Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
190/12.0TBAVV.G2
Relator: ANTÓNIO FIGUEIREDO DE ALMEIDA
Descritores: INSPECÇÃO JUDICIAL
DESCOBERTA DA VERDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/12/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1) A inspeção judicial é um meio probatório que só deve ser afastado quando não contribuir, ou contribuir pouco para o esclarecimento da matéria de facto sobre que incide, ou seja, quando não tenha relevância para a descoberta da verdade material;
2) Trata-se de um poder-dever, que só poderá deixar de ser exercido no caso da diligência requerida se mostrar de todo desnecessária ou inútil para a descoberta da verdade;
3) Se perante os elementos de prova disponíveis se puder concluir pela utilidade abstrata da sua realização para que, no confronto com a demais prova produzida, se consolidar a convicção do tribunal, reforçando ou alterando a decisão a proferir sobre a matéria de facto, então impõe-se a realização da inspeção judicial.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I. RELATÓRIO
A) José F e esposa Maria F, vieram intentar ação com processo comum, na forma sumária contra Cesário F e esposa, melhor identificada como Cecília A, onde concluem entendendo dever ser julgada a ação procedente, por provada e, em consequência:
a) Declarar-se que os autores são donos e legítimos possuidores, com exclusão de outrem, do prédio rústico composto por terreno de pinhal e mato, denominado “Monte de Paço Velho”, sito na Água Levada, do lugar de Paço Velho, da freguesia de Paçô, desta comarca e concelho, com área de 853 m2, a confrontar do norte com Manuel Afonso Petada, do nascente com Caminho Municipal, do sul e do poente com Cesário Ferreira Gomes, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo 262 a favor da autora e descrito na Conservatória do Registo Predial de Arcos de Valdevez sob o nº 404, da freguesia de Paçô, desta comarca e concelho;
b) Condenar os réus:
1º A reconhecer o direito de propriedade dos autores sobre o prédio identificado no nº 1 da P.I.;
2º A restituir a parcela de terreno que é parte integrante daquele prédio, e que ocuparam indevidamente;
3º A repor a configuração do prédio, a suas expensas;
4º A absterem-se de praticar quaisquer atos lesivos do direito de propriedade dos autores sobre o referido prédio;
5º A pagar aos autores, para ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência da conduta deles, Réus, a indemnização de 1.900 Euros, acrescida de juros à taxa legal em vigor a contar da citação.
Os réus Cesário F e Cecília A apresentaram contestação e deduziram pedido reconvencional onde concluem entendendo dever ser julgada improcedente, por não provada, com a condenação dos autores em multa e indemnização como litigantes de má-fé e procedente e provada a reconvenção e, consequentemente:
a) Declarar-se frente aos autores que os réus-reconvintes são proprietários legítimos do prédio identificado no artigo 1º e 2º da contestação-reconvenção, com extensão e os limites assinalados a tracejado na planta topográfica junta como documento nº 1;
b) Condenarem-se os autores a reconhecer aquele direito de propriedade dos réus e a não os estorvarem do seu normal exercício.
Os autores José F e Maria F apresentaram resposta onde concluem como na petição inicial.
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B) Foi elaborado despacho saneador e dispensada a audiência preliminar e a fixação da base instrutória.
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Realizou-se julgamento e foi proferida sentença onde se decidiu julgar parcialmente procedente a ação intentada pelos autores José F e Maria F contra os réus Cesário F e Maria A e, em consequência:
I. A) Declarar que os autores são donos e legítimos possuidores, com exclusão de outrem, do prédio rústico composto por terreno de pinhal e mato, denominado “Monte de Paço Velho”, sito na Água Levada, do lugar de Paço Velho, da freguesia de Paçô, desta comarca e concelho, com área de 853 m2, a confrontar do norte com Manuel Afonso Petada, do nascente com Caminho Municipal, do sul e do poente com Cesário Ferreira Gomes, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo 262 a favor da autora e descrito na Conservatória do Registo Predial de Arcos de Valdevez sob o nº 404, da freguesia de Paçô, desta comarca e concelho;
B) Condenar os réus a restituírem a parcela de terreno que é parte integrante daquele prédio, e que ocuparam indevidamente, a repor a configuração do prédio, a suas expensas e ainda a absterem-se de praticar quaisquer atos lesivos do direito de propriedade dos autores sobre o referido prédio;
C) Condenar os réus a pagarem aos autores o montante de €300 (trezentos euros), a título de danos patrimoniais;
D) Absolver os réus do demais peticionado;
E) Julgar improcedente a reconvenção, dela absolvendo os autores;
F) Condenar autores e réus no pagamento das custas processuais da ação de acordo com os respetivos decaimentos, nos termos do artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil e artigos 1º, 3º e 6º, n.º 5 do Regulamento das Custas Processuais e tabela I-c anexa, fixando-se 1/7 a cargo dos autores e 6/7 a cargo dos réus.
II. Julgar improcedente o pedido formulado pelos réus de condenação dos autores como litigantes de má-fé, em multa e indemnização, e condenar os réus no pagamento das custas desse incidente, que se fixam em 2 UC (duas unidades de conta) - artigo 527º nº 1, do Código de Processo Civil e artigo 7º nºs 3 e 6 do Regulamento das Custas Processuais e tabela II anexa a esse diploma legal.
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C) Inconformados, os réus Cesário F e Cecília A, vieram interpor recurso que foi admitido como sendo de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito devolutivo (fls. 442).
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Nas alegações de recurso os réus Cesário Ferreira Gomes e Cecília Armanda Afonso Alves Gomes, são formuladas as seguintes conclusões:
I - O Tribunal “a quo” deveria ter considerado como factos não provados que:
1.1. − Os Autores José F e esposa Maria F são donos e legítimos possuidores de um prédio rústico composto por terreno de pinhal e mato, denominado “Monte de Paço Velho”, no sítio da Água Levada, do lugar de Paço Velho, da freguesia de Paçô, Arcos de Valdevez, com área de 853 m2, a confrontar do norte com Manuel A, do nascente com Caminho Municipal, do sul e do poente com Cesário F, com a configuração constante da planta topográfica junta e que se dá por integralmente reproduzida.
1.4. − Da última avaliação geral à propriedade rústica no concelho de Arcos de Valdevez, ocorrida no ano de 1999, resultou que a área que consta atualmente inscrita na matriz - 1.500 m2 – e a confrontação do nascente - João H – estão incorretas.
1.5. – Apesar do prédio estar devidamente delimitado, há mais de 20, 30, 40, 50 anos, as medições efetuadas, constantes do registo e da matriz predial, não retratam a sua realidade.
1.6. – O prédio tem, na realidade, 853 m2, área que sempre foi possuída pelos anteriores donos e legítimos possuidores do prédio e pelos Autores, estes desde 1993 em continuação dos seus antecessores.
1.7. – Com a área de 853 m2, e com a configuração que consta da planta topográfica identificada como documento nº 1,
1.8. – Também a descrição do prédio na Conservatória do Registo Predial não está correta, designadamente no que tange à área, já que o prédio tem a área real de 853 m2, e a área que consta na referida descrição é de 570 m2.
1.9. − O título de aquisição e o registo foram realizados no ano de 1993, tendo por base as matrizes prediais em vigor àquela data no concelho e que, atualmente, já não vigoram.
1.10. − Os anteriores donos e possuidores do prédio, José M e Rosa C, pais da A. mulher, detiveram e usaram o prédio supra referido no nº 1 desde tempos imemoriais e por mais de 10, 20, 30 anos,
1.11. − … na convicção de que eram os seus legítimos possuidores e donos, e exerciam com direito próprio,
1.12. − … aproveitando as respetivas utilidades do prédio, dele retirando os frutos, designadamente o mato e as árvores – que utilizavam para consumo doméstico e para venda – limpando-o e pagando as respetivas contribuições.
1.13. – Tudo isto com exclusão de outrem,
1.14. − …de forma ostensiva,
1.15. − … ininterrupta,
1.16. − … à vista, com o conhecimento e reconhecimento de toda a gente,
1.17. − … e sem oposição de ninguém.
1.20. − Desde essa data, e até hoje, por si e em continuação dos seus antecessores, os Autores sempre atuaram com a convicção de que são donos e legítimos possuidores do referido prédio,
1.21. − … com exclusão de outrem,
1.22. − … que exercem com direito próprio,
1.23. − … à vista, com o conhecimento e reconhecimento de toda a gente,
1.24. − … e sem oposição de quem quer que seja,
1.25. – … de forma ostensiva e ininterrupta,
1.26. − … limpando-o, colhendo os seus frutos, designadamente a lenha de pequeno porte que aproveitavam para consumo doméstico,
1.27. − … e pagando as contribuições,
1.28. − … tudo em continuação dos seus antecessores.
1.34. − No início do mês de Outubro de 2009, os Réus decidiram iniciar trabalhos de remoção de terras no prédio dos Autores,
1.35. − … cortando as árvores que aí se encontravam plantadas.
1.36. − Apercebendo-se destes factos, o Autor avisou os Réus de que estavam a ocupar propriedade que não lhes pertencia e a cortar árvores que não eram suas e que, por isso, deveriam terminar os trabalhos.
1.37. − Ao que os Réus acederam, parando os trabalhos.
1.38. – No dia 11 de Novembro de 2009, sem prévio aviso, os Réus decidiram continuar os trabalhos de escavação, remoção e aplanamento de terras.
1.39. − Nestes trabalhos, os Réus ultrapassaram os limites da sua propriedade e ocuparam uma parcela de terreno com área de 482 m2, que é propriedade dos Autores e que faz parte do prédio supra identificado sob o nº 1.1.
1.40. − Cortaram um número indeterminado de árvores naquela área de 482 m2.
1.41. − Os Réus alteraram a configuração do prédio dos Autores, aplanando-o,
1.42. − Tudo sem o conhecimento e sem autorização dos Autores.
1.43. − Quando se apercebeu do sucedido, o Autor deslocou-se ao local, conversou com o Réu marido e pediu-lhe para repor a configuração do seu prédio na situação que anteriormente se encontrava.
1.44. − O Réu parou efetivamente os trabalhos, deixando lá as máquinas estacionadas durante cerca de dois meses.
1.45. − Desde essa data, até hoje, os Réus não repuseram a configuração do prédio dos Autores, apesar do Autor os ter tentado contactar, por diversas vezes, solicitando-lhes que o fizessem.
1.46. − Sendo irmão do Réu, o Autor inicialmente evitou recorrer às vias judiciais para fazer valer o seu direito.
1.47. − Os Réus não estão dispostos a conversar e arrogam-se proprietários da parcela de terreno identificada sob o número 1.1 recusando-se a repor a configuração do prédio.
II - O Tribunal “a quo” deveria ter considerado como provado que:
a. O Réu, desde a aquisição do seu prédio, por si e em continuação dos respetivos antecessores, tem usado e fruído os referidos prédios, o que faz há vinte, trinta e mais anos, ininterruptamente.
b. Dele aproveitando todas as suas utilidades e pagando os respetivos impostos.
c. Tudo isso à vista e com o conhecimento geral, sem oposição de quem quer que seja, como se de coisa sua se tratasse e com a convicção de quem exerce um direito próprio, como seu dono.
d. Na parte do terreno que não obteve financiamento para plantação de videiras, os RR. optaram por deixar crescer as arvores nele existente para os cortar quando tivessem maior porte, roçando mato e cortando lenha.
e. Na faixa de terreno, que os Autores agora reivindicam, foi precisamente o que sucedeu: os Réus deixaram as árvores nele existentes até que tivessem um porte suficientemente grande que justificasse o seu corte, o que sucedeu no início do ano de 2009.
f. o prédio dos RR está delimitado do prédio dos AA, pelos marcos A e C assinalados na planta junta pelos RR. com o articulado de contestação como doc 1.
g. O prédio dos AA. tem um formato triangular, limitado a norte pelos marcos identificados no doc 1 que acompanha a PI e a sul pelo marco que se encontra ao lado do poste a nascente do caminho municipal.
h. O prédio dos AA está totalmente limitado pelos marcos “A”, “B” e “C”, assinalados na planta junta pelos RR. com o articulado de contestação como doc 1
i. Os outros 2 marcos (“D” e “E”) identificados no levantamento junto com a PI como doc. nº 1 não existem, nem nunca existiram, vide doc 4.
j. O prédio dos AA não tem mais do que 400 m2.
k. O prédio dos AA diminuiu de área quando o caminho que o atravessava a nascente foi alargado e passou a ser estrada municipal.
l. Desde que o réu é proprietário do seu prédio que o autor cortou ou mandou cortar todas as árvores existentes no seu prédio, por duas vezes. Apesar disso, o autor nunca cortou as árvores existentes na parcela de terreno de que agora se arroga, apesar de no mesmo existirem, à data, árvores de porte maior do que aquelas que foram cortadas.
m. Pela alegada posse sobre o prédio, com a extensão e os limites assinalados a tracejado na planta junta aos autos como documento nº 1, exercida mais de 21 anos, continuadamente de boa-fé, com a maior publicidade e sem estorvos ou embaraços de ninguém
n. O réu, desde então, por si e em continuação dos respetivos antecessores, tem usado e fruído os referidos prédios, o que faz há vinte, trinta e mais anos, ininterruptamente.
o. Dele aproveitando todas as suas utilidades e pagando os respetivos impostos.
v. os marcos delimitadores da propriedade dos réus estão marcados com tinta cor de laranja,
vi. uma das faces do marco A aponta para o marco C.
III - Os depoimentos prestados em sede de audiência de discussão e julgamento por Manuel M, César A, Armindo S, José A, Salvador B, Manuel J, Rui M, os documentos juntos com a contestação e, em particular, a planta topográfica, bem como os documentos 3, 4 e 5 juntos com a PI, impõem decisão diversa sobre os pontos de facto impugnados diversa da sentença recorrida.
IV - O Tribunal a quo deveria ter realizado a inspeção ao local requerida, repetidamente, por ambas as partes, e que lhe teria permitido verificar se os marcos A e C tinham as marcas alaranjadas referidas por diversas testemunhas como sendo característica dos marcos do prédio dos réus, se a face do marco A apontava para o marco C e verificar se o muro existente por trás dos marcos B e C (indicados na planta junta com a contestação como doc 1) delimitava o terreno existente a nascente dos terrenos discutidos nestes autos e se nessas condições faria sentido a versão dos autores de que esse marco delimitava esse terreno e não o seu.
V- Estes factos são essenciais para a descoberta da verdade e a inspeção ao local era o meio mais adequado para a sua verificação, não tendo o Tribunal de se cingir aos depoimentos contraditório das testemunhas se o podia - e devia - verificar por si próprio.
VI- De resto, as partes são livres na escolha das provas que pretendem apresentar para a prova dos factos que alegaram.
VII - As fotos do local que os autores, juntaram aos autos, assim como outros meios probatórios juntos aos autos, não têm a capacidade para se substituírem à inspeção judicial requerida, consistindo, ao invés, em meros sucedâneos, parentes pobres da realidade que podia e devia ter sido apreendida no local pelo Exº Juiz.
VII- Inexiste nos autos quaisquer documentos ou outra prova que, por si, tornem desnecessária a inspeção judicial.
IX - No caso concreto, o que está em causa são os limites da linha de demarcação entre dois terrenos confinantes. Aliás, é o estabelecimento dessa demarcação que consubstancia a pretensão da autora na ação e dos réus na Reconvenção.
X- É neste tipo de ações que a inspeção ao local pode ser pertinente, já que se destina a examinar coisas in loco, facultando elementos muitas vezes imprescindíveis para o esclarecimento dos factos e que outros meios de prova não logram conseguir, e que neste caso se mostra indispensável ao apuramento da verdade.
XI - A determinação da inspeção judicial não constitui um mero poder discricionário do Juiz, mas antes um verdadeiro poder-dever.
XII - O princípio da cooperação rege não só as relações das partes com o tribunal (417 do CPC), como também nas do tribunal com as partes (artº7ºnº1). E por parte do tribunal manifesta-se não na discricionaridade do juiz em deferir ou indeferir sem fundamentação o pedido de uma diligência, mas contribuir para o esclarecimento dos factos e prossecução da verdade material.
XIII - A argumentação sustentada na sentença recorrida para a não realização da inspeção consubstancia um juízo de valor que não pode ser aceite perentoriamente sem fundamentação concreta, uma vez que o alcance pretendido constitui uma verdadeira negação da prova.
XIV - A douta sentença recorrida violou, nesta parte, o disposto no artigo 490º e ss. do Código de Processo Civil, bem como os princípios do inquisitório e da cooperação, com o entendimento contido nos artº 7º e 411º do Código de Processo Civil .
XV - Sem os elementos que o meio probatório que não foi admitido – a inspeção judicial – podia trazer, é deficiente e obscura a resposta dada à matéria de facto, pelo que deve ser anulada a sentença recorrida e atos subsequentes e determinada a realização da inspeção judicial, nos termos dos nºs. 2 e 3 do artº 662º do Código de Processo Civil.
XVI - Para cumprir a exigência constitucional (nº 1 do art. 205º da CRP), a fundamentação da sentença há-de ser expressa, clara, coerente e suficiente.
XVII - Na motivação da convicção do Tribunal o Mmº Juiz “a quo” sustenta que as respostas positivas, restritivas e negativas dadas à matéria fáctica alegada pelas partes litigantes nos respetivos articulados foram formados (cito) através da ponderação crítica dos elementos constantes dos autos e do conjunto da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, tendo ainda em experiência e do normal acontecer da realidade dos factos e de seguida, fez um resumo daquilo que foi dito pelas testemunhas que o Tribunal valorizou positivamente e afirma que as testemunhas ouvidas em sede de audiência de discussão e julgamento se podiam inserir em 2 grupos: um indicado pelos autores que depôs a favor da versão transmitida por estes e o outro indicado pelos réus que depôs a favor da versão apresentada por estes. Concluindo "da articulação do teor dos depoimentos, das regras da experiência e dos documentos juntos (em especial da planta topográfica e das fotografias), resultou para o julgador a convicção segura que a versão dos factos exposta pelos autores é compatível com a realidade dos factos.
XIX - Para uma melhor transparência e apreciação dos elementos que constituíram o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se determinasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência, o Mmº Juiz “a quo” deveria referenciar a que concretas respostas se refere sobretudo atendendo a que o teor dos depoimentos das testemunhas arroladas pelos AA apresentam contrariedades fácticas.
XX - a douta sentença proferida apresenta uma fundamentação insuficiente, com especial incidência nos aspetos sobreditos, e carece de um adequado exame crítico dos elementos probatórios.
XXI - Tal vício impede os Recorrentes de perceber quais os meios de prova que levaram a convicção do Tribunal a quo a escolher a versão apresentada pelos autores em detrimento daquela que foi apresentada pelos réus, não explica suficientemente porque considerou prevalecente a versão dos autores em detrimento da dos réus.
XXII - O confronto dos depoimentos com os documentos juntos e com as regras da experiência não permite afirmar, como se faz na sentença recorrida que a versão dos autores era a única compatível com a realidade dos factos, uma vez que nenhum documento junto aos autos permite dar à versão dos autores um maior grau de confirmação relativamente á versão dos réus.
XXIII - Nem a sentença enuncia qual possa ter sido a regra da experiência comum que utilizou para fazê-lo.
XXIV - A sentença não descriminou quais os testemunhos cujos depoimentos foram preponderantes para a sua convicção e, sobretudo, em que medida em que os mesmos o fizeram pender para a versão apresentada pelos autores.
XXV - A sentença afirma que todos foram "relevantes para a formação da convicção do tribunal", mas como os depoimentos são antagónicos entre si, seria necessário que o Tribunal tivesse explicitado em que medida é que cada um foi relevante para a convicção do tribunal.
XXVI - O Tribunal a quo não descriminou quais os factos que resultaram não provados porque houve insuficiência de prova produzida daqueles que não ficaram provados porque se provaram factos contrários.
XXVII - Com essa fundamentação, ficaram os recorrentes impedidos de saber quais os factos que o tribunal deu como não provados por não ter sido feito prova suficiente e os que o foram por se terem provado factos contrários.
XXVIII - A douta sentença recorrida padece, assim, do vício da insuficiência de motivação.
XXIX - Se o Tribunal a quo tivesse apelado a critérios de coerência lógica, grau de probabilidade em face de regras da experiência e máxima corroboração pelos meios probatórios produzidos, quer em quantidade, quer em qualidade, confirmados por depoimentos de testemunhas sem ligação com as partes, teria com certeza concluído no sentido de ser a versão dos réus a que é mais clara, coerente, lógica e confirmada por vasta prova documental e testemunhal – o que vale dizer, que é a «relativamente “mais provável”, tendo em conta os meios de prova disponíveis».
XXX - Face aos documentos juntos aos autos e as restantes provas disponíveis, a versão dos réus é aquela que tem um maior grau de confirmação e deveria ter sido aquela acolhida na sentença. A versão dos réus é, de resto, a mais simples, a mais coerente, quer do ponto de vista lógico, quer do ponto de vista narrativo.
XXXI - A sentença recorrida não respeitou, pois, a regra da probabilidade prevalecente.
XXXII - Os recorridos não tiveram prejuízo com venda dos pinheiros, cujo valor receberam do madeireiro e cuja propriedade se teria transmitido para este caso as árvores lhes pertencessem.
XXXIII - Falta pois o pressuposto dano necessário para que os réus possam condenados a título de responsabilidade civil por facto ilícito.
XXXIV - Violou, pois, a douta sentença, nesta parte o disposto no artigo 483.º do CC.
XXXV - Face ao supra exposto, a boa decisão da causa, atenta a prova produzida, será a que absolva os réus dos pedidos contra si formulados e condene os recorridos a reconhecer que os recorrentes são proprietários do prédio identificado no artigo 1.º da contestação e que a parcela de terreno delimitada pelos pontos A, C, D e E referenciados na planta topográfica junta como doc 1 com a contestação, faz parte integrante do prédio do réus.
Terminam entendendo dever dar-se provimento ao presente recurso, deve ser anulada a sentença recorrida e atos subsequentes e determinada a realização da inspeção judicial, nos termos dos nºs 2 e 3 do artº 662º do Código de Processo Civil.
Subsidiariamente, deve a douta sentença recorrida ser revogada e, em consequência, ser substituída por outra que:
- absolva os réus do pedido e condene os recorridos a reconhecer que os recorrentes são proprietários do prédio identificado no artigo 1º da contestação e que a parcela de terreno delimitada pelos pontos A, C, D e E referenciados na planta topográfica junta como doc 1 com a contestação, faz parte integrante do prédio dos réus.
- Consequentemente, os absolva das custas da ação.
Os apelados e autores José F e Maria F apresentaram resposta onde entendem dever ser negado provimento ao recurso, confirmando-se a douta sentença.
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E) Foram colhidos os vistos legais.
F) As questões a decidir na apelação são as de saber:
1) Se a sentença é nula;
2) Se deverá ser anulado o julgamento e determinada a realização da inspeção judicial; não sendo,
3) Se deverá ser alterada a decisão quanto à matéria de facto;
4) Se deverá ser alterada a decisão jurídica da causa.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
A) Na 1ª instância resultou apurada a seguinte matéria de facto:
1. Factos provados:
1.1. − Os autores José F e esposa Maria F são donos e legítimos possuidores de um prédio rústico composto por terreno de pinhal e mato, denominado “Monte de Paço Velho”, no sítio da Água Levada, do lugar de Paço Velho, da freguesia de Paçô, Arcos de Valdevez, com área de 853 m2, a confrontar do norte com Manuel A, do nascente com Caminho Municipal, do sul e do poente com Cesário F, com a configuração constante da planta topográfica junta e que se dá por integralmente reproduzida.
1.2. − Este prédio esteve inscrito na respetiva matriz predial em vigor até ao ano de 1999 sob o artigo 317 e, na sequência da última avaliação geral à propriedade rústica do concelho, está atualmente inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo 262, a favor da autora.
1.3. − E está descrito na Conservatória do Registo Predial de Arcos de Valdevez sob o nº 404, da freguesia de Paçô, desta comarca e concelho, onde consta inscrito a favor dos autores.
1.4. − Da última avaliação geral à propriedade rústica no concelho de Arcos de Valdevez, ocorrida no ano de 1999, resultou que a área que consta atualmente inscrita na matriz - 1.500 m2 – e a confrontação do nascente - João H – estão incorretas.
1.5. – Apesar do prédio estar devidamente delimitado, há mais de 20, 30, 40, 50 anos, as medições efetuadas, constantes do registo e da matriz predial, não retratam a sua realidade.
1.6. – O prédio tem, na realidade, 853 m2, área que sempre foi possuída pelos anteriores donos e legítimos possuidores do prédio e pelos autores, estes desde 1993 em continuação dos seus antecessores.
1.7. – Com a área de 853 m2, e com a configuração que consta da planta topográfica identificada como documento nº 1,
1.8. – Também a descrição do prédio na Conservatória do Registo Predial não está correta, designadamente no que tange à área, já que o prédio tem a área real de 853 m2, e a área que consta na referida descrição é de 570 m2.
1.9. − O título de aquisição e o registo foram realizados no ano de 1993, tendo por base as matrizes prediais em vigor àquela data no concelho e que, atualmente, já não vigoram.
1.10. − Os anteriores donos e possuidores do prédio, José M e Rosa C, pais da autora mulher, detiveram e usaram o prédio supra referido no nº 1 desde tempos imemoriais e por mais de 10, 20, 30 anos,
1.11. − … na convicção de que eram os seus legítimos possuidores e donos, e exerciam com direito próprio,
1.12. − … aproveitando as respetivas utilidades do prédio, dele retirando os frutos, designadamente o mato e as árvores – que utilizavam para consumo doméstico e para venda – limpando-o e pagando as respetivas contribuições.
1.13. – Tudo isto com exclusão de outrem,
1.14. − …de forma ostensiva,
1.15. − … ininterrupta,
1.16. − … à vista, com o conhecimento e reconhecimento de toda a gente,
1.17. − … e sem oposição de ninguém.
1.18. − Este prédio esteve anteriormente descrito na Conservatória do Registo Predial de Arcos de Valdevez, sob o nº 66.442, a fls. 22 verso do Livro B – 168, onde constava inscrita a aquisição a favor do referido José M por sucessão a Maria C e marido, João M.
1.19. − Por escritura pública outorgada no Cartório Notarial de Arcos de Valdevez no dia 9 de Novembro de 1993, lavrada de fls. 65 verso a fls. 70 do Livro de notas para escrituras diversas número 167 – C, o referido prédio, identificado sob a verba 11 do documento complementar, foi adjudicado aos autores, em partilha a que se procedeu por óbito do pai da autora.
1.20. − Desde essa data, e até hoje, por si e em continuação dos seus antecessores, os autores sempre atuaram com a convicção de que são donos e legítimos possuidores do referido prédio,
1.21. − … com exclusão de outrem,
1.22. − … que exercem com direito próprio,
1.23. − … à vista, com o conhecimento e reconhecimento de toda a gente,
1.24. − … e sem oposição de quem quer que seja,
1.25. – … de forma ostensiva e ininterrupta,
1.26. − … limpando-o, colhendo os seus frutos, designadamente a lenha de pequeno porte que aproveitavam para consumo doméstico,
1.27. − … e pagando as contribuições,
1.28. − … tudo em continuação dos seus antecessores.
1.29. − O réu marido é irmão do autor.
1.30. − Os réus são donos de um prédio confinante com o prédio dos autores supra identificado sob o número 1.1.
1.31. − Está inscrito a favor dos réus um prédio sito no lugar de Paço Velho, da freguesia de Paçô, desta comarca, na respetiva matriz predial sob o artigo 263, com área de 10.030 m2, a confrontar do norte com Manuel A e outro, do nascente com caminho, do sul com António M e do poente com herdeiros de Manuel M.
1.32. − O prédio dos autores era composto por mato e árvores de pequeno, médio e grande porte.
1.33. − Em data que os autores não sabem precisar, mas certamente vários anos antes do ano de 2009, os réus procederam ao desaterro e à plantação de videiras no seu prédio, respeitando os limites do prédio dos autores.
1.34. − No início do mês de Outubro de 2009, os réus decidiram iniciar trabalhos de remoção de terras no prédio dos autores,
1.35. − … cortando as árvores que aí se encontravam plantadas.
1.36. − Apercebendo-se destes factos, o autor avisou os réus de que estavam a ocupar propriedade que não lhes pertencia e a cortar árvores que não eram suas e que, por isso, deveriam terminar os trabalhos.
1.37. − Ao que os réus acederam, parando os trabalhos.
1.38. – No dia 11 de Novembro de 2009, sem prévio aviso, os réus decidiram continuar os trabalhos de escavação, remoção e aplanamento de terras.
1.39. − Nestes trabalhos, os réus ultrapassaram os limites da sua propriedade e ocuparam uma parcela de terreno com área de 482 m2, que é propriedade dos autores e que faz parte do prédio supra identificado sob o nº 1.1.
1.40. − Cortaram um número indeterminado de árvores naquela área de 482 m2.
1.41. − Os réus alteraram a configuração do prédio dos autores, aplanando-o,
1.42. − Tudo sem o conhecimento e sem autorização dos autores.
1.43. − Quando se apercebeu do sucedido, o autor deslocou-se ao local, conversou com o réu marido e pediu-lhe para repor a configuração do seu prédio na situação que anteriormente se encontrava.
1.44. − O réu parou efetivamente os trabalhos, deixando lá as máquinas estacionadas durante cerca de dois meses.
1.45. − Desde essa data, até hoje, os réus não repuseram a configuração do prédio dos autores, apesar do autor os ter tentado contactar, por diversas vezes, solicitando-lhes que o fizessem.
1.46. − Sendo irmão do réu, o autor inicialmente evitou recorrer às vias judiciais para fazer valer o seu direito.
1.47. − Os réus não estão dispostos a conversar e arrogam-se proprietários da parcela de terreno identificada sob o número 1.1 recusando-se a repor a configuração do prédio.
1.48. − No mês de Setembro de 2009, o autor tinha apalavrado com um madeireiro a venda dos pinheiros entretanto cortados pelos réus.
1.49. − Venda que foi acordada pelo valor de 300 euros, que o autor recebeu adiantado.
1.50. – Está inscrito a favor do réu marido o seguinte prédio situado na freguesia de Paçô, desta comarca: “terreno de mato chamado Monte de Paço Velho, em Paço Velho, com a área de 7600 m2, a confrontar do norte com Luís P e outro (José A), do Nascente com caminho, do Sul com herdeiros de Roque F e do Poente com José M, inscrito na matriz sob o artigo 316.º rústico (agora 263).
1.51. − Este prédio encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Arcos de Valdevez, sob o n° 31489, mostrando-se aí inscrita a sua aquisição a favor do réu sob a cota 3.
1.52. − Metade indivisa de tal prédio passou a integrar o seu património por sucessão, após o falecimento de Oliveiros R, pai da sua então esposa Maria O,
1.53. − Através de partilha das respetivas heranças, realizada no âmbito do processo de inventário, que correu termos no Tribunal Judicial desta comarca sob o nº 9/87 e onde o supra identificado prédio se encontra relacionado sob a verba nº 9, partilha essa homologada por sentença de 21/12/1987, já transitada em julgado.
1.54. − A outra metade deste prédio passou a integrar o património do réu por lhe ter sido adjudicada na Ação especial de divisão de coisa comum que correu termos no Tribunal Judicial desta comarca sob o n.º 42/90 e onde os prédios foram descritos nas alíneas a) do n.º 1 da PI, por transação homologada por sentença de 2 de julho de 1991, já transitada em julgado.
1.55. − O réu utilizou uma parte do terreno para aí plantar videiras, com o apoio de um projeto financiado pela comunidade Europeia, procedendo para o efeito a um desaterro, plantando videiras, colhendo os respetivos frutos e produtos.
1.56. − O prédio diminuiu de área quando o caminho que o atravessava a nascente foi alargado e passou a ser estrada municipal.
1.57. − Os réus não contestam a propriedade ou a posse dos autores sobre a faixa de terreno que se situa entre os marcos “A”, “B” e “C”, assinalados na planta junta como doc 4.
1.58. − Aquisição essa registada a favor do réu.
1.59. − O marco “C” referido pelos réus/reconvintes situa-se num prédio situado a uma cota superior da estrada e o prédio dos autores/reconvintes se situa na cota inferior da estrada.
2. Factos não provados
Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão (note-se que o Tribunal não responde a juízos conclusivos e/ou de direito e/ou repetidos, nomeadamente, os referidos nos artigos nºs 6, 14 a 16, 28, 29, 38, 41, 42, 67, 68, 73, 77 e 78 da Petição Inicial, nos artigos nºs 11 a 14, 16, 19, 21, 24, 27 a 29, 31, 32, 35, 36 e 38 da Contestação, e ainda nos artigos nºs 1 a 13, 15 a 18 da Resposta), designadamente:
2.1. − Nas avaliações gerais à propriedade rústica, a ocorrida no ano de 1999 e a anterior, os avaliadores não recorreram às técnicas atuais e rigorosas de medição.
2.2. − Era prática usual na data em que foi efetuado o registo e celebrado o título de aquisição, que o prédio fosse identificado com base na descrição matricial.
2.3. − Como é e era prática usual, o título constitutivo refere a área constante da matriz, já que os intervenientes nas escrituras confiam, de boa-fé, que as áreas constantes da matriz correspondem à realidade e não medem os prédios.
2.4. − … e a madeira de grande porte que utilizaram, em parte, para aplicar nas obras de restauro da sua casa de morada e, noutra parte, para venda.
2.5. − E tentaram alterar a localização dos marcos de delimitação aí colocados desde tempos imemoriais.
2.6. − Utilizando a fita para medir os prédios, com as limitações que lhe são inerentes, sobretudo quando o prédio não tem uma configuração simétrica e é em declive muito acentuado, como é o caso do prédio identificado sob o número 1.
2.7. − Os autores e os anteriores proprietários e possuidores do prédio confiaram nas áreas constantes da anterior matriz – calculadas sem recurso às atuais técnicas de medição – e não procederam à medição do prédio antes de celebrar a escritura que constitui o título aquisitivo, apesar de sempre terem possuído o mesmo com a configuração identificada sob o n.º 1 desta petição e de ter sido ser este prédio, com esta configuração, o objeto da escritura de partilha.
2.8. – A parcela tem o valor de 7.000 euros.
2.9. – Sucede que, devido a erro de medição e de indicação dos confinantes.
2.10. – Cortaram 20 pinheiros de grande porte plantados no prédio dos autores.
2.11. − Na parte do terreno que não obteve financiamento para plantação de videiras, os réus optaram por deixar crescer as árvores nele existente para os cortar quando tivessem maior porte, roçando mato e cortando lenha.
2.12. − Enquanto proprietários e possuidores do prédio confinante com o prédio dos autores, até ao ano de 2009 os réus sempre reconheceram e respeitaram os limites do prédio identificado sob o nº 1 da P.I..
2.13. − … e retiraram alguns marcos e alteraram a localização de outros.
2.14. − Em resultado da conduta dos réus, os autores sofreram e sofrem, até hoje, graves incómodos, ansiedade e profunda tristeza.
2.15. – Sobre a qual nutrem um profundo valor estimativo.
2.16. − A conduta dos réus foi causa de muito mal-estar no seio familiar, factos que estão na origem da muita ansiedade, incómodos, tristeza, mágoa e humilhação sentidos pelos autores.
2.17. − Na faixa de terreno, que os autores agora reivindicam, foi precisamente o que sucedeu: os réus deixaram as árvores nele existentes até que tivessem um porte suficientemente grande que justificasse o seu corte, o que sucedeu no início do ano de 2009.
2.18. − O terreno a que se vem fazendo referência tem a configuração e os limites assinalados a tracejado na planta junta pelos réus com o articulado de contestação como doc 1.
2.19. − O prédio inscrito a favor dos réus era composto por mato e por árvores de pequeno porte.
2.20. − Tudo isso à vista e com o conhecimento geral, sem oposição de quem quer que seja, como se de coisa sua se tratasse e com a convicção de quem exerce um direito próprio, como seu dono.
2.21. − O prédio dos autores tem um formato triangular, limitado a norte pelos marcos identificados no doc 1 que acompanha a PI e a sul pelo marco que se encontra ao lado do poste a nascente do caminho municipal.
2.22. − O prédio dos autores está totalmente limitado pelos marcos “A”, “B” e “C”. vide doc 4.
2.23. − Os outros 2 marcos (“D” e “E”) identificados no levantamento junto com a PI como doc. nº 1 não existem, nem nunca existiram. vide doc 4.
2.24. − O prédio dos autores não tem mais do que 400 m2.
2.25. − Os autores herdaram um prédio que na realidade tem menos de 400 m2.
2.26. − O autor, aquando da última avaliação da propriedade, indicou aos louvados que o seu prédio tinha 1500 m2.
2.27. − Algum tempo antes de ter sido interposta a presente ação, o marco “C” que se situa junto ao poste, levou uma lavadela que se destinou a remover a marca laranja, comum aos outros marcos.
2.28. – Desde que o réu é proprietário do seu prédio que o autor cortou ou mandou cortar todas as árvores existentes no seu prédio, por duas vezes. Apesar disso, o autor nunca cortou as árvores existentes na parcela de terreno de que agora se arroga, apesar de no mesmo existirem, à data, árvores de porte maior do que aquelas que foram cortadas.
2.29. − Os autores, ao reivindicarem um terreno a que sabem não ter qualquer direito, para o que deturparam conscientemente a verdade dos factos, deduzem uma pretensão cuja falta de fundamento bem conhecem.
2.30. − Pela alegada posse sobre o prédio, com a extensão e os limites assinalados a tracejado na planta junta aos autos como documento nº 1, exercida mais de 21 anos, continuadamente de boa-fé, com a maior publicidade e sem estorvos ou embaraços de ninguém.
2.31. − O réu, desde então, por si e em continuação dos respetivos antecessores, tem usado e fruído os referidos prédios, o que faz há vinte, trinta e mais anos, ininterruptamente.
2.32. − Dele aproveitando todas as suas utilidades e pagando os respetivos impostos.
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B) O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo o tribunal conhecer de outras questões, que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
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C) O recurso versa a reapreciação da matéria de facto e da matéria de direito.
Os apelantes entendem que sem os elementos que o meio probatório que não foi admitido – a inspeção judicial – podia trazer, é deficiente e obscura a resposta dada à matéria de facto, pelo que deve ser anulada a sentença recorrida e atos subsequentes e determinada a realização da inspeção judicial, nos termos dos nºs. 2 e 3 do artº 662º do Código de Processo Civil.
Aqui importa avaliar se existe a invocada nulidade, por um lado e quais as consequências resultantes da omissão da realização da inspeção judicial.
Como resulta da simples leitura da decisão da matéria de facto, não há qualquer deficiência ou obscuridade na matéria de facto, tendo em conta que apreciou as questões que devia ter apreciado e não há qualquer ponto que não seja percetível, que não seja inteligível, pelo que aquela decisão não padece de qualquer das invocadas insuficiências que a tornem inválida.
Questão diversa é a da discordância quanto a essa decisão, que se não confunde com as insuficiências apontadas.
Importa, então apreciar a questão da omissão da realização da inspeção judicial.
Os autores vieram requerer na audiência preliminar (fls. 147) a realização da inspeção judicial e os réus vieram, igualmente requerer, nos mesmos termos, a realização do mesmo meio de prova, no seu requerimento de fls. 150, requerimentos esses que mereceram a apreciação constante do despacho de fls. 152, onde se diz que oportunamente será apreciada a pertinência, bem como a necessidade, da requerida inspeção judicial.
Na fundamentação da decisão da matéria de facto, constante da sentença refere-se que não se afigurou necessária a realização de uma inspeção judicial ao local – cfr. artigo 490º nº 1 do Código de Processo Civil –, considerando que o período de tempo entretanto decorrido desde a ocorrência dos factos, uma vez que foram feitos trabalhos que alteraram as condições físicas do local, atento o facto de os autos terem várias fotografias a cores de qualidade que captam muito bem a realidade, e tendo em conta que a produção de prova não deixou dúvidas que importassem dilucidar com uma visita ao local.
Relativamente à inspeção judicial, estabelece-se no artigo 490º nº 1 do NCPC que “o tribunal, sempre que o julgue conveniente, pode, por sua iniciativa ou a requerimento das partes, e com ressalva da intimidade da vida privada e familiar e da dignidade humana, inspecionar coisas ou pessoas, a fim de se esclarecer sobre qualquer facto que interesse à decisão da causa, podendo deslocar-se ao local da questão ou mandar proceder à reconstituição dos factos, quando a entender necessária.”
Trata-se de um meio probatório que só deve ser afastado quando não contribuir, ou contribuir pouco para o esclarecimento da matéria de facto sobre que incide, ou seja, quando não tenha relevância para a descoberta da verdade material.
Isto é, conforme refere Maria da Purificação Carvalho no estudo "A inspeção judicial: Contributos para uma melhor verificação ou interpretação dos factos", página 34, disponível na página do Tribunal da Relação de Guimarães, em www.trg.pt trata-se de “um poder-dever, que só poderá deixar de ser exercido no caso da diligência requerida se mostrar de todo desnecessária ou inútil para a descoberta da verdade.”
No caso dos autos, os apelantes alegam que grande parte das testemunhas afirmou existirem atualmente no local marcos e, por outro lado, na audiência de 23/09/2013, documentada a fls. 206 a 208, pela Exº Mandatária dos autores e apelados foi requerida e deferida a junção de vários documentos, constantes de fls. 186 (um levantamento topográfico) e 187 a 205 diversas fotografias.
No referido levantamento topográfico junto aos autos mostram-se assinalados seis marcos, documento esse que foi relevante para compreensão dos depoimentos de algumas das testemunhas.
Por outro lado, algumas das testemunhas, incluindo algumas das que foram relevantes para a formação da convicção do tribunal, referiram a existência de marcos, embora algumas também se tenham referido ao desaparecimento de alguns.
Ora, podendo os referidos marcos que ainda se encontrem no terreno relevar para a decisão da matéria de facto, não se vê como se possa considerar que a inspeção judicial se mostre desnecessária ou inútil para a descoberta da verdade, ou que se possa afirmar que a inspeção judicial não contribua para a descoberta da verdade.
Pelo contrário, ouvida a prova testemunhal e consultados os documentos juntos aos autos, não pode deixar de se considerar que, com os elementos disponíveis referidos, não é possível concluir-se, desde já, pela inutilidade da realização da inspeção judicial mas, antes, pela sua utilidade, em abstrato, afigurando-se-nos existir uma dúvida fundada sobre o sentido da decisão, impondo-se dever a mesma ser realizada para, no confronto com a demais prova produzida, se consolidar a convicção do tribunal, reforçando ou alterando a decisão a proferir sobre a matéria de facto.
Assim sendo, não pode deixar de se considerar a necessidade de produção de um novo meio de prova não admitido, assim se anulando a douta sentença e determinando-se a realização de inspeção judicial, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 662º nº 2 alínea b), 490º e 411º NCPC.
Face ao decidido fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas.
*
D) Em conclusão:
1) A inspeção judicial é um meio probatório que só deve ser afastado quando não contribuir, ou contribuir pouco para o esclarecimento da matéria de facto sobre que incide, ou seja, quando não tenha relevância para a descoberta da verdade material;
2) Trata-se de um poder-dever, que só poderá deixar de ser exercido no caso da diligência requerida se mostrar de todo desnecessária ou inútil para a descoberta da verdade;
3) Se perante os elementos de prova disponíveis se puder concluir pela utilidade abstrata da sua realização para que, no confronto com a demais prova produzida, se consolidar a convicção do tribunal, reforçando ou alterando a decisão a proferir sobre a matéria de facto, então impõe-se a realização da inspeção judicial.
***
III. DECISÃO
Pelo exposto, tendo em conta o que antecede, acorda-se em julgar a apelação procedente, anulando-se a douta sentença e determinando-se a realização de inspeção judicial.
Custas pela parte vencida a final.
Notifique.
*
Guimarães, 12/05/2016
Relator: António Figueiredo de Almeida
1ª Adjunta: Desembargadora Maria Cristina Cerdeira
2º Adjunto: Desembargador Joaquim Espinheira Baltar