Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
739/22.0T8GMR-F.G1
Relator: ALEXANDRA VIANA LOPES
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
INSOLVÊNCIA
RESOLUÇÃO CONDICIONAL E INCONDICIONAL EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE
AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DA RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE
ÓNUS DA PROVA
PRESUNÇÕES LEGAIS
PREJUDICIALIDADE DO ACTO E MÁ FÉ
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. A omissão de apreciação da invocação da nulidade das declarações resolutórias do art.123º do CIRE, feita pela impugnante na petição inicial da ação de impugnação (art.125º do CIRE), causa a nulidade a sentença nos termos do art.615º/1-d) do CPC, em referência ao art.608º/2 do CPC, nulidade esta a suprir pelo Tribunal da Relação, em substituição do Tribunal recorrido, nos termos do art.665º do CPC.
2. Não são nulas as declarações resolutórias (art.123º do CIRE), em referência aos requisitos da nulidade dos atos jurídicos (art.280º, ex vi do art.295º do CC) ou da nulidade da petição inicial por ineptidão (art.186º/1, 2-a) do CPC): por erros de processamento de texto, quando os atos declarados resolvidos estão determinados e foram compreendidos pelo declaratário; por os fundamentos de facto e de direito alegados para preencher os requisitos do prejuízo e da má-fé poderem ser insuficientes para julgar fundada a resolução, efeito este a apreciar no mérito da causa.
3. Na ação de impugnação do ato resolutório (art.125º do CIRE), de simples apreciação negativa (art.10º/1, 2 e 3-a) do CPC):
3.1. Cabe ao destinatário da resolução:
a) O ónus de impugnar os atos objeto da resolução e os factos alegados como fundamento dos mesmos, e que pretenda discutir (art.125º do CIRE); o ónus de contraprovar a prova que o administrador apresentar dos factos impugnados (art.346º do CC).
b) O ónus de alegar e provar os factos que ilidam presunção legal ilidível que tiver sido invocada na declaração resolutória (art.120º/4 do CIRE e 350º do CC e 344º/1 do CC) e os factos integrativos das exceções impeditivas, modificativas ou extintivas que possam operar em relação aos factos constitutivos de 3.2. infra (art.342º/2 do CC).
3.2. Cabe à massa insolvente o ónus de provar (art.343º/1 do CC) os factos alegados na declaração resolutória realizada por carta registada com aviso de receção, para integrar os pressupostos da resolução condicional ou incondicional (cujos fundamentos não podem ser ampliados na resposta à impugnação):
a) Na resolução condicional: os factos integrativos do prejuízo ou da presunção inilidível de prejuízo (art.120º/1, 2 ou 3 do CIRE); os factos integrativos da má-fé ou da presunção legal de má-fé (art.120º/5 ou 4 do CIRE).
b) Na resolução incondicional: os factos que integrem alguma das previsões do nº1 do art.121º do CIRE.
4. A decisão de facto da 1ª instância pode ser alterada no Tribunal da Relação, na medida e na perspetiva que relevar para a decisão do recurso: em decisão da impugnação da matéria de facto (arts.640º e 662º/1 do CPC); em decisão oficiosa de suprimento de vícios de deficiência, obscuridade ou contradição (art.662º/2-c) do CPC, a contrario), de consideração de factos plenamente provados (art.607º/4-2ª parte do CPC; ex vi do art.663º/2 do CPC) e de expurgação da decisão de matéria conclusiva e de direito.
5. Não é suficiente para reconhecer que a massa insolvente logrou provar factos para integrar o prejuízo do art.120º/1 e 2 do CIRE, invocado na declaração de resolução de contratos de compra e venda: quando nesta foi alegada apenas a celebração dos contratos de compra e venda, mediante um preço, no prazo de 2 anos antes do decretamento da insolvência, sem alegação de quaisquer factos complementares (v.g. inferioridade do preço face ao valor do mercado; falta de pagamento ou falta entrada do preço no património da sociedade; utilização do preço para realizar investimentos de risco, para satisfação de dívidas não sociais ou para pagamento de dívidas sociais que não seriam pagas nessa medida e ordem na insolvência, etc); quando nesse período a empresa, em estado de insolvência (pelo menos iminente), esteve em laboração (ainda que parcial), pagou salários a trabalhadores (que, se não tivesse pago, teriam integrado os créditos laborais reconhecidos, graduados em 1º lugar de pagamento pelo produtos dos bens imóveis e móveis apreendidos, nos termos da sentença de graduação transitada em julgado); quando, entre os bens imóveis e móveis apreendidos, constam, nomeadamente, matérias primas e ativos financeiros, que careceram de investimento monetário.
6. É suficiente para reconhecer que a massa insolvente logrou provar factos para a resolução de um contrato de arrendamento:
6.1. Quando, quanto ao prejuízo (art.120º/1 e 2 do CIRE): a administradora alegou na declaração resolutória a celebração de um contrato de arrendamento a 16.06.2020, sobre o rés-do-chão de um imóvel da insolvente, pela renda mensal de € 100, 00, factos estes não impugnados pela locatária/destinatária da resolução; é possível conhecer oficiosamente, pelos elementos da insolvência, que o imóvel cujo rés-do-chão foi arrendado é a indústria e o armazém da insolvente, descrito na Conservatória com uma área coberta de 336 m2; o regime jurídico da locação (art.1057º do CC e AUJ 2/2021) permite que o contrato de arrendamento não se extinga com a venda. Estas condições, não sendo notoriamente atrativas para investidores (quer pretendam a utilização plena do prédio por si, quer pretendam arrendá-lo a terceiros), permitem concluir que a oneração do prédio apreendido com o arrendamento pode atrasar, dificultar ou reduzir o valor da venda e a satisfação dos credores, nos termos do art.120º/2 do CIRE.
6.2. Quando, quanto à má-fé (art.120º/4 do CIRE): está preenchida a presunção legal (a administradora alegou na carta resolutória que os gerentes da locadora/insolvente e da locatária/impugnante eram irmãos, factos estes não impugnados pela locatária na ação de impugnação e que preenchem a previsão do art.49º/1-b), ex vi do art.49º/2-d) do CIRE; o contrato de arrendamento com a configuração provada, celebrado 2 anos antes da insolvência, beneficia a locatária); a impugnante não alegou e provou factos contrários que ilidissem a presunção de má-fé (art.350º do CC).
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório.

Na ação de impugnação de resolução em benefício da massa, instaurada por EMP01..., Unipessoal Lda. contra a Massa Insolvente de EMP02..., Lda., a 30.08.2022:

1. A autora pediu que se julgassem nulas, ineficazes e de nenhum efeito as declarações de resolução dos contratos operadas pela Sra. administradora da insolvência realizadas através das missivas de 13.06.2022 e da enviada sob registo de 12.07.2022 (constantes dos documentos nºs ..., ...3, ...5 e ... juntos), alegando como fundamento:
a) Que a administradora enviou 6 cartas resolutórias de contratos de compra e venda:
a1) Por cartas de 13.06.2022, declarou resolver 5 contratos de compra e venda: do ..., com matrícula nº..-NX-.., pelo preço de € 25 000, 00; do ..., com matrícula nº..-QL-.., pelo preço de € 3075, 00; do ..., com matrícula nº..-BG-.., pelo preço de € 1 250, 91; do ... Kauaui, com matrícula nº ..-ZD-.., pelo preço de € 14 760, 00; da máquina ... de estender malha e da máquina de corte automática, pelo preço de € 4 551, 00.
a2) Por carta enviada a 12.07.2022 declarou resolver o contrato de arrendamento celebrado a ../../2020 do rés-do-chão do prédio urbano descrito na CRP ... com o nº...56 (arts.1º a 3º da petição inicial).
b) Que as resoluções referidas em a) são nulas, uma vez que não se mostram fundamentadas face aos requisitos dos arts.120º e 124º do CIRE:
b1) As comunicações são infundadas e têm contradições: os veículos e a máquina de corte foram tratados da mesma maneira, apesar de distar entre o primeiro e o último contrato cerca de 2 anos; indicam uma data de transmissão e depois afirmam que a venda foi efetuada noutra data.
b2) As comunicações não indicam factos quanto ao prejuízo pelos atos, tendo em conta: que, no caso da compra e venda, a administradora indica que as transmissões foram onerosas e pelo preço indicado, o que implica a confissão do pagamento de preço pela autora, o que se aceita e não pode ser retirado (arts.46º e 465º/2 do CPC), situação que torna irrelevante a afirmação que se existissem poderiam ser liquidadas no processo de insolvência com distribuição do resultado pelos credores, pois o preço entrou no património da insolvente e esta utilizou-o como bem entendeu; que, no caso do arrendamento, a administradora também aceitou que a renda foi paga desde a data da celebração do contrato, pelo que não se vislumbra que o negócio tenha sido prejudicial.
b3) As comunicações não alegam factos demonstrativos de má-fé, sendo que as alegadas relações familiares não permitem concluir pela mesma (arts.4º a 23º da petição inicial).
c) Que não se verificam as razões de facto e de direito que permitem concluir pela resolução, impugnando factos e alegando a sua versão de factos:
c1) Quanto a matéria respeitante ao prejuízo:
__ A aquisição dos veículos BMW ..-NX-.. e ... nº..-ZD-..: não foi feita à insolvente mas a terceiras pessoas (o ... foi comprado a AA, que o comprara a EMP03... GMBH, conforme doc....; o ... foi comprado à Banco 1..., que beneficiava da presunção do registo na data da compra, conforme se vê por doc...., razão pela qual não há prejuízo para a insolvente); o veículo ... foi entretanto vendido a BB, sendo-lhe a declaração ineficaz (conclusões 24º a 36º).
__ A aquisição dos veículos CITROEN ..-QL-.. e ... ..-BG-..: foi feita mediante preço correspondente ao valor de mercado e entregue aquando da saída do património, sendo que nesta data os veículos valem, respetivamente, o valor de € 2 220, 00 e € 850, 00 (arts.37º e 38º da petição inicial), sendo o valor pago superior ao valor comercial (arts.37º a 40º da petição inicial).
__ Na aquisição da máquina ... e da máquina de corte, «(d)e igual forma», estas valiam mais do que o preço que a autora pagou, tratando-se de bem em segunda mão que tinha sofrido várias reparações (arts.41º e 42º da petição inicial).
__ No contrato de arrendamento a renda estipulada do rés-do-chão corresponde ao valor de mercado (art.43º da petição inicial).
c2) Quanto à matéria respeitante à má-fé:
__ Nada sabia sobre a situação da insolvente, nem do início do processo de insolvência, nem que poderia causar qualquer prejuízo, só tendo tido conhecimento da insolvência quando a insolvente deixou de laborar em meados de março de 2022 (arts.44º, 59º a 61º, 63º) da petição inicial).
__ É falso que a sociedade autora tivesse como sócias CC e DD, antes da unificação das quotas naquela, uma vez que os depósitos de 12.11.2021 demonstram que aquela comprou duas quotas a esta, sendo a sua única sócia e gerente (arts.46º e 47º da petição inicial).
__ Não se verifica nenhuma das situações elencadas no art.49º do CIRE, afirmação após a qual acrescenta de seguida, que: por um lado, a simples constatação da existência do vínculo familiar não é suficiente para desencadear os seus efeitos conforme defendido pelo Ac. RG de 04.05.2022; por outro lado, não resulta da comunicação enviada pela administradora que a sociedade EMP02..., Lda. tivesse sido influenciada pela autora mas as partes nos negócios foram determinadas pelos interesses e vantagens dos mesmos (arts.50º a 54º da petição inicial).
__ Não cabia à autora indagar onde é que o dinheiro seria aplicado e certificar-se se seria bem ou mal utilizado (art.56º da petição inicial).

2. A ré apresentou contestação, na qual:
a) Declarou impugnar os arts.6º a 64º (considerando desconhecer os arts. 38º a 42º e serem falsos os demais).
b) Defendeu em relação ao prejuízo:
b1) O prejuízo dos contratos de compra e venda decorre dos veículos e máquina ... terem desparecido do património da insolvente dois anos antes da insolvência, quando esta já estava numa situação de insolvência, sendo: que a qualificação de onerosos não confessa que tenha sido pago o preço à insolvente e que a autora não demonstrou que fez os pagamentos como poderia; que em todos os negócios de compra e venda dos veículos e máquina intervieram a insolvente e a autora, conforme demonstram as faturas; que os veículos ... e ... estiveram sujeitos a contratos de locação financeiros, pagos na datas das vendas, que possibilitou a transmissão da propriedade pela insolvente.
b2) O prejuízo do contrato de arrendamento decorre de este ter sido feito por valor muito inferior ao do mercado, sendo que a autora também não comprovou que pagou a renda e revela má-fé ter sido feito a sociedade que desenvolve o mesmo objeto social.
c) Defendeu quanto à presunção da má-fé nos contratos em geral: que, apesar dos negócios serem realizados entre duas sociedades comerciais, não está impedida a aplicação do art.120º/4 e 49º do CIRE de forma extensiva, conforme tem entendido a jurisprudência do STJ; que na altura dos negócios a gerente da autora era CC, mãe do gerente da insolvente AA; que em ambas as sociedades existiam outros familiares que foram insolventes ou sócios- EE, irmão do gerente da insolvente e filho do gerente da autora, e DD, casada com este.

3. Realizou-se audiência prévia, tendo sido fixados os temas de prova.
4. Realizou-se a audiência de julgamento a 26.09.2023.
5. A 29.09.2023 foi proferida sentença, na qual o Tribunal a quo:
5.1. Julgou provada e não provada a seguinte matéria, como matéria de facto:

«Factos Provados.
1. A Viatura de marca ... de matrícula ..-NX-.., foi adquirida pela Autora à Banco 1....
2. No que diz respeito às Viaturas ..., matricula ..-QL-.. e ..., matricula ..BG-.. foram adquiridas pela Autora à Insolvente.
3. O valor comercial atribuído à viatura ..., matricula ..-QL-.. é de 2.200,00€ (Dois mil e duzentos euros) e o valor comercial atribuído à viatura ..., matricula ..-BG-.. é de 850,00€ (oitocentos e cinquenta euros).
4. De igual forma, a máquina ... de estender malha e a máquina de corte valiam mais do que o preço que a Autora pagou.
5. Tratava-se de um bem em segunda mão e que tinha sofrido diversas reparações.
6. A sociedade EMP01..., Ldª: “tinha como sócias CC, DD (antes da unificação das quotas numa única em que é titular CC).”
7. Como resulta do depósito 1048/2021-11-12 e o do deposito 1049/2021-11-12, a CC adquiriu duas quotas, no valor de € 2.618,69 cada uma, à DD, o que perfazem a totalidade do capital social de €5.537, 38, passando, desde então a ser a única sócia e gerente da Autora.
8. Os quais foram facturados pela Ré à Impugnante.
9. Quanto ao arrendamento do espaço, o valor do arrendamento de cerca de € 100 mensais é inferior ao valor do mercado.
10. Todos os negócios resolvidos envolveram duas partes.
11. Todos os veículos, máquinas e arrendamento tinham como parte passiva a insolvente e a parte activa a EMP01... – Unipessoal, Lda.
12. No caso de veículo de matrícula ..-NX-.., a insolvente celebrou um contrato de locação financeira com o Banco 2..., SURCURSAL PORTUGUESA.
13. Tal contrato de locação financeira foi liquidado pela insolvente ficando esta proprietária do veículo.
14. Tal permitiu que o veículo fosse transmitido à Impugnante pela insolvente.
15. No caso do veículo de matrícula ..-ZD-.., a insolvente celebrou um contrato de locação financeira com a Banco 1..., CRL.
16. Tal contrato foi liquidado totalmente pela insolvente e a propriedade foi transmitida para a insolvente.
17. A insolvente transmitiu e facturou o veículo à Impugnante. 
18. Os restantes veículos também foram facturados pela insolvente à Impugnante.
19. Assim, como também foi facturada a máquina ....
20. A A. em 2020 passou a deter o direito de laborar nas instalações da insolvente.
21. O gerente da insolvente era, na altura dos negócios em causa, AA.
22. CC é mãe de AA.

Factos Não provados.
Se o resultado da venda ficou na disponibilidade da insolvente e o seu destino.
A Autora nada sabia sobre a situação patrimonial da Insolvente.».
5.2. Motivou a decisão da matéria de facto de I- 5.1. supra, nos seguintes termos:
«O facto nº1 decorre documento junta sob nº 8 da p.i.
FF, pai do gerente da insolvente e funcionário da insolvente durante 11 anos com a qualidade de diretor comercial e com intervenção em encomendas. Referiu que os bens em causa foram vendidos à impugnante, que o ... era propriedade pessoal do gerente que vendeu para pagar salários. Disse que não assistiu a negociações. Mas que depois de vendidos os bens não foram mais utilizados pela insolvente. Disse que máquina ... foi cedida à A. para angariar dinheiro e continuar a trabalhar, sendo que a mesma tinha problemas de manutenção. Não sabe se tais valores foram faturados. Todavia face à relação familiar com o gerente este depoimento merece alguma cautela na sua valoração exigindo a sua conjugação com demais meios de prova. Também afirmou o teor do facto provados sob 21.
Sobre os órgãos sociais da A. valorou-se a certidão permanente junta aos autos, sob doc. ...1, de onde se extrai que os gerentes da A. e da insolvente eram mãe e filho.
A testemunha GG, funcionário do escritório da insolvente, que lidava com documentação contabilística, nomeadamente pagamentos, tendo acesso a extratos bancários da insolvente. Disse que teve acesso a pagamentos referentes a estes negócios. Disse que emitiu a fatura do ... por lapso por estar convencido que era propriedade da insolvente. Sobre os demais veículos disse que estavam em leasing, e que os negócios foram feitos para tentar liquidar responsabilidades imediatas.
O facto 7 é sustentado pelo documento nº ...1 e ...0 assenta nas facturas que se juntas como docs. ..., ..., ..., ..., isto da petição inicial.
Já o facto 12 estriba-se no doc. nº... da contestação, o 14 no doc. nº..., o 15 nos docs. ..., ..., ... e ..., o 17 no doc. ..., o 18 em docs. ... e ... e o 21 no doc. ...0.
Sobre os factos não provados devemos ter em conta que as cartas de resolução não contêm a indicação de valores nem a sua ponderação face ao valor de mercado, aludindo às especiais relações entre gerentes dessas sociedades e o prejuízo para a Massa Insolvente. Só com base na prova testemunha chegamos ao valor dado como provado sob 10. A testemunha GG referiu pagamentos através de transferências bancárias, mas não se mostra junta ao processo tal prova.  Ou seja, não temos prova dos valores concretos desses bens e a sua comparação com valores de mercado.
A testemunha HH, contabilista da insolvente desde ../../2020, que se lembra da venda de um veículo que seria o ... e que por erro foi faturado em nome da insolvente. No mais, referiu que tais negócios foram pagos, mas sem especificar os seus meios concretos e como se disse essa prova documental não existe nos autos.
A testemunha II que demonstrou conhecer bem a insolvente, bem como a A. por se prestador de serviços para a insolvente, e que que revelou conhecer as viaturas e eu as mesmas foram vendidas para alegadamente pagarem dívidas, mas que das vezes que viu após a venda o gerente AA e o seu pai conduziam esses veículos.
Sobre a referida máquina disse que na altura da insolvência a mesma estava nas instalações da insolvente.
Sobre o valor de arrendamento disse que naquela zona em imóveis semelhantes a renda ascende a 700 ou 800 euros. Disse que teve conhecimento do arrendamento acima referido, mas que a A. nunca ocupou essas instalações.
Sobre o conhecimento concreto da situação da EMP02..., não há prova concreta do alegado desconhecimento que face à proximidade existencial e com base nas regras de experiência comum, a que acresce a própria voz pública do gerente de que tais negócios eram necessários para fazer pagamentos, devemos considerar que a A. teria essa perceção em grau ou extensão que se desconhece.».
5.3. Apresentou a seguinte subsunção dos factos ao direito (depois da exposição abstrata do regime jurídico da resolução):
«No caso em apreço aplica-se o artigo 49º do CIRE que se como se referiu atribui o estatuto de “pessoa especialmente relacionada com o devedor” às pessoas que se incluam numa das situações ali elencadas. E o artigo 59º do CIRE diz-nos quem são as pessoas especialmente relacionadas com o devedor (pessoa singular ou coletiva).
Por outro lado, tal como se conclui no Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, de 4/5/2022, (acessivel in www.dgsi.pt) ” II – No caso do devedor ser uma pessoa coletiva, são havidas como especialmente relacionados com o devedor, entre outras, as pessoas (singulares ou coletivas) que, independentemente da localização do seu domicílio, tenham exercido sobre a sociedade devedora, direta ou indiretamente, uma influência dominante, impondo de modo estável a respetiva vontade no seio da estrutura organizativa de outra sociedade, através da determinação do sentido das decisões dos respetivos órgãos deliberativos e, mediatamente, das decisões dos respetivos órgãos de administração; bem como as entidades que estejam entre si numa relação de grupo, tal qual qualificadas pelo Código das Sociedades Comerciais, seja por simples participação, mediante participações recíprocas, através de domínio ou de relações de grupo.”
Dúvidas não restam que o artigo 120.º n.º 4 do CIRE se encontram preenchido, e, portanto, existiu má-fé da Impugnante na celebração destes negócios.
Tais negócios foram celebrados entre duas sociedades comerciais que possuíam órgãos sociais e sócios que eram pessoas especialmente relacionadas entre si.
O facto de serem duas sociedades comerciais a negociarem entre si não impede que se interprete o 120.º n.º 4 conjugado com o artigo 49.º do CIRE de uma forma extensiva.
Assim, as partes em todos os negócios eram duas sociedades comerciais, ou seja, a insolvente e a Impugnante.
A gerente da A. era, na altura dos negócios em causa, (e é) CC.
Mas nas duas sociedades comerciais aqui referidas existem outros familiares de ambos que foram gerentes ou sócios (doc. ...0 e doc. ...1 da contestação):
a) EE (irmão do gerente da insolvente e filho da gerente da Ré);
b) DD (casada com EE).
Portanto, de uma maneira ou de outras estas pessoas especialmente relacionadas estiveram, ou estão, como sócias, ou nos órgãos sociais, das sociedades comerciais aqui referidas (doc. ...0 e doc ... da contestação).
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça considera que nos negócios entre duas sociedades comerciais, existindo nos órgãos sociais e, ou, como sócios de cada uma pessoa especialmente relacionada consideram-se verificados os pressupostos do n.º 4 do 120.º do CIRE.   Portanto, nos negócios existe má-fé do terceiro que consiste no conhecimento da situação de insolvência da insolvente.
Estão, portanto, verificados todos os pressupostos do artigo 120.º e seguintes do CIRE, e portanto, todos os negócios devem-se considerar resolvidos, pelo eu deve improceder a presente ação.».
5.4. Decidiu julgar improcedente a ação de impugnação, com o seguinte segmento decisório:
« Julga-se a presente ação improcedente, por não provada, mantendo-se a resolução dos negócios realizada pela Sra. A.I..».
6. A autora interpôs recurso de apelação, no qual apresentou as seguintes conclusões:
«1º- A Sra. AI decidiu resolver os atos praticados pela Insolvente, relativos às transmissões onerosas dos veículos de matrícula ..-NX-.., ..QL-.., ..-BG-.., ..-ZD-.., de uma máquina ... de estender malha e um máquina de corte automática FR, assim como decidiu resolver o contrato de arrendamento, celebrado em ../../2020, relativo a uma parte do Rés-do-Chão do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...56 e inscrito na matriz urbana da respetiva freguesia sob o artigo ...48.
2º- A recorrente não se conforma com a douta sentença proferida porquanto considera que se verifica uma errónea fixação da matéria de facto relevante para a decisão da causa e errónea avaliação da prova, concluindo-se por uma errada aplicação do Direito.
3º- Por isso, o presente recurso é de facto e de direito, uma vez que a prova produzida em audiência de julgamento se encontra gravada.
4º- A Recorrente também considera que a douta sentença recorrida não se mostra deviamente fundamentada de facto e de direito, uma vez que não obedece ao disposto no artigo 607, nº 4 do Código de Processo Civil, o que constitui omissão de formalidade legal com manifesta influencia no exame e na decisão da causa, padecendo da nulidade a que se refere a al. b) e c) e d) do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, que se argui para os devidos e legais efeitos.
5º- No caso, o Mmº Juiz não teve a preocupação de apurar todos os factos alegados pelas partes e com interesse para a decisão da casa, uma vez que não se pronuncia: (i) sobre as datas das declarações de resolução dos contratos operados pela Sra A.I.; (ii) sobre as invocadas nulidades das cartas de resolução; (iii); e, por fim, não fundamenta o facto provado no ponto 22), da decisão recorrida; e não faz o exame crítico das provas produzidas.
6º- Saber se as declarações de resolução estão feridas de nulidade é questão que tem relevância para a decisão de mérito, uma vez que se reporta às concretas controvérsias centrais a dirimir.
7º- Sendo a filiação um facto obrigatoriamente sujeito a registo, a prova desse facto só pode ser feita pelos meios previstos no Código de Registo Civil, seja pelo acesso à base de dados do registo civil ou por meio de certidão do registo civil.  (cfr art. 211.° do Cod. Reg. Civil).
8º- Ora, no que se refere ao ponto 22 dos factos provados, nenhum documento se encontra junto aos autos que prove tal factualidade, nem a douta sentença faz alusão a qualquer outra prova, razão pela qual ficamos sem saber que meios de prova serviram de base à convicção do Tribunal para dar como provado tal facto.
9º- Ao Tribunal compete justificar os motivos da decisão sobre a matéria de facto, revelando as razões que o levaram a certa conclusão perante os depoimentos prestados ou outros meios de prova – Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, vol. III, pág. 205, o que no caso sub judice não sucedeu.
10º- No caso sub judice, lendo e relendo a motivação, ficamos com a sensação de que o Mmº Juiz tomou como certa a prova produzida mas acabou por dar como provados alguns factos que não são sustentados nessa mesma prova.
11º- O Mmº Juiz não se pronuncia sobre o documento nº ... (certidão emitida pela Conservatória dos Registos Predial, Comercial e Automóvel ...” da qual se infere que o veiculo marca ..., de matricula ..-NX-.., nunca foi propriedade da Insolvente, encontrando-se registado a favor de AA desde ../../2018 e a favor a Insolvente desde ../../2020, nunca tendo sido registada qualquer aquisição a favor da Insolvente.
12º- Ou seja, o Mmº Juiz não explica a razão pela qual não atendeu à certidão de registo quando a mesma tem força probatória plena.
13º- Por outro lado, também no que diz respeito ao veículo marca ... de matrícula ..-ZD-.. (que por lapso o Mmº Juiz identifica como sendo de matricula ..-NX-..) o Mmº Juiz dá como provado que tal veículo “foi adquirido pela Autora à Banco 1...” (cfr. ponto 1 dos factos provados) mas não fundamenta o facto provado em 16., embora resulte claramente do documento nº ..., junto com a petição inicial, que este veiculo nunca se encontrou registado a favor da Insolvente.
14º- Por fim, embora a douta sentença faça uma breve referência aos depoimentos das testemunhas, não especifica o valor relativo que atribuiu a cada um dos depoimentos prestados nem os conjugou com a demais prova produzida, nomeadamente documental.
15º- O exame crítico das provas não se basta com generalizações. É claro que também não é necessária uma descrição pormenorizada dos depoimentos prestados. Porém, quando os depoimentos são desconsiderados, como parece ter sido o caso, é necessário saber das razões da falta de credibilidade de cada um dos depoimentos.
16º- Em suma, a douta sentença não se mostra fundamentada, padecendo, por via disso, da nulidade a que se refere a al. b) do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, e a natural omissão a que alude a alínea d) do mesmo preceito legal, nulidades que se arguem para os devidos e legais efeitos.
17º- A Recorrente considera que o Tribunal a quo fez uma errada interpretação e valoração da prova produzida, nomeadamente porque impunha que se desse uma redação mais restritiva ao facto provado em 11. 
18º- Da prova produzida, mormente dos documentos ... e ... jutos com a petição inicial, o ponto 11º dos factos provados deve passar a ter a seguinte redação: “Alguns os veículos, máquinas e arrendamento tinham como parte passiva a insolvente e a parte activa a EMP01... – Unipessoal, Lda”.
19º- Esta alteração justifica-se pelos documentos ... e ... juntos com a petição e pelos depoimentos das testemunhas FF e GG, ouvidas em sede de audiência de julgamento, que explicaram que alguns dos veículos tinham contratos de Leasing. (ver minuto 00:02:22 a 00:02:46 e 00:03.08 a 00:03:34, no caso da testemunha FF, e, minuto 00:06:10 a 00:06:55 e minuto 00:06:56 a 00:07:46, no caso da testemunha GG) 
20º- Os pontos 4, 9, 13, 14, 16, 17 e 22 dos factos provados devem ser dados como “não provados”.
21º- Esta alteração da resposta impõe-se com base nas provas produzidas (documental e testemunhal) e, em alguns casos, na ausência delas.
22º- No que se refere ao ponto 4, por nenhuma prova ter sido produzida nesse sentido;
23º- No que diz respeito ao ponto 9, esta alteração impõe-se com base no depoimento da testemunha II, que não obstante ter referido que as rendas dos imoveis na zona ascendiam a 700 ou 800 euros, também disse não saber identificar o espaço concretamente arrendado à Recorrente, ou seja, qual a área do prédio ocupada pela Recorrente, para se poder aferir da justeza e adequação da renda, ver minuto 00:013:34 a 00:14:07.
34º- No que se refere aos pontos 13 e 14, resulta do doc. ..., junto com a petição, que a Insolvente nunca foi proprietária do veiculo de matricula ..NX-.., sendo que quem o transmitiu à Recorrente foi AA. 
35º- O que permitiu transmitir o veículo à Insolvente foi o simples facto de o mesmo ser propriedade de AA, cuja propriedade se presume, face ao documento junto com a petição (doc. ...) e não o facto de a sociedade Insolvente ter liquidado o contrato de locação financeira, tanto mais que nenhuma prova foi feita sobre essa alegada liquidação por parte da Insolvente.
36º- No que se refere ao ponto 16 temos por certo que o Tribunal a quo continua a laborar em manifesto erro de interpretação e valoração da prova produzida, porquanto, a sociedade Insolvente celebrou, em tempos, um contrato de locação financeira. 
37º- Independentemente do tipo de contrato celebrado entre a Insolvente e as instituições financeiras, Banco 2..., Sucursal, Portuguesa e Banco 1..., CRL, tanto o veículo de matrícula ..-NX-.. como o de matrícula ..-ZD-.., nunca foram propriedade da insolvente.
38º- Pese embora não se terem apurado as condições em que os aludidos contratos de locação financeira terminaram; para que as aquisições fossem registados a favor dos adquirentes - AA e EMP01..., Ldª, - era necessário que os contratos tivessem sido resolvidos.
39º- Ainda que se admita ter havido acordo ou aceitação por parte da Insolvente quanto a essa resolução/cessação, o que nestes autos nem sequer se questionou, os valores devidos foram pagos pela Recorrente, conforme vem confessado nas cartas de resolução, quando a Sra A.I. refere que os bens foram transmitidos onerosamente e pelo preço indicado.
40º- Como se deixou alegado, do documento nº ... junto com a petição inicial, resulta a olhos vistos que quem transmitiu a propriedade para a Recorrente foi a Banco 1... CRL, por ser ela a proprietária do bem.
41º- Uma vez que foi a Recorrente que pagou o valor devido pela resolução contratual (contrato de leasing), entregando o valor a Insolvente, esta entendeu dever emitir a fatura correspondente ao valor da transação e recibo correspondente.
42º- A Recorrente também não se conforma com a resposta dada ao ponto 22 que entende ter sido incorretamente julgado como provado, uma vez que nenhuma prova foi produzida que justifique essa resposta, devendo tal facto ser considerado “não provado”.
43º- A prova produzida, impunha que se dessem como demonstrados os seguintes factos:
23) “O preço dos bens foi pago pela Impugnante à Insolvente”; 
24) “A Autora nada sabia sobre a situação da Insolvente”
44- Por um lado, resulta da confissão feita pela Sra A.I. que a transmissão foi onerosa. A Sra. A.I. não pôs em causa que o preço da aquisição tivesse sido efetivamente pago pela Recorrente. Para além disso, dos documentos juntos aos autos a fls…., juntos com o requerimento com refª citius 45775498, está suficientemente demonstrado o pagamento dos valores devidos.
45º- Por outro lado, apesar de não lhe caber o ónus da prova, resultou demonstrado que a Recorrente não conhecia a situação económica da Insolvente.
46º- É esta conclusão decorre do depoimento da testemunha FF que explica as razões pelas quais a gerente da Recorrente não tinha como saber o que se passava na Insolvente, (cfr. min.  00:10:22 a 00:11:12 e min 00:11:25). 
47º- Em conformidade com o exposto, tem de ser alterada a decisão de mérito recorrida (face ao sucesso da prévia impugnação da matéria de facto feita), devendo ser proferida nova decisão (julgando a ação procedente, com as legais consequências.
48º- De todo modo, o Tribunal a quo enquadrou os negócios resolvidos no artigo 120º do CIRE), considerou aplicável o artigo 49º do CIRE e por via disso, conclui que o artigo 120.º, nº 4 do CIRE se encontra preenchido, por se verificar o requisito da má-fé da Recorrente na celebração dos negócios.
49º- Salvo o devido respeito, a Recorrente considera que não resultou provado nenhum dos factos constantes do artigo 49º e do nº 4 do artigo 120.º do CIRE.
50º- Os atos em apreço não foram prejudiciais à massa insolvente, razão pela qual não se encontram preenchidos os pressupostos de que depende a resolução, devendo proceder a impugnação apresentada pela Recorrente.
51º- Seguindo de perto o que a propósito se decidiu no Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, de 4/5/2022, (acessivel in www.dgsi.pt) temos por certo que no caso sub judice não resultou provada qualquer influência dominante, imposição de vontade que determinasse o sentido da decisão da Insolvente e muito menos que houvesse participações reciprocas.
52º- Na verdade, dos factos provados não resulta que a vontade da sociedade Insolvente tivesse sido influenciada pela vontade da Recorrente, nem esta obrigou a sociedade Insolvente a transmitir-lhe os veículos e as máquinas, e muito menos a obrigou a celebrar o contrato de arrendamento, sendo que as vontades de cada uma das sociedades envolvidas foram determinadas pelo interesse nos negócios realizados e pelas vantagens que dos mesmos advinham para cada uma delas.
53º- Ao realizar os negócios, a Recorrente não tinha nem podia ter consciência de que prejudicaria quem quer que fosse, muito menos eventuais credores da Insolvente uma vez que a transmissão dos bens teve como contrapartida a entrega da importância do valor correspondente.
54º- Ao contrário do entendido pelo Tribunal recorrido, julga-se não estar provada a existência de má-fé de terceiro, quesito fundamental para operar a resolução condicional.
55º- A douta sentença recorrida violou, assim, o disposto nos artigos 49.º, e 120.º do CIRE.
56º- Por conseguinte, deve revogar-se a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo e julgar totalmente procedente a impugnação da resolução.
Nestes termos e nos melhores de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença proferida, substituindo-a por outra que julgue a ação procedente por provada, fazendo-se, como sempre, a costumada,  Justiça. ».
7. Não foram apresentadas contra-alegações.
8. O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
9. Subido o recurso a esta Relação e tendo o mesmo sido recebido nos mesmos termos da 1ª instância, colheram-se os vistos e realizou-se a conferência.

II. Questões a decidir:

As conclusões das alegações do recurso delimitam o seu objeto, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso e que não tenham sido decididas por decisão transitada em julgado, da livre qualificação jurídica dos factos pelo Tribunal (art. 608º/ 2, ex vi do art. 663º/2 do Código de Processo Civil, doravante CPC; arts.635º/4, 639º/1 e 2, 641º/2- b) e 5º/ 3 do CPC).

Definem-se como questões a decidir, pela ordem lógica dos seus efeitos:

1. As arguições de nulidade da sentença, nos termos do art.615º/1-b), c) e d) do CPC (conclusões 4ª a 16º).
2. A fixação da matéria de facto relevante para a decisão do recurso, mediante:
2.1. A apreciação e decisão (liminar e/ou de mérito) da impugnação dos seguintes pontos de facto impugnados no recurso: do ponto de facto provado em 11 (conclusões 17º a 19º); dos pontos de facto provados em 4, 9, 13, 14, 16, 17 e 22 dos factos provados (conclusões 20º a 42º); dos pontos de facto não provados (conclusões 43º a 46º).
2.2. A apreciação oficiosa da deficiência e da irregularidade do elenco de factos necessários à decisão (arts.662º/2-c) e 663º/2 do CPC).
2.3. A fixação da matéria de facto relevante para a decisão, com as alterações decorrentes de 2.1. e 2.2. supra.
3. A apreciação de direito:
3.1. Da questão que deva ser apreciada em suprimento de nulidade que tiver sido reconhecida em 1., caso o tenha sido, em substituição do Tribunal a quo.
3.2. Da subsunção dos factos ao direito, em face da alteração de factos que se tenha realizado em 2 supra (conclusões 47º a 56º).

III. Fundamentação:

1. Apreciação das arguições de nulidade da sentença:

A recorrente arguiu a nulidade da sentença, nos termos do art.615º/1-b), c) e d) do CPC, por considerar que o Juiz: não apurou todos os factos alegados pelas partes e com interesse para a decisão da casa, uma vez que não se pronunciou sobre as datas das declarações de resolução dos contratos e sobre as invocadas nulidades das cartas de resolução; não fundamentou o facto provado no ponto 22) da decisão recorrida (não constando dos autos o documento que permita julgar provado este facto sujeito a registo) e não fez o exame crítico das provas produzidas (não apreciou o doc. ... com força probatória plena em relação ao ...; não fundamentou o facto 16 quanto ao ..., apesar do doc. ... junto com a petição; não especificou o valor dado ao depoimento de cada testemunha) (conclusões 4ª a 16º).
Impõe-se apreciar esta arguição, face ao teor da sentença (em relação aos articulados) e ao regime de direito aplicável.

1.1. Quanto à nulidade do art.615º/1-b) do CPC:

1.1.1. Enquadramento jurídico:

A sentença é nula quando «Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.» (art.615º/1-b) do CPC), efeito este prescrito em relação à inobservância dos deveres de fundamentação, previstos: na norma geral do art.154º do CPC (que define, sob a epígrafe «Dever de fundamentar a decisão», que «1 - As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas. 2 - A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade.»); na norma especial da sentença no art.607º/3 a 4 do CPC (que define que, após o relatório e a definição das questões a decidir, «3 - Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final. 4 - Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.»).
A Doutrina e a Jurisprudência têm entendido, de forma incontroversa que esta falta de fundamentação que conduz à nulidade deve ser absoluta (e não apenas deficiente ou medíocre[i]) e que não se confunde:
a) Com a insuficiência de fundamentação da decisão da matéria de facto, que pode ser suprida, se for relevante, nos termos do regime do art.662º/1-d) do CPC.
b) Com erros de julgamento, tendo em conta: que o erro da decisão de facto, é invocável nos termos do art.640º do CPC ou art.663º/2 do CPC em referência ao art.607º/4 do CPC, e que a omissão de factos é invocável para os efeitos do art.662º/2-c) ou 663º/2 do CPC; que o erro de direito é invocável nos termos do art.639º do CPC.

1.1.2. Apreciação da situação em análise:

Examinando as razões pelas quais a recorrente arguiu nulidade da sentença do art.615º/1-b) do CPC (e sintetizados em III-1 supra), em confronto com a sentença (referida em I-5-5.1., 5.2. e 5.3. supra) e o regime legal (referido em III-1.1.1. supra), verifica-se que nenhuma das referidas razões permite reconhecer a nulidade da sentença, nos termos do art.615º/1-b) do CPC.
De facto, e por um lado, as omissões de apreciação de facto e de direito não integram a omissão de absoluta de fundamentação que exige a norma, nos termos expostos em III-1.1.1. supra.
Estas omissões, a existirem, podem ser supridas: a omissão na sentença de indicação de datas das declarações de resolução dos contratos, a existir e a ser relevante, pode ser suprida nos termos do art.663º/2 do CPC, em referência ao art.607º/2-2ª parte do CPC, uma vez que esta matéria foi aceite pelas partes; a omissão de apreciação de direito da arguição das nulidades das cartas de resolução, a existir, pode gerar a nulidade por omissão de apreciação de questão a decidir, nos termos do art.615º/1-d) do CPC, nulidade essa que poderá depois vir a ser suprida por este Tribunal ad quem, em substituição do Tribunal a quo, nos termos do art.665º/2 do CPC.
Por outro lado, as omissões de fundamentação da decisão de facto indicadas, confrontadas com a fundamentação exposta em I-5.2. supra, também não correspondem a uma omissão absoluta de fundamentação da referida decisão de facto (ainda que a mesma seja omissa e desordenada).
Em particular, nestes vícios apontados: a falta de fundamentação do facto provado no ponto 22) da decisão recorrida, se for relevante para apreciar a impugnação que do mesmo foi feita, pode implicar a descida do processo à 1ª instância para indicar a fundamentação, nos termos do art.662º/2-d) do CPC; as faltas de exame crítico das provas produzidas, concretizadas na falta de valoração de documentos juntos e de indicação do valor dado ao depoimento de cada testemunha, pode gerar efeitos diferentes- se houver omissão de motivação que careça de ser conhecida para apreciar a impugnação da decisão, esta Relação pode ordenar a descida do processo à 1ª instância, nos termos e para os efeitos do art.662º/2-d) do CPC, e se houver má apreciação da prova, por falta de valoração de documentos ou depoimentos, pode a mesma ser apreciada na impugnação que tenha sido apresentada do facto, nos termos do art.640º do CPC (conclusões 4ª a 16º).
Pelo exposto, julga-se improcedente a arguição de nulidade do art.615º/1-b) do CPC.

1.2. Quanto à nulidade do art.615º/1-c) do CPC:

1.2.1. Enquadramento jurídico:

A sentença é nula quando «Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;» (art.615º/1-c) do CPC).
Estes vícios, como referem sumariamente António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, em relação a cada um dos dois fundamentos alternativos ocorre: quando «existe incompatibilidade entre os fundamentos e a decisão, ou seja, em que a fundamentação aponta num sentido que contradiz o resultado final. Situação que, sendo violadora do chamado silogismo judiciário, em que as premissas devem condizer com a conclusão, também não se confunde com erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide contrariamente aos factos apurados ou contra norma jurídica que lhe impõe uma solução jurídica diferente.»; e nas circunstâncias em que «A decisão é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes.»[ii].
Esta nulidade da sentença distingue-se da anulabilidade da decisão prevista no art.662º/2-c) do CPC, face a vícios da decisão de facto, que pode ser suprida pela Relação caso disponha de elementos para o efeito. De facto, a Relação deve, ainda, oficiosamente, «c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;». Como referem os mesmos autores assinalados supra, «Quanto a segmentos da decisão que (sendo imprescindíveis para a decisão) se revelem deficientes, obscuros ou contraditórios (STJ 12-5-16, 2325/12), a Relação deverá supri-los, desde que constem do processo (ou da gravação) os elementos em que o tribunal se fundou (…). Não sendo o caso, deve anular a decisão recorrida e remeter o processo para a 1ª instância.»[iii].

1.2.2. Apreciação da situação em análise:

Examinando as razões gerais pelas quais a recorrente arguiu nulidade da sentença (e sintetizados em III-1 supra), em confronto com a sentença (referida em I-5- supra) e o regime legal (referido em III-1.2.1. supra), verifica-se que nenhuma das razões (omissão de decisão sobre facto e sobre questão arguida na petição inicial; faltas de análises discriminadas e de valoração de provas) integra as previsões de oposição entre fundamentos e decisão ou de verificação de ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, previstas no art.615º/1-c) do CPC.
Pelo exposto, julga-se improcedente a arguição de nulidade, nos termos do art.615º/1-c) do CPC.

1.3. Quanto à nulidade do art.615º/1-d) do CPC:

1.3.1. Enquadramento jurídico:

A sentença é nula quando «O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;» (art.615º/1-d) do CPC), questões estas que está obrigado a conhecer pela prescrição do art.608º/2 do CPC (que dispõe que «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.»).
Estas questões reportam-se «aos pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição das partes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, pedido e exceções»[iv] e não se confundem:
a) Com os factos que preenchem os fundamentos dos pedidos, factos estes que, caso seja omitida a sua apreciação, esta omissão pode ser invocada como erro de julgamento. Neste sentido, veja-se, nomeadamente, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.03.2017, proferido no processo nº7095/10.7TBMTS.P1.S1, relatado por Tomé Gomes, que sumaria, de forma que se perfilha por inteiro: «I. O não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido nos termos do artigo 5.º, n.º 1 e 2, do CPC, não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC. II. Tais situações reconduzem-se antes a erros de julgamento passíveis de ser superados nos termos do artigo 607.º, n.º 4, 2.ª parte, aplicável aos acórdãos dos tribunais superiores por via dos artigos 663.º, n.º 2, e 679.º do CPC.»[v].
b) Com os documentos juntos para prova ou contraprova de factos que tenham sido alegados, documentos estes cuja omissão de apreciação apenas pode ser apreciada como erro de julgamento de facto, em impugnação da decisão de facto (art.640º do CPC) ou em invocação de deficiência ou falta de consideração de factos passíveis de prova documental (arts. 662º/3-c)- parte final e 663º/2 do CPC).
c) Com os argumentos jurídicos tecidos para defender o sentido de decisão de uma determinada questão suscitada. Neste sentido, referem-se também Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa (ao considerarem que as questões «não se reconduzindo à argumentação utilizada pelas partes em defesa dos seus pontos de vista fáctico-jurídicos, mas sim às controvérsias centrais a dirimir.»[vi]).

1.3.2. Apreciação da situação em análise:

Examinando as razões gerais pelas quais a recorrente arguiu a nulidade da sentença nos termos do art.615º/1-d) do CPC (e sintetizados em III-1 supra), em confronto com a sentença proferida (com as transcrições relevantes referidas em I-5.3. supra) e o regime legal (referido em III-1.3.1. supra), verifica-se que apenas um dos fundamentos integra a previsão normativa do art.615º/1-d) do CPC.
De facto, a omissão de indicação na matéria de facto das datas da resolução (aliás, não só das datas mas também das próprias declarações de resolução), tal como as omissões e deficiência de fundamentação da decisão de facto e erros de apreciação de prova, não correspondem a qualquer omissão de apreciação de questão jurídico-fática suscitada pela impugnante/recorrente, que devesse ser apreciada nos termos do art.608º/2 do CPC.
No entanto, a omissão de apreciação, pelo Tribunal a quo, da nulidade das declarações resolutórias, expressamente arguidas dos arts.4º a 23º da petição inicial (sintetizadas em I- 1- b) supra) e objeto do pedido (referido em I-1 supra), corresponde efetivamente a uma omissão de apreciação de questão que o Tribunal deveria ter conhecido, nos termos do art.608º/2 do CPC, e cuja omissão de apreciação gera a nulidade do art.615º/1-d) do CPC.
Esta nulidade, todavia, deve ser apreciada por este Tribunal da Relação, em substituição do Tribunal a quo, nos termos do art.665º do CPC, após a fixação dos factos em III- 2- 2.3. infra, uma vez que a decisão de facto do Tribunal a quo foi impugnada e é lacunosa e imprecisa para apreciar as questões suscitadas no recurso, devendo ser objeto de suprimento oficioso desta Relação.
Pelo exposto:
a) Reconhece-se a nulidade da sentença recorrida, na parte em que omitiu por completo a apreciação da invocação de nulidade das declarações resolutórias.
b) Relega-se a apreciação da questão não apreciada (de nulidade das declarações resolutórias foi falta e erros de fundamentação), para depois de III- 2 infra, quando da apreciação da subsunção dos factos provados ao direito, em III-3 infra.

2. A fixação da matéria de facto relevante para a decisão do recurso, mediante:

2.1. Enquadramento jurídico relevante para a decisão de facto:
A apreciação e a reapreciação da decisão de facto (através da decisão da impugnação à matéria de facto apresentada no recurso e da reapreciação oficiosa da mesma, quanto aos factos passíveis de considerar), com vista à fixação dos factos que permitam apreciar as questões de direito do recurso, deve ser feita: na perspetiva dos fundamentos normativos de que depende a resolução de um ato em benefício da massa e das regras de repartição do ónus de alegação e prova numa ação de impugnação da resolução operada; com consideração das regras gerais sobre os factos e a sua seleção e sobre os poderes da Relação quanto aos mesmos. 

2.1.1. Resolução de atos em benefício da massa-declaração, impugnação e regras de repartição do ónus de prova:
2.1.1.1. O administrador da insolvência pode resolver em benefício da massa insolvente os atos prejudiciais à mesma, nos termos do art.123º/1 e 2 do CIRE (no prazo de 6 meses após o conhecimento do ato e no prazo de 2 anos após a declaração de insolvência, salvo se o negócio não estiver cumprido, caso em que pode fazê-lo sem dependência de prazo e por via de exceção), resolução esta que, não sendo impugnada e por via procedente, tem efeitos retroativos, devendo reconstituir-se a situação que existiria se o ato não tivesse sido praticado (art.126º/1 do CIRE).
Esta resolução pode ser condicional ou incondicional (arts.120º e 121º do CIRE).
No regime da resolução condicional prevê-se que podem ser resolvidos os atos prejudiciais à massa insolvente que hajam sido praticados nos dois anos anteriores à data de início do processo de insolvência (art.120º/1 e 2 do CIRE), desde que haja má-fé de terceiro (art.120º/4 e 5 do CIRE).
Consideram-se prejudiciais à massa os atos «que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência.» (art.120º/2 do CIRE) e presumem-se prejudiciais à massa sem possibilidade de prova em contrário «(…) os actos de qualquer dos tipos referidos no artigo seguinte, ainda que praticados ou omitidos fora dos prazos aí contemplados.» (art.120º/3 do CIRE, em referência ao art.121º/1 do CIRE).
Considera-se que o terceiro está de má-fé quando se provarem: os factos que integram a presunção da má-fé, que «se presume quanto a actos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, ainda que a relação especial não existisse a essa data.»(art.120º/4 do CIRE, na parte da regra), sem que o impugnante faça prova do contrário (art.350º do CC); ou os factos reveladores de um dos tipos de conhecimento da insolvência ou prejuízo- « 5 - Entende-se por má fé o conhecimento, à data do acto, de qualquer das seguintes circunstâncias: a) De que o devedor se encontrava em situação de insolvência; b) Do carácter prejudicial do acto e de que o devedor se encontrava à data em situação de insolvência iminente; c) Do início do processo de insolvência.» (art.120º/5 do CIRE).
No regime da resolução incondicional prevê-se que podem ser resolvidos os atos que integrem qualquer uma das alíneas do nº1 do art.121 do CIRE, sem exigência de quaisquer outros requisitos. Assim, não é exigida a verificação da má-fé do terceiro (art.121º/1 e ressalva do art.120º/ 4 do CIRE), salvo se existir norma expressa em contrário (art.121º/2 do CIRE- «2 - O disposto no número anterior cede perante normas legais que excepcionalmente exijam sempre a má fé ou a verificação de outros requisitos.»).
Entre os atos elencados no nº1 do art.121º do CIRE compreendem-se, em particular: atos gratuitos-«b) Actos celebrados pelo devedor a título gratuito dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência, incluindo o repúdio de herança ou legado, com excepção dos donativos conformes aos usos sociais;»; os seguintes atos onerosos- «h) Actos a título oneroso realizados pelo insolvente dentro do ano anterior à data do início do processo de insolvência em que as obrigações por ele assumidas excedam manifestamente as da contraparte;» (art.121º/1-b) e h) do CIRE).
2.1.1.2. A declaração resolutória do administrador pode ser impugnada, em ação declarativa a instaurar contra a massa insolvente, no prazo de 3 meses, como dependência do processo de insolvência (art.125º do CIRE), com vista ao reconhecimento ou a declaração de inexistência dos pressupostos de que depende o direito de resolução de um ato.
Esta ação, apesar de alguma controvérsia jurídica, tem sido maioritariamente qualificada pela Doutrina e pela Jurisprudência como tratando-se de uma ação declarativa de simples apreciação negativa, que pretende unicamente a declaração de inexistência de um direito ou de um facto (art.10º/1, 2 e 3-a) do CPC)[vii].
Nestas ações de simples apreciação ou declaração negativa, em desvio das regras gerais do ónus de alegação e de prova (pelas quais cabe às partes alegar e provar os factos essenciais em que baseiam as suas pretensões- art.342º/1 do CC e arts. 5º/1, 552º/1-d) e 583º/1 do CPC- e a sua defesa por exceção- art.342º/2 do CC e arts. 5º/1, 572º/c) e 584º do CPC), compete ao réu a alegação e a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga (art.343º/1 do CC e art.5º/1 do CPC), sem prejuízo da inversão do ónus de prova em caso de presunção legal (art.344º/1 do CC).
Na ação de impugnação do ato resolutório, com este enquadramento (ou no enquadramento paralelo da impugnação como uma forma de embargos, dado no Ac. RG. de 07.06.2018, proferido no processo nº1367/15. 1T8.GMR-L.G1, relatado por Bessa Pereira, disponível in dgsi.pt)[viii]:
a) Cabe ao destinatário da resolução:
a1) O ónus de impugnar os atos objeto da resolução e os factos alegados como fundamento dos mesmos, e que pretenda discutir (art.125º do CIRE); o ónus de contraprova da prova que o administrador apresentar dos factos impugnados (art.346º do CC).
a2) O ónus de alegação e de prova de factos que ilidam presunção legal ilidível que tiver sido invocada na declaração resolutória (art.120º/4 do CIRE e 350º do CC e 344º/1 do CC) e de factos integrativos das exceções impeditivas, modificativas ou extintivas que possam operar em relação aos factos constitutivos de b) infra[ix] (art.342º/2 do CC).
b) Cabe à massa insolvente o ónus de prova (art.343º/1 do CC) dos factos  alegados na declaração resolutória realizada por carta registada com aviso de receção[x], para integrar os pressupostos da resolução condicional ou incondicional (e cujos fundamentos não podem ser ampliados na resposta à impugnação[xi]):
b1) Na resolução condicional: dos factos integrativos do prejuízo ou da presunção inilidível de prejuízo (art.120º/1, 2 ou 3 do CIRE); dos factos integrativos da má-fé ou da presunção legal de má-fé (art.120º/5 ou 4 do CIRE).
b2) Na resolução condicional: dos factos que integrem alguma das previsões do nº1 do art.121º do CIRE.
2.1.2. Regras gerais dos poderes da Relação em relação à matéria de facto:
2.1.2.1. A Relação pode alterar a decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância, em sede de recurso da matéria de facto em decisão da impugnação, ou por via oficiosa.
Por um lado, pode proceder à alteração de factos, em decisão da impugnação da matéria de facto: se estiverem cumpridos os ónus do art.640º do CPC que permitam conhecer a impugnação («1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;  c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; (…)»); se a reapreciação das provas impuser essa alteração (art.662º/2 do CPC).
Por outro lado, pode oficiosamente:
a) Suprir obscuridades, contradições ou deficiências da decisão de facto, caso disponha nos autos de elementos probatórios (art.662º/2-c) do CPC, a contrario).
b2) Considerar matéria plenamente provada e que não tenha sido atendida, nos termos do art.607º/4-2ª parte, ex vi do art.663º/2 do CPC- factos admitidos por acordo (arts.574º/2 e 587º/1 do CPC), factos provados por documentos (arts.371º e 376º do CC) ou factos provados por confissão reduzida a escrito (arts.352º ss do CC), compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.
Todavia, qualquer uma destas decisões depende da relevância dos factos para a decisão do recurso, por a decisão de facto ser instrumental da decisão final a ser proferida, de acordo com as soluções plausíveis das questões de direito.
Assim, a conexão entre os factos a considerar e a decisão a proferir e o princípio da utilidade dos atos processuais (art.130º do CPC) implicam que não se deva apreciar a matéria impugnada ou aceitar a ampliação da matéria de facto quando a mesma seja irrelevante para a decisão do recurso, em qualquer uma das soluções plausíveis das questões de direito a decidir. A este propósito, e neste sentido, entre outros: Tomé Soares Gomes refere «(…) o tribunal só deve atender aos factos que, tendo sido oportunamente alegados ou licitamente introduzidos durante a instrução, forem relevantes para a resolução do pleito, não cabendo pronunciar-se sobre factos que se mostrem inequivocamente desnecessários para tal efeito.»[xii]; o citado Ac. RG. de 07.06.2018, proferido no processo nº1367/15. 1T8.GMR-L.G1, relatado por Bessa Pereira, em relação a recurso de sentença de ação de impugnação, disponível in dgsi.pt, sumariou « II- Não há lugar à reapreciação do julgamento da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação não for susceptível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente e que, por isso, colide com os princípios da celeridade, da limitação dos actos e da economia processual.»; o Ac. RG de 22.10.2020, proferido no processo nº5397/18.3T8BRG.G1, relatado por Maria João Matos, também defendeu e sumariou «V. Por força dos princípios da utilidade, da economia e da celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objecto da impugnação for(em) insusceptível(eis) de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter(em) relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil»[xiii].
2.1.2.2. A Relação pode, ainda, rejeitar pedidos de consideração na matéria de facto de matéria conclusiva, tal como pode expurgar a decisão de facto da referida matéria conclusiva ou de direito.
Com efeito, os factos integrativos dos ónus de alegação e prova e que podem ser atendidos pelo Tribunal (fundamentais ou instrumentais, de morfologia estática ou dinâmica[xiv]) devem ser aptos a descrever a realidade concreta da vida, de forma individualizada, situada no espaço e no tempo e não confundível com qualquer outra realidade. São apenas estes factos, e não as considerações sobre os mesmos que podem ser objeto: de demonstração pela prova (arts. 341º ss do CC e 410º ss do CPC) e de decisão de facto na sentença (art.607º/4 e 5 do CPC); de apreciação de direito e de fundamentação da decisão jurídica do tribunal sobre a tutela pedida (art.607º/3-2ª parte do CPC); de pedidos de impugnação, atendimento ou ampliação da matéria de facto em sede de recurso (arts.640º, 662º, 663º/2, em referência ao art.607º/4 do CPC).
Estes factos (objetivos ou subjetivos, situados no espaço e no tempo), distinguem-se, assim, de matéria genérica e conclusiva (salvo se esta tiver transitado para a linguagem corrente e não constitua o thema decidendum) e de matéria de direito (constante da factispecie da norma).
A inobservância desta exigência pelo Tribunal a quo - ao integrar na matéria de facto matéria conclusiva, genérica e de direito - deve levar à sanação da irregularidade pelo Tribunal ad quem.
Apesar de no Código de Processo Civil de 2013 não existir previsão idêntica ao art.646º/4 do anterior Código de Processo Civil de 1961 (que previa que se tinham como «não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito»), a doutrina e jurisprudência têm mantido o entendimento que a matéria não factual que conste de uma decisão de facto deve ser expurgada da mesma. Vide, neste sentido, entre outros: Abrantes Geraldes (que refere que devem ser erradicadas da decisão sobre a matéria de facto «as alegações com conteúdo técnico-jurídico, de cariz normativo ou conclusivo, a não ser que, porventura, tenham simultaneamente uma significação corrente e da qual não dependa a resolução das questões jurídicas que no processo se discutem (v.g. renda, contrato, proprietário, residência permanente, etc.)»); Ac. RG de 17.02.2022, proferido no proc. nº2549/11.0TJVNF-J. G1, relatado por Maria João Matos[xv].

2.2. Apreciação da alteração da matéria de facto:

2.2.1. Quanto ao objeto da impugnação do art.640º do CPC:
2.2.1.1. Dos pontos 4 e 9 da matéria de facto:
A sentença julgou provados os pontos de facto 4 («4. De igual forma, a máquina ... de estender malha e a máquina de corte valiam mais do que o preço que a Autora pagou.») e 9 («9. Quanto ao arrendamento do espaço, o valor do arrendamento de cerca de € 100 mensais é inferior ao valor do mercado.»): sem indicar qualquer fundamentação discriminada da razão de prova dos mesmos; referindo apenas, aquando da síntese isolada do depoimento da testemunha II, que «Sobre o valor do arrendamento disse que naquela zona em imóveis semelhantes a renda ascende a 700 ou 800 euros».
A recorrente pediu que os pontos de facto provados em 4 e em 9 se dessem como não provados, com base nos seguintes argumentos:
a) Quanto ao facto 4: por o Tribunal ter referido na motivação que «as cartas de resolução não contem indicação de valores nem a sua ponderação face ao valor do mercado» e ter dado como provado no facto 5 «Tratava-se de um bem em segunda mão e que tinha sofrido diversas reparações»; por não existirem documentos com base nos quais se pudesse comprovar que a máquina ... valia mais do que o preço que a autora pagou e por faltar prova testemunhal que permitisse provar que as máquinas valiam mais do que aquilo que foi pago.
b) Quanto ao facto 9, com base no trecho indicado do depoimento de II, no qual, apesar de ter referido o valor de mercado de arrendamentos de imóveis naquela zona, acabou por reconhecer que não sabia qual o espaço concreto arrendado (conclusões 22º e 23º, explicitadas pela motivação prévia).
Impõe-se apreciar a relevância de apreciar a impugnação e, ao mesmo tempo, se há a possibilidade de considerar a referida matéria impugnada da decisão de facto.
Numa apreciação liminar do ponto 4 da decisão de facto (cuja prova não foi motivada na decisão recorrida) e da impugnação do mesmo, verifica-se:
a) Que a matéria constante do mesmo não integra os fundamentos da resolução alegados pelo administrador na carta resolutória do contrato de compra e venda das máquinas industriais enviada pelo administrador da insolvência, que se limitou a declarar resolvida a venda por a mesma impossibilitar a liquidação das máquinas na insolvência, sem alegar que as máquinas valiam mais do que o valor pelo qual foram compradas.
Estes fundamentos da carta de resolução (que não consta da decisão da matéria de facto da sentença recorrida referida em I- 5.1. supra mas que será oficiosamente aditada aos factos provados, por decisão de III- 2.2.2. infra, com elenco subsequente de III- 2.3. infra), delimitam a ação de impugnação do art.125º do CIRE e a matéria cujo ónus de alegação e prova cabe à massa insolvente (que não integra a prova do valor de mercado das máquinas), nos termos referidos em III-2.1.2. supra.
b) Que apesar desta matéria do ponto 4 corresponder à alegação feita pela impugnante no ponto 41º da sua petição inicial («41º- De igual forma, a máquina ... de estender malha e a máquina de corte valiam mais do que o preço que a Autora pagou.»), verifica-se que esta alegação:
b1) Padece de claro erro de escrita, passível de conhecimento e correção nos termos do art.249º do CC (quando a impugnante afirmou que as máquinas “valiam mais do que o preço que a Autora pagou” queria, certamente, afirmar que as máquinas “não valiam mais do que o preço que a Autora pagou” ou que as máquinas “valiam menos do que o preço que a Autora pagou”), uma vez que o art.41º: foi articulado após os arts.39º e 40º (que referiram que o preço de duas viaturas foi superior ao valor comercial e não causou prejuízo à insolvente); começou pelo advérbio «De igual forma,» (que faz a ligação da ideia anterior dos arts.39º e 40º- da superioridade do preço face ao valor de mercado- em relação à ideia a querer transmitir na alegação subsequente do art.41º); foi seguido do art.42º (levado ao facto 5 da decisão de facto), que, ao referir que «tratava-se de bem em segunda mão e que tinha sofrido diversas reparações», pretende notoriamente justificar instrumentalmente o menor valor da máquina face ao preço.
b2) É totalmente irrelevante para a decisão, face ao fundamento da resolução referido em a) e por se tratar de matéria conclusiva (mais ou menos valor corresponde apenas a uma apreciação, que apenas da comparação entre o preço da compra e venda e o valor de mercado do bem se poderia extrair).
Assim, a matéria do ponto 4 deve ser eliminada da decisão de facto (provada ou não provada), ficando prejudicada a possibilidade de apreciação da impugnação.
Numa apreciação liminar do ponto 9, verifica-se que a mesma:
a) Não consta, nesta formulação, da carta de resolução do contrato de arrendamento (omissa na decisão da matéria de facto da sentença recorrida referida em I- 5.1. supra e que será oficiosamente aditada aos factos provados, por decisão de III- 2.2.3. infra, com elenco subsequente de III- 2.3. infra), que se limitou a qualificar o valor da renda de € 100, 00 de insignificante, sem alegar o valor de mercado da mesma.
b) Corresponde a afirmação feita na resposta à impugnação e de forma totalmente conclusiva (inferioridade do valor da renda em relação ao valor de mercado, corresponde a uma apreciação que apenas poderia ser feita a partir da comparação entre o preço da compra e venda e o valor de mercado do bem), o que torna a mesma inatendível pelas duas razões, conforme decorre do que referiu em III- 2.1.1. e 2.1.2. supra.
Assim, a matéria do ponto 9 deve ser eliminada da decisão de facto (provada ou não provada), ficando prejudicada a possibilidade de apreciação da impugnação.
Pelo exposto:
a) Determina-se a eliminação dos pontos 4 e 9 da decisão de facto.
b) Julga-se prejudicada a apreciação da impugnação dos pontos 4 e 9 eliminados.
2.2.1.2. Do ponto 11 da matéria de facto:
A sentença: julgou provado o ponto 11 da matéria de facto provada («Todos os veículos, máquinas e arrendamento tinham como parte passiva a insolvente e a parte activa a EMP01... – Unipessoal, Lda.»), em relação à matéria alegada na resposta da administradora à impugnação, na qual esta fez essa afirmação em relação à faturação das vendas (faturas que juntou com a resposta); não indicou diretamente a motivação deste ponto de facto.
A recorrente pediu que se alterasse a redação do ponto de facto 11 para uma redação mais restrita («Alguns os veículos, máquinas e arrendamento tinham como parte passiva a insolvente e a parte activa a EMP01... – Unipessoal, Lda.»), por considerar: que os documentos ... e ... juntos com a petição inicial provam que a compradora adquiriu os veículos a terceiro distinto da insolvente; que os depoimentos de FF e GG, nos trechos de gravação indicados, confirmam, respetivamente, que o veículo ... era do gerente da insolvente (que o vendera para pagar salários) e que a fatura do ... foi emitida por lapso (conclusões 17º a 19º).
Importa apreciar.
A matéria constante deste ponto 11 da matéria de facto: foi alegada no art.17º da contestação da impugnação, em referência às faturas emitidas pela insolvente em relação aos negócios resolvidos referidos no art.16º; corresponde a matéria totalmente conclusiva e irrelevante, por apenas serem factos os acordos de compra e venda (ainda que com a sua faturação subsequente).
A matéria restritiva que a recorrente pretende que se julgue provada corresponde, também, a matéria totalmente conclusiva, conclusão que apenas poderia ser feita na apreciação jurídica e face a concretos factos.
Pelo exposto, sem prejuízo de atendimento das faturas e dos registos automóveis na decisão de facto oficiosa a proferir em III-2.2.3. e 2.3. infra:
a) Elimina-se o ponto 11 da decisão de facto.
b) Julga-se prejudicada a apreciação da impugnação da matéria de facto do ponto 11.
2.2.1.3. Dos pontos 13, 14, 16, 17:
A sentença recorrida julgou como provados:
a) Os pontos 13 e 14, em relação ao veículo ... objeto de locação financeira provada em 12 («13. Tal contrato de locação financeira foi liquidado pela insolvente ficando esta proprietária do veículo. 14. Tal permitiu que o veículo fosse transmitido à Impugnante pela insolvente.»), factos cuja decisão explicou apenas no que se refere ao facto 12 não impugnado e ao facto 14 impugnado («o facto 12 estriba-se no doc. nº... da contestação, o 14 no doc. nº...»).
b) Os pontos 16 e 17 em relação ao veículo ..., também objeto de locação financeira referida no facto provado em 15 («16. Tal contrato foi liquidado totalmente pela insolvente e a propriedade foi transmitida para a insolvente. 17. A insolvente transmitiu e facturou o veículo à Impugnante. »), factos cuja decisão explicou apenas no que se refere ao facto 15 não impugnado e ao facto 17 impugnado («o 15 nos docs. ..., ..., ... e ..., o 17 no doc. ...»).
A recorrente pediu que estes factos fossem julgados não provados, baseada nos seguintes fundamentos:
a) Quanto aos factos 13 e 14: por a decisão do facto 13 não ter sido fundamentada na sentença e não haver prova da liquidação da locação financeira; por o documento ... junto com a petição inicial provar que a insolvente nunca foi proprietária do veículo mas AA, facto este que permitiu a transmissão a favor da requerente (conclusões 34º e 35º).
b) Quanto aos factos 16 e 17: por a decisão do facto 16 não ter sido fundamentada na sentença e não haver prova do mesmo; por o facto 17, ainda que se tenha baseado no documento ... da contestação, não poder ser provado com base no mesmo, face ao documento ... junto com a petição inicial (que comprova que o bem foi apenas da Banco 1..., a quem a recorrente fez o pagamento do veículo) (conclusões 36º a 41º).
Impõe-se apreciar.
Por um lado, analisando os pontos de facto 13 e 14 e a fundamentação da sentença, tal como a prova produzida e os fundamentos do recurso, verifica-se:
a) Que a liquidação pela insolvente do contrato de locação financeira do ... (constante do facto 13 impugnado), celebrado em ../../2013 (conforme o doc.... junto com a contestação): não foi objeto de fundamentação especificada pelo Tribunal a quo, que, em contrariedade com as conclusões dos pontos 13 e 14, acabou por sintetizar até, na fundamentação da sentença, depoimentos em sentido contrário (das testemunhas FF, GG e HH), que referiram que o veículo ... era de AA e teria sido faturado pela insolvente por erro; não se encontra provada por qualquer prova documental junta ao processo (sendo que, em relação ao ..., a massa insolvente apenas juntou a fatura e o contrato de locação de 2013, constantes dos documentos ... e ... juntos com a contestação); foi contrariada, em contraprova, pela informação da Conservatória de Registo Automóvel (junta pela impugnante sob o documento ... da petição inicial), que documenta que sobre o referido ..., antes do registo de propriedade da impugnante de 01.09.2020, incidia o registo de propriedade nº...18 de 25.09.2018 em favor de AA.
b) Que as demais afirmações da matéria impugnada - que a insolvente, após a liquidação do contrato de locação, ficou proprietária do veículo, o que permitiu que fosse transmitido à impugnante - são totalmente conclusivas e de direito e apenas poderiam ser feitas na apreciação jurídica e em referência a factos concretos que tivessem sido previamente alegados e provados.
Assim, procede a impugnação quanto à liquidação constante do facto 13; deve ser rejeitada a impugnação de toda a demais matéria conclusiva, que deve também ficar eliminada da decisão de facto.
Por outro lado, analisando os pontos de facto 16 e 17 e a fundamentação da sentença, tal como a prova produzida e os fundamentos do recurso, verifica-se:
a) Que a liquidação pela insolvente do contrato de locação financeira do veículo ... (constante do facto 16 impugnado): não foi objeto de fundamentação especificada pelo Tribunal a quo; não se encontra provada por qualquer prova documental junta ao processo (sendo que, em relação ao ..., a massa insolvente apenas juntou a fatura, o contrato de locação de 2019 e o certificado de matrícula, constantes dos documentos ... a ... juntos com a contestação; que o contrato dos doc.... e ... juntos com a contestação indica até que se iniciaria a 22.10.2019 e terminaria a 22.10.2023); foi contrariada, em contraprova, pela informação da Conservatória de Registo Automóvel (junta pela impugnante sob o documento ... da petição inicial), que documenta que sobre o referido ..., antes do registo de propriedade da impugnante de 27.12.2021, incidia o registo de propriedade nº...22, de 29.09.11.2019 em favor de Banco 1... CRL; não se presume esse pagamento da fatura de 02.02.2022 emitida pela insolvente em favor da impugnante, com o objeto deste veículo, (constante do documento ... junto com a oposição e não posta em causa), data esta posterior ao referido registo de propriedade em favor da impugnante de 27.12.2021; que, não se compreende que nestas datas de 27.12.2021 e de 02.02.2022, numa altura em que a insolvente já estava insolvente (cujo processo entrou em fevereiro de 2022, conforme se verificará no aditamento a realizar em III-2.2.3. e 2.3. infra), esta tivesse procedido à liquidação antecipada dos alugueres e valor residual do contrato de locação financeira, com termo previsto apenas para 22.10.2023.
b) Que as demais afirmações da matéria impugnada - que com a liquidação do contrato de locação foi transmitida a propriedade para a insolvente, que a transmitiu à impugnante- são totalmente conclusivas e apenas poderiam ser feitas em referência a factos concretos que tivessem sido previamente alegados e provados.
Assim, procede a impugnação quanto à liquidação constante do facto 16; deve ser rejeitada a impugnação de toda a demais matéria conclusiva, que deve também ficar eliminada da decisão de facto (sem prejuízo da consideração da faturação em III-2.2.3 e 2.3. infra).
Pelo exposto:
a) Julga-se procedente a impugnação quanto à liquidação dos contratos de locação financeira, indicada em 13 e 16 do ponto da decisão de facto.
b) Rejeita-se a apreciação da impugnação em relação à demais matéria conclusiva dos pontos 13 e 14, 16 e 17, que deve ser eliminada da matéria de facto (sem prejuízo da consideração da faturação em III- 2.2.3. e 2.3. infra).
2.2.1.4. Do ponto 22 dos factos provados:
A sentença recorrida julgou provado o facto 22 («22.CC é mãe de AA»), sem fundamentar a razão pela qual deu como provado este facto.
A recorrente pediu que este facto se julgasse não provado, por entender: que a motivação não indicou a razão da prova do facto; que o facto exigia a produção de prova através dos meios previstos no Código de Registo Civil, que não foi apresentada (conclusões 20º a 42º).
Impõe-se apreciar.
A relação familiar entre CC e AA - mãe e filho - foi indicada em todas as cartas de resolução dos contratos de compra e venda e de arrendamento (que se aditarão oficiosamente em III-2.2.3. e 2.3. infra).
A impugnante, quando deduziu oposição, não arguiu a falsidade da relação de maternidade e filiação indicada nas cartas resolutórias, limitando-se a considerar que não se verificavam as situações do art.49º do CIRE por, para o efeito, não bastar o vínculo familiar e se exigir a existência de uma relação de influência e vantagem (conforme se vê em I-1-c) supra).
Desta forma, este fundamento de facto da carta resolutória (relação de maternidade e filiação), não tendo sido impugnado pela impugnante, está excluído da prova que a massa insolvente deveria obrigatoriamente produzir em relação aos factos constitutivos impugnados.
Pelo exposto, rejeita-se a impugnação quanto ao facto 22.
2.2.1.5. Do 1º ponto de facto não provado:
A sentença julgou como não provado «Se o resultado da venda ficou na disponibilidade da insolvente e o seu destino.»), sem explicar diretamente a motivação deste facto mas referindo-se ao preço e aos factos não provados nos seguintes termos: «Sobre os factos não provados devemos ter em conta que as cartas de resolução não contêm a indicação de valores nem a sua ponderação face ao valor de mercado, aludindo às especiais relações entre gerentes dessas sociedades e o prejuízo para a Massa Insolvente. (…) A testemunha GG referiu pagamentos através de transferências bancárias, mas não se mostra junta ao processo tal prova. (…) A testemunha GG, funcionário do escritório da insolvente, que lidava com documentação contabilística, nomeadamente pagamentos, tendo acesso a extratos bancários da insolvente. Disse que teve acesso a pagamentos referentes a estes negócios. Disse que emitiu a fatura do ... por lapso por estar convencido que era propriedade da insolvente. Sobre os demais veículos disse que estavam em leasing, e que os negócios foram feitos para tentar liquidar responsabilidades imediatas. (…) A testemunha II que demonstrou conhecer bem a insolvente, bem como a A. por se prestador de serviços para a insolvente, e que que revelou conhecer as viaturas e eu as mesmas foram vendidas para alegadamente pagarem dívidas, (…)». 
A recorrente pediu que se alterasse a decisão e se julgasse provado que «23) O preço dos bens foi pago pela Impugnante à Insolvente.», face à confissão da administradora na sua declaração resolutória e aos documentos juntos com o requerimento com ref. ...98 quanto ao pagamento do preço (conclusões 43º e 44º).
Impõe-se apreciar.
Examinando o conteúdo das cartas de resolução dos contratos de compra e venda e de arrendamento enviadas pelo administrador da insolvência (totalmente omissas na decisão da matéria de facto da sentença recorrida referida em I- 5.1. supra e que devem ser oficiosamente aditadas aos factos provados em 2.2.3. infra, objeto de novo elenco em III- 2.3. infra), verifica-se que estas limitaram-se a declarar resolvidos os contratos de compra e venda e de arrendamento, sem alegar que os preços dos mesmos não tinham sido pagos ou não tinham integrado o património da insolvente.
Examinando o tema de prova julgado não provado e o facto que a recorrente pretende que seja aditado, verifica-se que aquele tema de prova que o juiz julgou não provado baseou-se numa controvérsia das partes nos articulados (em que a impugnante negou a existência do prejuízo por a venda ter comportado pagamento de preço, que afirma que se encontrava pago e que o mesmo foi confessado pela administradora ao qualificar os negócios como onerosos; em que a administradora na sua resposta, negou a confissão de que o preço foi pago e considerou que a impugnante não o comprovou) e que o facto que a impugnante pretende que se julgue provado baseou-se na afirmação da impugnante na petição inicial. Todavia, aquele tema de prova e este facto não integram os factos que importa provar, e de acordo com o ónus de prova que cabe às partes nos termos referidos em III-2.1.1.-2.1.1.2. supra. De facto, não tendo a administradora alegado nas cartas resolutórias que os preços das compras e vendas não tinham sido pagos e/ou não tinham integrado o património da insolvente, esta matéria está subtraída do objeto da discussão probatória.
Pelo exposto:
a) Determina-se a eliminação do 1º ponto da matéria não provada.
b) Rejeita-se a apreciação da impugnação do 1º ponto dos factos não provados.
2.2.1.6. Do 2º ponto de facto não provado:
A sentença julgou não provado «- A Autora nada sabia sobre a situação patrimonial da Insolvente», referindo na motivação « Sobre o conhecimento concreto da situação da EMP02..., não há prova concreta do alegado desconhecimento que face à proximidade existencial e com base nas regras de experiência comum, a que acresce a própria voz pública do gerente de que tais negócios eram necessários para fazer pagamentos, devemos considerar que a A. teria essa perceção em grau ou extensão que se desconhece. ».
A recorrente pediu que se desse como provado que «24) A autora nada sabia sobre a situação da Insolvente.», com base no depoimento de FF quanto ao desconhecimento da situação da insolvente (conclusões 43º, 45º a 46º).
Impõe-se apreciar.
Ouvido e analisado o depoimento de FF na sua totalidade (e não apenas nos excertos parciais indicados pelo requerente), verifica-se que este afirmou: que é pai do gerente da insolvente e foi trabalhador desta durante 11 anos; que a gerente da impugnante é mãe do gerente da insolvente; que a impugnante trabalhava a feitio para a insolvente; que a insolvente, com e após pandemia, passou a ter muitos problemas financeiros e tiveram que fazer uma reestruturação; que quando começou a faltar dinheiro começaram-se a deteriorar as relações familiares entre os três (pai, mãe e filho), de tal forma que ficaram todos em litígio e ainda hoje estão separados.
Ora, este conhecimento familiar, e da gerente da impugnante, da má situação económica da insolvente não permite julgar provada, de nenhuma forma, que a gerente da impugnante não conhecia a situação da insolvência alegada, facto este que corresponde à alegação de facto contrário à presunção, que cabia à impugnante provar, nos termos do art.350º do CC.
Pelo exposto, julga-se improcedente a impugnação quanto a este 2º ponto da matéria não provada.
2.2.3. Quanto à apreciação oficiosa das deficiências e irregularidades no elenco de factos da sentença recorrida:
Examinando a matéria de facto julgada provada pelo Tribunal a quo (e transcrita em I-5.1. supra), em confronto com o objeto do processo e do recurso e com as exigências mínimas exigíveis de configuração e de ordenamento dos factos, verifica-se que a decisão padece de faltas consideração de factos e de irregularidades, que devem ser supridas oficiosamente por este Tribunal da Relação, na parte que lhe é lícito conhecer, nos termos enunciados em III-2.1.2. supra, com vista a poder conhecer do objeto do recurso.
Por um lado, esta decisão de facto foi totalmente omissa quanto ao conteúdo das comunicações de resolução realizadas pelo administrador da insolvência, em relação às quais foi invocado o vício de nulidade.
Estas cartas foram enunciadas sumariamente nos arts.1º a 4º da petição inicial e foram juntas com a mesma sob os documentos nº... a ..., sem qualquer impugnação pela administradora da insolvência.
Desta forma, devem ser aditadas oficiosamente por esta Relação à matéria de facto assente, nos termos do art.604º/4-2ª parte, ex vi do art.663º/2 do CPC.
Por outro lado, na decisão da matéria de facto consta um erro que deve ser corrigido e várias menções que não correspondem a factos e não podem ser apreciadas juridicamente (apreciações/conclusões de direito, menções inconclusivas):
a) No facto 1, em que se deu como provado que a viatura ... foi adquirida à Banco 1..., com base no documento nº... junto com a petição inicial, foi indicado erradamente que a matrícula era ..-NX-.., quando esta é a matrícula do veículo ... constante do documento nº... e a matrícula documentada no documento nº... da Conservatória de Registo Automóvel é ..-ZD-...
b) No facto 5 mencionou-se «Tratava-se de um bem em segunda mão e que tinha sofrido diversas reparações.», facto este: que é irrelevante para o objeto da discussão, por se referir ao valor do facto 4, eliminado na decisão da impugnação; que, de qualquer forma, era inconclusivo e irrelevante, pois foi alegado pela impugnante após ter alegado duas máquinas (a máquina ... e a máquina de corte) e sem saber a que máquina se refere.
c) No facto 8 mencionou-se «8. Os quais foram facturados pela Ré à Impugnante.», menção esta totalmente inconclusiva e incompreensível, uma vez: que não identifica qualquer fatura em concreto e o seu conteúdo; que, estando o referido facto indicado após os factos 6 e 7, referentes a descrições registais da sociedade impugnante, não permite presumir a que atos ou negócios se refere.
d) No facto 10 referiu-se «Todos os negócios resolvidos envolveram duas partes.», matéria esta totalmente conclusiva e irrelevante, pois apenas poderia corresponder a um facto a descrição do negócio, com identificação concreta das entidades celebrantes e do conteúdo.
e) No facto 19 «Assim, como também foi facturada a máquina ....», menção esta conclusiva, impassível de suprir por falta de fatura junta aos autos.
f) No ponto de facto 20 mencionou-se «A A. em 2020 passou a deter o direito de laborar nas instalações da insolvente.» matéria esta que corresponde integralmente a matéria de direito que, por sua vez, não foi alegada sequer por qualquer uma das partes na petição inicial e na contestação.
Desta forma: deve ser corrigida a matrícula do facto 1, de forma a constar na mesma a indicada no documento ... junto com a petição inicial (art.614º do CPC; art.604º/4-2ª parte, ex vi do art.663º/2 do CPC); devem ser eliminados da decisão de facto os pontos 5, 8, 10, 19 e 20, sem prejuízo da consideração e aditamento das faturas concretas juntas aos autos e não impugnadas, em III- 2.3. infra.
Por fim, verifica-se que é conveniente, ainda, que esta Relação, para melhor compreensão e apreciação jurídica:
a) Adite oficiosamente o contexto factual provado plenamente no que se refere ao processo de insolvência, ao processo de apreensão (e ao registo do bem cujo arrendamento foi declarado resolvido) e à reclamação de créditos (art.607º/4-2ª parte do CPC, ex vi do art.663º/2 do CPC)
b) Complete e adite as datas e conteúdos faturas indicadas nas cartas resolutórias e não impugnadas, os registos dos dois automóveis (cuja titularidade de vendedor nas compras e vendas foi impugnada pela impugnante) e os elementos dos registos comerciais das sociedades em relação aos quais foi imputada a realização de negócios nas declarações resolutórias impugnadas, elementos esses constantes dos documentos juntos aos autos e não impugnados.
Pelo exposto, determinam-se os aditamentos e as eliminações referidas nos três parágrafos antecedentes.

2.3. Fixação da matéria de facto provada:

Consideram-se provados os seguintes factos, na sequência do ordenado em III- 2.2.2. e 2.2.3. supra, lógica e cronologicamente ordenados:
1) No processo de insolvência nº739/22...., instaurado por EMP04..., Unipessoal, Lda., contra EMP02..., Lda. a 05.02.2022:
a) A 05.02.2022 a requerente pediu a insolvência da requerida, alegando: que forneceu à requerida produtos do seu comércio no valor de € 2.876,31, que não pagou no prazo convencionado de 60 dias nem após interpelação; que a requerida pouca ou nenhuma atividade desenvolve e está em suspensão generalizada de pagamentos, pois tem muitas outras dividas (a fornecedores, à Segurança Social, à Autoridade Tributária e Aduaneira), prepara-se para não pagar salários aos trabalhadores e pendem já vários processos judiciais para cobrança coerciva de dívidas; não possui quaisquer bens penhoráveis e tem um passivo manifestamente superior ao seu ativo.
b) A 11.03.2022 foi proferida sentença, na qual foram julgados confessados os factos alegados no requerimento inicial e foi decretada a insolvência da EMP02..., Lda.
(factos aditados oficiosamente pela Relação, nos termos do art.663º/2 do CPC, com base nos atos processuais com força probatória plena do processo de insolvência)
c) A 27.04.2022 foi apresentado relatório do art.155º do CIRE, no qual a administradora informou, nomeadamente: que, após o decretamento da insolvência, o estabelecimento estava ativo mas sem laboração efetiva e que despedira os trabalhadores; que, apesar da insolvente ter beneficiado de PER homologado em dezembro de 2020, já estava antes em situação de insolvência.
(factos aditados oficiosamente pela Relação, nos termos do art.663º/2 do CPC, com base no relatório junto ao processo de insolvência)
2) Em processos apensos ao processo de insolvência nº739/22....:
2.1) No processo de apreensão de bens nº739/22...., foram apreendidos a 20.05.2022 e 25.10.2022:
a) Dois bens imóveis, nos quais a verba nº1 encontra-se:
a1) Descrita no auto de apreensão de 30.05.2022, nos seguintes termos:
a2) Descrita na descrita na Conservatória de Registo Predial ... sob o nº ...02 como prédio urbano, composto por rés-..., andar e logradouro, com área total de 3 220, 04 m2, área coberta de 336 m2 e área descoberta de 2884, 04 m2, inscrito na matriz predial sob o art....48º; com propriedade inscrita em favor de EMP02..., Lda. pela Ap. ...34 de 2016/11/10, por compra em processo executivo; e com hipoteca inscrita em favor da Banco 3... pela Ap. ...26 de 2018/02/22.
b) Vinte e sete verbas móveis, nas quais constam: equipamentos de escritório e de fábrica; máquinas industriais; matérias primas (rolos de tecido) e confeções com defeito; veículos; ativos financeiros- «350 ações nominativas, representativas do capital social da EMP05..., SA, no valor de € 1, 00 cada uma» (verba nº24 do auto de 20.05.2022) e «Fundos de Investimento: valor aproximado: 29.031,36 €», descritas no auto de 30.05.2022 (verba nº25 do auto de 20.05.2022).
(factos aditados oficiosamente pela Relação, nos termos do art.663º/2 do CPC, com base nos autos de apreensão e certidão permanente de imóvel, com força probatória plena, juntos no processo de apreensão)
2.2) No processo de reclamação de créditos nº739/22....:
a) A administradora da insolvência apresentou relação de créditos reconhecidos, no valor global de € 1 874 480, 59, na qual declarou reconhecidos, nomeadamente: créditos laborais de 7 trabalhadores, como privilegiados, no valor global de € 72 767, 71 (nos quais constam: salários e subsídio de refeição de 14 dias de março de 2022 de 6 trabalhadores na sua maioria; compensações de cessação de contrato de trabalho indemnização por despedimento ilícito, subsídios de férias e de natal ou proporcionais destes, horas de formação e compensação por falta de pré-aviso); créditos da Segurança Social por contribuições, nomeadamente, os privilegiados no valor global de € 27 626, 69 do período sucessivo compreendido entre julho de 2021 e fevereiro de 2022;.
b) A 07.11.2022 foi proferida sentença, transitada em julgado, na qual: foram julgados verificados os créditos reconhecidos pela administradora da insolvência; foram graduados os créditos verificados, tendo os créditos laborais sido graduados em 1º lugar pelo produto do bem imóvel com garantia real, do bem imóvel sem garantia real e dos bens móveis e em 2º lugar, após o penhor, apenas em relação à verba nº24.
(factos aditados oficiosamente pela Relação, nos termos do art.663º/2 do CPC, com base na lista de créditos e da sentença do apenso A).
3) A administradora da insolvência do processo referido em 1) declarou resolver contratos celebrados pela insolvente:
3.1) Por cartas datadas de 13 de Junho de 2022, enviadas sob registo de 14 de Junho de 2022 e com aviso de receção:
3.1.1) Comunicou à impugnante «EMP01..., Unipessoal, Lda.»: 
a) A «resolução em benefício da massa insolvente do negócio de compra e venda da viatura ... 6, matricula ..-NX-.., celebrado entre a vendedora EMP02..., Lda., e sociedade comercial EMP01..., Lda., referente à factura ...0 da sociedade EMP02..., Lda.», referindo que esta «transmitiu onerosamente» àquela o referido veículo, pelo preço de € 25.000,00, sendo que «Esta transmissão foi efetuada em 08 de Julho de 2020.»
b) A «resolução em benefício da massa insolvente do negócio de compra e venda da viatura ... matricula ..-QL-.., celebrado entre a vendedora EMP02..., Lda., e sociedade comercial EMP01..., Lda., referente à factura ... da sociedade EMP02..., Lda.», referindo que esta «transmitiu onerosamente» àquela o referido veículo, pelo preço de € 3.075,00, sendo que «Esta transmissão foi efetuada em 28 de abril de ...21.».
c) A «resolução em benefício da massa insolvente do negócio de compra e venda da viatura ... matricula ..-BG-.., celebrado entre a vendedora EMP02..., Lda., e sociedade comercial EMP01..., Lda., referente à factura ...2 da sociedade EMP02..., Lda.», referindo que esta «transmitiu onerosamente» àquela o referido veículo, pelo preço de € 1.250,91, sendo que «Esta transmissão foi efetuada em 17 de Dezembro de ...21.».
d) A «resolução em benefício da massa insolvente do negócio de compra e venda da viatura ... matricula ..-ZD-.., celebrado entre a vendedora EMP02..., Lda., e sociedade comercial EMP01..., Lda., referente à factura ... da sociedade EMP02..., Lda.», referindo que esta «transmitiu onerosamente» àquela o referido veículo, pelo preço de € 14 760,00, sendo que «Esta transmissão foi efetuada em 02 de Fevereiro de ...21.».
e) A «resolução em benefício da massa insolvente do negócio de compra e venda da máquina de estender malha ... e máquina de corte automática FR, celebrado entre a vendedora EMP02..., Lda., e sociedade comercial EMP01..., Lda., referente à factura ...6 da sociedade EMP02..., Lda.», referindo que esta «transmitiu onerosamente» àquela as referidas máquinas, pelo preço de € 4 551,00, sendo que «Esta transmissão foi efetuada em 03 de Novembro de 2021.».
3.1.2) Apresentou a seguinte fundamentação comum em cada uma cinco cartas referidas em 3.1.1)-a) a e) supra:
3.2) Por carta sem data, enviada sob registo de 12 de Julho de 2022 e com aviso de receção:
3.2.1) Comunicou à impugnante «EMP01..., Unipessoal, Lda.»: 
3.2.2) Alegou, como demais fundamentos:
(Facto aditados oficiosamente por esta Relação, nos termos do art.663º/2 do CPC, com base nas cartas de resolução juntas sob os documentos nº... a ... da petição inicial, assinadas pela administradora da insolvência, em referência aos factos enunciativos alegados e aceites 1º a 3º da petição inicial, documentos e artigos aceites pela massa insolvente ré)
4) Os veículos referidos nas cartas de resolução de 3.1) supra:
4.1) O veículo ... com matrícula ..-NX-..:
a) A 26.07.2013 foi dado em locação à insolvente, por Banco 2..., SURCURSAL PORTUGUESA, por 60 meses, através do «contrato de locação financeira nº...59» celebrado entre ambas, constante do documento nº... junto com a contestação.
(facto 12 da sentença recorrida, com redação revista e clarificada face ao documento nº... junto com a contestação e não impugnado)
b) Desde ../../2013 teve a sua propriedade sucessivamente registada na Conservatória de Registo Automóvel em favor das seguintes entidades e pessoas:
__A 30.07.2013 em favor de EMP06..., Lda.
__A 01.10.2013 em favor de Banco 2..., SURCURSAL PORTUGUESA.
__ A 25.09.2018 em favor de AA.
__ A 07.05.2020 em favor de EMP01..., Lda.
__ A 01.09.2020 em favor de BB.
(facto aditado por esta Relação com base na informação da Conservatória de Registo Predial, Comercial e Automóveis ... do doc....  junto com a petição inicial)
c) A 08.07.2020 foi descrito na fatura ...0, emitida pela EMP02..., Lda. e endereçada a EMP01..., Lda., pelo preço de € 25 000, 00 a pagar em 30 dias, com isenção e IVA nos termos do art.9º, nº32 do CIVA, constante do documento nº... junto com a contestação.
(facto aditado por esta Relação, com base na alegação da faturação da contestação e teor do doc.... junto com a esta e não impugnado)
4.2) O veículo ..., com matrícula nº..-QL-..:
a) Foi adquirido por EMP01..., Lda. à EMP02..., Lda., que a 28.05.2021 lhe emitiu a fatura ...0, pelo preço de € 3075, 00, a pagar em 30 dias, com IVA, constante do documento nº... junto com a contestação.
(factos 2 e 18 da sentença recorrida, com o aditamento oficioso dos nomes das partes e da descrição da fatura do facto 18, com base no doc. ... da contestação não impugnado)
b) A 23.08.2022 foi-lhe atribuído o valor comercial de € 2.200,00 (Dois mil e duzentos euros).
(facto 3 da sentença recorrida, com o aditamento oficioso da data a que se refere o facto, com base no documento que o base no doc.... junto com a petição inicial)
4.3) O veículo ..., com matrícula ..-BG-..:
a) Foi adquirido por EMP01..., Lda. à EMP02..., Lda., que a 17.12.2021 lhe emitiu a fatura ...2, pelo preço de € 1250, 00 com IVA, a pagar em 30 dias, constante do documento nº... junto com a contestação.
(factos 2 e 18 da sentença recorrida, com o aditamento oficioso dos nomes das partes e da descrição da fatura do facto 18, com base no doc. ... da contestação não impugnado)
b) A 23.08.2022 foi-lhe atribuído o valor comercial de € 850,00.
(facto 3 da sentença recorrida, com o aditamento oficioso da data a que se refere o facto, com base no documento que o base no doc....0 junto com a petição inicial)
4.4) O veículo ..., de matrícula nº..-ZD-..:
a) Foi dado em locação pela Banco 1..., CRL. à EMP02..., Lda., pelo prazo de 48 meses, com data de início de 22.10.2019 e data de termo de 22.10.2023, nos termos do «Contrato de Locação Financeira Mobiliária nº...32», constante do documento nº... e ... junto com a contestação.
(facto 15 da sentença recorrida, com redação revista e aditada quanto a datas e período, face aos documentos nº... e ... juntos com a contestação e não impugnados)
b) Foi adquirido pela EMP01..., Lda. à Banco 1..., pelo menos na data do registo de propriedade em seu favor de 27.12.2021.
(facto 1 da sentença recorrida, com correção da numeração de matrícula e com aditamento da data, com base no doc.... junto com a petição inicial, com base no qual foi provado o facto)
c) A 02.02.2022 foi descrito da fatura ..., emitida pela EMP02..., Lda. e endereçada a EMP01..., Lda., pelo preço de € 14 760, 00 com IVA, a pagar em 30 dias, constante do documento nº... junto com a contestação.
(facto referenciado à fatura do facto 17 da sentença recorrida, clarificada por esta Relação, com base no doc.... junto com a contestação e não impugnado)
5) Nas sociedades referidas em 3) e 4):
5.1) Na sociedade EMP02..., Lda., AA foi designado gerente por deliberação de 25.05.2016, com registo pela AP. ...30, gerência que manteve nas datas referidas em 3) supra e na data da insolvência de 1.1) supra.
(facto 21 da sentença recorrida, aditado oficiosamente quanto à data e apresentação de designação, com base na certidão permanente junta na contestação sob o documento nº...0)
5.2) Na sociedade EMP01..., Lda., transformada depois em EMP01...- Unipessoal, Lda. pela Ap. ...12:
a) Foram sócios:
__ CC e JJ no contrato de sociedade registo na Ap. ...14, com quotas no valor de € 2618, 69 cada uma (quotas transmitidas para EE e AA, respetivamente, pelos Dep.1300/2007-09-14 e 31/2007-03-23).
__ EE (casado com DD), em relação às duas quotas de € 2 618, 69, em alteração do contrato de sociedade com registo pela Ap. ...26.
__ DD (casada com EE, em relação às duas quotas de € 2618, 69, em alteração do contrato de sociedade com registo pela Ap....22.
__ CC, com quota unificada de € 5 237, 38, pela Ap. ...12.
b) Foram gerentes:
__ CC, com registo da designação na Ap. ...14, com direito especial à gerência registado na Ap....14.
__ AA por deliberação de 25.02.2016, registada na Ap. ...30, gerência esta cessada por renúncia de 26.10.2018, registada pela Ap. ...05.
__ CC, por deliberação de 26.10.2018, registada pela Ap. ...05, extinta por renúncia de 27.05.2020, registada pela Ap. ...27.
__ EE, por deliberação de 27.05.2020, registada pela Ap. ...27, cessada por renúncia a 27.10.2021, com registo pela Ap. ...12. 
__ CC, por deliberação de 28.10.2021, com registo pela Ap. ...12.
(factos 6 e 7 da sentença recorrida, aditados e clarificados pela Relação com base na certidão permanente junta na petição inicial como doc....1).
6) CC é mãe de AA.
(facto provado em 22 da sentença recorrida)

3. Apreciação de direito:

3.1. Da arguida nulidade das cartas resolutórias, em substituição do Tribunal a quo:

A impugnante, na sua petição inicial, arguiu a nulidade das declarações resolutórias, face aos fundamentos elencados em I-b)  supra, não apreciados pelo Tribunal a quo e geradores da nulidade da sentença recorrida, nos termos já reconhecidos em III- 1.3. supra.
Impõe-se, assim, apreciar a questão suscitada, face ao direito aplicável.

3.1.1. Enquadramento jurídico:

3.1.1.1. As declarações resolutórias de atos ou negócios jurídicos, a realizar pelo administrador da insolvência (art.123º do CIRE), passíveis de impugnação pelos afetados pela mesma (art.125º do CIRE), devem ser fundamentadas, conforme se tem unanimemente entendido (ainda que com variações de entendimento quanto ao grau da fundamentação), mediante a alegação dos factos: que possam integrar os requisitos da resolução condicional ou da resolução incondicional (art.120º e 121º do CIRE), nos termos referidos em III-2.1.1. e 2.1.2. supra; que permitam o exercício do contraditório de impugnação (art.125º do CIRE).
Este grau de fundamentação, para Maria do Rosário Epifânio, deve ser o suficiente, em adesão a jurisprudência que considera maioritária e a citação de Júlio Gomes (quando refere que “a fundamentação não tem que ser exaustiva, mas há-de ser suficientemente precisa para circunscrever o objeto dessa impugnação, porquanto na ação de impugnação não poderá o administrador invocar fundamentos novos para a resolução que não tenham sido previamente mencionados na declaração de resolução”)[xvi].
Marco Carvalho Gonçalves, com referência a Jurisprudência das Relações e do Supremo Tribunal de Justiça citada (Ac. STJ de 12.03.2019, proferido no processo nº493/12.3TJCBR-H.P2.S1), refere em síntese: «Nessa comunicação, o administrador da insolvência deve, sob pena de nulidade da declaração, identificar claramente o ato jurídico objeto da resolução, a data em que o mesmo foi praticado, a data do início do processo de insolvência e os concretos factos (constitutivos) e fundamentos que justificam a resolução. Na verdade, a indicação destes elementos, ainda que não careça de ser exaustiva, é imprescindível para que o destinatário da declaração possa compreender os concretos fundamentos, de facto e/ou de direito, que sustentam a decisão de resolução do ato em benefício da massa insolvente e, se assim entender, exercer o seu direito de impugnação judicial dessa resolução. Acresce que os fundamentos invocados na comunicação delimitam o objeto da resolução, ficando, por conseguinte, vedada a possibilidade de, posteriormente, a declaração ser aperfeiçoada ou complementada com factos novos e/ou, em sede de contestação à impugnação da resolução, ser suprida a eventual deficiência na alegação dos fundamentos que estiveram na base da resolução em benefício da massa insolvente.»[xvii].
3.1.1.2. Qual a consequência da falta de alegação de factos?
Os atos jurídicos são nulos quando, nomeadamente, são indetermináveis (art.280º do CC, ex vi do art.295º do CC), indeterminabilidade que pode respeitar ao objeto imediato ou ao conteúdo do ato[xviii].
As petições iniciais de uma ação, por sua vez, também são nulas, por ineptidão, quando, nomeadamente, falte ou seja ininteligível a indicação da causa de pedir (art.186º/1, 2-a) do CPC), salvo quando se verificar que o réu, apesar de ter arguido esta nulidade, interpretou convenientemente a petição inicial (art.186º/3 do CPC). Estes vícios, por sua vez, distinguem-se de uma alegação de factos com insuficiências que, apesar de permitir a delimitação fática da causa de pedir, não é suficiente para conduzir à procedência da ação, numa avaliação do mérito da causa- «Não encerra um juízo de ineptidão da petição inicial a afirmação de que, perante os fundamentos fácticos invocados e a pretensão deduzida, o autor não pode obter o ganho da causa. Aí, a ponderação é feita ao nível do fundo da questão, isto é, das condições da ação, sendo um caso de inconcludência ou de inviabilidade da ação, determinante da sua improcedência.»[xix].
A Jurisprudência, como decorre do que se referiu na última citação de III- 3.1.1.1. supra, tem entendido que as faltas de alegação pelo administrador de factos essenciais constitutivos do direito potestativo de extinção do ato por resolução ou integrativos dos seus requisitos, e/ou a mera referência a conceitos conclusivos ou de direito, determinam a nulidade da declaração resolutória (todavia, sem identificar, maioritariamente, a base legal desta decisão).
Neste sentido, em diferentes situações e graus de omissões, defendeu-se a consequência da nulidade, nomeadamente: em acórdãos citados por Marco Carvalho Gonçalves, in notas de rodapé 1055 a 1057, pág.413 da obra citada; no ac. RG de 26.03.2009, proferido no processo nº1274/07.1TBBRG-Q.G1, relatado por Gouveia Barros (que sumariou «I – A menos que a resolução assente numa das situações previstas no artigo 121º do CIRE, nos demais casos cumpre ao Administrador alegar os factos que traduzem a prejudicialidade dos actos por ele visados e bem assim os que caracterizam a má fé do adquirente, pois só assim ele pode vir a juízo deduzir impugnação de modo relevante. II – Cabe ao administrador da insolvência fazer a prova da natureza do acto, caso haja impugnação do mesmo, nos termos do artigo 125ºCIRE, impondo-se ainda que as circunstâncias que fundam a prejudicialidade do acto sejam invocadas quando se declara a resolução, que carece de específica motivação e cujos fundamentos têm um conteúdo bem diverso da típica resolução extrajudicial. III – Não concretizando a declaração resolutiva os factos constitutivos do direito que se pretendeu exercer, a resolução é nula e de nenhum efeito, por absoluta falta de motivação, razão pela qual não pode se pode ter por precludido o direito de impugnação, concedido por lei à ré, pelo simples decurso de um prazo cujo início pressupunha a validade daquela declaração»); no ac. RE de 17.01.2012, proferido no processo 2451/06.8TBVCD-E.P1, relatado por Rodrigues Pires (que sumariou «I - Nos casos de resolução “condicional” o Administrador da Insolvência, na respectiva declaração de resolução, tem que alegar factos dos quais resulte a prejudicialidade dos actos por ele visados e também a má fé do adquirente, situação que já não se verifica nas situações previstas no art. 121º do CIRE. II - Porém, mesmo nestes casos ditos de resolução incondicional, em que se mostra dispensado o requisito da má fé e há uma presunção inilidível de prejudicialidade, o Administrador da Insolvência tem que, na declaração resolutiva, alegar factos materiais que permitam fundar a resolução em qualquer uma das alíneas do nº 1 do art. 121º do CIRE.III - Não o fazendo, está a declaração de resolução ferida de nulidade.»); no ac. RP de 27.11.2012, proferido no processo nº4694/08.0TBSTS-O.P1, relatado por Pinto dos Santos (que sumariou « I - Na resolução extrajudicial, a falta de fundamentação fáctica (omissão dos elementos relevantes) da carta resolutiva do Administrador da Insolvência determina a nulidade da respectiva resolução. II - Tal nulidade é fundamento da acção de impugnação prevista no art. 125° do CIRE e a acção onde a mesma é invocada está sujeita ao prazo de caducidade fixado neste preceito, ficando afastada a aplicação do regime geral do art. 286° do CCiv.»; no ac. RC de 01.10.2013, proferido no processo nº251/09.2TYVNG-H.P1, relatado por Maria João Areias (que sumariou: «I - A falta de fundamentação da carta de resolução de acto prejudicial à massa determina a nulidade da mesma. II - Na contestação a deduzir na ação de impugnação de tal acto resolutivo, não pode a massa insolvente deduzir pedido reconvencional exercendo o seu direito potestativo à resolução com fundamento em novos fundamentos ou pedindo a declaração de nulidade do negócio sob impugnação.»); no ac. RP de 26.09.2023, proferido no processo nº1779/21.1T8AMT-G.P1, relatado por Maria da Luz Seabra, disponível in dgsi.pt (que sumariou- « I- Na carta de resolução em benefício da massa insolvente não basta ao Administrador de Insolvência mencionar o fundamento legal à luz do qual decide resolver o negócio, sendo as meras referências ao texto da lei insuficientes se desacompanhadas da concretização dos fundamentos fácticos. II - É indispensável a alegação dos factos essenciais que constituem os fundamentos do direito potestativo de extinção que se pretende exercer extrajudicialmente, factos esses essenciais também para que o terceiro possa perceber porque está a ser resolvido o negócio e, querendo, o possa impugnar»).
As omissões de alegação na declaração resolutória, segundo entendemos: podem determinar a nulidade quando se reconduzem às situações que poderiam determinar a nulidade de um ato jurídico e a nulidade da petição inicial por falta ou ininteligibilidade da causa de pedir supra referidos; podem conduzir à improcedência, quando a alegação, ainda que existente e capaz de determinar o ato e a causa, seja insuficiente para, sendo impugnada a declaração de resolução, julgar reconhecida a verificação dos factos constitutivos do direito potestativo de resolução, de acordo com os requisitos legais dos arts.120º ou 121º do CIRE.

3.1.2. Apreciação da situação em análise:

Importa, então, apreciar se os argumentos invocados como fundamento da nulidade das declarações resolutórias (sintetizados em I- b) supra), permitem reconhecê-la.
Numa primeira análise, importa examinar as declarações de resolução dos 5 contratos de compra e venda, na perspetiva que fundamentou o pedido de declaração de nulidade da impugnante.
Por um lado, reconhece-se que a administradora da insolvência usou uma base comum de fundamentação em cada uma das cinco cartas (4 relativas a veículos automóveis e uma relativa a duas máquinas industriais), sem distinção entre o objeto das mesmas e as consequências, e assente apenas na invocação: da celebração de contratos de compra e venda de bens da insolvente nos 2 anos antes da declaração de insolvência; do prejuízo que as vendas causam à massa insolvente por os bens vendidos terem deixado de integrar o património da insolvente e de poderem ser liquidados no processo de insolvência, nos termos do art.120º/2 do CIRE; da presunção de má fé, por o negócio ter sido feito entre duas sociedades, cujos gerentes e sócios são especialmente relacionados (face às relações familiares identificadas), nos termos dos arts.120º/4 e 5 e 49º do CIRE.
Todavia, esta falta de distinção entre os casos, quando os fundamentos do prejuízo se limitaram às próprias vendas (e não à diferença do circunstancialismo das mesmas) e à presunção de má-fé (baseada nas relações familiares existentes entre gerentes e sócios de cada uma das sociedades outorgantes em cada um dos contratos), não permite concluir que não tenham sido alegados os fundamentos da resolução em benefício da massa, independentemente de os mesmos poderem ou não ser suficientes numa apreciação do mérito.
Por outro lado, reconhece-se que a administradora da insolvência indicou na base comum das cinco cartas que «A venda da máquina acima referida foi efetuada em Novembro de 2021» (após a indicação das datas de instauração do processo de insolvência e de decretamento), menção esta: que corresponde apenas à identificação prévia da venda das máquinas industriais feita na respetiva carta resolutória («03 de Novembro de 2021»); que não corresponde à identificação previamente feita das vendas dos 4 veículos, nas respetivas 4 cartas resolutórias, datas estas que, por sua vez, também encerram erros de escrita do ano indicado em três delas («08 de Julho de 2020» para o ...; «28 de Abril de ...21» para o ...; «17 de Dezembro de ...21» para o ...; «02 de Fevereiro de ...21»  para o ...).
Apesar destas evidentes irregularidades, verifica-se: que é percetível que a menção feita em todas as cartas de que «A venda da máquina acima referida foi efetuada em Novembro de 2021» ocorreu por manifesto lapso de utilização do texto da carta resolutória das máquinas industriais (com a qual é sintónica) nas demais cartas relativas aos 4 veículos (nas quais a data não é coerente com a data do contrato feita anteriormente); que os lapsos de processamento de texto na escrita dos anos em três das cartas (...21) não foram invocados como fundamento de nulidade e, de qualquer forma, não afetaram a compreensão da impugnante do contratos declarados resolvidos (identificados claramente com a identificação do veículo, do preço e da fatura, tal como dia e mês a que se refere o ano mal escrito) e são passíveis de correção pelo confronto com as faturas identificadas e a que se referiram.
Por fim, a invocação de falta de alegação de factos que preencham o prejuízo e a má fé, por os contratos de compra e vendas terem sido celebrados mediante um pagamento de preço (alegado como pago e julgado confessado pela administradora da insolvência) e não serem suficientes as relações familiares para fazer presumir a má-fé, não corresponde a fundamento de nulidade das declarações. De facto, as causas do prejuízo (a celebração do contrato de compra e venda que retira o bem do património da insolvência e impede a sua venda na fase de liquidação) e da presunção de má-fé (relações familiares identificadas) estão claramente indicadas na carta e são compreensíveis. A suficiência ou insuficiência dos factos alegados para preencher o prejuízo previsto pelo art.120º/2 do CIRE e a presunção do art.120º/4 do CIRE já corresponde a uma apreciação do mérito da ação.
Numa segunda abordagem, importa examinar a declaração de resolução do contrato de arrendamento, na perspetiva em que a impugnante fundou o pedido de declaração da sua nulidade.
Ora, a impugnante limitou-se a defender a nulidade da declaração resolutória pelo facto de entender que não estavam alegados factos integrativos: do prejuízo, por a renda ter sido paga desde a data da celebração, renda que depois no art.43º se refere que corresponde ao valor de mercado; nem da má-fé, pelo facto de as relações familiares invocadas não bastarem para defender que os contratos foram celebrados por pessoas especialmente relacionadas entre si.
Todavia, a administradora da insolvência, na declaração de resolução do contrato de arrendamento, não invocou como fundamento do prejuízo do arrendamento a falta de pagamento da renda mensal mas o facto do prédio urbano ficar onerado com o arrendamento na fase da venda na insolvência, o que diminuiria o seu valor, nomeadamente face à “insignificância” do valor da renda mensal de € 100, 00.
Assim, foi invocada uma causa compreensível para o prejuízo e para a má fé, sendo que a insuficiência ou a suficiência dos factos alegados para preencher os pressupostos da resolução deve ser apreciado no mérito da causa.
Pelo exposto, não se reconhece a nulidade das declarações resolutórias.

3.2. Da subsunção dos factos ao direito:

A recorrente defendeu que a decisão recorrida deveria ser revogada, em conformidade com a alteração pedida da matéria de facto e face à consideração: que os atos resolvidos não prejudicaram a massa insolvente; que não está demonstrada a má-fé na vertente da consciência do prejuízo causado, pela falta prova de factos integrativos dos arts.49º e 120º/4 do CIRE, que descreve como falta de prova da relação de influência nos contratos celebrados de acordo com os interesses de ambas as partes (conclusões 47º a 56º).
Importa apreciar o objeto deste recurso, de acordo com o regime de direito aplicável, enunciado no geral em III-2.1.1. supra.
3.2.1. Sobre o requisito do prejuízo:
A resolução condicional, pelo administrador, de um ato praticado pela insolvente no prazo de dois (2) anos antes do decretamento da insolvência exige, como primeiro requisito de fundo, que esse ato seja prejudicial à massa insolvente (art.120º/1 do CIRE).
O legislador, por um lado, considera existir este prejuízo quando os atos em causa «diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência.» (art.120º/2 do CIRE), conforme se referiu em III-2.1.1. supra. Neste caso, esta consideração: não depende da prova apenas da prática de determinados atos típicos (como alienação, oneração, etc); mas depende da alegação e da prova de factos que permitam concluir que a prática desses atos diminui, frustra, dificulta, atrasa ou coloca em perigo a satisfação dos credores da insolvência.
O legislador, por outro lado, presume o prejuízo, de juris et de jure, quando se tratarem de atos previstos no art.121º/1 do CIRE, mas sem dependência dos prazos previstos na mesma (art.120º/3 do CIRE), previsões que integram, nomeadamente (nas classificações que neste podem ser relevantes): os atos celebrados pelo devedor a título gratuito (art.121º/1-b) do CIRE); os atos onerosos em que as obrigações assumidas pelo insolvente excedam manifestamente as da contraparte (art.121º/1-h) do CIRE). Neste caso, é pertinente apreciar se existe contraprestação ou se esta é manifestamente inferior à prestação do insolvente.
Concretizar-se-á este quadro geral do prejuízo nos contratos que são objeto deste recurso.
3.2.1.1. Quanto aos contratos de compra e venda:
3.2.1.1.1. Enquadramento jurídico:
A compra e venda corresponde a um contrato pelo qual é transmitida uma coisa mediante o pagamento de um preço, cujos efeitos essenciais para as partes contratantes são a transmissão da coisa e as obrigações correspetivas da mesma ser entregue pelo vendedor e do seu preço ser pago pelo comprador (arts.874º e 879º do CC).
Assim, a celebração de um contrato de compra e venda é apta a modificar a composição do património do vendedor: de forma imediata, pela substituição do bem vendido pelo valor do preço da venda; de forma mediata, pelo destino dado a esse preço, no qual, nomeadamente, este pode ser conservado (v.g. em depósito em conta bancária), substituído por outro bem (v.g. no caso de aquisição de outros bens que passem integrar o património do vendedor) ou gasto (v.g. na satisfação de encargos e passivos).
Nestes casos, como pode ser aferida a existência de prejuízo?
Numa parte de casos de resolução de contratos de compra e venda em benefício da massa o seu fundamento pode ser complexo e oferecer menos controvérsia jurídica, nomeadamente: quando for alegada e provada a inferioridade do preço da venda face ao valor real e de mercado do bem vendido (vide, v.g.: Ac. RG 06.11.2014, proferido no processo nº39/09.0TBMGD-M.G1, que sumariou «V- A venda do único imóvel da ré/insolvente sete meses antes do início do processo de insolvência por valor substancialmente inferior ao preço de mercado, sem que o preço tenha sido efectivamente pago e conhecendo a ré compradora a situação de insolvência da ré vendedora, preenchem os requisitos enunciados em IV.»), casos em que, ainda que a discrepância não seja manifesta para os efeitos do art.121º/1-g) do CIRE, pode integrar o nº2 do art.120º do CIRE; quando houver falta de pagamento de parte ou da totalidade do preço do bem ou falta de entrada do preço no património da sociedade vendedora para pagamento de dívidas sociais (vide, v.g., Ac. STJ de 12.03.2019, proferido no processo nº493/12.3TJCBR-H.P2.S1, relatado por Ana Paula Boularot, que sumariou, nomeadamente «III A compra e venda ocorrida nos dois anos anteriores à data do processo de insolvência, sem o consequente recebimento da respectiva quota parte devida pelos Recorrentes à Insolvente, bem sabendo aqueles que a Vendedora estava numa situação de insolvência, constituem circunstancialismos que integram o conceito legal de «actos prejudiciais à massa» e por isso a resolução dos mesmos é perfeitamente lícita.»; Ac. RP de 21.04.2022, proferido no processo nº1100/14.5T(VNG-F.P2, relatado por Aristides Rodrigues de Almeida, que sumariou, nomeadamente, «III - É prejudicial à massa, a compra e venda que é antecedida por um contrato-promessa onde se declara o pagamento integral do preço a título de sinal, apurando-se que o sinal, alegadamente entregue em dinheiro, não foi pago e não entrou no património da sociedade vendedora para poder ser usado para pagamento das dívidas sociais, porque um negócio jurídico com estes contornos, no mínimo, dificulta e coloca em perigo a satisfação dos direitos dos credores.»); quando existir simulação do contrato de compra e venda, sendo celebrado um outro contrato dissimulado (vide, v. g, Ac. RG de 26.02.2015, proferido no processo nº640/11.2TBCMN-C.G1, relatado por Heitor Gonçalves, que sumariou «3. (…) a invocada simulação relativa vale para a resolução condicional, estabelecendo a presunção inilidível de que o acto é prejudicial à massa. Necessário é que a massa insolvente logre provar os elementos que integram a simulação, pois segundo o artigo 343º, nº1, do Código Civil, nas «acções de simples apreciação negativa ou declaração negativa, compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito a que se arroga.»), etc.
No entanto, se o fundamento da resolução de um contrato de compra e venda se limitar à invocação desse simples contrato (fornecimento de uma coisa mediante um preço), sem alegação de quaisquer outros factos, o reconhecimento do prejuízo pode revelar-se mais duvidoso ou controverso.
O Ac. RP de 29.09.2009, proferido no processo nº252/06.2TBMDB-K.P1, relatado por Maria do Carmo Domingues, defendeu que «II - A venda de um imóvel é à partida um acto prejudicial à massa insolvente atenta a natureza volátil da contrapartida. Contudo tal pode não se verificar, especificamente se essa contrapartida é apreendida nos autos, ou se essa contrapartida foi empregue noutros bens que sejam apreendidos nos autos, ou se a mesma proporcionou um aumento do activo.», tendo considerado, quanto ao ónus de alegação e prova, «E assim deveria a impugnante ter demonstrado a ausência de prejuízo, cujo ónus lhe incumbia, pois este resulta, em princípio do negócio e tal não sucedeu. | Em suma, e tal como a sentença recorrida, entende-se que o Carácter prejudicial do acto efectuado pela insolvente depreende-se do mesmo, dado que a venda de per si é prejudicial face à contrapartida volátil e à inexistência de um elemento de justificação e/ou de um elemento de não-prejudicialidade para com os credores da insolvente.», defesa que pode não ser coerente com as regras defendidas maioritariamente quanto à repartição do ónus de alegação e prova, referidas em III-2.1.1. supra. Marcos Carvalho Gonçalves, apesar de citar este acórdão quando afirma que, para os efeitos do prejuízo referido no art.120º/2 do CIRE, «É o que sucede, por exemplo, com a venda de um bem imóvel, sem que a respetiva contrapartida tenha sido apreendida no âmbito do processo de insolvência e/ou representado um aumento do valor patrimonial»[xx], não se pronuncia expressamente a quem cabe o ónus de alegar e provar a falta de apreensão da contrapartida da mesma ou a falta de aumento de património com a venda, no caso de prova de um contrato de compra e venda (sendo que, como regra geral, havia defendido caber à massa insolvente o ónus de prova do prejuízo causado pelo ato, conforme se referiu supra)[xxi].
Examinando as previsões normativas do nº1 e 2 do art.120º do CIRE, de acordo com a teoria das normas, verifica-se: que a lei não prevê que os atos de alienação de património se presumem prejudiciais à massa, sem prejuízo de prova em contrário, caso este em que, caso previsse, caberia à massa insolvente provar apenas a alienação de património, nos termos do art.343º/1 do CC, e ao devedor provar os factos que, em contrário da presunção, permitissem concluir que a alienação não implicou prejuízo (nomeadamente, pelo preço ter sido apreendido na massa insolvente, ter sido conservado ou ter levado à aquisição de novo património), nos termos do art.350º do CC (conforme as regras de repartição do ónus de prova das ações de declaração negativa concretizadas em III-2.2.2. supra); que, prevendo a lei apenas que se consideram prejudiciais à massa os atos que causarem as frustrações, atrasos, reduções, dificuldades ou perigos de satisfação da massa insolvente, cabe à massa insolvente alegar e provar factos, de forma completa, que ilustrem que os atos causaram ou são aptos a causar algum um dos efeitos pretendidos, nos termos do art.343º/1 do CC (conforme as regras de repartição do ónus de prova das ações de declaração negativa concretizadas em III-2.2.2. supra), sem prejuízo da consideração de factos notórios decorrentes do conteúdo do contrato (art.412º do CPC).

3.2.1.1.2. Apreciação da situação em análise:

Importa apreciar os factos provados, lidos de acordo com o regime de direito aplicável.
A. Quanto às declarações resolutórias dos contratos de compra e venda dos veículos ... e ... (referidas em III-3.1.1)-a) e d) supra), impugnadas pela sociedade compradora (por contestar primariamente que tivesse comprado os referidos bens à insolvente).
Examinando os factos provados referidos em III- 4.1) e 4.4), verifica-se que estes não permitem reconhecer que os veículos foram vendidos pela sociedade insolvente à sociedade impugnante, apesar das faturas que aquela emitiu a esta.
De facto, por um lado, os registos de propriedade sobre os veículos na Conservatória de Registo Automóvel, imediatamente antecedentes aos registos de propriedade em favor da impugnante EMP01..., estão feitos em favor de pessoas distintas da insolvente (AA no que se refere ao ... e locadora Banco 1... no que se refere ao ...). Todos estes registos fazem presumir a propriedade em favor dos titulares dos registos, nos termos do art.7º do Código de Registo Predial (doravante CRP), ex vi do art.29º do DL n.º 54/75, de 12 de fevereiro.
Por outro lado, não se encontram demonstrados quaisquer factos que permitam julgar ilidida a presunção do registo, nos termos do art.350º do CC. Apesar das faturas emitidas pela insolvente em à EMP01..., verifica-se que estas, para além de serem emitidas em datas posteriores aos registos de propriedade daquela (2 meses no caso do ... e 1 mês e uma semana no caso do ...), não são suficientes para exprimir a celebração de um contrato de compra entre as duas sociedades e podem expressar a formalização de outras prestações não discutidas nestes autos (como compensações da adquirente à locatária de valores pagos por esta na locação financeira, sabendo-se que a insolvente foi previamente locatária de ambos os veículos, após contratos de locação financeira de 2013 e 2019, contratos estes: que não se conhece os termos de cumprimento ou incumprimento e suas consequências do contrato de locação de 2013, que teve objeto o ..., pelo menos cessado antes da data de registo de propriedade em favor de AA de 25.09.2018; que se conhece apenas, em relação ao veículo ..., que tinha um termo convencional que ultrapassava a data do registo de aquisição da impugnante em 22 meses, o que permite concluir que o contrato de locação financeira cessou antes da data deste registo de 27.12.2021).
Assim, não é possível reconhecer que a massa insolvente comprovou factos integrativos da celebração de contratos de compra e venda entre a insolvente e a impugnante, que tivessem prejudicado os credores da massa insolvente.

B. Quanto às declarações resolutórias dos contratos de compra e venda dos veículos ... e ... e das máquinas industriais (referidas em III-3.1.1)-b), c) e e) supra), impugnadas pela sociedade compradora (por contestar o prejuízo, em face do pagamento dos preços das vendas).
Examinando os fundamentos da declaração resolutória em relação a estes três bens (referidos em 3.1.1) e 3.1.2) supra), verifica-se que esta:
a) Limitou-se a invocar, como fundamento do prejuízo, a impossibilidade de liquidação dos bens na insolvência, face à prévia celebração dos contratos de compra e venda: do ... a 28.04.2021, pelo preço de € 3 075, 00; das máquinas industriais a 03.11.2021, pelo preço de € 4 551, 00; do ... a 17.12.2021, pelo preço de € 1250, 00 (tendo-se aqui considerado os erros de processamento de texto dos anos de venda do ... e do ..., constantes das cartas, através das faturas dadas como provadas em 4.2. e 4.3. supra).
b) Não alegou quaisquer outros factos complementares a esta invocação, como fundamento do prejuízo para os credores da massa, com vista a serem provados em caso de impugnação, v.g.: a inferioridade dos preços de venda face aos valores de mercado; o não pagamento dos preços e a falta de condições para a cobrança coerciva dos mesmos junto da vendedora ou o atraso que isto implicaria na satisfação dos credores da insolvência; a falta de entrada dos preços na sociedade e/ou falta de registo das vendas na contabilidade da sociedade; a utilização dos preços para satisfação de dívidas não sociais ou para investimentos de risco da sociedade ou para pagamento de despesas a credores da sociedade não garantidos ou privilegiados, em subversão do princípio da igualdade entre credores, etc.
Desta forma, ter-se-á que apreciar apenas se a celebração destes contratos de compra e venda, com transmissão dos bens mediante os preços em causa, são suficientes para julgar verificados algum dos efeitos do art.120º/2 do CIRE, nomeadamente no contexto da situação de facto conhecida no processo de insolvência.
Examinando os factos provados do processo de insolvência e apensos, considerados oficiosamente na decisão de facto referida em III-2.3.- 1) e 2) supra, verifica-se:
a) Entre ../../2021 e ../../2021, período em que se celebraram os contratos de compras e vendas objeto da resolução (período no qual o relatório da administradora da insolvência de 07.04.2022 entendeu que a sociedade já estava em situação de impossibilidade de satisfazer as dívidas desde antes da homologação do PER de 13.12.2020):
a1) Presume-se que o estabelecimento da sociedade insolvente esteve em funcionamento (ainda que parcial), com 7 a 6 trabalhadores ao seu serviço, em face: do reconhecimento da administradora, no relatório do art.155º do CIRE, de 07.04.2022, que apenas despediu os trabalhadores após o decretamento da insolvência de 11.03.2022; das dívidas por contribuições à Segurança Social, reconhecidas no processo de reclamação de créditos, nomeadamente, a dívida privilegiada de € 27 626, 69 do período sucessivo compreendido entre julho de 2021 e fevereiro de 2022; dos créditos laborais reconhecidos aos 7 trabalhadores, nos quais constam 14 dias de salário e subsídio de alimentação de março de 2022 de 6 trabalhadores, para além de indemnizações, compensações, subsídios e proporcionais de subsídios reconhecidos a 7 trabalhadores. 
a2) Presume-se que a sociedade insolvente pagou os salários aos 6/7 trabalhadores que exerceram funções neste período, uma vez que no processo de reclamação e de verificação de créditos foram reconhecidos créditos laborais privilegiados, no valor global de cerca de € 73 000, 00, nos termos do art.333º do CT, respeitantes: na sua maioria, a compensações de cessação de contrato de trabalho indemnização por despedimento ilícito, subsídios de férias e de natal ou proporcionais destes, horas de formação e compensação por falta de pré-aviso; em valor residual, apenas a 14 dias de salário e subsídio de refeição de março de 2022 de 6 trabalhadores.
b) Em maio e outubro de 2022 foram apreendidos para a massa insolvente, dois bens imóveis e vários bens móveis existentes antes da insolvência, nos quais se integram, nomeadamente: ações e fundos de investimento no valor de € 30 000, 00 (cujas datas de constituição se desconhece); matérias-primas (que se presume que tenham sido compradas mediante o preço respetivo).
c) Por sentença de 07.11.2022 foram reconhecidos e graduados créditos, nos quais os referidos créditos laborais de cerca de € 73 000, 00 foram considerados privilegiados nos termos do art.333º do CT e foram graduados em primeiro lugar para o pagamento pelo produto dos dois bens imóveis e pelo produto dos bens móveis apreendidos (à exceção, apenas, da verba nº24, em relação à qual foram graduados em 2º lugar).
Neste quadro global, a simples celebração dos três contratos de compra e venda de dois veículos e das máquinas industriais, que fundou as declarações de resolução, não é suficiente para considerar que as mesmas vendas, contra preço, causaram prejuízo à satisfação dos credores, por frustração, redução, atraso ou dificultação ou por colocarem em perigo a referida satisfação dos créditos dos credores, como pretendeu a administradora, uma vez:
a) Que não foi alegado pela administradora como fundamento da resolução e, nessa medida, também não foi alegado e provado pela massa insolvente na impugnação, nos termos do art.343º/1 do CC, nomeadamente: que o destino do preço das vendas não deu entrada na empresa ou foi afetado, v.g., a fins externos à sociedade e/ou a pagamento de determinadas dívidas da sociedade que não seriam pagas prioritariamente no processo de insolvência, em violação do princípio da igualdade dos credores e da execução universal; que os valores dos preços das vendas foi inferior ao mercado, etc.
b) Que o contexto provado do período da celebração dos contratos de compra e venda resolvidos (entre abril e dezembro de 2022), tal como do período posterior, ilustra vias possíveis de utilização normal dos preços da venda que não são aptos a prejudicar a massa insolvente, uma vez: que o estabelecimento esteve em laboração e, dos encargos da mesma, foram pagos, pelo menos, salários aos 6 a 7 trabalhadores até ../../2022 (pagamento de salários este que foi indicado como a razão das vendas impugnadas, no depoimento de uma testemunha indicado na própria fundamentação da decisão de facto da sentença aqui recorrida), salários estes que, se não tivessem sido pagos, teriam integrado os respetivos créditos laborais reconhecidos e verificados, que a sentença de graduação de créditos ordenou que fossem pagos em primeiro lugar pela venda de todos os bens imóveis e móveis, nos termos do art.333ºº do CT (à exceção da verba nº24); que, após este período, existiam e foram apreendidos bens mobiliários, nomeadamente, matérias primas, equipamentos, máquinas industriais e valores de investimentos em dinheiro (estes de cerca de € 30 000, 00), que careceram de investimento monetário prévio da insolvente, nomeadamente através das vendas que realizasse.
Desta forma, julga-se que a massa insolvente requerida/recorrida não logrou alegar e provar factos suficientes para classificar as três vendas objeto da resolução como prejudiciais à massa insolvente, nos termos do art.120º/2 ou 3 do CIRE.
Assim, fica prejudicada a apreciação da má-fé na celebração destes contratos e procede o recurso quanto aos mesmos.

3.2.1.2. Quanto ao contrato de arrendamento:

3.2.1.2.1. Enquadramento jurídico:
Constitui locação o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar o gozo da coisa mediante retribuição, contrato este que, no caso de ter por objeto um imóvel, se qualifica de “arrendamento” (arts.1022º e 1023º do CC).
Um contrato de arrendamento para fins não habitacionais: não pode ser celebrado, de acordo com as regras gerais da locação, por mais de 30 anos, prazo a que fica reduzido se for estipulado em prazo superior ou perpétuo (arts.1025º do CC); considera-se celebrado, na falta de estipulação de prazo de duração (de acordo com as regras especiais dos arrendamentos não habitacionais), com prazo certo de 5 anos (art.1110º do CC); termina com a morte do primitivo arrendatário, salvo se existir sucessor que há mais de três anos explore estabelecimento comercial no locado juntamente com o primitivo arrendatário e comunique ao senhorio a vontade de continuação de exploração de estabelecimento comercial, no prazo de 3 meses após o decesso (art.58º do NRAU, aprovado pela Lei nº6/2006, de 27.02).
A declaração de insolvência do locador, por si só: « 1 – (…)não suspende a execução de contrato de locação em que o insolvente seja locador, e a sua denúncia por qualquer das partes apenas é possível para o fim do prazo em curso, sem prejuízo dos casos de renovação obrigatória.»; (art.109º/1 do CIRE); «2 - Se, porém, a coisa ainda não tiver sido entregue ao locatário à data da declaração de insolvência, é aplicável o disposto no n.º 5 do artigo anterior, com as devidas adaptações.» (art.109º/2 do CIRE), norma aquela que prevê que « 5 - Não tendo a coisa locada sido ainda entregue ao locatário à data da declaração de insolvência deste, tanto o administrador da insolvência como o locador podem resolver o contrato, sendo lícito a qualquer deles fixar ao outro um prazo razoável para o efeito, findo o qual cessa o direito de resolução» (art.108º/5 do CIRE).
Por sua vez, com a declaração da insolvência e integrando a massa insolvente bens locados, «3 - A alienação da coisa locada no processo de insolvência não priva o locatário dos direitos que lhe são reconhecidos pela lei civil em tal circunstância.» (art.109º/3 do CIRE). Neste regime de direito civil, entre os demais direitos previstos, prevê-se que «O adquirente com base no qual foi celebrado o contrato sucede nos direitos e obrigações do locador, sem prejuízo das regras do registo.» (art.1057º do CC).
No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2021 (AUJ, proferida no processo nº1268/16.6T8FAR.E1.S2 -A), publicado no Diário da República, 1.ª série, nº151, de 5 de agosto de 2021, uniformizou-se jurisprudência, que definiu: «A venda, em sede de processo de insolvência, de imóvel hipotecado, com arrendamento celebrado subsequentemente à hipoteca, não faz caducar os direitos do locatário de harmonia com o preceituado no artigo 109.º, n.º 3, do CIRE, conjugado com o artigo 1057,º do Código Civil, sendo inaplicável o disposto no n.º 2 do artigo 824.º do Código Civil.».

3.2.1.2.2. Apreciação da situação em análise:

Examinando os fundamentos resolutórios deste contrato de arrendamento, referidos em III-3.2.1) e 3.2.2) supra, em relação ao qual foi defendido que causa prejuízo à satisfação dos credores, verifica-se: que a administradora da insolvência declarou resolver um contrato de arrendamento do rés-do-chão do prédio descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o nº...48, prédio depois identificado na fundamentação como estando descrito na referida CRP sob o nº...56 e inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o art....48º (declaração esta última que vem a corresponder à descrição predial correta provada em III-2.3.-2) supra); que a referida administradora considerou que este contrato, celebrado a ../../2020, onera o prédio urbano e diminui o seu valor (que seria maior se estivesse devoluto), uma vez que a renda de € 100, 00 é baixa e insignificante.
Apesar desta alegação ser muito lacunosa (não foram alegadas e documentadas as condições do contrato), verifica-se: que as afirmações realizadas pela administradora na declaração resolutória, interpretadas por um declaratário normal, nos termos dos arts.236º ss do CC, permitem considerar que um arrendamento de um rés-do-chão de um prédio urbano que é uma estrutura industrial e de armazém abrangeu a área térrea da estrutura coberta do prédio urbano e destinou-se também a fins não habitacionais, em particular, industriais; que a impugnante não contestou a celebração do arrendamento a 16.06.2020, que este incidisse sobre o rés-do-chão do prédio em causa e que a renda convencionada fosse apenas de € 100, 00, nem alegou que o contrato já cessara, razão pela qual estes pontos de facto em causa deixaram de estar sujeitos a discussão fática nesta ação; que o prédio urbano apreendido na verba nº1 destina-se a indústria e armazém e tem uma área coberta registada na Conservatória de 336 m2 (conforme auto de apreensão e descrição de registo predial).
De acordo com os factos notórios e as regras normais da vida, pode concluir-se que este contrato de arrendamento sobre um rés-do-chão de prédio industrial com esta área coberta de 336 m2, mediante uma renda mensal de apenas € 100, 00 (e que, na falta de estipulação de prazo, considerar-se-ia celebrado por 5 anos) e a sua subsistência com a venda a realizar na fase de liquidação (face ao regime do art.1057º do CC e à posição da AUJ2/2021), não se revela atrativo para os investidores (quer para um investidor que pretenda instalar aí a sua indústria; quer para um investidor que pretenda arrendar o imóvel ou partes do imóvel a terceiro).
Esta menor atratividade é apta, de acordo com as regras da experiência e da normalidade, a reduzir o valor do bem imóvel sobre que incide o arrendamento (verba nº1 do auto de apreensão) ou a atrasar ou dificultar a sua venda, nos termos e para os efeitos do art.120º/2 do CIRE, cujo produto se destina à satisfação dos credores da insolvência de acordo com a graduação realizada por sentença.
Desta forma, reconhecendo-se a verificação do requisito do prejuízo, julga-se improcedente o recurso quanto a este segmento.

3.2.2. Sobre o requisito da má-fé:
3.2.2.1. Enquadramento jurídico:
O requisito da má-fé do terceiro na celebração do contrato, que é exigível na resolução condicional nos termos da 1ª parte do nº4 e do nº5 do art.120º do CIRE, presume-se quanto «a actos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, ainda que a relação especial não existisse a essa data.» (art.120º/4- 2ª parte do CIRE), sem prejuízo de prova em contrário (art.350º do CC), conforme já se referiu em III-2.2.1. supra.
As pessoas especialmente relacionadas com o devedor insolvente, quando este é uma pessoa coletiva, encontram-se definidas no nº2 do art.49º do CIRE: «2 - São exclusivamente considerados especialmente relacionados com o devedor pessoa coletiva: a) Os sócios, associados ou membros que respondam legalmente pelas suas dívidas, e as pessoas que tenham tido esse estatuto nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência; b) As pessoas que, se for o caso, tenham estado com a sociedade insolvente em relação de domínio ou de grupo, nos termos do artigo 21.º do Código dos Valores Mobiliários, em período situado dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência; c) Os administradores, de direito ou de facto, do devedor e aqueles que o tenham sido em algum momento nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência; d) As pessoas relacionadas com alguma das mencionadas nas alíneas anteriores por qualquer das formas referidas no n.º 1.» (sendo que o nº1 do art.49º, aplicável pela al. d) do nº2 do art.49º, prevê: « 1 - São exclusivamente considerados especialmente relacionados com o devedor pessoa singular: a) O seu cônjuge e as pessoas de quem se tenha divorciado nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência; b) Os ascendentes, descendentes ou irmãos do devedor ou de qualquer das pessoas referidas na alínea anterior; c) Os cônjuges dos ascendentes, descendentes ou irmãos do devedor; d) As pessoas que tenham vivido habitualmente com o devedor em economia comum em período situado dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência.».
No Acórdão de Uniformização de Jurisprudência (AUJ) do Supremo Tribunal de Justiça n.º 15/2014, de 22 de dezembro, publicado in DR nº246/2014, Série I, de 22.12.2014, decidiu-se e sumariou-se que: «Nos termos e para os efeitos dos artigos 120.º, n.º 4 e 49.º, n.os 1 e 2, alíneas c) e d) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, presume-se que age de má fé a sociedade anónima que adquire bens a sociedade por quotas declarada insolvente, sendo de considerar o sócio-gerente desta e seu filho, interveniente no negócio de aquisição como representante daquela, pessoas especialmente relacionadas com a insolvente.».
3.2.2.2. Apreciação da situação em análise:
A carta resolutória do contrato de arrendamento de 16.06.2022 afirmou, entre a alegação e identificação genérica de sócios e gerentes (comuns às 6 cartas de resolução): que o gerente na EMP01... na data da celebração de contrato de arrendamento era EE e que o gerente da insolvente era AA; que os gerentes destas duas sociedades eram irmãos.
A impugnante, para além de não ter impugnado o contrato de arrendamento: não impugnou que AA fosse gerente da locadora insolvente e que EE fosse gerente de impugnante locatária, na data de 16.06.2020 (factos que se encontram também provados em 5)-5.1) e 5.2) supra); não impugnou que estes gerentes fossem irmãos, razão pela qual o parentesco que fundamentou a resolução não foi objeto de discussão na ação de impugnação.
Ora, este grau de parentesco entre ambos os gerentes, também não contestado neste recurso, preenche a especial relação prevista na al. b) do nº1 do art.49º do CIRE, aplicável às pessoas coletivas nos termos da al. d) do nº2 do art.49º do CIRE (com interpretação em conformidade feita pela AUJ nº15/2014).
Esta previsão normativa fundada nos graus de parentesco, ao contrário do defendido pela recorrente, não exige a prova da existência de uma relação de domínio ou de influência, apenas exigível para o preenchimento da previsão da al. b) do nº2 do art.49º do CIRE supra enunciada.
Assim, encontram-se preenchidos os pressupostos da presunção de má-fé prevista no nº4 do art.120º do CIRE: o contrato de arrendamento de 16.06.2020 foi celebrado no período de 2 anos antes da insolvência decretada a 11.03.2022; o contrato de arrendamento aproveitou a locatária (representada pelo gerente), face à renda baixa fixada para o rés-do-chão de um bem imóvel registado com uma área coberta de 336 m2; os gerentes da sociedade locadora (depois declarada insolvente) e da sociedade locatária (depois impugnante da resolução) são irmãos.
A impugnante, perante esta presunção de má-fé, não logrou provar os factos contrários à presunção (que, na data do contrato, não conhecia que a locadora estava em situação de insolvência ou que o ato fosse prejudicial e que a devedora se encontrava em situação de insolvência iminente), nos termos do art.350º do CC, em referência à definição da má-fé do nº5 do art..120º do CIRE.
Assim, está também verificado o requisito de má-fé que, a acrescer ao reconhecimento do prejuízo em III-3.2.1. supra, permite julgar preenchidos os pressupostos da resolução do contrato de arrendamento em benefício da massa, efetuada por carta registada de 12.07.2022.
Desta forma, improcede o recurso nesta parte.

IV. Decisão:

Pelo exposto, os Juízes da 1ª Secção Cível acordam:

1. Reconhecer a nulidade da sentença quanto à omissão de apreciação da nulidade das declarações resolutórias, nos termos do art.615º/1-d) do CPC, e, após conhecimento por esta Relação, em substituição do Tribunal a quo, julgar improcedentes as referidas arguições de nulidade das declarações resolutórias.
2. Julgar parcialmente procedente e improcedente o recurso quanto à apreciação de mérito, no âmbito do que se decide:
2.1. Revogar a sentença recorrida quanto às resoluções dos 5 contratos de compra e venda comunicadas por cartas de 13.06.2022, considerando as mesmas ineficazes em relação à EMP01... Unipessoal, Lda.
2.2. Manter a sentença recorrida quanto à resolução do contrato de arrendamento comunicada por carta com registo de 12.07.2022, em relação ao qual improcede a ação de impugnação e o recurso.
*
Custas na proporção de 60% pela impugnante/recorrente e de 40% pela massa insolvente (art.527º do CPC).
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Guimarães, 04 de abril de 2024

Assinado eletronicamente pelo coletivo de juízes
Alexandra M. Viana P. Lopes (J. Des. Relatora)
Pedro Maurício (J. Des.1º Adjunto)
Rosália Cunha (J. Des. 2ª Adjunta)


[i] Vide, v.g.:
Rui Pinto e jurisprudência por este citada in Código de Processo Civil Anotado, Vol. II- Julho de 2018, Almedina, notas 2 e 5-II ao art.615º do CPC, págs.178 e 179.
José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 4ª edição, Almedina, nota 3 ao art.615º, pág.736.
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.03.2017, proferido no processo nº7095/10.7TBMTS.P1.S1, disponível in dgsi.pt..
[ii] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2ª edição, 2021, Reedição, Almedina, notas 11 e 12, págs.763 e 764.
[iii] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, in obra citada, nota 14, pág. 826.
[iv] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in obra citada, nota 7 ao art.608º, pág.753.
[v] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.03.2017, proferido no processo nº7095/10.7TBMTS.P1.S1, disponível in dgsi.pt
[vi] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in obra citada, nota 7 ao art.608º, pág.753.
[vii] Vide, neste sentido, nomeadamente:
Entre a Doutrina, Maria do Rosário Epifânio, in Manual de Direito de Insolvência, Almedina, 7ª edição, outubro de 2009, pág. 260 e Marco Carvalho Gonçalves, in Processo de Insolvência e Processos Pré-Insolvenciais, Almedina, Outubro de 2023, pág.423.
Entre a Jurisprudência, Ac. STJ de 25.02.2014, proferido no processo nº251/09.2TYVNG-H.P1.S1, relatado por Ana Paula Boularot, disponível in dgsi.pt; Jurisprudência das Relações citada por Marco Carvalho Gonçalves, in obra citada, nota 1087, pág.423.
[viii] No quadro deste sentido principal do ónus de prova (centrados no ónus de prova dos factos constitutivos da massa insolvente), vide, nomeadamente:
__ Entre a Doutrina, v.g.: Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, 3ª edição, Lisboa, 2015, nota 7 ao art.125º do CIRE e Jurisprudência na mesma citada., Marco Carvalho Gonçalves e Jurisprudência por este citada, in obra citada, págs.425 e 426;
__ Entre a Jurisprudência: a referida em VII supra; o Ac. RG. De 07.06.2018, proferido no processo nº1367/15. 1T8.GMR-L.G1,relatado por António Beça Pereira, que sumariou, nomeadamente, «I- A impugnação da resolução dos "actos prejudiciais à massa" é um meio processual para se reagir à posição assumida pelo Administrador da Insolvência, pelo que, na sua substância, constitui uma contestação à declaração resolutiva, à semelhança do que sucede no processo executivo com os embargos de executado. Deste modo, aquele que ataca a resolução pode limitar-se a impugnar os factos em que esta radica, obrigando por essa via o Administrador da Insolvência a deles fazer prova, de forma a demonstrar a validade do acto que resolutivo. Mas o impugnante também pode opor aos factos em que se funda a resolução "factos que impedem, modificam ou extinguem o [seu] efeito jurídico", caso em que já é sobre ele que recai o ónus da prova tais factos.».
[ix] Marco Carvalho Gonçalves, in obra citada, pág.426, em referência a jurisprudência citada na nota 1094.
[x] Vide, neste sentido, Ac. RC de 06.03.2018, processo nº3582/13.3TJCBR-C.C2, relatado por Barateiro Martins, disponível in dgsi.pt.
[xi] Conforme refere, entre outros: António Soveral Martins, in «Um Curso de Direito da Insolvência», Almedina, 3ª edição revista e atualizada, 2021, pág. 284- «Na contestação que apresente, o administrador da insolvência não poderá adicionar fundamentos novos que não constassem da declaração de resolução.», com referência a Júlio Gomes e a Ac. STJ de 29.04.2014, relatado por Pinto de Almeida; Marco Carvalho Gonçalves, in obra citada, pág.426.
[xii] Tomé Soares Gomes, inDa Sentença Civil”, págs.14 a 16, a 24 de Janeiro de 2014 nas Jornadas de Processo Civil, disponível in file:///C:/Users/MJ01758/Downloads/texto_intervencao_Manuel_Tome.pdf
[xiii] Acórdão da Relação de Guimarães de 22.10.2020, proferido no processo nº5397/18.3T8BRG.G1, relatado por Maria João Matos, in gde.mj.pt.
[xiv] Tomé Soares Gomes, Juiz Conselheiro, in “Um Olhar sobre a Prova em demanda da verdade no Processo Civil”, Revista do CEJ (2005), número 3, pág.138, Almedina.
[xv] Neste sentido, respetivamente: António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II Volume, Almedina, 1999, págs. 147-148, Ac. RG de 17.02.2022 encontra-se disponível in dgsi.pt.
[xvi] Maria do Rosário Epifânio, in obra citada, pág.257.
[xvii] Marco Carvalho Gonçalves, in obra citada, págs.413 e 414.
[xviii] Vide, entre outos, Jorge Morais Carvalho, in Código Civil Anotado, Coordenado por Ana Prata, Volume I, 2ª Edição Revista e Atualizada, 2019, Almedina, nota 5 ao art.280º, pág.374.
[xix] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, in anotação 13 ao art.186º do CPC, pág.234.
[xx] Marcos Carvalho Gonçalves, in obra citada, pág.397, in obra citada, pág.397.
[xxi] Marco Carvalho Gonçalves, in obra citada, págs.425 e 426.