Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1067/20.0T8VNF-A.G2
Relator: ANIZABEL SOUSA PEREIRA
Descritores: EMBARGOS À EXECUÇÃO
CONTRATO DE MÚTUO COM HIPOTECA
NULIDADE
PERSI
JUROS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/27/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- O título formado por contrato de mútuo com hipoteca e seus documentos complementares, em que a obrigação mutuada e a obrigação assumida pelos mutuários quanto às despesas garantidas se encontra dependente de uma prestação por parte do credor mutuante - a conta ou comprovativo da sua realização - carece de uma atividade de prova complementar liminar, à qual se refere o artigo 715.º, n.ºs 1 a 4, a ter lugar no início do processo, ou então a convite, tal como foi ordenado nos presentes autos.
II – Nessa sequência, apresentando o exequente além do requerimento executivo aperfeiçoado a tal prova complementar e após contraditório não tendo sido impugnados nem os factos concretizadores da liquidação da dívida, nem as despesas documentadas, o tribunal deu por provados aqueles factos ( nomeadamente o ponto 13, que refere serem os executados devedores da dívida total de 73.434,15 correspondente ao capital mutuado …e despesas,), que igualmente não foram impugnados por via recursória.
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III- O âmbito de aplicação subjetiva do PERSI é exclusiva dos clientes bancários enquadráveis no conceito legal de consumidor para efeitos da lei do consumo, ou seja, circunscreve-se aos clientes bancários que solicitam financiamento bancário para aquisição de bens ou serviços destinados a uso não profissional, não sendo aplicável aos clientes bancários que usam esses meios de financiamento no âmbito do desenvolvimento de uma atividade empresarial ( do ramo de café/pastelaria).
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IV- A vulgarmente designada hipoteca genérica, para ser válida, tem de obedecer a parâmetros objetivos de determinabilidade, e esta apenas é exigida quanto ao objeto sobre que recai e quanto ao montante do crédito garantido e não abrange qualquer elemento temporal.
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V- Quanto a juros, há que atender ao prescrito no n.º 2, do citado art.º 693.º:
a) a hipoteca nunca abrange, não obstante convenção em contrário, mais do que os juros relativos a três anos;
b) daí que os juros que excedam o período de três anos exigíveis como crédito comum, são devidos mas não beneficiam da garantia bancária, pelo que os terceiros garantes, ora embargantes, não respondem pelos juros que ultrapassam os três anos, contados a partir da data do incumprimento.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:
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I- Relatório ( que se transcreve):

 Embargantes/executados: AA, portador do Cartão de Cidadão n.º ..., NIF ... e mulher BB, portadora do Cartão de Cidadão n.º ..., NIF ..., casados sob o regime de comunhão de adquiridos, residentes na Rua ..., ... ..., melhor identificado nos autos principais.
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Embargada/ exequente: - Banco 1..., S.A.., melhor identificada nos autos principais.
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Causa de pedir dos embargos à execução:

1. Na presente execução serve de título executivo à execução uma escritura de constituição hipoteca, conforme resulta do descrito no requerimento executivo e a ele anexa.
2. Porém e como melhor se demonstrará infra, tal escritura é nula.

Vejamos,

3. Quanto ao limite temporal de tal hipoteca como pode ler-se na referida escritura: "CLÁUSULA SEGUNDA (duração da hipoteca) A presente hipoteca manter-se-á enquanto durar para os mencionados CC e marido, qualquer responsabilidade emergente de todos os atos e situações mencionados na cláusula anterior.", salvo o devido respeito, constitui expresso abuso de direito por parte do Exequente.
4. Analisando esta cláusula, a mesma pode perfeitamente corresponder a "para sempre", como "até daqui a uma ano" ou o tempo que o Exequente livremente entender.
5. Pelo que, é totalmente genérica, vaga, indeterminada e abusiva.
6. Em caso idêntico, decidiu, a título de exemplo, o Acórdão do STJ, de 19.12.2006, Proc. 06...: Sumário: "1) A determinabilidade do objeto negocial afere-se no apurar se o mesmo pode ser concretizado inicial ou posteriormente, com apelo a critérios negociais ou legais, sendo que é nulo o negócio jurídico absolutamente indeterminado e indeterminável...” 3) A fiança "omnibus" será válida se, à data da sua prestação, e em relação aos débitos não constituídos, existem elementos que permitam inferir, com segurança, a origem, o prazo, os possíveis montantes e as relações entre os outorgantes, permissivas do enquadramento do crédito na fiança prestada."
7. Com efeito, conforme resulta da adequada interpretação dos Arts. 627.º e 628.º do Código Civil, é nula a constituição de hipoteca que serve de título executivo à presente execução, ao abrigo do Art. 280.º do Código Civil.
8. Verifica-se assim ser nula a hipoteca outorgada e a impossibilidade de prosseguir a presente execução e penhora sobre o imóvel em apreço.
9. Por outro lado, o contrato de mútuo é um contrato que só se mostra perfeito com a própria entrega, conforme foi já decidido pelo Acórdão do STJ de 22.04.2004, Proc. 03...: “I - Quoad constitutionem, o contrato de mútuo tem natureza real, e não consensual, uma vez que a sua perfeição pressupõe, além da emissão das declarações negociais correspondentes à tipicidade legal, a entrega da coisa mutuada;"
10. Sucede que, in casu, os Oponentes desconhecem se, quando e quanto foi entregue.
11. Ao que acresce que sabem que os mutuários mantinham divergências com o Exequente sobre o valor que havia sido mutuado e entregue, o fim a que se destinaria o bem, como quanto ao valor que ainda estaria em falta.
12. Assim como o Exequente aquando dos vários pedidos por parte dos Executados ora Oponentes para lhes fornecerem extratos, explicação do valor em dívida e outras informações pertinentes, nunca lhes fora fornecido nada e foi sonegada informação essencial por parte do Exequente.
13. Urge assim apurar que valor foi efetivamente entregue aos mutuários, o fim que lhe foi dado eventualmente pelo Exequente, bem como todas as quantias que foram pagas até à data.
14. Sucede ainda que o Exequente peticiona juros vencidos desde 27.06.2016, contudo o Art. 693.º do Código Civil limita a responsabilidade por juros na presente situação a três anos.
15. Verifica-se ainda que os juros convencionados no mútuo se mostram completamente usurários e desconformes às boas regras de conduta, o mesmo acontecendo com as despesas peticionadas, devendo as mesmas serem eliminadas e/ou reduzidas equitativamente.
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Contestação:
1.- A Embargada impugna integralmente o teor dos embargos deduzidos, porquanto são totalmente desprovidos de fundamento, seja de facto, seja de jure, tendo por isso de improceder, conforme se passa a expor:

I – DA ALEGADA NULIDADE DO TÍTULO EXECUTIVO

2.º De acordo com o teor da oposição deduzida, os Embargantes alegam sucintamente que o título dado à execução, mais concretamente a escritura de constituição da hipoteca, é alegadamente nulo.
3.º Primeiramente, importa referir que o título executivo nos presentes autos não é, ao contrário do alegado pelos Embargantes, a escritura de constituição da hipoteca (cfr. documento n.º ... anexo ao requerimento executivo), mas antes o contrato de mútuo que é garantido pela referida hipoteca (cfr. documento n.º ... anexo ao requerimento executivo).
4.º Não obstante constar do campo “título executivo: escritura”, por mero lapso de preenchimento do formulário da plataforma citius, o qual desde já a aqui Embargada se penitencia, é evidente, tendo em consideração todo o teor da exposição dos factos constantes do requerimento executivo, que o documento que sustenta a petição dos valores é o contrato de mútuo junto sob o n.º 1.
5.º Mais acresce que toda a exposição diz respeito à data de celebração do já aludido contrato de mútuo, incumprimento e posterior resolução contratuais, sendo referida a escritura apenas para prova da constituição da hipoteca como garantia dos valores mutuados.
6.º De acordo com o artigo 46.º, n.º 1, alínea c) do antigo Código de Processo Civil (doravante designado por CPC), aplicável a contrario por via do artigo 6.º, n.º 3 do preâmbulo do atual CPC, à execução apenas podem servir de base (…) os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto (…).
7.º Neste seguimento, constata-se que o referido contrato não só figura como título executivo da presente execução, como é completamente infundada a afirmação de que este é nulo, uma vez que os Embargantes não levantam quaisquer questões quanto ao mesmo.
8.º Pelo que, o argumento apresentado pelos Embargantes não pode ser julgado procedente!
9.º Ainda que assim não se entenda, o que apenas por mera questão de patrocínio se equaciona, a escritura de constituição de hipoteca, junta como documento n.º ..., também não se mostra nula.
10.º Neste ponto, saliente-se que os Embargantes alegam que a escritura não determina a duração da hipoteca, sendo, por isso e a seu ver, nula por “genérica, vaga, indeterminada e abusiva”.
11.º No entanto, importa referir que a cláusula segunda da já aludida escritura (cfr. documento n.º ... anexo ao requerimento executivo) prevê, quanto à duração, que: a presente hipoteca manter-se-á enquanto durar para os mencionados CC e marido qualquer responsabilidade emergente de todos os atos e situações mencionadas na cláusula anterior.
12.º Sendo que a cláusula anterior, designada por primeira, determina qual o montante máximo assegurado pela hipoteca e quais os objetos assegurados por esta, entre os quais se verifica (…) o pagamento de toda a qualquer quantia que a referida Banco 1... tenha emprestado ou venha a emprestar, através de mútuo (…).
13.º Assim, embora a duração da hipoteca seja indeterminada em virtude do objeto por que a mesma responde, esta não é indeterminável, uma vez que as partes definiram em que termos a garantia pode ser exercida, mais concretamente para que fins e qual o seu alcance.
14.º Ora, de acordo com o artigo 280.º, n.º 1 do Código Civil, é nulo o negócio jurídico cujo objeto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável, o que não se verifica, por tudo o exposto, no caso em apreço.
15.º Neste sentido, atente-se no Acórdão proferido a 25-06-2009 pelo douto Tribunal da Relação de Évora, no âmbito do processo judicial n.º 419/08...., e que ora se cita: Se no contrato de constituição de hipoteca estão identificados os negócios que podem dar origem às obrigações que se visa garantir e se está perfeitamente definida a medida da garantia, o contrato não é nulo.
16.º Seguindo este entendimento, apenas se poderá concluir pela validade da constituição da hipoteca, porquanto se encontra clarificado que esta garante o valor em dívida resultante do contrato de mútuo, pelo período necessário à sua integral recuperação, até ao limite máximo contratado de € 75.000,00 a título de capital.
17.º A este facto acresce que as partes intervenientes da escritura, entre os quais os Embargantes, têm perfeito conhecimento de que forma poderia a hipoteca ser acionada, constando da própria escritura que estas tomaram conhecimento de todo o seu conteúdo e que o compreendiam, não podendo agora fazer-se valer da alegação completamente infundada de que a Embargada agiu abusivamente.
18.º A que não é indiferente, igualmente, o facto do Embargante ser filho dos Executados mutuários e da Embargante ser nora destes, portanto, pessoas que, devido aos laços familiares que os unem, terão um convício e um conhecimento estreito da realidade e dificuldades financeiras de cada um.
19.º Terá sido, certamente, este um dos factos que determinou a ausência de reação às cartas da Embargada que os Embargantes receberam (nem sequer manifestando estranheza ou surpresa) e que, nestes autos, também não impugnaram, reconhecendo o seu teor, a veracidade do seu conteúdo e a sua receção.
20.º Pelo que, o argumento apresentado pelos Embargantes não pode ser julgado procedente, por totalmente infundado!

II – DA ALEGADA PETIÇÃO INDEVIDA DE JUROS E DESPESAS

21.º De seguida, alegam os Embargantes que desconhecem se o capital mutuado foi efetivamente entregue, acrescentando que têm conhecimento que houve divergências entre a aqui Embargada e mutuários quanto ao valor mutuado e a que fins o mesmo se destinaria.
22.º A Embargada é uma instituição de crédito bastante conceituada no mercado bancário, não fazendo sua prática defraudar os seus clientes.
23.º Assim, o capital mutuado, através do contrato executado nestes autos, na quantia de € 60.000,00, foi efetivamente entregue, tal como consta do extrato, a que se designa documento n.º ..., que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido.
24.º Ademais, o contrato de mútuo é extremamente claro relativamente ao capital mutuado e aos fins a que se destinou (cfr. documento n.º ... anexo ao requerimento executivo).
25.º O documento assinalado no artigo supra permite igualmente atestar os pagamentos registados, com a indicação da data da sua realização e valor, sendo possível concluir pelo incumprimento da obrigação de pagamento a que os Executados se encontravam vinculados.
26.º Não obstante, não poderá deixar de salientar que, por força do disposto no Art. 799.º do Código Civil, é sobre os Embargantes que recai a presunção de culpa, impondo que a ilidam alegando e demonstrando o pagamento que invocam.
27.º Ora e no caso em apreço, os Embargantes limitam-se a afirmar, de forma vaga e genérica, que ter-se-á de apurar “os valores pagos até à data”.
28.º Ademais, afirmam os Embargantes que a aqui Embargada nunca lhes respondeu aos pedidos relativos ao valor em dívida, mas não juntam qualquer documentação comprovativa de que essas comunicações foram efetivamente remetidas.
29.º Acrescente-se que os Embargantes tinham perfeito conhecimento dos valores em dívida, uma vez que a aqui Embargada lhes remeteu, no transato dia 06/09/2019, uma carta de interpelação para regularização do incumprimento (cfr. documento n.º ... que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido).
30.º Por fim, alegam os Embargantes que os juros vencidos apenas se podem reportar ao lapso temporal correspondente a três anos e que tanto estes como as despesas se mostram usurárias, mas tal não corresponde à realidade.
31.º De acordo com o teor do artigo 693.º, n.º 2 do Código Civil, tratando-se de juros, a hipoteca nunca abrange, não obstante convenção em contrário, mais do que os relativos a três anos.
32.º Deste preceito não se retira a ilação de que não podem ser peticionados juros por um período superior a três anos, tal como se verifica pela petição de juros retratada no campo referente à liquidação constante do requerimento executivo, apenas que a garantia não responde pelos juros vencidos por tempo superior a este.
33.º Neste sentido, atente-se no Acórdão proferido a 06-06-2000 pelo douto Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do processo judicial n.º 00A440, e que ora se cita: o artigo 693º do Código Civil não proíbe que se executem juros de mais de três anos, apenas os exclui da garantia.
34.º Figurando na ação como executados tantos os mutuários como os devedores hipotecários, é evidente que a petição de juros não se mostra desconforme ao preceito supracitado, porquanto os mutuários são devedores da totalidade da quantia exequenda.
35.º Relativamente à afirmação de que os juros e despesas se mostram usurários, importa referir que os Embargantes se limitam a alegar sem justificar o fundamento de tal consideração, ficando a aqui Embargada impossibilitada de exercer o respetivo contraditório.
36.º Não obstante, por mera questão de patrocínio judiciário, a Embargada requer a V.ª Ex.ª que se digne a admitir a junção aos autos do documento n.º ..., que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido, e que retrata a petição de capital, juros remuneratórios às taxas contratualmente determinadas entre as partes e as despesas devidas.
37.º Vejamos ainda que, ao abrigo do disposto no artigo 2.º do Aviso n.º 3/93 do Banco de Portugal, são livremente estabelecidas pelas instituições de crédito e sociedades financeiras as taxas de juro das suas operações, salvo nos casos em que sejam fixadas por diploma legal (sublinhado nosso).
38.º Neste sentido, nos termos do disposto no número 3 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 58/2013, nos demais contratos de crédito, os juros remuneratórios são calculados sobre o montante de capital em dívida, em cada momento, à taxa contratada e são pagos de acordo com o plano estipulado pelas partes para o pagamento de capital e juros.
39.º Ademais, atente-se nas palavras proferidas, a 11/05/2017, no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, no âmbito do processo n.º 10757/06...., que ora se cita: No domínio das operações e contratos bancários não há um limite máximo para as taxas de juros remuneratórios, estando (apenas) as instituições de crédito obrigadas a observar o dever de informação especial quanto aos valores das taxas de juros que praticam, nos termos impostos pelo art.º 3.º do Dec.-Lei n.º 220/94, de 23 de Agosto.
40.º Assim, conclui-se que o Banco de Portugal não impôs limites para as taxas de juros a praticar pelas instituições de crédito, sendo, consequentemente, devidos juros remuneratórios calculados à taxa livremente determinada pelas partes.
41.º Relativamente à aplicação da sobretaxa moratória de 3%, atente-se no disposto no número 1 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 58/2013 que prevê que em caso de mora do devedor e enquanto a mesma se mantiver, as instituições podem cobrar juros moratórios, mediante a aplicação de uma sobretaxa anual máxima de 3%, a acrescer à taxa de juros remuneratórios aplicável à operação, considerando-se, na parte em que a exceda, reduzida a esse limite máximo.
42.º Assim, havendo incumprimento, a Embargada pode peticionar juros calculados à taxa convencionada, acrescida da sobretaxa moratória devida, atualmente de 3%, o que não se mostra desconforme ao requerido no requerimento executivo.
43.º Mais acresce que após a resolução contratual são devidos juros moratórios, calculados à taxa legal aplicável aos créditos de que são titulares as sociedades comerciais, e que atualmente ascende 7,00%.
44.º Por fim, refira-se que os mutuários, aquando da celebração do contrato de mútuo, foram informação e consentiram na petição das despesas associadas ao contrato, conforme consta da respetiva cláusula 8.ª.
45.º Atento o exposto, os embargos deduzidos devem ser considerados improcedentes na sua totalidade por não provados e por serem totalmente infundados à luz da Lei, dos documentos junto aos autos e dos factos expressamente indicados no requerimento executivo e aqui especificados.

O juiz a quo, considerando reunirem os autos todos os elementos necessários ao conhecimento do mérito, proferiu saneador/sentença, julgando improcedente a presente oposição à execução e determinou o prosseguimento da execução contra os embargantes.
Dessa decisão foi interposto recurso, e este Tribunal da Relação de Guimarães ordenou que se convidasse o exequente a aperfeiçoar o requerimento executivo, nos seguints termos: “ indicar corretamente quais os títulos executivos dados à execução; proceda a detalhada liquidação da quantia exequenda, juntando documentação complementar que comprove e justifique essa liquidação, juntando todos os documentos comprovativos da sua alegação e ainda em falta.”
E o exequente, nessa sequência, apresentou requerimento executivo aperfeiçoado com junção de documentos complementares.
Notificados os embargantes nada disseram.
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 Foi realizada uma audiência prévia, e vieram os embargantes invocar a inobservância do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI).
O exequente pronunciou-se por escrito, sustentando, em resumo, que não são aplicáveis aos aqui executados as normas daquela legislação dado que se tratam de contratos formalizados com empresários em nome individual, não se podendo agora crer fazer valer das garantias concedidas a contratos de crédito celebrados com particulares. Com efeito, o embargante bem sabia, até porque é filho dos mutuários, que estava a garantir um mútuo contraído no âmbito de uma atividade comercial.
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De seguida foi proferida sentença nos termos da qual foi julgada improcedente a oposição e determinou-se o prosseguimento da execução.
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Inconformados com esta decisão, os executados/embargantes, dela interpuseram recurso e formularam, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem):

“1 - O facto 6 da sentença tem de ser alterado, dado que refere o fim da contratação do mútuo, mas omite vários elementos concretos que estão referidos no próprio contrato.
2 - Dado que o contrato foi junto pela Embargada e não foi objecto de impugnação, com base neste mesmo documento deve ser alterado o facto 6, passando a ter a seguinte redação:
"6.- A quantia mutuada seria creditada na conta de depósito à ordem n.º ...01 em nome dos Executados e para os fins supra identificados, ou seja, para re-estruturação regularização de dívida com regularização de saldos devedores e liquidação/extinção dos contratos nº ...-8 e nº ....2, conforme documento n.º ... junto aos autos no passado dia 23-06-2022."
3 - Lê-se da sentença como facto provado 2 que "A 29/11"2012, a
Exequente celebrou com os Executados DD (...) e EE (...) o contrato de empréstimo pessoal sob a forma de mútuo (...)". (negrito nosso).
4 - Esta facto decorre "ipsis verbis" do confessado ela Exequente quer no requerimento executivo de 06.02.2020 quer no nº 4 do seu
requerimento executivo aperfeiçoado de 23.06.2022, e que foi expressamente aceite para se tornar irretractável pelos aqui apelantes em 11.11.2022 na própria execução.
5 - A sentença parece afastar a obrigatoriedade de inclusão no PERSI porque o mútuo foi celebrado para liquidar dois contratos de natureza mercantil, mas devido a dois equívocos.
6 - O primeiro equívoco será a errada definição do fim referido na
cláusula primeira do contrato de mútuo e cuja alteração foi supra requerida quanto ao facto 6.
7 - O segundo equívoco em que cairá a sentença é que nada obsta a que duas pessoas singulares decidam contrair um crédito pessoal para extinguir dívidas resultantes de mútuos ou outras obrigações "empresariais", tenham estes sido subscritos por uma sociedade ou por pessoas singulares, enquanto empresários.
8 - Ora, não só a Exequente por duas vezes identifica/qualifica o
contrato como sendo um "empréstimo pessoal", como a sentença assim deu como provado, ao que acresce que como cotejando as fichas das consultas à Segurança Social na acção executiva em 09.02.2021 resulta, aquando do mútuo os mutuários tinham então 66 e 68 anos respectivamente, sendo que o mutuário EE estava já reformado (embora tal não resulte dos autos) e a mutuária DD foi reformada em 01.01.2014.
9 - Naturalmente que o novo "empréstimo pessoal" sob a forma de
mútuo não implica, só porque se destinou TAMBÉM a liquidar/extinguir dois contratos mercantis, não acarreta que os mutuários tenham agido de forma profissional.
10 - À falta de qualquer outro elemento probatório que demonstre que os mutuários agiram de forma profissional, antes foi celebrado por duas pessoas singulares e nada mais existe, nada permite concluir que os mutuários agiram de "forma profissional., ou que "destinavam o dinheiro a uso não profissional.
11 - O DL n.º 227/2012, no art. 2º nº 1 b) definia na versão em vigor à data da celebração do contrato e da resolução do mesmo, que era imperativa a instauração do PERSI aos contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre bem imóvel, celebrados com clientes bancários.
12 - A definição de "cliente bancário" é determina no art. 3º do mesmo DL, é dada pelo DL 67/2003, que no seu Artigo 1.º-B diz:
a) «Consumidor», aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados
serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não
profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma
actividade económica que vise a obtenção de benefícios, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho;"
13 - Daqui resulta a total impossibilidade de se ter os mutuários do
"empréstimo pessoal" sob a forma de mútuo como não consumidores - sobretudo não tendo havido julgamento para apurar tal matéria e nada havendo que determine que o valor mutuado era exclusivamente destinado a "uso profissional", violando-se o disposto no DL n.º 227/2012, nos arts. 1.º B a), 2º nº 1 b), 3º e 12º e DL 67/2003 art. 1º B.
14 - Havia sido suscitada a ineptidão do requerimento executivo, que embora aperfeiçoado, continua inepto, mas a sentença não se pronunciou sobre esta matéria, sendo contudo possível a este Tribunal de recurso apreciar a questão.
15 - Nestes autos e sobre esta matéria, decidiu já este Tribunal da
Relação no seu Acórdão de 31.02.2022:
"Em suma: um conjunto de documentos nestas condições não oferece a mínima garantia de que valores exatos que aos executados/mutuários tenham sido de facto creditados - e que eles tenham assumido, com uma sua assinatura, uma obrigação pecuniária determinada ou determinável por simples cálculo aritmético e quais, afinal, os valores em dívida, para depois
se poder concluir, quais os valores pelos quais os embargantes iriam garantir com a hipoteca por eles assumida."
16 - Se foi demonstrada a entrega do valor mutuado, a segunda exigência referida no Acórdão proferido nestes autos sobre "quais, afinal, os valores em dívida, para depois se poder concluir, quais os valores pelos quais os embargantes iriam garantir com a hipoteca por eles assumida."
(negrito nosso), não está satisfeita, pois continua a não ser passível de análise qual o valor que estava em dívida.
17 - Tudo o que se sabe resulta da mera indicação conclusiva constante das duas "Notas de Débito", que referem 54.493,80€.
18 - Tudo visto e revisto, no extracto de movimentos relativo ao
contrato, sob um item CAPITAL não existe indicação do valor que estaria em dívida à data do incumprimento, já que na pág. 1 em datas próximas do alegado incumprimento, 27.06.2016 apenas constam 29.07.2015 e 29.08.2016, com os valores de 54.493,80 € e 53.883,97€, respectivamente, mas que parece respeitar a valores previsíveis, dado que o capital continua a descer nas datas seguintes.
19 - Toda a documentação junta é confusa e contraditória, e tudo o
previsto foi sendo alterado, nomeadamente pelo Acordo junto em
23.06.2022 integradamente com o Contrato de Mútuo, acordo datado de 03.06.2013.
20 - Contudo, estes valores são impossíveis de compatibilizar com os items constantes do Extracto de Contrato, com os capítulos CAPITAL (2 vezes), JUROS V, DESPESA, SEGUROS, JUROS D e IMPOSTO.
21 - Daqui se concluindo que não se verifica a condição que este mesmo Tribunal da Relação já fixara nestes mesmos autos para que pudesse prosseguir a execução: "quais, afinal, os valores em dívida".
22 - Atenta a total insindicabilidade da mera indicação do valor inscrito nas Notas de Débito, tem o requerimento executivo de ser tido como inepto, pelo que, atenta a impossibilidade de novo convite ao aperfeiçoamento, deve ser ordenada a extinção da execução, pois mostrasse violado o disposto no art. 707.º do CPC.
23 - Os embargantes, cientes de que parte do valor mutuado no contrato em apreço serviria para "extinguir/liquidar" outros dois contratos, para poder aferir da exactidão das dívidas pendentes naqueles contratos, solicitaram a junção:
1) dos extractos bancários da conta referida na cláusula 1ª nº 2 do contrato de mútuo, desde 01.06.2012 até à presente data;
2) dos contratos ...-8 e ...-2 referidos na mesma cláusula e
3) dos extractos/conta corrente dos contratos referidos em 2 e do mútuo em apreço.
24 - Ora, verifica-se por um lado que no que toca ao extracto da conta è ordem, foi junto o mesmo desde 22.06.2012 até 25.02.2017 - o que não permite de todo sindicar todos os movimentos daquela conta até à presente data, de que os recorrentes não são titulares.
25 - E por outro, no que aos extractos/conta corrente dos dois antigos contratos, nada foi junto, sendo de todo impossível verificar se os montantes cobrados para a respectiva extinção/liquidação eram os devidos, assim como se inverte o ónus da prova em relação aos factos que se pretendia provar com os mesmos.
26 - A sentença recorrida discorre largamente sobre a validade/nulidade da hipoteca mas canaliza toda a sua atenção para a validade da constituição da hipoteca e a definição das causas que poderiam gerar obrigações pelas quais o bem responderia, mas nada de nada disse sobre a validade temporal da hipoteca.
27 - Esta única questão levantada não foi decidida, tanto que a fixação temporal da hipoteca está definida na Cláusula segunda da escritura de constituição da hipoteca e esta cláusula NUNCA é sequer referida.
28 - É a seguinte a redação de tal cláusula:
"CLÁUSULA SEGUNDA (duração da hipoteca)
A presente hipoteca manter-se-á enquanto durar para os mencionados CC e marido, qualquer responsabilidade emergente de todos os actos e situações mencionados na cláusula anterior."
29 - Conforme se disse já, esta cláusula pode perfeitamente corresponder a "para sempre", como "por um ano" ou o que fosse!
30 - Decidiu já o Acórdão do STJ, de 19.12.2006, Proc. 06...:
Sumário : "1) A determinabilidade do objecto negocial afere-se no apurar se o mesmo pode ser concretizado inicial ou posteriormente, com apelo a critérios negociais ou legais, sendo que é nulo o negócio jurídico absolutamente indeterminado e indeterminável.
3) A fiança "omnibus" será válida se, à data da sua prestação, e em relação aos débitos não constituídos, existem elementos que permitam inferir, com segurança, a origem, o prazo, os possíveis montantes e as relações entre os outorgantes, permissivas do enquadramento do crédito na fiança prestada."
(negrito e sublinhado agora aposto).
31 - Em suma, a hipoteca poderia durar enquanto perdurassem as
obrigações constituídas ou a constituir pela ... e marido, que se poderiam estender muito para além da sua constituição, pois enquanto um daqueles beneficiários indicados fosse vivo, poderia constituir sem limite de tempo obrigações muito duradouras e a hipoteca duraria até extinção das mesmas, o que equivale a que em 2008 fosse totalmente indeterminável até quando o imóvel hipotecado responderia pelas futuras obrigações.
32 - Note-se que as diferenças entre os vários regimes próximos levam a que na hipoteca não seja exigível determinar previamente o limite do valor pelo qual poderá responder o bem, dado que o mesmo está naturalmente fixado, o que não sucede no aval e na fiança, mas a hipoteca não prescinde de um limite temporal, pois nada a limita no tempo.
33 - Assim, atenta a total falta de efectivo e determinável limite temporal de duração da hipoteca, a adequada interpretação dos artigos 627.º e 628.º do Código Civil leva à nulidade da hipoteca ao abrigo do artigo 280.º do Código Civil, que se mostram violados.
34 - A lei fixa um limite temporal de 3 anos de juros como o período pelo qual o bem responde, no art. 693.º nº 2 do Código Civil.
35 - Ao contrário do que se diz na sentença, na execução são peticionados juros vencidos desde 2016.06.27 e 2020.02.06, bem como os vincendos.
36 - Assim, sejam quais forem os 3 anos a considerar, sendo peticionados juros vencidos desde 27.06.2016 até à instauração da
execução 06.02.2020, estavam já peticionados mais de 3 anos de juros, pelo que urge adequar a sentença aos dispositivos legais, reduzindo o montante devido a título de juros a 3 anos, reduzindo-se assim a execução em conformidade.
37 - Das Notas de Débito também consta um pedido de 2.801,80€ a título de "Mutuários Conta Despesa", mas não há qualquer elemento que permita quantificar este item.
59 - Do contrato de mútuo não resulta qualquer valor fixo que possa ser quantificado sem mais, não se vislumbrando também qualquer acréscimo de despesa além das custas, que são tratadas em sede própria, pelo que carece aquele valor de título executivo.

TERMOS EM QUE deve ser julgado procedente a Apelação, sendo, sempre subsidiariamente:
a) reconhecida a ineptidão da petição;
b) reconhecida a omissão da devida inclusão no PERSI;
c) declarada a nulidade da hipoteca por total falta de qualquer elemento que defina a sua duração temposal;
d) reduzida a execução no que aos juros respeita, bem como ao montante peticionado a título de despesa, assim se fazendo como costume,SÃ JUSTIÇA.”
                                                           *
A recorrida não contra-alegou.
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O recurso foi admitido, como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em saber e por ordem sequencial lógica:

1. da impugnação da matéria de facto;
2. se o(s) título(s) junto(s) não reúne(m) os requisitos necessários para ser (em) considerado(s) título(s) executivo(s) quanto aos valores em dívida e se o montante peticionado a título de “ conta despesa” pelo Exequente, preenche os necessários requisitos para a sua exigibilidade;
3. Da (in)observância, pela Exequente, dos procedimentos previstos no Decreto-Lei n.º 227/2012 de 25 de Outubro e no DL 349/98 de 11 de Novembro e o conceito de consumidor para efeitos de integração no PERSI;
4. da (in)validade temporal da hipoteca, ou seja, a questão prende-se com a apreciação da indeterminabilidade do objecto da hipoteca em termos temporais;
5. dos juros peticionados e o período coberto a considerar: limitação ao período de três anos como previsto no art. 693º,nº2 do CC.
*
III. Fundamentação de facto.

Os factos que foram dados como provados na sentença sob recurso são os seguintes:

“1- A Exequente dedica-se à atividade bancária.
2- A 29/11/2012, a Exequente celebrou com os Executados CC e EE o contrato de empréstimo pessoal sob a forma de mútuo (ao qual foi internamente atribuído o n.º ...49), mediante o qual a primeira emprestou aos segundos a quantia de € 60.000,00, a qual foi depositada na conta de depósito à ordem n.º ...01, conforme documento n.º ... junto com o requerimento executivo, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
3.- Acordaram as partes que o capital mutuado seria reembolsado pelos Executados, acrescido dos respetivos juros, em 120 prestações mensais e sucessivas de capital e juros, a primeira com vencimento a 29/12/2012 e as restantes em igual dia dos meses subsequentes.
4 - Foi convencionado pelas partes que o capital mutuado vencia juros, calculados semestralmente, à taxa resultante da Euribor a seis meses, acrescida de um spread de 8,0000%, correspondente, à data de celebração do contrato, a uma taxa de juro nominal de 8,4120% e a uma taxa anual efetiva de 11,2358%.
5 - Estabeleceram ainda as partes que, sempre que se verificasse o atraso ou o não pagamento pontual das prestações, os Executados ficavam obrigados a pagar, a título de cláusula penal, uma sobretaxa legal moratória, atualmente de 3%, que acrescia à taxa de juro nominal em vigor à data da constituição da mora.
6.- A quantia mutuada seria creditada na conta de depósito à ordem n.º ...01 em nome dos Executados e para os fins supra identificados, ou seja, para liquidação dos contratos n.º ...58 e n.º ...52, conforme documento n.º ... junto aos autos no passado dia 23-06-2022.
7.- Facto esse que se verificou no próprio dia, ou seja, a 29/11/2012, conforme documento n.º ... junto no passado dia 23-06-2022.
8.- A quantia assim mutuada visou a liquidação de duas responsabilidades assumidas pelos CC e EE nos contratos n.º ...-8 e n.º ...-2 juntos aos autos no passado dia 11-11-2021, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
9.- O contrato n.º ... é um contrato de mútuo que visou a instalação por parte dos executados CC e EE de uma pastelaria, conforme a cláusula primeira desse contrato.
10.- E o contrato n.º ... é um contrato de abertura de crédito em conta corrente, conforme a cláusula primeira desse contrato.
11.- Os embargantes tinham conhecimento dos valores em dívida, uma vez que a aqui embargada lhes remeteu, no transato dia 06/09/2019, uma carta de interpelação para regularização do incumprimento, conforme documento n.º ... junto com a contestação, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
12.- Para garantia do cumprimento de todas as responsabilidades assumidas ou a assumir, em 15/01/2008, por escritura pública exarada de fls. 3 a 6 do Livro de Notas n.º 152-B do Cartório Notarial a cargo da Dra. DD, os Executados FF, GG, AA e BB constituíram a favor da ora Exequente uma hipoteca com cláusula de efeito abrangente sobre o prédio urbano sito no lugar ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória sob o n.º ...50 da referida freguesia e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ...25, conforme documentos n.ºs ... e ... juntos com a contestação, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
13.- Os Executados são, na presente data (06/02/2020), devedores à Exequente de um valor total de € 73.434,15, a que corresponde: _ € 54.493,80 a título de capital; _ € 14.765,85 a título de juros remuneratórios contados desde 27/06/2016 até 20/11/2019, à taxa convencionada acima descrita acrescida da sobretaxa moratória devida, atualmente de 3%; _ € 794,27 a título de juros moratórios desde 22/11/2019 até à presente data, calculados às taxas legais sucessivamente em vigor aplicáveis aos créditos de que são titulares as sociedades comerciais, atualmente fixada em 7,00%; _€ 3.380,23 referente a despesas contratualmente previstas, acrescidos dos respetivos juros de mora vincendos à taxa contratualizada.
***
5.2.- Factos provados com relevância para a decisão da causa:
Não se provaram os demais factos alegados pelas partes que não estejam mencionados nos factos provados ou estejam em contradição com estes, nomeadamente, os seguintes:
- O banco exequente não informou os embargantes do valor em dívida.
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IV. Do objecto do recurso.
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1. Em sede de recurso, os apelantes impugnam a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância.

Dispõe o artigo 640º do CPC, que:

 “1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) (…);
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.».
No caso dos autos, verifica-se que o recorrente indica quais os factos que pretende que sejam decididos de modo diverso, bem como os meios probatórios que na sua óptica o impõe(m), pelo que podemos concluir que cumpriu suficientemente o ónus estabelecido no citado artigo 640.º.  
Assim, este presente Tribunal pode proceder à reapreciação da matéria de facto impugnada, uma vez que dispõe dos elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os factos em causa.
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Resulta das conclusões dos recorrentes que estes não concordam com a resposta ao ponto 6 do elenco dos factos provados, pretendendo que seja alterada a sua redação.

Foi dado como provado no ponto 6 o seguinte:

“ 6.- A quantia mutuada seria creditada na conta de depósito à ordem n.º ...01 em nome dos Executados e para os fins supra identificados, ou seja, para liquidação dos contratos n.º ...58 e n.º ...52, conforme documento n.º ... junto aos autos no passado dia 23-06-2022.”
Pretendem seja alterado com a seguinte redação:
“ A quantia mutuada seria creditada na conta de depósito à ordem n.º ...01 em nome dos Executados e para os fins supra identificados, ou seja, para re-estruturação regularização de dívida com regularização de saldos devedores e liquidação/extinção dos contratos nº ...-8 e nº ....2, conforme documento n.º ... junto aos autos no passado dia 23-06-2022”.
Para o efeito alegam que dado que o contrato de mútuo foi junto pela Embargada e não foi objeto de impugnação, com base neste mesmo documento, nomeadamente da cláusula 1º ressumam aqueles segmentos, pelo que deve ser alterado o facto 6.
Ora, aquele ponto 6 dos factos provados refere-se ao que ressuma do contrato de mútuo e“ fins indicados” e concretiza “ liquidação dos contratos nº ...-8 e nº ....2” e o ponto 8 dos factos provados e não impugnado consta o destino dado aquela quantia mutuada.
Os recorrentes pretendem que ipisis verbis conste dos factos provados o que ressuma do contrato de mútuo quanto à finalidade dada à quantia mutuada e com referência à cláusula 1º do contrato, pelo que e apesar da redação já contida no ponto 6º e de o ponto 8º não ter sido impugnado, não se vislumbra razão para não se incluir no ponto 6 o segmento pretendido, atento o rigor imprimido ao mesmo.

Assim sendo deverá sofrer a alteração pretendida o ponto 6 dos factos provados, passando a sua redação a ser a seguinte:
A quantia mutuada seria creditada na conta de depósito à ordem n.º ...01 em nome dos Executados e para os fins supra identificados, ou seja, para re-estruturação regularização de dívida com regularização de saldos devedores e liquidação/extinção dos contratos nº ...-8 e nº ....2, conforme documento n.º ... junto aos autos no passado dia 23-06-2022”
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2. Da questão de (in)suficiência ou (in)exequibilidade dos títulos executivos quanto aos valores em dívida e se o montante peticionado a título de “ conta despesa” pelo Exequente, preenche os necessários requisitos para a sua exigibilidade.

Ora, desde já, diremos que nosso anterior acórdão do TRG depois de ter sido analisada a grande questão ali em apreço (-da insuficiência ou inexequibilidade do título: seja considerando o título executivo dado à execução como sendo a escritura pública de hipoteca, seja o contrato de mútuo ( documento particular)) e, tendo sido convidado o exequente a aperfeiçoar o requerimento executivo, este fê-lo indicando detalhada liquidação da dívida exequenda e juntando os títulos e a prova complementar necessária e em falta e nada foi dito pela parte contrária.
Chegados aqui, importa, pois, relembrar o seguinte:
De acordo com o art. 10º, nº 5, do NCPC, o título executivo constitui a base da execução e por ele se determina o fim e os limites da ação executiva.
Assim, a análise do título deve demonstrar, sem necessidade de outras indagações, tanto o fim como os limites da acção executiva.
Ora, o que resulta da análise e interpretação dos contratos de mútuo e hipoteca e documentos complementares que titulam a assunção por parte dos mutuários da obrigação de pagarem a dívida mutuada e todas as despesas judiciais e extrajudicias havidas pela mutuante em caso de incumprimento?
Que os ora embargantes se obrigaram e garantiram por via da hipoteca constituída, o pagamento da dívida mutuada e despesas devidas no contrato até ao montante constante do empréstimo acordado com garantia de hipoteca levada ao registo predial.
Ora, uma vez que tal obrigação assumida pelos mutuários e hipotecários, no caso em apreço, não seria independente da prova da realização das despesas pelos mutuantes e da quantia efetivamente mutuada, atenta a não impugnação dos factos provados a respeito, nomeadamente o ponto 13º e que se baseou nos documentos juntos e não impugnados, nomeadamente os documentos juntos após a junção do requerimento executivo aperfeiçoado e que não sofreu contestação, concluímos que nada mais é sequer discutível, neste particular.
Consigna-se que, em verdade, não se olvida que, na oposição deduzida, os embargantes, desde logo, impugnaram não só o valor da dívida mutuada e as despesas ( art.15º), contudo, em face do novo requerimento aperfeiçoado com liquidação das quantias concretizadas e junção dos documentos complementares, na verdade, não houve sequer pronúncia, não tendo sido impugnados tais documentos e alegação, pelo que o tribunal deu por provados aqueles factos ( nomeadamente o ponto 13, que refere serem os executados devedores da dívida total de 73.434,15 correspondente ao capital mutuado …e despesas,), que igualmente não foram impugnados por via recursória.
Em suma, se não há dúvida de que seria matéria sujeita a prova complementar, a verdade é que não tendo sido impugnada tal matéria, por via recursória, nomeadamente o facto provado nº13 donde consta, além do mais, o valor das despesas, é esse o valor em que se fixam as mesmas.
O mesmo se diga a respeito da quantia mutuada, conjugadamente com os restantes factos dados como provados e não impugnados.
Por tudo, improcede, neste particular, a apelação.
E não se diga simplesmente que não foram juntos documentos que solicitaram ( cfr. conclusão 38º e ssgs).
Mas, para que efeitos, por via recursória, importa tal alegação? Qual o ponto de facto impugnado? Tal alegação igualmente não serve para consubstanciar inexigibilidade da dívida exequenda, porquanto atentos os factos provados e não impugnados, é a mesma certa, líquida e exigível.
Por outro lado, diga-se que não se vislumbra porque razão alegam os recorrentes que não tendo sido juntos os extratos/conta corrente dos dois antigos contratos, seria de todo impossível verificar se os montantes cobrados para a respetiva extinção/liquidação eram os devidos, quando o que importa, no caso vertente, é o contrato de mútuo dado à execução, donde ressuma a finalidade do empréstimo ( liquidar/extinguir os outros dois contratos de crédito empresariais e em que os executados assumiram o pagamento) e documentos comprovativos de depósito da quantia mutuada na conta também ali consignada.
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3. Da (in)observância, pela Exequente, dos procedimentos previstos no Decreto-Lei n.º 227/2012 de 25 de Outubro e no DL 349/98 de 11 de Novembro e o conceito de consumidor para efeitos de integração no PERSI.

Alegam os recorrentes que o contrato aqui em discussão está abrangido pelo âmbito de aplicação do PERSI - Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento resultando inequívoco a exigência legal de integração no PERSI, face às disposições legais aplicáveis e atenta a factualidade assente, nomeadamente – aduzem- “apenas porque se destinava o contrato de mútuo também a liquidar dois contratos mercantis não significa que os mutuários tenham agido de forma profissional”.
Concluem que faltam elementos probatórios para demonstrar que os mutuários agiram de forma profissional.
Na decisão recorrida entendeu-se que atenta a noção legal de “cliente bancário” para efeitos de integração no PERSI, “os ora embargantes não têm a qualidade de mutuários, mas apenas e tão só a qualidade de meros garantes, com o seu património, das responsabilidades presentes e futuras que os executados …. o assumiram junto do banco exequente. Na verdade, os ora embargantes não intervieram no dito contrato de hipoteca na qualidade de “cliente bancários”.
Concluindo-se assim “que não ocorreu a reclamada violação do dever contratual do banco exequente de integrar os ora embargantes no regime legal PERSI.”
Ainda deixou consignado, no que respeita ao contrato de mútuo em causa, “ Também por esta razão, os ora embargantes nunca poderiam integrar o conceito de “cliente bancário” porquanto, repete-se, o contrato que os mutuários (e não os embargantes) subscreveram visou garantir o pagamento de uma dívida que visou a regularizações de duas dúvidas constituídas pelos mutuários, enquanto empresários.”.

Vejamos.

Desde já diremos que, salvo o devido respeito, concordamos com o entendimento plasmado na sentença recorrida.
A sentença é clara e bastante desenvolvida quanto ao regime e aplicação do PERSI, em abstrato, e discorre exaustivamente sobre os conceitos em causa, inclusive aludindo ao preâmbulo de tal diploma legal e fundando-se na melhor doutrina e jurisprudência, pelo que nos dispensamos de prosseguir tal caminho, ali já perfeitamente trilhado.

Ainda assim e para contextualizar, diremos o seguinte:
Nos últimos anos, tem assumido particular relevância a discussão, quer na doutrina, quer na jurisprudência, a definição do conceito de consumidor para efeitos de integração no PERSI.
Com efeito, em análise está apenas o problema de saber qual a noção de consumidor subjacente àquele diploma legal que instituiu o PERSI, porquanto da noção que se adote decorrerá uma aplicação mais ampla ou mais restrita do mesmo.
Ora, também entendemos, tal como a maioria da jurisprudência, que, no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, o «cliente bancário» é o “consumidor”, na definição dada pelo n.º 1 do artigo 2.º da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, que intervenha como mutuário em contrato de crédito (artigo 3.º, alínea a)). Ou seja, em suma, o âmbito de aplicação subjetiva do PERSI é exclusiva dos clientes bancários enquadráveis no conceito legal de consumidor para efeitos da lei do consumo.
De acordo com a Lei de Defesa do Consumidor “considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios” (artigo 2.º, n.º 1, da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho).
Temos, assim, um conceito restrito legalmente pré-definido.
Cremos que com a técnica legislativa utilizada se visou, atento o conceito restrito de consumidor, integrado pelas notas típicas que se colhem nas definições legais formuladas no âmbito do direito do consumo, essencialmente, razões de segurança conceitual e de certeza na aplicação do direito.
No caso vertente, sobre a finalidade do empréstimo, sabe-se o que consta do ponto 6 e 8 dos factos provados: (…) visou a liquidação das duas responsabilidades (dos mutuários) nos contratos anteriores pelos mesmos realizados e intitulados “crédito à tesouraria das empresas/crédito integrado flexível” e outro “ contrato escrito de mútuo”, com finalidades este para “realizar obras de montagem de café/pastelaria” ; dito de outro modo o mútuo com hipoteca foi“ para re-estruturação regularização de dívida com regularização de saldos devedores e liquidação/extinção dos contratos nº ...-8 e nº ....2”, ou seja, como os próprios recorrentes aludem foi “para liquidar e regularizar dois contratos mercantis”.
Desde já, se consigna, que a alteração da redação do ponto 6 dos factos provados em nada altera a decisão recorrida e raciocínio ali plasmado, porquanto do pouco que se sabe sobre a finalidade do mútuo, nada mais sobrevindo dos autos que não a regularização de saldos devedores relacionados apenas com aqueles dois contratos anteriores, que indubitavelmente colocam os mutuários a agirem de modo profissional, e enquanto empresários ( do ramos de café e pastelaria), então apenas uma hipótese se perfila: os mutuários não utilizaram o empréstimo para uso pessoal, mas sim para uso profissional e, tudo com intervenção, em todos os contratos, dos ora recorrentes garantes hipotecários daqueles mutuários.
Do que consta dos factos provados infere-se que tenha tido por finalidade restruturar e regularizar dívidas anteriores e liquidar/extinguir aqueles contatos anteriores ali identificados, os quais, entre outros, serviram para o financiamento de obras de café/pastelaria. O que seja, apresenta-se verdadeiramente como atividade de cariz empresarial e não de consumo pessoal.
Ao contrário do sustentado pelos recorrentes, dos autos não se retira nada no sentido de que “ decidiram reunir num só contrato todas as suas dívidas seja de natureza mercantil ou pessoal”, porquanto apenas em todos os contratos em que intervieram apenas se faz referência aos contratos de mútuo para obras e financiamento do café/pastelaria.
Por conseguinte, os dados assentes nos autos não permitem concluir que estes clientes bancários sejam os consumidores a que se destina o Persi.
Os mútuos tiveram lugar no âmbito do desenvolvimento da tal atividade de café/pastelaria e seu financiamento( inclusive foi canalizado para obras), neste caso, com a expectativa, na altura obviamente, de um benefício futuro o que diverge do consumo por este propiciar a aquisição de bens ou serviços com vista à sua utilização, e que as mais das vezes resulta na destruição ou substancial degradação desses bens ou serviços, o que não resultou, de todo em todo, no caso sub judicio.
Para além de terem sido invocados diversos fundamentos para os embargos, que urge ainda analisar, não há na matéria de facto assente qualquer dado que permita considerar que nesta operação bancária os embargantes atuaram como consumidores que aquele regime legal visa proteger.
Não alegaram na petição inicial da oposição os embargantes que deveriam ter sido integrados num Persi e que não foram, contra sua vontade, ou que o mesmo decorreu com incidentes e violação dos seus direitos. Apenas em sede de audiência prévia suscitaram a sua não integração no PERSI, porque no seu entendimento se trata de um “empréstimo pessoal” e conforme supra analisámos não se conclui, de modo algum, que assim seja.
Face aos factos assentes não se vislumbra a possibilidade de aplicação do Persi ao caso sub judice.
Improcede, pois, a apelação com este fundamento.
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4ª questão: a hipoteca em que os ora embargantes se responsabilizaram perante os mutuários executados é nula, por indeterminação do seu objeto, em termos temporais?

Os recorrentes, reportando-se à redação da cláusula 2ª da escritura constitutiva de hipoteca, sustentam que “ atenta a total falta de efectivo e determinável limite temporal de duração da hipoteca, a adequada interpretação dos artigos 627.º e 628.º do Código Civil leva à nulidade da hipoteca ao abrigo do artigo 280.º do Código Civil, que se mostram violados… pois a hipoteca não prescinde de um limite temporal e nada a limita no tempo”.
Ou seja, os recorrentes defendem a nulidade da hipoteca por indeterminabilidade temporal.
Consideram valerem os mesmos argumentos que servem para considerar nula a fiança omnibus por constituir um negócio de objeto indeterminável, em que o crédito reclamado foi constituído em momento posterior ao da constituição da hipoteca, porquanto, em seu entender, não consta da escritura qualquer critério que permita determinar objetivamente, o âmbito das obrigações garantidas com a hipoteca, no tempo.
Ao contrário do que alegam os recorrentes, a sentença pronunciou-se sobre o tema em causa, quando se referiu à “ determinabilidade do objeto da hipoteca”, alicerçando-se em jurisprudência publicada.
Com efeito, ali decidiu-se que não estamos perante qualquer negócio jurídico nulo, mas perante hipoteca legalmente constituída, não obstante poder entender-se que a mesma garante obrigação (crédito bancário) futura ou eventual.
Vejamos.
Ora, como se sabe, a hipoteca, como garantia real das obrigações, confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo (artº 686º, nº 1, do Código Civil).
A obrigação garantida pela hipoteca pode ser futura ou condicional (nº 2 do mesmo preceito).
No entanto, a vulgarmente designada hipoteca genérica, para ser válida, tem de obedecer a parâmetros objetivos de determinabilidade.
Este tipo de garantia, que também se poderia designar por hipoteca sem limite (ou «plafond») máximo, não parece que possa ser válido quando não haja elementos que permitam a sua determinação; ou seja se no momento da constituição for indeterminável. Tal como acontece com a fiança, a lei permite a constituição de hipoteca como forma de garantia de dívida futuras (artigo 686.º, n.º 2, do Código Civil), mas, em qualquer caso, do contrato tem de constar um critério objetivo para a determinação da prestação garantida ou a garantir.[1]
É que o objeto da obrigação não pode ser indeterminável, sob pena de nulidade, de acordo com o disposto no nº 1 do artº 280º.
Como dizem Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte (in ob cit,, 4ª ed., 35,36), “ nada obsta a que o objeto do negócio esteja, a dada altura, indeterminado; o que não pode ser é indeterminável. Há uma diferença jurídica, para além de linguística, entre “indeterminado” e “indeterminável”: a prestação pode ser indeterminada, mas determinável, desde que se possa saber, no momento da constituição, qual o seu teor através de um critério para proceder à fixação do respetivo objeto (...). A prestação será indeterminável se não existir um critério para proceder à sua determinação.”
O problema põe-se com mais acuidade em relação à fiança genérica, em que há uma obrigação pessoal do fiador perante o credor, correspondente à do devedor principal (cfr. artº 627º).
No que diz respeito à hipoteca, que é o que está em discussão nos presentes autos, segundo aqueles autores (Romano Martinez e outro, ob. cit., pág.78), do contrato tem de constar um critério objetivo para a determinação da prestação garantida ou a garantir não revestindo, todavia, a hipoteca genérica a mesma complexidade da fiança omnibus, pois do registo constará o valor garantido. Deste modo, mesmo que a hipoteca garantisse qualquer obrigação a constituir, estaria sempre limitada pelo montante constante do registo.
Está em causa a característica da especificidade ou especialidade e que implica que estejam “determinados no título e no registo os elementos relativos ao crédito garantido: o montante, os acessórios e os juros abrangidos pela oneração. A razão de ser desta exigência é a proteção de terceiros que devem ter a possibilidade de conhecer, em termos exatos e através da publicidade registral, a oneração que impende sobre o prédio[2].
Daí a doutrina e jurisprudência admitem geralmente a validade da hipoteca omnibus, considerando que esta não é uma garantia de conteúdo indeterminado, dada a exigência do montante máximo assegurado constar do registo.
Daí a necessidade de, conforme se prevê no art. 707º do CPC, no caso de o título prever obrigações futuras ou condicionais, o exequente ao peticionar o montante dos créditos garantidos juntar ao título constitutivo da hipoteca os designados documentos complementares, aliás situação que ocorreu nos presentes autos, de modo bastante sublinhado, atento o convite que foi ordenado fazer-se, no primeiro acórdão por nós prolatado, ao exequente naquele sentido.

Em suma: a determinabilidade do objeto da garantia apenas é exigida quanto ao objeto sobre que recai e quanto ao montante do crédito garantido.
Ao contrário do defendido pelos apelantes, esta determinabilidade não abrange um qualquer elemento temporal.

Acresce dizer que a hipoteca é acessória em relação ao direito de crédito subjacente.
O carácter acessório exprime-se, em primeiro lugar, no plano da existência da hipoteca: a garantia só existe e só subsiste enquanto existe o crédito que garante e o desaparecimento deste implica, inevitavelmente, a extinção da garantia[3]
Assim sendo, por via de regra, a hipoteca somente se extingue com a extinção da obrigação garantida (cf. art.º 730.º, alínea a), do C Civil).
No caso sub judicio, além de constar do registo o valor máximo garantido pela hipoteca, é perfeitamente determinável o objeto da obrigação a constituir, visto que conforme se lê na sentença “ o titulo constitutivo da hipoteca identifica de um modo claro e objetivo o valor máximo e respetivos encargos que essa hipoteca garante [114.937,50 euros], identifica o tipo de relação negocial que pode originar essa dívida (…) e identifica o bem que garante o pagamento dessas responsabilidade em caso de incumprimento.”
Por conseguinte, ressuma dos presentes autos que as partes fixaram um critério delimitador da responsabilidade dos recorrentes, definindo o objeto sobre que recai a hipoteca e o montante máximo de crédito garantido. É quanto basta para considerar que se trata de uma hipoteca com objeto determinável.
Ou seja, previram que quaisquer operações bancárias legalmente permitidas, designadamente mútuos, desconto de letras e/ou livranças, empréstimos, e qualquer crédito concedido e que sejam devedores, garantias bancárias e avales, locações financeiras mobiliária e/ou imobiliárias, se encontram garantidas pela hipoteca, até ao limite global de 114.937,50 euros.
Pelo que estamos perante um caso paradigmático: a hipoteca apenas se extinguirá com a extinção da obrigação garantida.
Improcede, igualmente, neste particular, a apelação.
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5. Dos juros peticionados e o período coberto a considerar: limitação ao período de três anos como previsto no art. 693º,nº2 do CC.

Na sentença considerou-se pacificamente e aliás os recorrentes reconhecem isso que “ que por causa desta limitação temporal, a hipoteca que onera o identificado imóvel está limitada, quer no que diz respeito a juros moratórios vencidos após o incumprimento do mutuário, a este prazo de 3 anos.”
Mas a sentença também seguiu a jurisprudência maioritária e da qual parece ser  representativo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça ali citado, pelo que considerou ainda o seguinte:
Para lá desse período de três anos, os juros moratórios e compensatórios não gozam de garantia hipotecária, sendo créditos comuns.
Neste sentido, cfr. douto Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, datado de 27.6.2006, publicado na CJSTJ, Ano XIV, Tomo II, pág. 135, cujo sumário afirma o seguinte: “I – Tratando-se de juros, a hipoteca nunca abrange, não obstante convenção em contrário, mais do que os relativos a três anos. II – A contagem desse período dos três anos de juros abrangidos pela hipoteca deve ter lugar a partir do momento em que os primeiros juros forem exigíveis.”.
Neste contexto, é manifesta a improcedência desta matéria de exceção invocada pela embargante porquanto a obrigação tinha data de vencimento no dia vinte e sete de julho de 2016 e na presente ação executiva a embargada não peticiona juros remuneratórios e respetiva sobretaxa fora deste limite temporal.
Esta a jurisprudência maioritária e com a qual concordamos.
Vejamos.
O artº 693º, nº2, do CC é também emanação do já supra referido princípio da especialidade ou da especificação, ínsito no art. 96º do Código Registo Predial, que tem, precisamente, por fundamento a satisfação do interesse público da proteção de terceiros e da segurança no comércio jurídico dos bens.
O Prof. RUI PINTO refere que “ uma dúvida que se coloca sobre o sentido do nº2 ( em cuja solução o nº3 pode ter um papel)- dúvida essa que releva quando a taxa de juros vencidos varie no período em causa- é a de como contar esse prazo, ou por outras palavras, qual o lapso de tempo a considerar não abrangido pela hipoteca: o que excede os três anos a contar do vencimento ou o que excede três anos a contar ( para trás) do momento final relevante ( o da venda judicial)?”[4]
Este mesmo autor assinala que a dúvida não existiria se tivesse sido adotada a proposta de articulado de Vaz Serra : “ tal extensão compreende os juros correspondentes ao ano corrente à data da penhora e aos dois anos anteriores…”.
Na opinião daquele autor “ atentas as razões de ser do preceito, julgamos que o período a considerar como coberto tem de ser o dos últimos três anos ( os restantes estão abrangidos por algo que se diria uma prescrição da garantia.” ( in ob cit).
No entanto, temos a opinião oposta, designadamente na jurisprudência maioritária de que é exemplo o citado ac. dos STJ de 27-06-2006 e que explicando o exato alcance do artº 693º,nº2, do CC, realça o seguinte;
Assim, quanto a juros, há que atender ao prescrito no n.º 2, do citado art.º 693.º: a hipoteca nunca abrange, não obstante convenção em contrário, mais do que os juros relativos a três anos.
Alterou-se o princípio, que era duvidoso, do art.º 900.º do Código Civil de 1867, não obstante a alteração introduzida pelo decreto n.º 19126, de 16 de Dezembro de 1930.
O facto da hipoteca só abranger os juros dos últimos três anos, não obsta a que se registe nova hipoteca em relação aos juros vencidos ( art.º 693.º, n.º 3), nem que se executem juros por mais de três anos, estando, porém estes, excluídos da garantia hipotecária.
Além disso, se os juros tiverem sido capitalizados, não se lhes aplica a restrição do art.º 693.º”.
Também Pires de Lima e Antunes Varela[5], e a propósito da indicação rígida dos juros de três anos, comentam que tem a mesma, sem concretização dos períodos a que respeitam, “a vantagem de afastar muitas dúvidas que se suscitam noutros países, como, por exemplo, a de saber se estão garantidos por hipoteca os juros vencidos durante a execução, e terá ainda a vantagem de estimular, para além de certo limite, a diligência do credor exequente. Também a proibição de convenção em contrário mostra que é no interesse de terceiros que se estabelece a limitação do n.º 2; os juros poderiam cumular-se sem conhecimento destes.”
Em suma: nada obsta assim a que, no requerimento inicial executivo, reclame o exequente os juros vencidos e vincendos desde o início do incumprimento e até à data da propositura da ação coerciva, e isto ainda que ultrapassem eles mais do que os relativos a três anos, não obrigando tal circunstância à imediata intervenção corretiva do julgador nos termos do artº 726º, nº3, do CPC, sem prejuízo da ressalva de que os juros que excedam o período de três anos exigíveis como crédito comum, são devidos mas não beneficiam da garantia bancária, pelo que os terceiros garantes não respondem pelos juros que ultrapassam os três anos, contados a partir da data do incumprimentos.
Assim sendo, e mais uma vez improcedem os argumentos dos apelantes, porquanto calculados os juros nos termos supra expostos e conforme julgamento plasmado na sentença, temos pedidos juros remuneratórios de 27.06.2016 a 20.11.2019, e garantidos por hipoteca durante aqueles três anos após 27.06.2016, apenas com a correção de que serão os abrangidos até 27.06.2019 ( e não 20-11-2019).
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VI. Decisão.

Perante o exposto, acordam os Juízes desta 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em:
- julgar improcedente a apelação dos executados/embargantes, apenas se determinando a correção oficiosa dos juros garantidos por hipoteca a considerar até 27.06.2019 ( e não até 20.11.2019).

Custas da apelação pelos embargantes.
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Guimarães, 27 de abril de 2023

Assinado eletronicamente por:
Anizabel Sousa Pereira
Jorge dos Santos
Margarida Pinto Gomes


[1] Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte, in Garantias de Cumprimento, 1994, Almedina, pág. 77,78.
[2] Comentário ao CC, UCP, p. 912, Isabel Menéres Campos em anotação ao art.686º do CC.
[3] Comentário ao CC, UCP, p. 912, Isabel Menéres Campos em anotação ao art.686º do CC.
[4] In CC Anotado, Ana Prata ( coord.), 2ªed. revista e atualizada,2021, Vol I, p. 914,915
[5] Em CC Anotado, VOLUME I, 4ª Edição, Coimbra Editora, anotação ao artº 693º, p. 717