Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5591/21.0T8BRG.G1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE SEGURANÇA NO TRABALHO
CULPA DA ENTIDADE EMPREGADORA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
O empregador deve zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício da atividade em condições de segurança e de saúde para o trabalhador, a começar na identificação dos riscos e planeamento dos métodos de trabalho seguros e adequados, por pessoal para o efeito qualificado; podendo estes pertencer à equipa de trabalho.
Tal obrigação impõe designadamente uma verificação antes do inicio do seu funcionamento, ou recomeço deste, sempre que por qualquer motivo tenha ocorrido alteração nos métodos.
A responsabilidade prevista no artigo 18º da Lei 98/2009 de 04.09, pressupõe a verificação cumulativa do incumprimento do dever de observância de regras de segurança e saúde no trabalho e demonstração de um nexo de causalidade adequada entre tal omissão e o acidente.
O ónus de alegação e prova dos factos que integram a violação de regras de segurança e o nexo de causalidade entre essa violação e o acidente recai sobre a parte ou partes a quem tal situação beneficia.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães

AA, beneficiária legal do sinistrado BB, instaurou contra;

1º - “EMP01..., Unipessoal, Ldª”, e,
2º - “EMP02..., SA”, ação especial emergente de acidente de trabalho, alegando, em síntese, que no dia 10/8/21, quando o sinistrado, seu marido, se encontrava ao serviço da 1ª Ré, numa obra, sofreu uma queda do topo de uma laje, que determinou a sua morte. Imputa culpa à empregadora, por violação de regras de segurança.

Conclui pedindo sejam as RR., na medida das suas responsabilidades, condenadas:

I – a) a pagar à A. AA, a pensão anual e vitalícia de € 3.221,34 (três mil duzentos e vinte e um euros e trinta e quatro cêntimos), entre 21/08/2021 e a idade da reforma, e de € 4.295,12 (quatro mil duzentos e noventa e cinco euros e doze cêntimos), após a idade da reforma;
ou, caso resulte provado que a 1ª Ré deixou de observar das normas de segurança, higiene e saúde no trabalho, em vigor para o sector,
b) a pagar à A. AA a pensão anual e vitalícia de € 10.737,80 (dez mil setecentos e trinta e sete euros e oitenta cêntimos);

II - a pagar à A. AA indemnização para ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos, nos termos alegados nos precedentes artº.s 30º a 51º desta p.i., de montante não inferior a € 50.000,00 (cinquenta mil euros).
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As RR. Contestaram. A seguradora alega, em síntese, que o acidente ocorreu por inobservância pela 1ª Ré de regras de segurança.
Por sua vez, a Ré patronal nega qualquer responsabilidade no desfecho do acidente que vitimou o sinistrado.

Realizado o julgamento foi proferida a seguinte decisão:

“Absolver a R. “EMP01...” dos pedidos contra si formulados;
Condenar a R. seguradora a pagar à A.:
- o capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia de €3.221,34, com início em 21/8/2021;
- a quantia de €5.792,29 a título de subsídio por morte;
- a quantia de €1.500,00 a título de despesas de funeral;
- a quantia de €294,19 a título de indemnização pelas incapacidades temporárias do sinistrado;
- juros de mora, vencidos e vincendas, à taxa de 4%.
(…)
Inconformada a autora interpôs recurso, concluindo em síntese:
- Verifica-se culpa da entidade patronal, por inobservância de regras de segurança, devendo condenar-se na pensão agravada.
- A linha de vida estava apenas presa numa das extremidades, tendo sido violado os artigos 127, 1, a); 281, 2 do CT, 5, 1 e 3 da L. 102/2009; 37, 2 e 3 e artigo 6 do D.L. 50/2005;
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A seguradora interpôs recurso sustentando igualmente a culpa da empregadora, referindo que ocorreu omissão da obrigação da Entidade Empregadora de assegurar que a tarefa desempenhada pelo Sinistrado era executada de acordo com as regras de segurança, que foi causa adequada à ocorrência do acidente, conclusão que se retira do ponto 7 dos factos provados.
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Em contra-alegações sustenta-se o julgado, salientando o que consta do ponto oito da factualidade.
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A Exmª PGA deu parecer no sentido da procedência referindo designadamente que conforme reconhecido na sentença, como proteção contra os riscos de queda em altura, apenas existia na obra uma linha de vida, que se encontrava presa apenas numa das extremidades da parede de betão, sendo por isso totalmente ineficaz. Sendo à entidade empregadora que compete garantir as condições de segurança de forma permanente, enquanto se mantiverem as circunstâncias que justificam a adoção das respetivas medidas de segurança, a responsabilidade pela não existência de tais condições é-lhe assacável, não se apurando, tal como na situação em apreço, de qualquer circunstância, nomeadamente um evento natural ou uma intervenção humana, que tivesse, imediatamente antes do acidente, dado causa à falta de segurança.
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A empregadora respondeu ao parecer mantendo a sua posição.
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FACTOS PROVADOS:

1 – A A. é a viúva do sinistrado CC e nasceu no dia .../.../1974.
2 – O sinistrado exercia a atividade de ferrageiro sob as ordens, direção e fiscalização da R. “EMP01...”, com a retribuição anual ilíquida de €10.737,80.
3 – A R. “EMP01...” havia transferido a sua responsabilidade civil por acidente de trabalho para a R. seguradora, mediante contrato de seguro que abrangia o sinistrado pelo valor referido em 2).
4 – No dia .../.../2021, pelas 8,15 horas, quando o sinistrado se encontrava no exercício da atividade referida em 2), numa obra na Travessa ..., ..., ..., sofreu uma queda da primeira laje para o rés-do-chão, de que lhe resultaram lesões físicas eu foram causa da sua morte, ocorrida no dia 20/8/2021.
5 – O sinistrado pretendia executar o assentamento de vigotas, pelo que acedeu à primeira laje, situada a 2,80 metros do solo, através de uma escada de mão; quando se encontrava no seu topo, desequilibrou-se, tendo resultado a queda referida em 4).
6 – Como proteção contra os riscos de queda em altura, apenas existia na obra uma linha de vida, á qual o sinistrado teria que se prender através do arnês e cinto.
7 – No momento em que ocorre a queda do sinistrado, aquela linha de vida apenas se encontrava presa numa das extremidades da parede de betão.
8 - A R. “EMP01...” havia dado instruções aos seus funcionários para que aquela linha de vida fosse corretamente ancorada em dois pontos.
9 - A A. suportou as despesas de funeral no valor de €1.500,00.
10 - A morte do sinistrado causou à A. um profundo, indescritível e inultrapassável desgosto, que a vai deixar inconsolável para o resto da vida; sente-se incapaz de reconstruir a sua vida sentimental, o que lhe determina profunda, permanente e inultrapassável angústia.
***
Conhecendo do recurso:
Nos termos dos artigos 635º, 4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.
Questões colocadas:
- Culpa da empregadora / responsabilidade nos termos do artigo 18º da LAT.
Questiona-se a decisão por ter entendido não ocorrer culpa da empregadora.
Refere-se nesta:
“Ora, no nosso caso, é certo que a linha de vida se encontrava, no momento em que ocorre a queda do sinistrado, apenas ancorada num ponto, o que a tornava totalmente ineficaz.
Ignora-se, em todo o caso, a razão pela qual essa linha se encontrava nesse estado no momento do sinistro, ou seja, se havia já assim sido instalada de forma deficiente ou se, entretanto, foi desprendida de um dos pontos, nomeadamente pelo próprio sinistrado.
Certo é que não existe qualquer factualidade que aponte no sentido de ser da responsabilidade da R. “EMP01...” a circunstância de a linha de vida não se encontrar nas devidas condições.
O que significa que não se pode, com a matéria que se logrou apurar, afirmar que houve inobservância das regras de segurança, higiene e saúde no trabalho por parte do R. entidade patronal que tenha sido causa adequada do sinistro…”

Vejamos:

Refere o artigo 18º da LAT (Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro):
Atuação culposa do empregador

1 - Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais.

4 - No caso previsto no presente artigo, e sem prejuízo do ressarcimento dos prejuízos patrimoniais e dos prejuízos não patrimoniais, bem como das demais prestações devidas por atuação não culposa, é devida uma pensão anual ou indemnização diária, destinada a reparar a redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte, fixada segundo as regras seguintes:

O ónus de prova compete ao respetivo interessado, no caso à autora e à seguradora – artº 342º do CC.
Refere o artigo 281º do CT:
Princípios gerais em matéria de segurança e saúde no trabalho
1 - O trabalhador tem direito a prestar trabalho em condições de segurança e saúde.
2 - O empregador deve assegurar aos trabalhadores condições de segurança e saúde em todos os aspetos relacionados com o trabalho, aplicando as medidas necessárias tendo em conta princípios gerais de prevenção.
3 - Na aplicação das medidas de prevenção, o empregador deve mobilizar os meios necessários, nomeadamente nos domínios da prevenção técnica, da formação, informação e consulta dos trabalhadores e de serviços adequados, internos ou externos à empresa.

 (…)
A L. 102/2009 de 10 de setembro, relativa ao Regime jurídico da promoção da segurança e saúde no trabalho, prescreve:
Artigo 5.º
Princípios gerais
1 - O trabalhador tem direito à prestação de trabalho em condições que respeitem a sua segurança e a sua saúde, asseguradas pelo empregador ou, nas situações identificadas na lei, pela pessoa, individual ou coletiva, que detenha a gestão das instalações em que a atividade é desenvolvida.

3 - A prevenção dos riscos profissionais deve assentar numa correta e permanente avaliação de riscos e ser desenvolvida segundo princípios, políticas, normas e programas que visem, nomeadamente:
 (…)
Artigo 15º:
Obrigações gerais do empregador
1 - O empregador deve assegurar ao trabalhador condições de segurança e de saúde em todos os aspetos do seu trabalho.
2 - O empregador deve zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício da atividade em condições de segurança e de saúde para o trabalhador, tendo em conta os seguintes princípios gerais de prevenção:
a) Identificação dos riscos previsíveis em todas as atividades da empresa, estabelecimento ou serviço, na conceção ou construção de instalações, de locais e processos de trabalho, assim como na seleção de equipamentos, substâncias e produtos, com vista à eliminação dos mesmos ou, quando esta seja inviável, à redução dos seus efeitos;

h) Priorização das medidas de proteção coletiva em relação às medidas de proteção individual;
i) Elaboração e divulgação de instruções compreensíveis e adequadas à atividade desenvolvida pelo trabalhador.
3 - Sem prejuízo das demais obrigações do empregador, as medidas de prevenção implementadas devem ser antecedidas e corresponder ao resultado das avaliações dos riscos associados às várias fases do processo produtivo, incluindo as atividades preparatórias, de manutenção e reparação, de modo a obter como resultado níveis eficazes de proteção da segurança e saúde do trabalhador.
(…)
O D.L. 50/2005 prescreve no artigo 37,2:
Medidas de proteção coletiva

2 - Sempre que a avaliação de riscos considere necessário, devem ser instalados dispositivos de proteção contra quedas, com configuração e resistência que permitam evitar ou suster quedas em altura.
3 - Os dispositivos de proteção contra quedas só podem ser interrompidos nos pontos de acesso de escadas, verticais ou outras.
4 - Se a execução de determinados trabalhos exigir, tendo em conta a sua natureza, a retirada temporária de dispositivos de proteção coletiva contra quedas, o empregador deve tomar outras medidas de segurança eficazes e, logo que a execução dos trabalhos termine ou seja suspensa, instalar esses dispositivos.
As restantes normas indicadas deste diploma respeitam aos instrumentos de trabalho, sem aplicação ao caso.
A responsabilização agravada da empregadora, no caso de imputação de violação de regras de segurança, depende dos seguintes pressupostos:
- Do dever que lhe incumbe de observância de determinadas normas ou regras de segurança;
- Que a empregadora culposa e efetivamente, observado as normas ou regras de segurança;
- Que ocorra o adequado nexo causal, entre a omissão e o acidente. (O artigo 563.º do Código Civil refere que; “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão»).
No caso resulta da prova o seguinte:
(5) O sinistrado pretendia executar o assentamento de vigotas, pelo que acedeu à primeira laje, situada a 2,80 metros do solo, através de uma escada de mão; quando se encontrava no seu topo, desequilibrou-se, tendo resultado a queda referida em 4).
Não resulta da factualidade se o sinistro ocorreu de imediato a ter acedido à laje, ou se já aí se encontrava há algum tempo em laboração. Nem resulta da factualidade se dispunha de arnês e cinto preso à linha de vida, sendo a queda nessas condições imputável à falta de fixação da linha de vida. Parece O facto 5 parece indicar que não, ao referir “à qual o sinistrado teria que se prender”.
Resulta do facto 6 que como proteção contra os riscos de queda em altura, apenas existia na obra uma linha de vida, à qual o sinistrado teria que se prender através do arnês e cinto. Não resulta matéria nem circunstancias que indiquem que tal meio de proteção não era adequado e suficiente.
A questão essencialmente colocada prende-se com a responsabilidade pela circunstância aludida em 7. Refere o facto; “no momento em que ocorre a queda do sinistrado, aquela linha de vida apenas se encontrava presa numa das extremidades da parede de betão.”
O desconhecimento das circunstâncias do sinistro, exceto de caiu do topo da laje, levantaria desde logo a questão do nexo causal. A linha não estava presa numa das extremidades, mas o sinistrado estava preso à linha? É que se o não estivesse, aquela circunstância, ou dito de outro modo, ainda que a linha estivesse corretamente ancorada, o sinistro não teria sido evitado.
De outro, resulta provado em 8 que a R. “EMP01...” havia dado instruções aos seus funcionários para que aquela linha de vida fosse corretamente ancorada em dois pontos.
Sustenta a recorrente que à empregadora competia a obrigação de instalar os meios de segurança, proceder à sua manutenção e verificação periódica, antes do início ou recomeço do seu funcionamento, por pessoa tecnicamente competente e não pelos trabalhadores.
Tais obrigações da empregadora são naturalmente efetuadas por pessoal ao seu serviço, com a formação adequada para o efeito. Nada obsta, sendo, nas empresas de menor dimensão perfeitamente compreensível, que tal serviço seja efetuado pelos próprios trabalhadores que vão desenvolver o serviço a que os meios de proteção se destinam, desde que naturalmente devidamente formados e habilitados para o efeito.
Resulta do nº 2 do artigo 15º da L. 102/2009 que o empregador deve zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício da atividade em condições de segurança e de saúde para o trabalhador, tendo em conta os seguintes princípios gerais de prevenção.
Nada resulta da factualidade no sentido de que os trabalhadores em causa não tivessem a adequada formação, fornecida pela empregadora, estando assim incumbidos por esta de instalarem os meios adequados de segurança, por esta determinados. Quanto à verificação dos meios em obra, não pode exigir-se da empregadora que esteja em permanência nesta para verificar se se mantêm corretamente colocados. A obrigação tem que ser entendida em termos adequados, tendo em conta a normalidade da vida. É exigível a verificação aquando do início dos trabalhos, do seu recomeço, ou quando, tendo sido necessária a desmontagem dos mesmos durante a execução da obra, sejam remontados.
Da factualidade nada resulta no sentido de que a empregador incumpriu o dever de verificação e manutenção.
A precariedade da factualidade não permite concluir pela culpa da empregadora, sendo de confirmar a decisão.

 DECISÃO:

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente as apelações, confirmando-se o decidido.
Custas pelos recorrentes, sem prejuízo do apoio judiciário.
23.1.24

Antero Veiga
Vera Sottomayor
Leonor Barroso