da quantia mensal que deva receber, a título de alimentos provisórios, enquanto não houver pagamento da primeira prestação definitiva.
Este procedimento cautelar nominado pode ser usado por dependência quer da ação autónoma de alimentos, quer da ação de divórcio onde tenha sido formulado o pedido de alimentos definitivos, ou previamente a qualquer uma destas ações.
No processo de divórcio instaurado pela aqui requerente a mesma não formulou pedido de alimentos definitivos nos termos previstos no art.º 555.º, n.º 2, do CPC.
Ora, não tendo formulado tal pedido na ação de divórcio, o único meio processual legalmente admissível de que a requerente se pode socorrer com vista à fixação de alimentos provisórios na pendência de tal processo é o procedimento cautelar especificado previsto no art.º 931.º, n.º 7, do CPC, o qual corre termos como incidente no próprio processo.
Ocorre, pois, quanto a esta sua pretensão, erro no meio processual utilizado, nulidade insuprível, conducente à absolvição da instância – cf. artigos 193.º n.º 1 e 278.º, n.º 1, alínea b), do CPC.
No que concerne à pretensão de fixação de alimentos a ex-cônjuge a mesma revela-se desde logo manifestamente improcedente, porquanto não ocorreu ainda a dissolução do vínculo conjugal.
Com efeito, o processo de divórcio corre ainda os seus termos, estando designada a tentativa de conciliação para o próximo dia 27 de Abril.
Em face do exposto, decide-se absolver o requerido da instância quanto ao pedido de fixação de alimentos provisórios formulado para vigorar na pendência da ação de divórcio e julgar manifestamente improcedente o pedido de fixação de alimentos a ex-cônjuge, dele absolvendo o requerido.
Custas pela requerente.
Registe e notifique.
(…)»
*
1.2. Recurso
1.2.1. Fundamentos

Inconformada com esta decisão, a Requerente (S. M.) interpôs recurso de apelação, pedindo que fosse provido, se revogasse a decisão recorrida e se ordenasse o prosseguimento dos autos, nomeadamente para realização da audiência final, com a devida produção de prova.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis):

I. O presente recurso vem interposto da douta decisão proferida a 20/04/2021, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, Juízo de Família e Menores, com a refª Citius 35432999,

II. Na qual se decide “absolver o requerido da instância quanto ao pedido de fixação de alimentos provisórios formulado para vigorar na pendência da ação de divórcio e julgar manifestamente improcedente o pedido de fixação de alimentos a ex-cônjuge, dele absolvendo o requerido.”.

III. No essencial, são duas as questões que se colocam no âmbito do presente recurso e que importa escrutinar:

IV. A) No que respeita à absolvição da instância do Requerido/Recorrido, face ao pedido de alimentos provisórios peticionado pela Requerente/Recorrente;

V. B) Relativamente à absolvição do pedido de inversão do contencioso, em concreto, dos peticionados alimentos pela Requerente/Recorrente a ex-cônjuge, na pessoa do Requerido/Recorrido.

VI. Em prol da verdade, quanto à primeira questão, diga-se que o meio processual utilizado era o correto e o único possível de acesso à Requerente/Recorrente,

VII. A saber, o procedimento cautelar especificado de alimentos provisórios, conforme disposto no art. 384º e seguintes do C.P.C.

VIII. Não havendo lugar à possibilidade legítima de utilização de meio processual diverso, a saber o disposto no n.º 7 do 931º C.P.C.,

IX. Uma vez que, a Requerente/Recorrente não formulou pedido de alimentos definitivos, no processo de divórcio pendente,

X. Falhando, assim, o elo de dependência imposto pelo n.º 1 do 364º do C.P.C.

XI. Conforme doutrina e jurisprudência unânime, entranhada na nossa ordem jurídica, cabe ao cônjuge que requer alimentos provisórios optar por uma das duas formas de processo elencadas,

XII. Sendo estas opcionais entre si.

XIII. Mesmo que dúvidas houvessem, nos presentes autos, foi proferido despacho saneador, a 29/03/2021, com a refª Citius 35364955,

XIV. Na qual se pode ler que “(…) se mostra esclarecido que a Requerente não pretende lançar mão do procedimento cautelar especificado previsto no art. 931º n.º 7 do C.P.C., mas outrossim socorrer-se do procedimento cautelar especificado de alimentos provisórios (…)”,

XV. No qual foi considerada regularizada a instância e, por via disso, designada data para a realização da audiência de discussão e julgamento.

XVI. Não obstante, tal regularidade e inexistência de exceções dilatórias ou nulidades processuais adicionais, de conhecimento oficioso,

XVII. Eis que, no ato de abertura da mencionada audiência de julgamento, a Requerente/Recorrente é confrontada com a decisão surpresa, aqui objeto de recurso.

XVIII. Assim, não só esta decisão é diametralmente oposta a uma outra anteriormente proferida, nos mesmos autos,

XIX. Ao arrepio do legalmente previsto.

XX. Quanto à segunda questão, no que à inversão do contencioso peticionada diz respeito,

XXI. A haver lugar ao indeferimento deste mecanismo, tal determinaria apenas e só a absolvição do Requerido/Recorrido quanto a este, no presente,

XXII. Permitindo à Requerente/Recorrente o seu peticionamento quando ocorresse o divórcio.

XXIII. Sem prescindir, a Requerente/Recorrente considera estarem reunidos os pressupostos legalmente exigidos para que ocorra a inversão do contencioso nos presentes autos,

XXIV. Uma vez que, a presente providência cautelar de alimentos provisórios visa assegurar o direito da Requerente em obter uma pensão, a pagar pelo Requerido, nos termos dos art. 1675º e 2015º do Código Civil,

XXV. Enquanto prestação que efetiva o dever de assistência, imposto entre cônjuges, e que se prolonga para além da dissolução do casamento, com base na ideia de solidariedade entre estes.

XXVI. Esta prestação provisória encontra necessidade na subsistência dos cônjuges, enquanto não for devida pensão de alimentos definitivos, no âmbito de uma ação autónoma de alimentos a ex-cônjuge.

XXVII. Pelo que, estando alegado e dando-se como provado os requisitos previstos no art. 1675º e 2015º do Código Civil, sempre se deverá decretar a providência de alimentos provisórios em benefício da Requerente,

XXVIII. Do mesmo modo que, estando alegado e dando-se como provado que a Requerente, quando a dissolução do casamento ocorrer, continuará carecida de alimentos e permanecerão preenchidos todos os requisitos legais impostos pelo art. 2016º e 2016-Aº do Código Civil,

XXIX. A fim de evitar a duplicidade de produção de prova, que sempre se dará se esta for obrigada a intentar uma posterior ação de alimentos (definitivos) a ex-cônjuge, e à luz do princípio da economia e aproveitamento de atos processuais.

XXX. Salvo melhor entendimento, dever-se-á decretar, nos presentes autos, através do mecanismo de inversão do contencioso, a obrigatoriedade de pagamento pelo Requerido de uma pensão de alimentos definitivos à aqui Requerente, enquanto sua ex-cônjuge, pelo período em que esta carecer de alimentos.

XXXI. Lógica orientadora do pensamento legislativo vertido no art. 2009º n.º 1 alínea a) do Código Civil, n.º 4 do art. 376º do Código de Processo Civil

XXXII. Não obstante o enquadramento jurídico-conceptual ser diverso, quanto ao dever que lhe dá origem,

XXXIII. É esta obrigação alimentícia existente entre Requerente e Requerido, independentemente do seu estado civil ser o atual ou o futuro certo,

XXXIV. Que serve de fundamento, conjunto e singular, à presente providência cautelar de alimentos (provisórios) e à posterior ação de alimentos (definitivos) a ex-cônjuge,

XXXV. Numa primeira fase, a atual, enquanto casados, decorrente do dever de assistência entre cônjuges, e

XXXVI. Numa fase posterior, após o divórcio, decorrente do dever de solidariedade entre ex-cônjuges.

XXXVII. Nestes termos e com o respeito que mui no apraz, andou mal o Venerando Tribunal a quo na sua interpretação, violando o sentido e alcance das normas vertidas nos art. 384º e seguintes, n.º 7 do art. 931º, art. 193º e art. 278º n.º 1 alínea a), todos do C.P.C.
*
1.2.2. Contra-alegações

O Requerido (V. J.) não apresentou contra-alegações.
*
II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC).

Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação).
*
2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar

Mercê do exposto, e do recurso de apelação interposto pela Requerente (S. M.), três questões foram submetidas à apreciação deste Tribunal ad quem:

· 1.ª - Errou o Tribunal a quo na interpretação e aplicação das normas legais que deveria considerar, por não se verificar qualquer erro na forma de processo usada pela Requerente, quanto ao pedido de fixação de alimentos provisórios, nem se verificar qualquer manifesta improcedência, quanto ao pedido de fixação de alimentos definitivos ?

· 2.ª - Errou o Tribunal a quo na interpretação e aplicação das normas legais que deveria considerar, ignorando o caso julgado formal constituído sobre o despacho que preferiu em 29 de Março de 2021 (considerando «regularizada a instância»), quando em 20 de Abril de 2021 absolveu o Requerido da instância de fixação de alimentos provisórios e julgou manifestamente improcedente o pedido de fixação de alimentos definitivos ?

· 3.ª - Errou o Tribunal a quo na interpretação e aplicação das normas legais que deveria considerar, proferindo uma inadmissível decisão surpresa quando, em 20 de Abril de 2021, absolveu o Requerido da instância de fixação de alimentos provisórios e julgou manifestamente improcedente o pedido de fixação de alimentos definitivos ?
*
III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com interesse para a apreciação das questões enunciadas, encontram-se assentes (mercê do conteúdo dos próprios autos) os factos já discriminados em «I - RELATÓRIO», que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
*
IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Fixação de alimentos provisórios na pendência de divórcio
4.1.1.1. Providência cautelar de alimentos provisórios (art. 384.º, do CPC)
4.1.1.1.1. Definição

Lê-se no art. 384.º, do CPC, que o «titular de direito a alimentos pode requerer a fixação da quantia mensal que deva receber, a título de alimentos provisórios, enquanto não houver pagamento da primeira prestação definitiva».
Logo, pressupõe-se que, noutra sede, se discutirão os alimentos definitivos (cuja atribuição e concreta medida justificará a posterior «primeira prestação definitiva»).
Compreende-se, por isso, que se afirme que, sendo «uma providência tipicamente antecipatória, a fixação de alimentos provisórios está, em regra, na dependência direta de uma ação em que, a título principal ou acessório, se pretende o reconhecimento do direito a uma prestação alimentícia e a condenação do devedor no seu pagamento (1). O pedido corresponderá a uma quantia certa, de periodicidade mensal, representando a antecipação do que provavelmente será reconhecido na ação principal, podendo envolver também a inversão do contencioso (2)» (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2018, pág. 458, com bold apócrifo).
*
4.1.1.1.2. Instrumentalidade versus Inversão do contencioso

Com efeito, lê-se no art. 364.º, n.º 1, do CPC, que, excepto «se for decretada a inversão do contencioso, o procedimento cautelar é dependência de uma causa que tenha por fundamento o direito acautelado e pode ser instaurado como preliminar ou como incidente de acção declarativa ou executiva».
O carácter instrumental do procedimento cautelar (face à acção principal) significa que este «é um instrumento ao serviço da acção judicial a que se encontra associado, com o propósito de garantir a utilidade da respectiva decisão. Daqui decorre que a acção cautelar não constitui um fim em si mesma. Constitui apenas um meio, um instrumento, que permite alcançar a utilidade da decisão, objecto de outro processo, a que se encontra acoplada» (Rita Lynce de Faria, A função instrumental da tutela cautelar não especificada, Universidade Católica Editora, 2003, págs. 34 e 35, com bold apócrifo) (3).

Compreende-se, por isso, que se afirme que as providências cautelares não constituem meio adequado para se criarem e definirem direitos; visam tão só acautelar e proteger os que já existem (Ac. do STJ, de 21.04.1953, RLJ, n.º 86, pág. 111). A não ser assim, a providência substituir-se-ia à acção adequada para obter tal efeito (Ac. do STJ, de 14.06.1957, BMJ, n.º 68, pág. 542).

Precisando a dita instrumentalidade (perante a acção principal), ocorre a mesma: quer quanto ao objecto, na medida em que o juiz não pode «alocar ao requerente uma vantagem excedente dos limites do que, a título principal, lhe poderia ser acordado»; quer quanto à sua utilidade, porquanto «não se pode retirar, por esvaziamento, utilidade à decisão final ou atacar esta, ou seja, a medida cautelar não pode antecipar a medida final», pelo que «o tribunal deve decretar a medida sem pré-julgar o fundo da questão» (Rui Pinto, A questão de mérito na tutela cautelar, Coimbra Editora, 2009, págs. 235 e 236).
Assim, constitui jurisprudência reiterada que uma providência cautelar nunca pode substituir o efeito jurídico que dimanará da acção principal: terá sempre efeitos provisórios cuja subsistência exige a confirmação daquilo que sumariamente se apure relativamente aos requisitos específicos das providências cautelares. De outro modo, estaria descoberto o sistema de, por esta via, dar imediata e directa realização ao direito substancial e alcançar-se a satisfação desse direito que só através da respectiva acção principal se deve concretizar (4). O efeito útil que o autor (requerente do procedimento) pretende prosseguir não deverá revelar-se autonomamente cumprido por via do procedimento cautelar porque, assim sendo, este desenvolveria uma função substitutiva e não de garantia do processo principal (Lucinda D. Dias da Silva, Processo Cautelar Comum, Princípio do contraditório e dispensa de audição prévia do requerido, Coimbra Editora, 2009, pág. 135, com bold apócrifo).
*
Lê-se, porém, no art. 369.º, n.º 1, do CPC (numa intencional mitigação desta exigência) que, mediante «requerimento, o juiz, na decisão que decrete a providência, pode dispensar o requerente do ónus de propositura da acção principal se a matéria adquirida no procedimento lhe permitir formar convicção segura acerca da existência do direito acautelado e se a natureza da providência decretada for adequada a realizar a composição definitiva do litígio».
Logo, pressupõe-se na inversão do contencioso que se haja discutido na providência cautelar o mesmo direito que seria discutido na futura acção definitiva (cuja propositura aquele, precisamente, dispensa), por ali se ter adquirido a convicção segura acerca da existência do «direito acautelado» (o mesmo direito, ali discutido e por isso aqui com dispensada discussão).

Precisa-se, porém, que, através «deste normativo, em vez de se permitir a convolação ex officio da tutela cautelar numa tutela definitiva, possibilita a lei que, no procedimento cautelar, que tem natureza instrumental e provisória, o requerente da providência, verificadas certas condições, seja dispensado do ónus de propositura da acção principal, destinada a confirmar a tutela cautelar, atribuindo-se ao requerido o ónus de instaurar uma acção de impugnação, com a finalidade de obstar à consolidação da providência decretada» (Ac. da RL, de 20.11.2014, Ondina do Carmo Alves, Processo n.º 1972/13.0TVLSB.L1-2, com bold apócrifo).
Precisa-se, ainda, no art. 376.º, n.º 4, do CPC, que o «regime da inversão do contencioso é aplicável, com as devidas adaptações, à restituição provisória da posse, à suspensão de deliberações sociais, aos alimentos provisórios, ao embargo de obra nova, bem como às demais providências previstas em legislação avulsa cuja natureza permite realizar a composição definitiva do litígio».
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4.1.1.1.3. Direito a alimentos de cônjuge e ex-cônjuge

Lê-se no art. 2009.º, n.º 1, al. a), do CC que estão «vinculados à prestação de alimentos» o «cônjuge ou o ex-cônjuge»; e precisa-se, no art. 2015.º, do CC, que, na «vigência da sociedade conjugal, os cônjuges são reciprocamente obrigados à prestação de alimentos, nos termos do art. 1675.º» do mesmo diploma (lendo-se no seu n.º 1 que o «dever de assistência», que nos termos do art. 1672.º do CC recai sobre os cônjuges, «compreende a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir para os encaros a vida familiar»).
Mais se lê, no art. 2016.º, n.º 2, do CC que qualquer «dos cônjuges tem direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio».
Logo, quer o cônjuge (na pendência do casamento), quer o ex-cônjuge, após a sua dissolução) tem o direito de exigir do cônjuge ou do ex-cônjuge alimentos, uma vez verificados os pressupostos legais que a lei impõe para o efeito, nomeadamente a necessidade de quem os requer e as possibilidades de quem os haja de prestar (conforme art. 2004.º, do CC).

Por fim, e adjectivando este regime substantivo, lê-se no art. 555.º, n.º 2, do CPC que, nos «processo de divórcio ou de separação sem consentimento do outro cônjuge é admissível a dedução de pedido tendente à fixação do direito a alimentos».
Logo, os alimentos definitivos podem ser pedidos por um cônjuge contra outro, ou na própria acção de divórcio (como pedido acessório, do principal de dissolução do casamento), ou em acção declarativa autónoma, sob a forma de processo comum, nos termos gerais.
Em qualquer um destes casos, e uma vez que se verifica o nexo de instrumentalidade ou dependência exigido por lei, estará o cônjuge carenciado de alimentos autorizado a lançar mão da providência cautelar de alimentos provisórios, prevista no art. 384.º, do CPC (5).
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4.1.1.2. Incidente de alimentos provisórios (art. 931.º, n.º 7, do CPC)

Lê-se no art. 931.º, do CPC, pertinente à acção especial de divórcio e separação sem consentimento do outro cônjuge, no seu n.º 7, que em «qualquer altura do processo o juiz, por iniciativa própria ou a requerimento de alguma das partes, se o considerar conveniente, pode fixar um regime provisório quanto a alimentos (…); para tanto, o juiz pode, previamente, ordenar a realização das diligências que considere necessárias».
Está-se perante uma providência especial, que assume uma natureza híbrida, «comungando de características próprias, quer do procedimento cautelar, quer dos incidentes da instância. A conexão com as regras dos incidentes decorre da agilização e do carácter sumário que o preceito incute, designadamente na sua parte final, devendo o juiz cercear as diligências probatórias que não se coadunem com essa natureza sumária. Comungando das características próprias do procedimento cautelar de alimentos provisórios, pode ocorrer uma situação de litispendência entre a decisão provisória e o procedimento tipificado no art. 384.º» do CPC (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, Almedina, 2020, Reimpressão, págs. 375 e 376) (6).
Contudo, e ao contrário do que sucede no procedimento cautelar de alimentos provisórios, previsto no art. 384.º, do CPC, os alimentos provisórios que aqui sejam fixados vigorarão apenas na pendência da acção de divórcio (se e enquanto ela perdurar) (7).
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4.1.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)

4.1.2.1. Alimentos provisórios - Erro na forma de processo

Concretizando, verifica-se que, encontrando-se pendente entre a Requerente (S. M.) e o Requerido (V. J.) uma acção especial de divórcio sem consentimento do cônjuge demandado (no caso, o Requerido), a Requerente na mesma não pediu, acessoriamente ao pedido principal (de dissolução do casamento), a fixação de alimentos definitivos.
Ora, não o tendo feito, e face à necessária instumentalidade ou dependência de qualquer procedimento cautelar (face a prévia ou posterior acção), carecendo de alimentos provisórios na pendência da dita acção de divórcio, deixou de os poder pedir na providência cautelar de alimentos provisórios prevista no art. 384.º, do CPC (ao contrário do que sucederia, se tivesse chegado a formular aquele pedido acessório, na dita acção de divórcio).
Assim, e pretendendo de facto obter alimentos provisórios do seu ainda cônjuge, na pendência da acção de divórcio, teria necessariamente de se socorrer da especialíssima providência prevista no n.º 7, do art. 931.º, do CPC, isto é, requerer a sua fixação na própria acção de divórcio.
Não o tendo feito, e socorrendo-se indevidamente para esse fim da providência cautelar de alimentos provisórios prevista no art. 384.º, do CPC, ocorre um erro na forma de processo; e, sendo o mesmo insuprível (por não se poder, nesta sede, aproveitar o processado para aquela outra), determina a absolvição do Requerido da instância (conforme arts. 193.º, n.º 1, e 278.º, n.º 1, al. b), ambos do CPC).

Falece, assim, o primeiro fundamento do recurso interposto pela Requerente (a inexistência de qualquer erro na forma de processo usada, para a pretendida fixação de alimentos provisórios, a obter do seu ainda cônjuge, na pendência de acção especial de divórcio sem consentimento).
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4.1.2.2. Alimentos definitivos - Manifesta improcedência

Concretizando novamente, verifica-se que, pretendendo ainda a Requerente (S. M.) que se viessem a fixar alimentos definitivos, então a cargo do seu ex-cônjuge, quis fazê-lo por meio de futura inversão do contencioso, nesta providência cautelar de alimentos provisórios, prevista no art. 384.º, do CPC.
Contudo, e tal como já referido, não só esta concreta providência não pode prosseguir (permitindo assim uma - eventual e futura - inversão do contencioso), como o direito que nela se discute é de alimentos provisórios a obter de cônjuge, e não o de alimentos definitivos a obter de ex-cônjuge.
Dir-se-á ainda que, pretendendo aproveitar-se a mesma providência para este outro efeito (de alimentos provisórios, antecipatórios de alimentos definitivos a obter de ex-cônjuge), como prévia de uma futura acção comum de alimentos a ex-cônjuge (cuja posterior propositura viria a ser eventualmente dispensada, precisamente pela impetrada inversão do contencioso), manifestamente falece um dos seus exigíveis pressupostos, isto é, a condição de ex-cônjuges da demandante e do demandado.
Logo, formulando a Requerente (S. M.) esse pedido (de alimentos provisórios, a obter de ex-cônjuge), quando ainda se encontra casada com o Requerido (V. J.), ocorre a respectiva manifesta improcedência; e a mesma determina a absolvição do Requerido do dito pedido.

Falece, assim, o segundo fundamento do recurso interposto pela Requerente (a inexistência de qualquer manifesta improcedência do pedido de fixação de alimentos provisórios, por dependência de alimentos definitivos, a obter do seu ex-cônjuge).
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4.2. Caso julgado

4.2.1. Definição

Lê-se no art. 613.º, n.º 1, do CPC, que, proferida «a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa» (disciplina que o n.º 3 do mesmo preceito torna extensível aos próprios despachos).
Quer isto significar que, tendo o juiz proferido decisão, não a pode em regra rever, alterando a decisão da causa, ou modificando os seus fundamentos, ficando esta susceptibilidade de modificação reservada para a sede própria, de recursos (José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, pág. 697).
Por outras palavras, o princípio da extinção do poder jurisdicional significa que o «juiz não pode, por sua iniciativa, alterar a decisão que proferiu», ou os «fundamentos em que ela se apoia e que constituem com ela um todo incindível»; e isto mesmo que, «logo a seguir ou passado algum tempo, (…) se arrependa, por adquirir a convicção que errou», estando-lhe interdito «emendar o suposto erro», já que «para ele a decisão fica sendo intangível» (José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora, Limitada, pág. 126).
Compreende-se que assim seja, quer por uma razão doutrinal, quer por uma razão pragmática.
Precisando a razão doutrinal, dir-se-á que o «juiz, quando decide, cumpre um dever - o dever jurisdicional - que é a contrapartida do direito de acção e de defesa. Cumprido o dever, o magistrado fica em posição jurídica semelhante à do devedor que satisfaz a obrigação. Assim como o pagamento e as outras formas de cumprimento da obrigação exoneram o devedor, também o julgamento exonera o juiz; a obrigação que este tinha de resolver a questão proposta, extinguiu-se pela decisão. E como o poder jurisdicional só existe como instrumento destinado a habilitar o juiz a cumprir o dever que sobre ele impende, segue-se logicamente que, uma vez extinto o dever pelo respectivo cumprimento, o poder extingue-se e esgota-se».
Precisando a razão pragmática, dir-se-á reconhecer a mesma a «necessidade de assegurar a estabilidade da decisão jurisdicional. Que o tribunal superior possa, por via do recurso, alterar ou revogar a sentença ou despacho, é perfeitamente compreensível; que seja lícito ao próprio juiz reconsiderar e dar o dito por não dito, é de todo intolerável, sob pena de se criar a desordem, a incerteza, a confusão» (José Alberto dos Reis, op. cit., pág. 127).

Mais se lê, no art. do 628.º, do CPC, que uma decisão judicial «considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação».
O caso julgado traduz-se assim, e antes de mais, na impossibilidade da decisão proferida ser substituída ou modificada por qualquer tribunal, incluindo aquele que a proferiu.
Quando assim seja (e mercê do critério de eficácia consagrado nos art. 619.º, n.º 1, e 620.º, n.º 1, ambos do CPC), a decisão transitada em julgado terá força obrigatória: dentro do processo e fora dele, se for sentença ou despacho saneador que decida do mérito da causa (caso julgado material); ou apenas dentro do processo, se for sentença ou despacho que haja recaído unicamente sobre a relação processual (caso julgado formal).
Compreende-se, por isso, que se afirme que decorrem dois efeitos essenciais do caso julgado, a saber: um efeito negativo, que se traduz na impossibilidade de qualquer tribunal - incluindo o que proferiu a decisão - voltar a emitir pronúncia sobre a questão decidida (falando-se, então, na excepção de caso julgado); e um efeito, positivo, que se traduz na vinculação do mesmo tribunal - e eventualmente de outros, estando em causa o caso julgado material - à decisão proferida (falando-se então da força e autoridade de caso jugado).

Por fim, lê-se no art. 625.º, do CPC, que, havendo «duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar» (n.º 1); e este «mesmo princípio» é aplicável «à contradição existente entre duas decisões que, dentro do processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual» (n.º 2).
Logo, ocorrendo casos julgados contraditórios, a lei resolve a questão apelando ao critério da anterioridade: valerá a decisão contraditória sobre o mesmo objecto que tenha transitado em primeiro lugar; e isto ainda que estejam em causa decisões proferidas dentro do mesmo processo, versando sobre a mesma questão concreta.
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4.2.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
Concretizando, verifica-se que, já em sede de alegações de recurso, veio a Requerente (S. M.) defender que, ainda que assistisse razão ao Tribunal a quo, na decisão recorrida, não poderia o mesmo tê-la proferido, por assim violar o caso julgado formado sobre anterior decisão sua, que julgara «regularizada a instância».
Contudo, e salvo o devido respeito pela sua opinião contrária, o caso julgado formal efectivamente constituído sobre o despacho inicial proferido pelo Tribunal a quo reporta-se, tão só e apenas, ao juízo de não utilização por ela própria, com os presentes autos, do «procedimento cautelar especificado previsto no artigo 931.º, n.º 7, do C.P.C.», socorrendo-se antes «do procedimento cautelar especificado de alimentos provisórios» (conforme singelamente o mesmo refere); e por isso, e nessa estrita medida (já que mais nada foi dito), «considera-se regularizada a instância».
Por outras palavras, o que o Tribunal a quo ajuizou, na sequência de prévio pedido de esclarecimento formulado à Requerente, é se a mesma pretendia «usar mão do procedimento cautelar especificado previsto no artigo 931.º, n.º 7 do C.P.C.», caso em que teria que concluir que a instância (pertinente ao procedimento cautelar de alimentos provisórios previsto no art. 384.º do CPC) não poderia prosseguir; e, esclarecendo a Requerente não ser esse o caso, concluiu, genérica e implicitamente, que a instância (efectivamente pretendida e proposta) poderia prosseguir, sem porém apreciar concretamente os seus pressupostos próprios.
Logo, e conforme decorre do art. 595.º, n.º 3, do CPC (não se tendo concretamente apreciado tais pressupostos), não se formou sobre aquela sua decisão qualquer caso julgado formal (quanto à efectiva regularidade desta instância, ou quanto à procedência de qualquer um dos pedidos nela formulados).

Falece, assim, o terceiro fundamento do recurso interposto pela Requerente (a violação, pelo Tribunal a quo, com a decisão recorrida, de caso julgado formal constituído sobre prévia decisão dele próprio).
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4.3. Decisão surpresa
4.3.1. Definição

Lê-se no art. 3.º, n.º 3, do CPC, que o «juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem».

Consagra-se aqui o princípio do contraditório, quer na sua versão geral, quer na sua vertente especial proibitiva, de emissão de qualquer decisão-surpresa de questões de direito (proibição pressuposta no direito constitucional a um processo equitativo, previsto no art. 20.º, n.º 4, da CRP).
«Esta vertente do princípio tem fundamentalmente aplicação às questões de conhecimento oficioso que as partes não tenham suscitado (…). Antes de decidir com base em questão (de direito material ou de direito processual) de conhecimento oficioso que as partes não tenham considerado, o juiz deve convidá-las a sobre ela se pronunciarem, seja qual for a fase do processo em que tal ocorra (despacho-saneador, sentença, instância de recurso)» (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2014, pág. 9).
Por outras palavras, o «juiz pode decidir uma questão com base numa norma não invocada pelas partes (art. 5º, nº 3), mas não sem que antes estas tenham tido a possibilidade de se pronunciar sobre esse enquadramento jurídico (nº 3 ora comentado). Esta possibilidade só pode surgir depois de a potencial relevância da norma para a decisão resultar clara na ação. Para tanto, se necessário, o tribunal deverá proporcionar um contraditório específico sobre a questão. Isto vale para a decisão liminar, como vale para o despacho saneador, como vale para a sentença final» (Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Volume I, 2013, Almedina, Outubro de 2012, págs. 27 e 28).
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4.3.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)

Concretizando uma derradeira vez, verifica-se que, igualmente em sede de alegações de recurso, veio a Requerente (S. M.) defender que, ainda que assistisse razão ao Tribunal a quo, na decisão recorrida, o mesmo não a poderia ter proferido, por consubstanciar uma decisão surpresa.
Contudo, e salvo o devido respeito pela sua opinião contrária, tal apenas teria ocorrido se o Tribunal a quo não tivesse previamente anunciado às partes o seu possível entendimento, dando-lhes a oportunidade de se pronunciarem sobre ele; e foi precisamente isso que sucedeu, no início da audiência final.

Falece, assim, o quarto fundamento do recurso interposto pela Requerente (a violação, pelo Tribunal a quo, com a decisão recorrida, da proibição de decisões surpresa).
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Importa, pois, decidir em conformidade, pela improcedência do recurso de apelação interposto pela Requerente (S. M.).
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V - DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedentes o recurso de apelação interposto por S. M., e, em consequência, em:

· Confirmar a decisão recorrida.
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Custas pela Requerente (art. 527.º, n.º 1, do CPC).
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Guimarães, 13 de Julho de 2021.

O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;

1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;

2.º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.



1. No mesmo sentido, António Santos Abrantes Geraldes, Temas de Reforma do Processo Civil. IV Volume - 6. Procedimentos Cautelares Especificados, Almedina, Março de 2001, pág. 108, onde se lê que, como «ocorre com todas as providências, a fixação de alimentos provisórios está, em regra, na dependência directa de uma acção que que, a título principal ou acessório, se busque a fixação de uma prestação alimentícia e a condenação do devedor no seu pagamento». Na jurisprudência, Ac. da RP, de 20.12.1999, Couto Pereira, Processo n.º 9951305, e Ac. da RP, de 08.11.2001, Sousa Leite, Processo n.º 0131502, in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem.
2. No mesmo sentido, Miguel Teixeira de Sousa, «As Providências Cautelares e a Inversão Do Contencioso», in https://www.fd.unl.pt/docentes_docs/ma/PCN_MA_25215.pdf, onde se lê que «a providência de alimentos provisórios - que consiste na realização ao requerente de uma prestação alimentícia (cf. art. 384.º) - antecipa o que pode ser obtido numa ação de alimentos, pelo que nela é admissível a inversão do contencioso».
3. No mesmo sentido, José Alberto dos Reis, BMJ, nº 3, págs. 31 a 34, onde se lê que, qualquer processo cautelar destina-se a remover o periculum in mora, «isto é, o perigo resultante da demora a que está sujeito um processo (o processo principal) ou, por outras palavras, o perigo derivado do caminho, mais ou menos longo, que o processo principal tem de percorrer até à decisão definitiva, para se dar satisfação à necessidade impreterível de justiça, à necessidade de que o julgamento final ofereça garantias de ponderação e acerto». Logo, e «uma vez que o processo cautelar nasce para ser posto ao serviço dum processo principal, a fim de dar ensejo a que este processo siga o seu curso normal sem o risco da decisão final chegar tarde e ser, por isso, ineficaz, vê-se claramente que a função do processo cautelar é nitidamente instrumental; o processo cautelar é um instrumento apto a assegurar o pleno rendimento do processo definitivo ou principal. Não satisfaz, por isso mesmo, o interesse da justiça; não resolve definitivamente o litígio; limita-se a preparar o terreno, a tomar precauções para que o processo possa realizar completamente o seu fim».
4. Neste sentido, Ac. da RL, de 26.06.2008, Ana Luísa Geraldes, Processo n.º 5235/2008, Ac. da RL, de 01.10.2009, Ferreira de Almeida, Processo n.º 83/09, ou Ac. da RL, de 02.02.2010, Maria Rosário Barbosa, Processo n.º 1214/09.
5. No mesmo sentido, Pedro Dias Ferreira, «A Pensão Alimentar Na Sequência de Divórcio, Separação e Dissolução da União de Facto, Sua Alteração E Cessação», III Jornadas de Direito da Família e das Crianças, e-book, in https://crlisboa.org/docs/publicacoes/jornadas-familia2019/Pedro-Dias-Ferreira.pdf, onde se lê que, como «dependência da ação principal em que se peça a prestação de alimentos, pode o interessado requerer a fixação da quantia mensal que deva receber a esse título, enquanto não for paga a primeira prestação definitiva – artigo 384.º do CPC»; e este mecanismo «pode ser usado, quer na ação autónoma de alimentos, quer na ação de divórcio onde tenha sido formulado o pedido de alimentos definitivo, quer previamente a qualquer uma destas duas acções». Enfatiza-se, porém, que, dado «tratar-se de procedimento cautelar a providência depende da ação principal de alimentos, ou da ação de divórcio em que se cumule esse pedido».
6. No mesmo sentido, Ac. da RP, de 18.02.2019, Fernanda Almeida, Processo n.º 2914/17.0T8MTS.P1, onde se lê que, na «ação de divórcio pode suceder, a requerimento da parte interessada ou por iniciativa do juiz que, nesse caso, terá que justificar qual a razão da conveniência dessa solução, seja enxertado um incidente em tudo semelhante ao procedimento cautelar de atribuição de alimentos provisórios».
7. Neste sentido, Pedro Dias Ferreira, «A Pensão Alimentar Na Sequência de Divórcio, Separação e Dissolução da União de Facto, Sua Alteração E Cessação», III Jornadas de Direito da Família e das Crianças, e-book, in https://crlisboa.org/docs/publicacoes/jornadas-familia2019/Pedro-Dias-Ferreira.pdf, onde se lê que, no caso do art. 931.º, n.º 7, do CPC; «os alimentos fixados apenas se mantêm durante a pendência do processo de divórcio. Se pretender para além daquela data, deverá o requerente lançar mão da providência cautelar de alimentos do artigo 384.º do CPC». Na jurisprudência, Ac. da RE, de 12.10.2017, Manuel Bargado, Processo n.º 2521/16.4T8PTM.E1, onde se lê que o «art. 931º, nº 7, do CPC consagra tão só uma providência cautelar, de carácter especialíssimo, como preliminar ou incidente enxertado na própria ação de divórcio, com a finalidade de garantir a satisfação das necessidades essenciais de sustento, habitação e vestuário do cônjuge carecido»; e, uma «vez fixado o regime provisório de alimentos, mantém-se o decidido até ser definitivamente julgada a ação de divórcio, sendo certo que transitada em julgado essa decisão e seja qual for o seu desfecho - procedência ou improcedência – cessam os alimentos provisoriamente fixados ao cônjuge carecido».