Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
579/17.8T8VRL.G1
Relator: ALDA MARTINS
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
INCAPACIDADE TEMPORÁRIA
FALTA DE CITAÇÃO DA SEGURANÇA SOCIAL
NULIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/06/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
1. Embora o art. 1.º do DL n.º 59/89, de 22/02, estabeleça que, nas acções emergentes de acidente de trabalho em que seja formulado pedido de indemnização por incapacidade temporária para o trabalho, as instituições de segurança social competentes para a concessão das prestações são citadas para deduzirem pedido de reembolso dos montantes que tenham pago em consequência de tal evento, a sua falta não importa a nulidade a que se referem os arts. 187.º, al. a) e 188.º do Código de Processo Civil, posto que os arts. 187.º a 192.º de tal diploma legal regulam tão somente os vícios da citação do réu ou do Ministério Público nos casos em que este deva intervir como parte principal.

2. Assim, a falta de citação das instituições de segurança social só produz nulidade se a irregularidade cometida puder influir no exame ou na decisão da causa, não sendo de conhecimento oficioso e antes estando dependente de arguição pela parte interessada, no prazo geral de dez dias a contar do respectivo conhecimento, nos termos dos arts. 195.º, n.º 1, 196.º, 197.º e 199.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.

3. Havendo condenação do responsável a pagar ao sinistrado a indemnização por incapacidade temporária a que este tem direito, com observância do que decorre do art. 31.º do DL n.º 28/2004, de 4/02 – retenção e entrega directa à instituição de segurança social do valor correspondente aos subsídios de doença pagos, até ao limite do montante da indemnização devida –, a falta de oportuna citação da Segurança Social não tem influência na decisão da causa susceptível de traduzir nulidade.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães:

1. Relatório

Nos presentes autos de acção declarativa de condenação, com processo especial emergente de acidente de trabalho, em que é A. L. P. e são RR. COMPANHIA DE SEGUROS X PORTUGAL, S.A. e J. M., a tentativa de conciliação frustrou-se porque o sinistrado não aceitou o resultado do exame médico e a seguradora invocou a descaracterização do sinistro como acidente de trabalho, pelo que o A. veio apresentar petição inicial, pedindo a condenação das RR., na medida das respectivas responsabilidades, a pagarem-lhe pensão por incapacidade permanente, indemnização por incapacidades temporárias e despesas com deslocações a tribunal no valor de 35.00 € e a tratamentos médicos no valor de 1.057,20 €, bem como juros de mora sobre as respectivas quantias.
As RR. não contestaram, pelo que foi proferido despacho saneador e a considerar confessados os factos alegados na petição inicial, determinando-se o prosseguimento dos autos para determinação das incapacidades temporárias e permanente.

Realizada a perícia por junta médica, a mesma atribuiu ao A. as seguintes incapacidades:

- ITA por 192 dias (entre 03.02.2017 e 03.04.2017 e entre 23.02.2018 e 04.07.2018);
- ITP de 20% por 325 dias (de 04.04.2017 a 22.02.2018);
- IPP de 1%, desde a data da alta clínica.

Seguidamente, proferiu-se sentença, que, fundamentando-se na confissão dos factos invocados na petição inicial e no resultado da perícia por junta médica, decidiu condenar:

1. A Companhia de Seguros X Portugal, S.A., a pagar ao A.:

- a pensão anual e vitalícia, obrigatoriamente remível, de 77.92 €, a partir de 03.02.2018;
- a quantia de 1.976.24 €, a titulo de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária;
- juros de mora sobre o capital de remição e a indemnização pelos períodos de incapacidade temporária, desde a data da alta;
- a quantia de 35.00 €, a título de despesas de transportes, acrescida de juros de mora, desde 18.03.2019;

2. O R. J. M., a pagar ao A.:

- a pensão anual e vitalícia, obrigatoriamente remível, de 13.02 €, a partir de 03.02.2018;
- a quantia de 431.01 €, a titulo de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária;
- juros de mora sobre o capital de remição e a indemnização pelos períodos de incapacidade temporária, desde a data da alta.

O A. interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:

«1. Alegou o Autor que, na sequência do sinistro a que se reportam os autos, recebeu da Segurança Social subsídio de doença no valor global de 2320,26 €, quantia cuja restituição lhe está a ser exigida, conforme documento que juntou aos autos.
2. Em consequência, requeu o Autor a citação do Instituto da Segurança Social I.P. para os termos do artigo 1º, do DL 59/89, de 22 de fevereiro, não tendo contabilizado o período de ITA em que recebeu o subsídio de doença por parte da Segurança Social, conforme consignou expressamente no pedido.
3. Sucede que a Segurança Social não foi notificada nos termos requeridos, impondo-se que o seja, com as legais consequências. Isto posto,
4. Nos presentes autos, nem a Ré Seguradora nem o Réu Entidade Patronal, a pesar de regularmente citados, apresentaram contestação, tendo sido julgados confessados os factos invocados na petição inicial pelo Autor, conforme resulta do primeiro parágrafo da douta sentença de que se recorre.
5. Ou seja, foram julgados confessados todos os factos alegados na p.i., impondo-se unicamente introduzir as seguintes alterações:
- No artigo 17º: ITP de 20% conforme resulta do auto de junta médica e não de 40% conforme alegado na p.i.;
- No artigo 18º: IPP de 1% conforme resulta do auto de junta médica e não de 6% conforme alegado na p.i..
6. Porém, na douta sentença proferida, os valores de condenação dos Réus, relativamente ao período de IPP e às despesas de transporte e estada (artigo 39º da LAT) não são os corretos, tendo em conta a factualidade confessada nos autos e o resultado do exame da junta médica.
7. Deve, assim, a Ré Seguradora ser condenada a pagar ao Autor as seguintes quantias, para além do capital de remissão de uma pensão anual e vitalícia de 77,92 € desde a data da alta, montante calculado nos termos dos artigos 48º, n.º 3, al. C) e 50º, n.º 2, e 75º, n.º 1, da LAT:
- A importância de 2876,56 €, correspondente a 60 dias de ITA (de 03-02-2017 a 03-04-2018) e a 325 dias de ITP/20% (de 04-04-2017 a 22-02-2018), não se contabilizando o período de ITA em que o Autor recebeu subsídio de doença por parte da Segurança Social nem os 602,50 € já pagos pela Ré ao Autor (3479,06 € - 602,50 €= 2876,56 €);
- A quantia de 935,80 €, de despesas de transportes e diligências ao Tribunal de Trabalho de Vila Real (art. 39º, n.º 1 e 2 da LAT) e aos tratamentos médicos, correspondente a 85,68 %, ou seja, ao percentual de responsabilidade transferida para esta Ré por via do contrato de seguro de acidentes de trabalho judicado;
- Os juros de mora, à taxa legal, sobre todas as quantias devidas, calculados nos termos do artigo 135º do CPT até integral e efetivo pagamento.
8. Deve, ainda, o Réu Entidade Patronal ser condenado a pagar ao Autor as seguintes quantias, para além do capital de remissão de uma pensão anual e vitalícia de 13,02 €, a partir de 04-07-2018, inclusive, montante calculado nos termos dos artigos 48º, n.º 3, al. C) e 50º, n.º 2, e 75º, n.º 1, da LAT:
- A importância de 563,51 €, correspondente a 60 dias de ITA (de 03-02-2017 a 03-04-2018) e a 325 dias de ITP/20% (de 04-04-2017 a 22-02-2018), não se contabilizando o período de ITA em que o Autor recebeu subsídio de doença por parte da Segurança Social;
- A quantia de 156,40 €, de despesas de transportes e diligências ao Tribunal de Trabalho de Vila Real (art. 39º, n.º 1 e 2 da LAT) e aos tratamentos médicos, correspondente a 14,32 %, ou seja, ao percentual de responsabilidade deste Réu (montante do salário não transferido para a Ré);
- Os juros de mora, à taxa legal, sobre todas as quantias devidas, calculados nos termos do artigo 135º do CPT até integral e efetivo pagamento.

A douta sentença recorrida violou, na nossa opinião, o artigo 39º da LAT (Lei 98/2009, de 04 de setembro), o artigo 1º, do DL 59/89, de 22 de fevereiro»
As RR. não apresentaram resposta ao recurso do A..
O recurso foi admitido como apelação, com efeito meramente devolutivo.
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, pelo Ministério Público foi emitido parecer no sentido da procedência do recurso.
Vistos os autos pelos Adjuntos, cumpre decidir.

2. Objecto do recurso

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil –, as questões que se colocam a este Tribunal são as seguintes:

- impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
- valores devidos a título de indemnização por incapacidades temporárias, reembolso de despesas e juros de mora;
- falta de citação da Segurança Social para reclamar créditos por subsídio de doença pago ao sinistrado.

3. Fundamentação de facto

Estão provados os seguintes factos (nos termos do ponto 4.1. infra):

1. No dia 2 de Fevereiro de 2017, quando prestava o seu trabalho de mecânico de automóveis de 1.ª sob as ordens, direcção e fiscalização do 2.º R., o A. deu um salto para o solo, a partir do elevador onde se encontrava o veículo automóvel que estava a reparar, tendo sofrido traumatismo do joelho esquerdo, com rotura do ligamento cruzado anterior, o que lhe determinou:
- ITA por 192 dias (entre 03.02.2017 e 03.04.2017 e entre 23.02.2018 e 04.07.2018);
- ITP de 20% por 325 dias (de 04.04.2017 a 22.02.2018);
- IPP de 1%, desde a data da alta clínica.
2. O A. despendeu em deslocações ao Tribunal do Trabalho a quantia de 35,00 € e em deslocações a tratamentos médicos a quantia de 1.057,20 €.
3. À data do acidente, o A. auferia a retribuição anual de 12.991,42 € (850,00 € x 14 meses + 4,51 € x 22 dias x 11 meses).
4. O 2.º R. tinha a sua responsabilidade por acidentes de trabalho do A. transferida para a 1.ª R. pela remuneração de 700,00 € x 14 + 121,00 € x 11 meses), perfazendo a retribuição anual de 11.131,00 €, através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º 200571765.
5. A 1.ª R pagou ao A., a título de indemnizações por incapacidades temporárias, a quantia de 602,50 €.
6. Por causa do sinistro a que se reportam os autos, o A. recebeu da Segurança Social subsídio de doença no valor global de 2.320,26 €, quantia cuja restituição lhe está a ser exigida.

4. Apreciação do recurso

4.1. O Apelante insurge-se contra a indevida desconsideração de factos alegados na petição inicial e que não foram contestados, atinentes a despesas com deslocações, bem como outros resultantes do exame por junta médica, respeitantes a períodos de incapacidade temporária sofridos pelo A..

Estabelece o art. 662.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe «Modificabilidade da decisão de facto», no seu n.º 1, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
A sentença recorrida não enuncia os factos provados relevantes, como deveria.
Não obstante, da mesma decorre que, apesar de aí se terem considerado confessados os factos invocados na petição inicial, por falta de contestação das RR., não se tiveram em conta as despesas com deslocações ali alegadas pelo A., com excepção das referentes a transportes para comparência em tribunal.
Por outro lado, apesar de, quanto às incapacidades que afectam o A., o tribunal recorrido ter invocado o laudo da perícia por junta médica, constata-se que não teve em conta todos os períodos de incapacidade temporária aí reconhecidos, nem a data da alta clínica daí resultante, conforme respostas aos quesitos formulados.
Em face do exposto, ao abrigo da norma em epígrafe, altera-se a decisão sobre a matéria de facto nos termos acima constantes do ponto «3. Fundamentação de facto».

4.2. Importa, então, determinar quais as quantias devidas ao A., subsumindo os factos ao direito, sem esquecer que estamos perante direitos indisponíveis, não estando o tribunal limitado pelo pedido formulado (art. 78.º do regime de reparação dos acidentes de trabalho, aprovado pela Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro, e art. 74.º do Código de Processo do Trabalho).

Assim, tendo em conta a factualidade provada, designadamente que a 1.ª R. é responsável em função da retribuição anual de 11.131,00 € e o 2.º R. em função da retribuição anual de 1.860.42 €, os mesmos têm de pagar ao A., ao abrigo do disposto nos arts. 25.º, n.º 1, al. f), 39.º, 48.º, n.ºs 1, 2 e 3, als. c). d) e e), 50.º, 71.º, 72.º, n.º 3, 75.º e 79.º, n.ºs 4 e 5 do regime de reparação dos acidentes de trabalho, 804.º a 806.º do Código Civil e 135.º do Código de Processo do Trabalho:

1. A R. seguradora:

- o capital de remição da pensão anual e vitalícia de 77,92 €, devida desde 5.07.2018;
- indemnização por incapacidade temporária absoluta e parcial de 4.884.45 € (5.486.95 € - 602.50 € já paga);
- reembolso de despesas com deslocações a tribunal e tratamentos médicos no valor de 1.092,20 €;
- juros de mora, à taxa legal: sobre o capital de remição, desde 5.07.2018; sobre a indemnização por incapacidade temporária, desde as respectivas datas mensais de vencimento; sobre as despesas com deslocações, desde 18.03.2019 quanto à quantia de 35,00 € e desde a citação quanto ao valor restante.

2. O R. empregador:

- o capital de remição da pensão anual e vitalícia de 13,02 €, devida desde 5.07.2018;
- indemnização por incapacidade temporária absoluta e parcial no valor de 916.19 €;
- juros de mora, à taxa legal: sobre o capital de remição, desde 5.07.2018; sobre a indemnização por incapacidade temporária, desde as respectivas datas mensais de vencimento.

4.3. Importa ainda apreciar a questão da falta de citação da Segurança Social para reclamar créditos por subsídio de doença pago ao sinistrado.

Com efeito, por força do art. 1.º do DL n.º 59/89, de 22/02, nas acções emergentes de acidente de trabalho em que seja formulado pedido de indemnização por incapacidade temporária para o trabalho, as instituições de segurança social competentes para a concessão das prestações são citadas para deduzirem pedido de reembolso dos montantes que tenham pago em consequência de tal evento.
Esclarece o art. 4.º do mesmo diploma que os devedores da indemnização são solidariamente responsáveis, até ao limite do valor daquela, pelo reembolso dos montantes que tenham sido pagos pelas instituições.
Ora, constata-se que, apesar de requerido pelo A., não foi oportunamente citada a Segurança Social nos aludidos termos, sendo certo que se provou que, por causa do sinistro a que se reportam os autos, o A. recebeu daquela entidade subsídio de doença no valor global de 2.320,26 €, quantia cuja restituição lhe está a ser exigida.
Em primeiro lugar, sublinha-se que, tratando-se da citação duma entidade para assumir no processo a posição de demandante, a sua falta não importa a nulidade a que se referem os arts. 187.º, al. a) e 188.º do Código de Processo Civil, posto que os arts. 187.º a 192.º de tal diploma legal regulam tão somente os vícios da citação do réu ou do Ministério Público nos casos em que este deva intervir como parte principal.
Na verdade, as consequências de ser proferida decisão contra o réu, sem a sua citação válida e regular, são completamente diferentes das decorrentes de ser proferida decisão que não tenha em conta créditos de terceiro, o qual não fica impedido de os reclamar autonomamente.
Assim, a falta de citação da Segurança Social só produziria nulidade se a lei o declarasse ou se a irregularidade cometida pudesse influir no exame ou na decisão da causa, não sendo de conhecimento oficioso e antes estando dependente de arguição pela parte interessada, no prazo geral de dez dias a contar do respectivo conhecimento, nos termos dos arts. 195.º, n.º 1, 196.º, 197.º e 199.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.

No caso em apreço, a falta de oportuna citação da Segurança Social não foi tempestivamente arguida pelo sinistrado, e, de qualquer modo, não se vislumbra que tenha influência decisiva na decisão da causa.

Com efeito, estabelece o art. 31.º do DL n.º 28/2004, de 4/02, que define o regime jurídico de protecção social na eventualidade doença no âmbito do subsistema previdencial:

Celebração de acordos

1 — Nos casos em que o pedido de reembolso do valor dos subsídios de doença, concedidos provisoriamente ao abrigo do artigo 7.º do presente diploma, não tiver sido judicialmente formulado pela instituição de segurança social, nenhuma transacção pode ser celebrada com o beneficiário titular do direito à indemnização, nem lhe pode ser efectuado qualquer pagamento com a mesma finalidade, sem que se encontre certificado, pela mesma instituição, se houve concessão provisória de subsídio de doença e qual o respectivo montante.
2 — Nas situações em que tenha sido celebrado acordo, o responsável pela indemnização deve:
a) Comunicar à instituição da segurança social o valor total da indemnização devida;
b) Reter e entregar directamente à instituição o valor correspondente aos subsídios de doença pagos, até ao limite do montante da indemnização devida.
3 — Em caso de incumprimento do disposto nos números anteriores, o terceiro responsável pela indemnização responde solidariamente com o beneficiário pelo reembolso do valor dos subsídios de doença provisoriamente concedidos.

Embora o preceito em causa pareça prevenir apenas as consequências de celebração de acordo entre o responsável e o beneficiário, nos casos em que não foi judicialmente formulado pela instituição de segurança social pedido de reembolso do valor dos subsídios de doença, designadamente por a acção não ter prosseguido para a fase contenciosa iniciada por petição inicial, julga-se que o mesmo regime se impõe no caso de ser proferida sentença condenatória no termo de fase contenciosa iniciada por mero requerimento de perícia por junta médica, ou nas situações em que, apesar de na tentativa de conciliação apenas não haver acordo quanto ao resultado do exame médico, não é tempestivamente requerida perícia por junta médica, bem como, em geral, em todos os casos em que haja condenação no pagamento de indemnização por incapacidade temporária, ou mesmo quando a seguradora se proponha pagá-la voluntariamente, sem que a Segurança Social tenha tido oportunidade de judicialmente formular pedido de reembolso do valor dos subsídios de doença.

Isto é, como se refere no sumário do Acórdão da Relação de Coimbra de 16 de Maio de 2013, proferido no Processo n.º 661/11.5T4AVR.C1 (disponível em www.dgsi.pt), citado pelo Ministério Público no seu parecer, “[f]ace ao disposto no artº 31º/1, 2 e 3 do Dec. Lei nº 28/04, uma seguradora demandada em acção por acidente de trabalho (terceiro responsável pela indemnização) não deve proceder ao pagamento directo da indemnização por ITA que seja devida ao sinistrado, sem antes se ter certificado que não houve qualquer pagamento de subsídio de doença por parte da Segurança Social, sob pena de ter de responder solidariamente com o beneficiário pelo reembolso do valor dos subsídios de doença provisoriamente concedidos”.

O preceito em análise, aliás, já foi invocado por este Tribunal no Acórdão de 24 de Outubro de 2019, proferido no Processo n.º 2335/15.9T8BCL.G1 (disponível em www.dgsi.pt) (1), para fundamentar a condenação de seguradora no pagamento ao sinistrado e à Segurança Social, a título de indemnização por incapacidade temporária e de reembolso de subsídio de doença, respectivamente, em moldes adequados a prevenir a acumulação indevida, mesmo estando em causa uma situação em que aquela entidade tinha sido devidamente citada e tinha formulado pedido, referindo que “[d]o normativo resulta que a devedora da indemnização deve reter esta e entregá-la à segurança social.”

Em face do exposto, entende-se que a condenação dos RR. a pagarem ao A. a indemnização por incapacidade temporária a que este tem direito não implica que não deva ser observado o que decorre do supra citado art. 31.º do DL n.º 28/2004, de 4/02, pelo que, em conclusão, a falta de oportuna citação da Segurança Social não tem influência na decisão da causa susceptível de traduzir nulidade.

Finalmente, como se refere no citado aresto desta Relação, a acumulação de indemnização por incapacidade temporária e de subsídio por doença só não é permitida na parte em que estejam em causa os mesmos períodos de tempo, e, dentro de cada um deles, até ao limite do valor que for mais baixo, pelo que não é possível determinar, sem mais, a dedução da quantia de 2.320,26 €, impondo-se que seja apurado o valor devido de acordo com aqueles critérios.

Esclarece-se, ainda, que, por facilidade, a dedução do valor que for devido à Segurança Social fica a cargo da seguradora, visto não se vislumbrar que daí decorra prejuízo para alguém.

Termos em que procede o recurso do Apelante.

5. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação procedente e, em consequência, condenam-se os RR. a pagar ao A.:

1. A R. seguradora:

- o capital de remição da pensão anual e vitalícia de 77,92 €, devida desde 5.07.2018;
- indemnização por incapacidade temporária absoluta e parcial de 4.884.45 €, deduzida do valor que se apurar ser devido à Segurança Social a título de subsídio de doença pago ao A. em cada um dos períodos de incapacidade temporária acima referidos, até ao limite da responsabilidade dos RR. em cada um desses períodos;
- reembolso de despesas com deslocações a tribunal e tratamentos médicos no valor de 1.092,20 €;
- juros de mora, à taxa legal: sobre o capital de remição, desde 5.07.2018; sobre a indemnização por incapacidade temporária, desde as respectivas datas mensais de vencimento; sobre as despesas com deslocações, desde 18.03.2019 quanto à quantia de 35,00 € e desde a citação quanto ao valor restante.

2. O R. empregador:

- o capital de remição da pensão anual e vitalícia de 13,02 €, devida desde 5.07.2018;
- indemnização por incapacidade temporária absoluta e parcial no valor de 916.19 €;
- juros de mora, à taxa legal: sobre o capital de remição, desde 5.07.2018; sobre a indemnização por incapacidade temporária, desde as respectivas datas mensais de vencimento.
Custas pelos Apelados na proporção do decaimento.
Comunique com cópia ao Instituto de Segurança Social, e, para melhor esclarecimento, com cópia do ofício do mesmo que o A. juntou aos autos.
Guimarães, 6 de Fevereiro de 2020

Alda Martins
Vera Sottomayor
Maria Leonor Barroso

Sumário (elaborado pela Relatora):

1. Embora o art. 1.º do DL n.º 59/89, de 22/02, estabeleça que, nas acções emergentes de acidente de trabalho em que seja formulado pedido de indemnização por incapacidade temporária para o trabalho, as instituições de segurança social competentes para a concessão das prestações são citadas para deduzirem pedido de reembolso dos montantes que tenham pago em consequência de tal evento, a sua falta não importa a nulidade a que se referem os arts. 187.º, al. a) e 188.º do Código de Processo Civil, posto que os arts. 187.º a 192.º de tal diploma legal regulam tão somente os vícios da citação do réu ou do Ministério Público nos casos em que este deva intervir como parte principal.
2. Assim, a falta de citação das instituições de segurança social só produz nulidade se a irregularidade cometida puder influir no exame ou na decisão da causa, não sendo de conhecimento oficioso e antes estando dependente de arguição pela parte interessada, no prazo geral de dez dias a contar do respectivo conhecimento, nos termos dos arts. 195.º, n.º 1, 196.º, 197.º e 199.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
3. Havendo condenação do responsável a pagar ao sinistrado a indemnização por incapacidade temporária a que este tem direito, com observância do que decorre do art. 31.º do DL n.º 28/2004, de 4/02 – retenção e entrega directa à instituição de segurança social do valor correspondente aos subsídios de doença pagos, até ao limite do montante da indemnização devida –, a falta de oportuna citação da Segurança Social não tem influência na decisão da causa susceptível de traduzir nulidade.

Alda Martins



1 - Com o seguinte sumário:
“I - Em caso de sinistro laboral, tendo a segurança social pago subsídio de doença ao sinistrado, fica sub-rogada no direito a exigir o seu reembolso ao responsável, até ao limite da responsabilidade deste.
II - A responsável “laboral” deverá deduzir e reter do valor a pagar ao sinistrado por incapacidade temporária o valor devido à segurança social a título de reembolso e entregá-lo a esta.
III - As prestações pagas pela segurança social a título de subsídio de doença durante o período de incapacidade temporária decorrente do acidente de trabalho, tendo embora uma função reparadora, assumem natureza supletiva, sendo acumuláveis apenas se e na medida em que sejam superiores ao valor da indemnização laboral.”