Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4097/22.4T8GMR.G1
Relator: PAULA RIBAS
Descritores: FACTOS PROVADOS E CONCEITOS JURÍDICOS
DIREITO DE SERVIDÃO DE PASSAGEM
COMPROPRIEDADE
NULIDADE DA SENTENÇA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/15/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO DOS RÉUS PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 – Não pode ser afirmada a existência de um direito de propriedade sobre parcela de terreno utilizada como caminho sem que a mesma constitua uma coisa corpórea autónoma.
2 – O acordo relativo à separação desta parcela de terreno, em terra batida, que sempre foi utilizada como caminho, do prédio em que está integrada, tendo por objetivo, precisamente, assegurar a sua utilização em benefício do prédio mãe e de prédio confrontante com essa parcela, constituiu sinal visível e permanente bastante para a constituição de servidão de passagem por destinação de pai de família.
3 – Deduzida pretensão indemnizatória com base na violação de direito de propriedade, não existe pedido indemnizatório formulado pela violação de direito de servidão se o reconhecimento deste foi formulado como pedido subsidiário a todos os demais pedidos anteriormente formulados, incluindo nestes a referida pretensão indemnizatória.
4 – Não existe violação do disposto no art.º 609.º do C. P. Civil quando se reconhece a existência de um direito de compropriedade, estando peticionado o reconhecimento do direito de propriedade.
5 – Viola o disposto no art.º 615.º, n.º1, alínea d), do C. P. Civil a sentença que condena no pagamento de juros de mora quando tal pretensão não foi deduzida.
Decisão Texto Integral:
Relator: Paula Ribas
1ª Adjunta: Maria da Conceição Correia da Cruz Bucho
2ª Adjunta: Fernanda Proença Fernandes

Processo 4097/22.4T8GMR.G1
Juízo Local Cível ... – Juiz ... – Comarca ...

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório (elaborado tendo por base o da sentença da 1.ª instância):

AA e BB intentaram a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra CC e DD, pedindo a condenação dos réus a:

a) reconhecer que os autores são os legítimos proprietários do caminho;
b) reconhecer que a esse caminho corresponde a área de 283 m2;
c) restituírem aos autores, completamente livre e devoluto, esse caminho;
d) absterem-se de praticar atos que lesem o direito de propriedade dos autores sobre o referido caminho;
e) pagar aos autores uma indemnização por danos não patrimoniais, em valor não inferior a € 5.000,00.

Para tanto alegam, em síntese, que as partes são proprietárias de uns prédios que fizeram parte de uma Quinta partilhada em 2017, tendo na altura os herdeiros decidido que o caminho que se encontrava entre os prédios permaneceria como caminho que serviria os dois, para acesso a ambos os prédios, como já acontecia na altura dos avós e pais dos herdeiros.
O prédio foi comprado pelos réus em 2021, sabendo previamente dos termos da utilização do caminho, no entanto, foi alterado o registo e inscrição matricial, incorporando o trato de caminho na área do seu prédio e depois colocaram pedras num portão de acesso existente para o prédio dos autores e erigiram um muro, impedindo o acesso ao caminho e a todos os campos do prédio dos autores com maquinaria, tratores e camiões.
Foram citados os réus, excecionando a ineptidão da petição inicial e a inexistência de factos demonstrativos da aquisição do caminho, nomeadamente por usucapião.
Impugnam a existência de um acordo vinculativo, e a evidência de utilização do caminho, tendo, por generosidade cedido uma parte junto à entrada, que permite o acesso aos campos.
Concluem pela improcedência da ação e pela condenação dos autores como litigantes de má fé.
Os autores responderam concluindo pela improcedência das exceções.
Notificados para esclarecerem em que circunstâncias é que o caminho foi por eles adquirido (sic, nos termos do despacho de 06/10/2022), os autores alegaram que usam o caminho como os anteriores proprietários, cabendo agora a propriedade aos artigos 63 e atual ...51 (antiga ...1) e que o mesmo mede cerca de 75 metros de comprimento e ...24 de largura, juntando foto aérea.
Atendendo à factualidade alegada, e a impulso do Tribunal, os autores ampliaram o pedido, com inclusão de pedido subsidiário de constituição de servidão (identificando-a primeiro como sendo “legal” e eliminando de seguida tal menção, novamente após interpelação do Tribunal).

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença nos seguintes termos:
face ao exposto, julgo a presente parcialmente procedente, e, em consequência, reconheço o direito de compropriedade dos Autores AA e BB sobre a parcela de terreno com uma área de 226,80 m2 (cerca de 3x75 metros de comprimento, nos termos dos levantamentos juntos) que configurava o caminho de acesso à Rua ... a poente do seu prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número ...01 e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...3/....
Condeno os Réus CC e DD a reconhecerem tal direito e à restituição do caminho ao estado em que se encontrava, retirando os obstáculos existentes, muro e pedras, e a absterem-se de impedir o seu acesso e passagem pelos Autores.
Condeno ainda os Réus a indemnizarem os Autores pelos danos sofridos na quantia de € 3.500 (três mil e quinhentos euros), acrescida dos juros legais, contados da citação e até efetivo e integral pagamento.
Custas pelos Réus, que deram causa à ação (artigo 527.º, n.º 1 do Código de Processo Civil)”.
**
Inconformados, vieram os réus apresentar recurso de apelação, concluindo:

1ª- Vem o presente recurso interposto da Sentença de fls… dos autos que julgando parcialmente procedente a ação, condenou os Réus a reconhecerem o direito de compropriedade dos Autores sobre a parcela de terreno com área de 226,80 m2 (cerca de 3x75 metros de comprimento, nos termos dos levantamentos juntos), que configura o caminho de acesso à Rua ... a poente dos seu prédio rústico e à restituição do caminho ao estado em que se encontrava, retirando os obstáculos existentes, muro e pedras, e a absterem-se de impedir o seu acesso e passagem pelos Autores. Mais condena o Tribunal a quo os Réus a indemnizarem os Autores pelos danos sofridos na quantia de € 3.500,00, acrescida de juros legais, contados desde a citação e até efetivo e integral pagamento, bem como no pagamento de custas judiciais, por terem dado causa à ação, porquanto, com esta não se conformam os Recorrentes, por padecer de erro quer quanto à matéria de facto dada como provada, quer quanto à aplicação do Direito.
2ª- Sucintamente, a Sentença recorrida fundamentou a decisão da seguinte forma: “O caminho foi autonomizado pelos herdeiros, para continuar a servir os três prédios, sendo claramente excluído dos prédios desanexados, de acordo com levantamento topográfico realizado antes das partilhas. Tanto assim que os Autores atualizaram a descrição para ter como limite o caminho e o prédio dos Réus foi vendido sem o mesmo; já o terceiro prédio – prédio mãe- que poderia ter ficado com o restante terreno, foi vendido e deixou de ter ligação ao caminho. A situação consolidou-se assim, na posse dos referidos herdeiros como direito único da herança, pelo menos desde 1997 e depois nos herdeiros e adquirentes dos prédios de Autores e Réus e respetivos ante possuidores, que vêm exercendo atos materiais sobre a referida parcela, como verdadeiros comproprietários, de forma pública e pacífica.”
3ª- Sucede, porém, como se demonstrará, que tal decisão merece censura face à matéria de facto dada como provada, bem como, à aplicação do Direito.
Vejamos, 4ª- São várias as críticas que os Recorrentes apontam à sentença prolatada, mormente no que concerne à matéria de facto assente que, sob a perspetiva dos Réus, ora Recorrentes, extravasou o âmbito da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, sendo certo que dos elementos de prova existentes (documentais e testemunhais) não podiam ter sido retiradas todas as conclusões a que chegou o Tribunal recorrido. Antes pelo contrário, outras se impunham, como se passará a expor.
5ª- A factualidade dada como provada nos pontos 4, 5, 6, 7, 14, 22 e 23 da sentença, ora em crise, não encontra suporte na prova produzida em audiência de discussão e julgamento, nem nos documentos juntos aos autos.
Vejamos: 6ª- Resulta como provado no Ponto 4: O acesso aos campos da quinta, instalações agrícolas, casa dos caseiros e feitor, num comprimento de cerca de 75 metros, sempre foi feito por um caminho de terra batida desde a Rua ..., no sentido sul-norte e com cerca de 3 metros de largura, por entre os prédios supra identificados.
7ª- Tal como resulta dos Doc. ... e ..., juntos aos autos pelos Autores, aqui Recorridos, o prédio rústico dos Aurores e o prédio urbano dos Réus, foram desanexados da descrição nº ...31, em 2013-05-209, dando origem respetivamente às descrições ...01 e ...01. Até essa data, ambos os prédios e o caminho eram parte integrante do nº 631 (Quinta), tal como resulta do ponto 3 dado como provado pelo Tribunal a quo, pelo que, não passava o caminho por entre os prédios supra identificados, simplesmente porque estes não existiam até 2013. Foram desanexados em 2013 e registada a favor da herança em 2015.
8ª- Assim sendo, com o devido respeito por opinião diversa, não pode o Tribunal a quo, dar como provado que o acesso sempre foi feito por um caminho, com comprimento de 75 metros e largura de 3 metros, por entre os prédios dos Autores e Réus.
9ª- O Tribunal a quo, define o acesso aos campos da quinta, instalações agrícolas, casa dos caseiros e feitor, numa clara referência ao tempo em que todos os terrenos faziam parte da descrição predial única nº 631 e depois termina fazendo referência aos prédios dos Autores e Réus, que só existem, por desanexação da descrição nº ...31 em 2013.
10ª- Pelo exposto, deve o ponto 4 dos factos provados ser revogado e substituído por outro onde se dê como provado que: Ponto 4: O acesso aos campos da quinta, instalações agrícolas, casa dos caseiros e feitor, num comprimento de cerca de 75 metros, sempre foi feito por um caminho de terra batida desde a Rua ..., no sentido sul-norte e com cerca de 3 metros de largura.
11ª- Resulta como provado no Ponto 5: Os herdeiros, na sequência de avaliação efetuada em 2001, desanexaram os dois referidos prédios de descrição ...29 e averbaram o registo em seu nome, em comum e sem determinação de parte, ficando o prédio referido em 2) com a seguinte descrição – casa de dois pisos e logradouro, com área coberta de 110 m2 e descoberta de 3046 m2.
12ª- Tribunal a quo, dá como provado que a desanexação dos prédios ocorrida em 2013, foi feita pelos herdeiros, na sequência da avaliação efetuada em 2001. Não compreendem os recorrentes, qual o raciocínio lógico-dedutivo que permitiu ao Tribunal a quo chegar a tal conclusão.
13º- A única herdeira que prestou depoimento foi a Autora mulher, nas declarações de parte que se transcreveram na íntegra: (gravação áudio 10:30:59 AA).
14ª-Do depoimento de parte da Autora mulher, nada é dito/provado, quanto ao que esteve na base na desanexação dos prédios feita em 2013. Sendo que, tal facto é de conhecimento pessoal, pois só os herdeiros podem testemunhar o que esteve na base da desanexação de prédios efetuada em 2013, mais concretamente, se esta foi feita na sequência da avaliação feita em 2001 ou não, nada foi dito quanto a este facto, pelo que, não pode ser dado como provado pelo Tribunal a quo.
15ª- Depois, o Tribunal a quo dá como provado que os herdeiros averbaram o registo dos prédios desanexados em seu nome, em comum e sem determinação de parte, ficando o prédio referido em 2) com a seguinte descrição – casa de dois pisos e logradouro, com área coberta de 110 m2 e descoberta de 3046 m2.
16ª- Resulta do Doc. ...1 junto aos autos pelos Autores que em 27-04-2015 EE, na qualidade de herdeira da herança aberta por óbito dos seus pais FF e mulher GG, registou os prédios em nome dos herdeiros, em comum e sem determinação de parte, declarando que os prédios a registar têm a seguinte composição: verba 2: Prédio urbano, composto por uma casa de dois pisos e logradouro, com a área coberta de 110 m2 e descoberta de 3046 m2, situa da na Rua ..., a confrontar do Norte e poente com herdeiros de GG, do sul com Rua ... e do Nascente com HH e outros – Artigo: 11.
17ª- Ora, certamente por lapso, não deu o Tribunal a quo como provadas as confrontações constantes da declaração feita para efeitos de registo do prédio em nome dos herdeiros, apenas dando como provada a área declarada.
18ª- Se o Tribunal a quo dá como provada a descrição do prédio referido em 2) constante no registo efetuado em 2015, deve esta ser completa contendo não só a área declarada, mas também as suas confrontações.
19ª- Pelo exposto, deve o ponto 5 dos factos provados ser revogado e substituído por outro onde se dê como provado que: 5. Os herdeiros desanexaram os dois referidos prédios da descrição ...29 e averbaram o registo em seu nome, em comum e sem determinação de parte, ficando o prédio referido em 2) com a seguinte descrição – casa de dois pisos e logradouro, com área coberta de 110 m2 e descoberta de 3046 m2 situada na Rua ..., a confrontar do Norte e poente com herdeiros de GG, do sul com Rua ... e do Nascente com HH e outros – Artigo: 11.
20ª- Resulta como provado no Ponto 6. Nesta altura os herdeiros decidiram individualizar o caminho, que permanecia a servir os dois prédios 1) e 2), tendo sido colocado um portão junto à Rua ..., e pelos Autores foi ainda colocada rede e um portão a ½ do caminho, entre o prédio identificado em 1) e o caminho; no fim do caminho – onde antes estava a casa principal – foi construído um muro.
21ª- O Tribunal a quo dá como provado que, em 2015 quando procederam ao registo dos prédios em nome dos herdeiros, em comum e sem determinação de parte, os herdeiros individualizaram o caminho, tendo sido colocado um portão junto à Rua ... e os Autores colocaram rede e um portão a ½ do caminho.
22ª- Resulta das declarações prestadas pela Autora mulher, já anteriormente transcritas (minuto 00:06:22 a 00:08:22 e minuto) e das declarações de parte prestadas pelo Autor marido (declarações de parte do Autor marido BB 11:04:28 ao minuto 00:01:49 a 00:05:20 e minuto 00:34:16 a 00:37:43) que a rede e a cancela, foram colocadas pelo Autor marido, depois das partilhas, no limite do seu terreno, para impedir que os seus animais passassem para a propriedade do seu cunhado, sendo que o portão foi colocado também pelo autor marido, com consentimento do seu cunhado, para evitar que estranhos entrassem de carro no caminho.
23ª- Logo, a colocação de rede cancela e portão deveu-se a questões de segurança e não a uma intenção de individualizar o caminho e quem procedeu a tal colocação foi o autor Marido, já depois das partilhas.
24ª- Mas ainda que assim não se entendesse, o que só por hipótese se concebe, um caminho privado ou particular não é uma coisa em sentido jurídico, sobre a qual possam incidir direitos reais. Os direitos reais, sejam eles o direito de propriedade ou um direito de servidão, incidem sobre coisas em sentido jurídico, tal como vêm definidas nos Artº 202º e segs. do CC.
25ª- Assim, os caminhos particulares integram sempre o prédio onde se situam e a quem servem em exclusivo ou servem de acesso a prédio de terceiro, a favor de quem existe um direito de passagem (servidão predial de passagem) – Art.º 1543º do CC.
26ª- A terem os Autores o invocado direito de propriedade sobre o caminho em questão, ele teria de estar integrado no seu prédio, ser terreno dele e, claramente, tal não é alegado nem peticionado. De igual modo, invocando os Autores o direito a uma servidão de passagem sobre o caminho, este teria de estar integrado no prédio dos Réus, ser terreno destes, o que também não é alegado ou peticionado.
27ª- Atribuiu assim o Tribunal a quo uma autonomia ao caminho, que ele manifestamente não possui para ser objeto de um direito real. A existência de um levantamento topográfico não tem a virtualidade e a capacidade de criar um novo prédio (individualizar o caminho), muito menos resulta da prova produzida, que tenha sido partilhado individualizado dos demais prédios, ou partilhado como pertencendo em compropriedade aos herdeiros a quem foram adjudicados os prédios dos autores e réus.
28ª- Assim sendo, dúvidas não restam de que aquando da divisão de prédios, feita pelos herdeiros, o caminho foi integrado no prédio que agora é dos Réus, ficando a fazer parte do mesmo.
29ª- Pelo exposto, deve o ponto 6 dos factos provados ser revogado e substituído por outro onde se dê como provado que: 6. Aquando da divisão dos prédios feita pelos herdeiros o caminho ficou a fazer parte do prédio identificado em 2) que agora é propriedade dos Réus. Depois das partilhas, os Autores colocaram com o consentimento do cunhado, um portão junto à Rua ..., para evitar a entrada de estranhos no caminho e colocaram ainda rede e uma cancela entre o prédio identificado em 1) e o caminho, para que os animais que tinham na sua propriedade não invadissem a propriedade do cunhado, no fim do caminho, onde antes estava a casa principal – foi construído um muro.
30ª- Resulta provado no Ponto 7: Tal nunca mereceu oposição, continuando a ser utilizado para acesso ao logradouro do prédio referido em 2) (onde antes se encontrava a casa dos caseiros) e para acesso aos campos e leiras do prédio referido em 1.
31ª- Atendendo ao exposto relativamente ao ponto 6, consideram os recorrentes que o constante no ponto 7, deve ser revogado na sua totalidade.
32ª- Demonstrada que ficou, a inexistência de individualização de caminho e que a colocação de rede e cancela foi para limitar a propriedade dos Autores e impedir a saída de animais e que a colocação do portão, foi feita com consentimento do cunhado, na altura proprietário do prédio referido em 2), para impedir acesso de estranhos ao caminho, a não existência de oposição é manifestamente irrelevante.
33ª- Resulta provado no Ponto 14: Perante a posição dos Autores, os Réus e vendedores procederam ao levantamento topográfico e alteraram a área descoberta do prédio na matriz, incluindo a área correspondente ao caminho.
34ª- Considera o Tribunal a quo como provado que a motivação que levou os Réus e vendedores a procederem a levantamento topográfico e a alterarem a área descoberta do prédio na matriz, foi reagirem à pretensão manifestada pelo Autor marido de utilizar o caminho, não prescindindo do mesmo, nem de parte dele.
35ª- Ora, quer II no seu depoimento (minuto 00:18:40 a 00:21:21), quer do depoimento de parte do Réu marido (minuto 00:19:54 a 00:21:43), assim como do Doc. ...6 junto aos autos pelos Autores, resulta claro que que foi o Sr. II que procedeu ao levantamento topográfico e não os Réus, tendo sido este levantamento uma condição imposta pelo comprador, o Réu aqui Recorrente, para a conclusão do negócio.
36ª- Quanto à motivação para a realização desse levantamento topográfico o Réu apresenta uma explicação plausível e que nunca foi contraria, nem por prova testemunhal, nem por prova documental. Havia incongruências quer na localização da poça de água, quer nas confrontações, quer na área.
37ª- Mais uma vez, tratando-se de factos pessoais que como tal só admitem prova por confissão, em momento algum foi dito pelo II ou pelo Réu marido que a motivação para a realização do levantamento topográfico foi a posição dos Autores de não prescindirem na utilização do caminho por ambos os prédios.
38ª- No que às confrontações diz respeito, resulta claro da análise dos Doc. ...1 e ...3 junto aos autos pelos Autores que estas estavam erradas. Certamente por lapso, declaram os herdeiros que a Verba 2 confronta a poente com herdeiros de GG e a nascente com HH, quando é exatamente o contrário. Tal erro foi retificado pelos Réus aquando do registo do prédio a seu favor, declarando que o prédio confronta a poente com HH e a nascente com AA, a Autora.
39ª- Mas mais, resulta dos Doc. ... e ...6 juntos aos autos pelos Autores que a área descoberta declarada, após retificação é de 3329 m2, o que dá uma diferença de 283m2.
40ª- Ora, resulta do ponto 4, dado como provado pelo Tribunal a quo, que o caminho tem cerca de 75 metros de comprimento, por aproximadamente 3 metros de largura o que dá 226,80m2, (conforme consta definido na decisão da sentença) bem menos do que os 283m2 que resultam da retificação de áreas feita pelo II.
41ª- Assim sendo, está provado que as confrontações estavam erradas e que a área estava mal calculada, independentemente da questão de ter incluído o caminho e se o podia ou devia ter feito, e que fazia todo o sentido a retificação de áreas feita pelo II e de confrontações feita pelos Réus.
42ª- Assim, sempre respeitando opinião diversa, consideram os recorrentes que não pode o Tribunal a quo dar como provado que a retificação de áreas foi feita por reação à posição assumida pelo Autor e que visava apenas incluir o caminho na área do prédio identificado em 2).
43ª- Pelo que se expõe, deve o facto 14 dado com provado, ser revogado e substituído por outro onde conste: 14. O vendedor II procedeu ao levantamento topográfico e alterou, a área descoberta do prédio na matriz, de 3046 m2 para 3329 m2.
44ª- Resulta como provado no Ponto 22. À vista de toda a gente, por serem os donos dos referidos prédios que são servidos pelo referido caminho.
45ª- Considera o Tribunal a quo como provado que o caminho vem sendo utilizado pelos Autores, Réus e anteriores proprietários, sem interrupção de forma pacífica e à vista de toda a gente, por serem os donos dos referidos prédios que são servidos pelo caminho.
46ª- Atento ao que se expôs quanto à impugnação dos pontos 4, 5 e 6 dos factos dados como provados aquando da desanexação pelos herdeiros, do prédio que agora é propriedade dos Réus, atendendo às confrontações declaradas aquando do seu registo a favor da herança de 2015, os herdeiros tomaram uma posição sobre o caminho, não o individualizaram, mas sim integraram-no no prédio desanexado, ficando a fazer parte do mesmo. Razão pela qual, nas confrontações nada é declarado quanto à confrontação a nascente com caminho.
47ª- E também é a razão pela qual entre os Autores e herdeiro a quem foi adjudicado em partilhas o prédio que agora é propriedade dos Réus, tinham acordado que o caminho ficava a servir ambos os prédios e também razão pela qual a viúva JJ sentiu necessidade de explicar à imobiliária que tratou da venda e ao 1º comprador II que o caminho não estava incluído na venda e que era para servir ambos os prédios. (Ponto 11 dos factos dados como provados).
48ª- Pelo exposto, salvo o devido respeito, não pode o Tribunal a quo dar como provado que a razão para Autores, Réus e anteriores proprietários utilizarem o caminho à vista de toda a gente era porque o caminho servia os prédios dos quais eram proprietários.
49ª- Assim sendo, deve o ponto 22 dos factos dados com provados ser parcialmente revogado, sendo substituído por outro onde conste: 22. À vista de toda a gente, por serem os donos dos referidos prédios.
50ª- Resulta como provado no Ponto 23: Os Autores vivem com receio de perder o acesso do caminho, sentindo-se transtornados e incomodados com toda a situação.
51ª- Considera o Tribunal a quo como provado o receio dos Autores em perder o acesso ao caminho e que se sentem transtornados e incomodados com toda a situação.
52ª- A Autora mulher, tal como resulta do seu depoimento de parte, supra transcrito na íntegra, nada disse quanto a este assunto. O mesmo se diga quanto ao Autor marido, nada é dito relativamente a este facto.
53ª- Nenhuma das restantes testemunhas apresentadas pelo Autores, mencionou o que quer que seja relativamente a este facto, como se pode constatar da audição dos registos áudio dos seus depoimentos.
54ª- Em momento algum o Tribunal a quo obteve qualquer prova relativa ao receio dos Autores em perder o acesso ao caminho e dos transtornos e incómodos que tal receio lhes provocou. Nenhuma prova foi feita deste facto, nem testemunhal, nem documental.
55ª- Tanto assim é que o Tribunal a quo na motivação de facto da sentença, ora em crise, não expende uma linha que seja relativamente à forma como criou a convicção da existência deste receio, dos transtornos e incómodos.
56ª- Ora, salvo o devido respeito por opinião diversa, este facto dado como provado pelo Tribunal a quo é um facto genérico e conclusivo, porquanto o Tribunal a quo não dá como provados os factos/danos que permitam perceber quais os concretos transtornos e incómodos sofridos pelos Autores. Dificuldade em dormir, falta de apetite, stress e ansiedade, tristeza?
57ª- Dispõe o Art. 496º nº 1 do CC: Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
58ª- Qual o grau de gravidade que o receio em perder o acesso ao caminho provocou aos autores? Qual a gravidade dos transtornos e incómodos alegadamente sofridos pelos Autores. Nada é dito.
59ª- Aliás é o próprio Tribunal a quo que na sua fundamentação de direito relativamente aos danos não patrimoniais diz a fls. 13 da sentença: “A apreciação da gravidade do referido dano, embora tenha de assentar no circunstancialismo concreto envolvente, deve operar sob um critério objetivo, num quadro de exclusão, tanto quanto possível, da subjetividade inerente a alguma particular sensibilidade humana. É que, os danos não patrimoniais não podem assentar em meros incómodos ou contrariedades.”
60ª- Contudo, considera o Tribunal a quo que face à factualidade provada (os Autores vivem com receio de perder o acesso do caminho, sentindo-se transtornados e incomodados com toda a situação) os Autores foram perturbados na sua posse e utilização do caminho, impedidos de aceder na plenitude ao seu prédio rústico, com um comportamento temerário dos Réus que sabiam da delimitação do prédio adquirido e da utilização do mesmo como acesso, ainda que não resultassem provados outros danos concretos e recorrendo a critérios de equidade, fixa a indemnização em € 3.500,00.
61ª-Salvo o devido respeito por opinião diversa, o Tribunal a quo fundamenta a atribuição da indemnização por danos não patrimoniais com recurso a circunstâncias completamente diferentes do facto dado como provado.
62ª- Pelo exposto deve o ponto 23 dado com provado pelo Tribunal a quo ser revogado na totalidade, por não provado.
63ª- Em consequência, devem ser dados como não provados os factos constantes dos artigos 105º e106ºda petição inicial, a saber: A situação provoca o aumento do stress e da ansiedade e impede os Autores de levar uma vida descontraída e tranquila. Os Autores não conseguem dormir as horas de descanso necessárias à sua subsistência psicológica, pois que estão constantemente receosos de que os Réus façam alguma coisa mais que possa atentar contra os seus direitos.
64ª- Por tudo que se expõe, no que à matéria de facto diz respeito, consideram os recorrentes não ter ficado provada a compropriedade do caminho por usucapião, porquanto, não ficou provado que o caminho foi autonomizado pelos herdeiros, para continuar a servir os três prédios, sendo claramente excluído dos prédios desanexados, de acordo com levantamento topográfico realizado antes das partilhas.
65ª- A única altura em que o caminho foi autonomizado/individualizado, foi quando em 10-07-2017, pela Ap. ...04, a Autora mulher regista o prédio adjudicado em partilha de herança em seu nome e declara que este confronta a poente com caminho.
66ª- Pelo que, soçobrando a autonomização do caminho pelos herdeiros, a situação não se consolidou na posse dos referidos herdeiros como direito único da herança, pelo menos desde 1997 e nem depois nos herdeiros e adquirentes dos prédios de Autores e Réus e respetivos ante possuidores, que como tal, não exerceram atos materiais sobre a referida parcela, como verdadeiros comproprietários, de forma pública e pacífica.
67ª- Quanto ao peticionado pelos Autores a título de indemnização por danos não patrimoniais, remetemos para o já supra alegado. Não foi feita qualquer prova relativamente aos alegados danos não patrimoniais pelo que. Devem tais factos ser dados como não provados e os Réus absolvidos do pedido.
68ª- Ao decidir como decidiu, violou o Tribunal a quo entre outras, as disposições constantes nos Art. 342, nº 1, 1287º, 1252, nº 2, 483º e 496, nº 1 todas do CC.
69ª- Por tudo o que se expõe, deve a decisão prolatada pelo Tribunal a quo ser revogada e substituída por outra que, julgando a ação totalmente improcedente, por não provada, absolva os Réus de todos os pedidos.
SEM PRESCINDIR, 70ª- Caso assim não se entenda, considerando que houve efetivamente uma autonomização do caminho feita pelos herdeiros, aquando da desanexação e registo do prédio descrito em 2) a favor dos herdeiros, sempre se dirá, ainda assim, não existir compropriedade por não se encontrarem verificados os pressupostos da usucapião, mais concretamente a posse (animus e corpus) com determinadas caraterísticas e por determinado período de tempo.
71ª- Considera o Tribunal a quo que o caminho foi autonomizado pelos herdeiros, para continuar a servir os três prédios e que esta situação consolidou-se, assim, na posse dos referidos herdeiros como direito único da herança, pelo menos desde 1997 e depois nos herdeiros e adquirentes dos prédios de Autores e Réus, que atuam como proprietários do caminho desde então. Mais afirma, estar assim demonstrada uma forma de aquisição derivada da propriedade e a ocupação pelos Autores e Réus e respetivos ante possuidores, que vêm exercendo atos materiais sobre a referida parcela, como verdadeiros comproprietários, de forma pública e pacífica.
72ª- Salvo o devido respeito, atendendo ao constante nos pontos 5 e 6 dos factos dados como provados os prédios foram desanexados da descrição ...29, em 2013 tal como consta dos Doc. ... e ... juntos aos autos pelos Autores e foi averbado o seu registo em nome dos 3 herdeiros, em comum e sem determinação de parte, em 27-04-2015 conforme resulta do Doc. ...1 junto aos autos pelos Autores.
73ª- Assim sendo, até 2013 os prédios eram parte integrante de um único prédio correspondente à descrição nº ...31 da qual foram desanexados em 2013. Só a partir de 2013, altura em que o caminho é alegadamente individualizado é que essa situação se consolidou como direito único da herança, não podendo a individualização de um caminho, que só aconteceu 2013, retroagir a 1997.
74ª- Mas mais ainda, até 2017, altura em que foram feitas as partilhas (Ponto 1 dos factos dados como provados), todos os prédios foram registados em nome de todos os herdeiros, em comum e sem determinação de parte, sendo que, mantendo-se a herança indivisa, não podem os herdeiros exercer atos de posse, nem sobre o caminho, nem sobre qualquer um dos prédios que compõem a herança.
75ª- Porquanto, enquanto co-herdeiros são titulares de uma quota ideal sobre o total da herança, sem indicação de quais os bens que a compõem.
76ª- Também não são comproprietários dos bens da herança, uma vez que são titulares de uma quota sobre o total da herança, enquanto na compropriedade há uma quota sobre um bem certo e determinável. Pelo que não sendo o herdeiro comproprietário, não são aplicáveis à herança indivisa, não partilhada, os princípios da propriedade comum.
77ª- Pelo exposto, e sempre ressalvando o devido respeito, mal andou o Tribunal a quo ao considerar demonstrada uma forma de aquisição derivada da propriedade e a ocupação pelos Autores e Réus e respetivos ante possuidores desde 1997, que vêm exercendo atos materiais sobre a referida parcela, como verdadeiros comproprietários, de forma pública e pacífica.
78ª- Por tudo que se expõe, consideram os recorrentes não ter ficado provada a compropriedade do caminho por usucapião, porquanto, os co-herdeiros não são comproprietários e à herança indivisa não são aplicáveis os princípios da propriedade comum. Logo os herdeiros até à data da partilha, não exerceram atos de posse sobre qualquer dos bens que integram a herança.
79ª- E consequentemente, a existir atos de posse sobre o caminho, estes só se verificam a partir da partilha realizada em 2017, não decorrendo assim, nos termos do Art. 1296º do CC, o período de tempo necessário para verificação de atos de posse para a usucapião de imóveis, que é de 20 anos quando exercida de má-fé e de 15 anos, quando de boa-fé.
80ª-Assim sendo, ao decidir como decidiu violou o Tribunal a quo, entre outras as normas constantes nos Art. 2030º, nº 2, 1252º, nº 2 e 1296º do CC, pelo que não poderá manter-se, devendo ser revogada e substituída por outra que considerando como não provada a compropriedade por usucapião, absolva os Réus de todos os pedidos.
81ª- Considera o Tribunal a quo, a fls. 11 da sentença ora em crise que: “Além de serem comproprietários, entendemos que sempre impenderia sobre a referida parcela de terreno que constitui o caminho um ónus decorrente da vontade do proprietário original, que o deixou a servir os outros prédios com acesso direto à estrada pública aquando da partilha. Admite-se que nestes casos em que, por qualquer ato translativo do direito de propriedade, os prédios passam a pertencer a donos distintos, as serventias neles existentes convertem-se, por lei, em direitos de servidão, neste caso denominada de servidão por destinação do pai de família, prevista no artigo 1549º.”
82ª- A primeira questão que se levanta relativamente ao aqui defendido pelo Tribunal a quo diz respeito à propriedade do caminho.
83ª- A fls. 10 da sentença, considera o Tribunal a quo que os Réus não lograram, desde logo, provar a cadeia de transmissão do referido trato de terreno, que apenas foi incluído no registo em 2021.
84ª-Assim sendo, se o Tribunal a quo considera que os Réus não lograram provar a cadeia de transmissão do caminho, ou seja, a propriedade do mesmo, porque só o incluíram em 2021 no registo do seu prédio, como é que pode considerar a existência, em alternativa à compropriedade de uma servidão por destinação de pai de família?
85ª- A servidão é um direito real sobre imóvel alheio que impõe um encargo ou ónus ao prédio serviente em favor do prédio dominante. Se segundo a fundamentação do Tribunal a quo o caminho só é propriedade dos Réus, na melhor das hipóteses, por efeito da presunção do registo, em 2021, como é que pode existir uma servidão por destinação de pai de família em 2017, data em que foram feitas as partilhas?
86ª- Mas ainda que assim não se entenda, sempre se dirá não estarem preenchidos os requisitos necessários para a constituição de servidão por destinação de pai de família.
87ª- Para a constituição de uma servidão por destinação do pai de família, prevista no n.º 1 do Art. 1547.º do CC, é necessário que: 1- os dois prédios ou as duas frações do prédio em causa tenham pertencido ao mesmo proprietário; 2- existam sinais visíveis e permanentes que revelem inequivocamente uma relação estável de serventia de um prédio para com o outro; e 3- que os prédios ou as frações do prédio se separem quanto ao seu domínio e não haja no documento respetivo nenhuma declaração oposta à constituição do encargo (cfr. Art. 1549.º do CC).
88ª- Considera o Tribunal a quo serem sinais visíveis da existência de serventia a vontade do proprietário original, que deixou o caminho a servir os outros prédios com acesso direito à estrada pública aquando da partilha.
89ª- Aquando da escritura pública, não é feita qualquer menção ao caminho, sendo que os prédios adjudicados aos herdeiros, nomeadamente, à Autora mulher e ao herdeiro do prédio que agora é propriedade dos Réus, mantiveram as confrontações existentes aquando da desanexação da descrição nº ...31, não existindo nelas qualquer indicação de que confrontavam com caminho.
90ª- Quanto à vedação, cancela e protão colocados pelo Autor marido, com o consentimento do cunhado, tal como já explicado anteriormente, tal colocação deu-se, já depois das partilhas e por questões de segurança do prédio dos Autores e não para marcar a existência do caminho e da sua utilização por estes.
91ª- Não resulta da prova feita em discussão e julgamento ou da prova documental, que quer nas partilhas, quer depois destas, os proprietários praticassem atos ou colocassem sinais visíveis que revelassem a consciência e vontade de criar uma situação duradoura e objetivamente correspondente a uma servidão, ainda que aparente.
92ª- A simples alegação e prova da existência de um caminho com aproximadamente 75 metros de comprimento e 3 metros de largura, que sempre foi utilizado pelos Autores e antes deles pelos ante possuidores, há mais de 20, 30 anos, tal não é suficiente para preenchimento do requisito da existência de sinais visíveis e permanentes que revelem inequivocamente uma relação estável de serventia de um prédio para com o outro.
93ª- Pelo exposto, mais uma vez, mal andou o Tribunal a quo quando se pronuncia pela existência de servidão por destinação de pai de família, caso não desse como provada a compropriedade por usucapião.
SEMPRE SEM PRESCINDIR, 94ª- Os Autores intentaram contra os Réus ação declarativa de condenação pedindo, a final, a condenação dos Réus a: a) Reconhecer que os Autores são os legítimos proprietários do caminho; b) Reconhecer que a esse caminho corresponde a área de 283 m2; c) Restituírem aos Autores, completamente livre e devoluto esse caminho; d) Absterem-se de praticar atos que lesem o direito de propriedade dos Autores sobre o referido caminho; e)Pagarem aos Autores uma indemnização por danos não patrimoniais, em valor não inferior a € 5.000,00.
95ª- Posteriormente, atendendo à factualidade alegada, e a impulso do Tribunal os Autores corrigiram o pedido, com inclusão de pedido subsidiário de constituição de servidão (fls. 2 da sentença).
96ª- Os Réus não fizeram pedido reconvencional, limitando-se na sua contestação a defenderem-se por exceção (ineptidão da petição inicial) e por impugnação da matéria de facto, pugnando pela improcedência da ação, por não provada e consequente absolvição dos Réus de todos os pedidos.
97ª- O Tribunal a quo proferiu sentença onde, julgando parcialmente procedente a ação, reconhece o direito de compropriedade dos Autores sobre a parcela de terreno com uma área de 226,80 m2 (cerca de 3X75 metros de comprimento, nos termos dos levantamentos juntos) que configura o caminho de acesso à Rua ... a poente do seu prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número ...01 e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...3/..., condenando os Réus a: a) reconhecerem tal direito e à restituição do caminho ao estado em que se encontrava, retirando os obstáculos existentes, muro e pedras; b) a absterem-se de impedir o seu acesso e passagem pelos Autores; c) a indemnizarem os Autores pelos danos sofridos na quantia de € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros), acrescida de juros legais, contados desde a citação e até efetivo e integral pagamento; d) no pagamento de custas, que deram causa à ação (Artigo 527º, nº 1 do Código de Processo Civil).
98ª- O Tribunal a quo apresenta uma síntese da causa de pedir dos Autores (fls. 1 da sentença): “Para tanto alegam em síntese, que as partes são proprietárias de uns prédios que fizeram parte de uma Quinta, partilhada em 2017, tendo na altura os herdeiros decidido que o caminho que se encontrava entre os prédios permanecia como caminho que servia os dois, para acesso a ambos os prédios, como já acontecera na altura dos avós e pais dos herdeiros.”
99ª- Assim sendo, delimitaram os Autores o objeto do litígio, sendo as suas pretensões o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o caminho e subsidiariamente, a constituição de servidão de passagem sobre esse caminho.
100ª- Dispõe o Art. 3º nº1 do CPC: O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição. Por sua vez dispõe o Art. 609º nº 1 do mesmo diploma legal: 1 - A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.
101ª- Assim sendo, o conteúdo da decisão de mérito proferida pelo Tribunal a quo deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, mas não pode ocupar-se de outras e não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que foi pedido pelos Autores.
102ª-A limitação contida no referido art.º 609.º, n.º 1, do CPC –consubstanciada na velha máxima do direito romano ne eat iudex ultra vel extra petita partium – constitui um corolário do princípio dispositivo, numa área que compreende o núcleo irredutível deste princípio.
103ª- Será assim, sobre os Autores, que recairá o ónus de escolher, de entre diversas providências possíveis, aquela que melhor satisfaça os seus interesses, sendo o Tribunal alheio a essa escolha, que depende única e exclusivamente da vontade dos Autores e que uma vez efetuada – através da dedução dos pedidos – delimitará os poderes do juiz.
104ª- É certo que a interpretação do pedido não deve cingir-se aos estritos dizeres da formulação do petitório, devendo antes ser conjugada com o sentido e alcance resultantes dos fundamentos da pretensão. No entanto, como também já se referiu supra, o Tribunal não pode extravasar dos pedidos formulados pelas partes, nem conhecer de causas de pedir não invocadas.
105ª- Assim sendo, não poderia o Tribunal a quo reconhecer o direito de compropriedade dos Autores sobre o caminho, porquanto tal, não só extravasa os limites do pedido, no que ao seu objeto diz respeito, como, pronuncia-se sobre o direito de compropriedade dos Réus relativamente a esse mesmo caminho, sem que essa pretensão tenha sido pedida, nomeadamente, através de pedido reconvencional, o que nunca existiu.
106ª- Nada resulta da causa de pedir (dos factos alegados) que serve de fundamento aos pedidos formulados pelos Autores, que permita ao Tribunal a quo fazer uma interpretação do pedido no sentido de alterar o seu objeto.
107ª- Aliás, tal como já exposto anteriormente, atendendo aos factos alegados e mediante impulso do Tribunal, os Autores alteraram o seu pedido inicial, pedido subsidiariamente ao reconhecimento do direito de propriedade sobre o caminho, o reconhecimento de servidão de passagem. Tiveram assim os Autores, todas as oportunidades de definir quais as providências, quais os pedidos que melhor satisfaziam as suas pretensões, nunca tendo incluído o reconhecimento da compropriedade do caminho.
108ª- Em consequência, não tendo os Autores peticionado ao Tribunal a quo o reconhecimento da compropriedade sobre o caminho, nem esta resultar de qualquer presunção legal, não tiveram os Réus a possibilidade de se pronunciarem, melhor dizendo, se defenderem quanto a esta pretensão, o que se apresenta como uma manifesta e evidente violação do princípio do contraditório.
109ª- Pelo exposto, sempre com o devido respeito por opinião diversa, mal andou o Tribunal a quo quando decidiu reconheceu o direito de compropriedade dos Autores, porque fê-lo com violação do princípio do dispositivo e do contraditório (Art.3º do CPC).
110ª- O mesmo se diga relativamente à decisão do Tribunal a quo em condenar os Réus ao pagamento de juros legais relativos ao pedido de indemnização por danos não patrimoniais, desde a citação até efetivo e integral pagamento.
111ª- Tal como resulta do peticionado, os Autores pedem a condenação dos Réus no pagamento de indemnização por danos não patrimoniais em valor nunca inferior a € 5.000,00, nada peticionando quanto a juros legais.
112º- Mais uma vez o Tribunal a quo extravasa o peticionado pelos Autores, condenando os Réus, em pagamento de juros de mora, quando tal nunca foi peticionado, violando mais uma vez o princípio do dispositivo e do contraditório.
113ª-Dispõe o Art. 615º, nº1 alínea e) do CPC que é nula sentença quando o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
114ª- Pelo que, a sentença proferida pelo Tribunal a quo está ferida de nulidade, por violação, entre outras, das normas constantes nos Art. 3º, nº 1, 608º, nº 2 e 609º nº 1 todas do CPC, pelo que não pode manter-se, devendo ser declarada nula, com as devidas consequências legais”.
**
Foram apresentadas contra-alegações pelos autores que pugnaram pela inadmissibilidade do recurso, concluindo nos seguintes termos:

I - Nestes termos e nos que V. Exas. Doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, por provado, e em consequência:
O Recurso apresentado não cumpre com as obrigações dispostas no artigo 639º do Código de Processo Civil;
II. Cabe aos Recorrentes apresentar um Recurso que cumpra todos os requisitos constantes no Código de Processo Civil, não podendo este conter nulidades;
III. O recurso interposto pelos Recorrentes não tem conclusões.
IV. As conclusões de Recurso devem ser sintéticas indicando os fundamentos para a interposição do Recurso.
V. As conclusões apresentadas pelos Recorrente nada mais são que uma reprodução integral do corpo das alegações.
VI. A reprodução nas “conclusões” do recurso, da respetiva motivação equivalerá a uma situação de alegações com “falta de conclusões”.
VII. Requisito esse de verificação obrigatória.
VIII. E a sua não verificação determina a rejeição do recurso.
IX. Estando o Recurso em desconformidade com os requisitos do Código de Processo Civil, mormente, pela falta de “Conclusões”, deverá ser indeferido nos termos do Artigo 641º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Civil.
X. Não assiste qualquer razão aos Recorrentes, estando a sua pretensão forçosamente votada ao insucesso, devendo manter, na íntegra, a sentença proferida, não tendo razão por diversos motivos;
XI. Toda a argumentação dos Recorrentes não tem qualquer fundamento, alegado nada mais que uma distorção daquilo que resultou da discussão da causa e da prova produzida, ignorando, porque lhe é conveniente, a maior parte da prova testemunhal produzida;
XII. Ora, no que concerne ao âmbito da prova produzida na audiência de discussão e julgamento o Juiz no Direito português está sujeito ao princípio da livre apreciação da prova e da sua prudente convicção, conforme previsto no n.º 5 do Artigo 607º do Código de Processo Civil (CPC);
XIII. Pode o Juiz retirar da análise da prova as conclusões de acordo com a formação da sua própria convicção, conforme os livres poderes que lhe são legalmente conferidos, como refere o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24.10.2022, Processo: 675/19...., supra referido e transcrito;
XIV. Como tal, os Recorrentes ao longo da sua fundamentação colocam em causa esse poder jurisdicional, ao afirmar que o Tribunal a quo não podia ter retirado as conclusões que alcançou, afirmando que “antes pelo contrário, outras se impunham”;
XV. Ao contrário do alegado pelos Recorrentes, foi claramente comprovado que o acesso aos campos da quinta, instalações agrícolas, casa dos caseiros e feitor, sempre foi feito por um caminho desde a Rua ..., no sentido sul-norte e com cerca de 3 metros de largura, por entre os prédios dos Autores e Réus.
XVI. Apesar de até 2013, os prédios supra mencionados fazerem parte integrante da descrição nº ...29, conforme resulta do ponto 3 da sentença, o certo é que a realidade física do prédio não corresponde ao aludido pelos Recorrentes.
XVII. Na verdade, fisicamente havia a existência dos prédios supra identificados apesar de estes fazerem parte integrante do nº 631/...29, para tanto conforme deriva do Doc. ..., junto aos autos pelos Autores, aqui Recorridos.
XVIII. Aquando da desanexação dos prédios para efeitos de registo tiveram o cuidado de averbar na Certidão Permanente do prédio que lhes pertence com a descrição nº ...01, todas as confrontações existentes, mormente, o caminho situado a poente do prédio.
XIX. Tanto mais que, aquando da desanexação dos prédios para efeitos de registo tiveram o cuidado de fazer constar das confrontações do prédio que lhes pertence com a descrição nº ...01, o caminho situado a poente do prédio;
XX. Por conseguinte, há existência inequívoca do caminho “por entre os prédios supra identificados”, conforme o ponto 4, há vários anos;
XXI. Devendo improceder o pedido efetuado para a alteração do ponto 4 da matéria de facto dada como provada, devendo a mesma manter-se e ser apreciada talqualmente;
XXII. Deverá, igualmente, improceder a alegação dos Recorrentes no sentido de se alterar o ponto nº 5 dos factos provados, para que sejam acrescentadas novas informações, o que expressamente se requer que seja improcedente, na medida em que a douta sentença proferida não merece qualquer reparo.
XXIII. Além de que os Recorrentes não lograram provas sobre a atualidade das confrontações que contrariem aquela que foi a correta interpretação do Tribunal a quo para o direito que se pretende ver reconhecido;
XXIV. Também a revogação e alteração dos pontos 6 e 7 da douta sentença, para o que os Recorrentes vêm arguir que nunca foi intenção dos herdeiros de individualizar o caminho, deverá improceder totalmente.
XXV. O facto de colocar a vedação no seu terreno para proteção dos animais, não invalida a intenção de individualizar o caminho, tanto mais que a anterior proprietária do prédio que, atualmente, pertence aos Réus, foi perentória em afirmar que só não colocou vedação no seu terreno porque não tinha condições económicas para esse efeito.
XXVI. Ademais, os Recorrentes pretendem fazer crer que o caminho foi integrado no seu prédio continuando a distorcer a realidade daquilo que realmente aconteceu e, mais grave, do que ficou demonstrado e provado em audiência de discussão e julgamento.
XXVII. O Tribunal a quo foi absolutamente brilhante na análise dos depoimentos das testemunhas assim como dos documentos, depreendendo, corretamente, que o caminho nunca pertenceu ao Réus.
XXVIII. Convicção que resultou absolutamente clara através dos testemunhos do Sr. II, antigo proprietário do prédio dos Réus e de KK, agente imobiliária da EMP01... que mediou ambas as compras e vendas do imóvel. (Da Sra. JJ para o Sr. II e, posteriormente, do Sr. II para os Recorrentes).
XXIX. O tribunal a quo bem entendeu quando dá como provado que os Réus e vendedores procederam ao levantamento topográfico para alteração da área do prédio, planeando que por meio de registo o caminho passasse a fazer parte integrante do prédio que iria ser vendido ao Réus.
XXX. Evidenciou-se ao longo de todas as diligências, por meio de provas testemunhais e documentais que o referido caminho sempre foi utilizado por todos que são servidos pelo caminho “À vista de toda a gente”.
XXXI. Deverá, pois, improceder toda a alegação dos Recorrentes no sentido de que facto 22 seja dado como não provado, como se constata do relato da testemunha LL, arrendatária dos terrenos do Sr. BB, Autor marido, aqui Recorrido em relação ao uso do caminho.
XXXII. Considera-se inapropriado questionar o sofrimento alheio somente porque as pessoas afetadas não expressam os seus sentimentos da forma que os Réus, aqui Recorrentes, “acham” que os Autores, o deveriam ter feito para demonstrar o seu transtorno e incomodo com toda a situação vivida.
XXXIII. Cabe ao Juiz o poder de julgar o caso conforme a sua convicção alcançada através da análise dos factos do processo e ademais elementos processuais, tendo como base para o seu pensamento dedutivo a lógica e a experiência comum de um Homem-médio nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, como se infere do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19.04.2018, Processo 199/14.9T8BGC.G1;
XXXIV. Pretendiam os Recorrente uma interpretação dos factos e a construção da sua livre convicção de acordo com sua a perspetiva, afirmando ainda que o facto dado como provado será um facto genérico e conclusivo.
XXXV. Quanto à matéria de direito, o douto Tribunal a quo andou bem quando reconhece o direito de compropriedade dos Autores sobre o caminho em causa por meio do instituto da usucapião, uma vez que se preenchem todos os requisitos no caso em apreço para esse reconhecimento.
XXXVI. Os Autores utilizavam o caminho à vista de toda a gente, procedendo à sua limpeza e manutenção, sendo o caminho utilizado por todos aqueles que se serviam deste para aceder ao terreno dos Autores, nomeadamente, todos aqueles que cultivavam o terreno.
XXXVII. Encontrando-se preenchido o elemento corpus por haver por parte dos Autores o domínio de facto sobre a coisa, quando exercem poderes materiais efetivos sobre o caminho, mormente, a sua utilização e preservação do mesmo, bem como, o animus em consequência dos Autores agirem com a intenção de possuidor ao efetuar sobre o caminho atos como titulares do seu direito real.
XXXVIII. Estando a Sentença proferida de acordo com as normas de Direito.
XXXIX. O facto de a escritura pública de partilha da herança apenas ter ocorrido em 2017, não significa que não possa haver verbalmente essa partilha entre os herdeiros, e que essa partilha não produza efeitos.
XL. Não obstando, a constituição originária de um direito de usucapião não se encontra sujeita a qualquer outro circunstancialismo juridicamente relevante, bastando apenas o decurso do tempo necessário à sua conformação.
XLI. Pelo que, e como bem entendeu o Tribunal a quo, está preenchido o período de tempo necessário para a constituição do direito de usucapião.
XLII. Inexiste qualquer nulidade da sentença proferida, uma vez que não há por parte do douto Tribunal nenhuma violação do princípio do dispositivo e do contraditório (Artigo 3º do CPC).
XLIII. O reconhecimento aos Autores, aqui Recorridos da compropriedade sobre o caminho em nada “extravasa” o peticionado pelos Autores, na medida em que não reconheceu um direito qualitativamente superior ao peticionado;
XLIV. No caso da douta sentença, o princípio previsto no Artigo 609º, n.º1 do CPC não se coloca em causa uma vez que há um reconhecimento que está correlacionado com a pretensão formulada pelos Autores, assim vaticina, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.11.2020, Processo 107524/17.2YIPRT.P1.S1;
XLV. Os Autores, ora Recorridos, pediram uma indemnização por danos não patrimoniais em valor nunca inferior a € 5.000, considerando o Tribunal a quo, a condenação no pagamento de € 3.500 acrescidos de juros legais, valor quantitativamente inferior ao peticionado pelos Autores;
XLVI. o pagamento de juros de mora está subjacente ao pedido de indemnização por danos não patrimoniais, conforme vem sido defendido em largas decisões superiores.
XLVII. A obrigação de pagamento de juros de mora, apesar de não estar exprimida está intrínseca ao pedido de indemnização;
XLVIII. A sentença não violou qualquer preceito legal, é válida, lícita e respeitadora de todos os princípios legais e deverá fazer caso julgado nos exatos termos em que se encontra proferida”.
*
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo, mediante a prestação de caução.
Nas suas alegações de recurso pugnaram os autores recorridos pela rejeição do recurso, atentas as conclusões apresentadas que, alegam, não sintetizaram as alegações, antes sendo a sua reprodução.
As conclusões existem e, portanto, inexiste fundamento para a rejeição do recurso – vide, neste sentido, por todos o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08/06/2021, do Juiz Conselheiro Fernando Samões, proc. 11871/18.4T8PRT.P1.S1, in www.dgsi.pt.
A nossa jurisprudência tem vindo a entender, de forma pacífica, que as conclusões da alegação do recurso devem ser um resumo, explícito e claro, da fundamentação das questões equacionadas pelo recorrente, visando, à luz do princípio da cooperação, facilitar a realização do contraditório e o balizamento do objeto do recurso.
Necessário se torna que das conclusões se retire, sem dificuldade, quais as questões colocadas ao Tribunal de recurso, quais os erros imputados à decisão recorrida e quais os fundamentos através dos quais se pretende obter a sua alteração ou revogação – vide o teor do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07/11/2019, processo 3113/17.6T8VCT.G1.S1 da Conselheira Maria da Graça Trigo, in www.dgsi.pt. 
Nas palavras de Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, pág. 116-117, que “as conclusões são deficientes designadamente quando não retratem todas as questões sugeridas pela motivação (insuficiência), quando revelem incompatibilidade com o teor da motivação (contradição), quando não encontrem apoio na motivação, surgindo desgarradas (excessivas), quando não correspondam a proposições logicamente adequadas às premissas (incongruentes), ou quando surjam amalgamadas, sem a necessária discriminação, questões ligadas à matéria de facto e questões de direito.
Obscuras serão as conclusões formuladas de tal modo que se revelem ininteligíveis, de difícil inteligibilidade ou que razoavelmente não permitam ao recorrido ou ao tribunal percecionar o trilho seguido pelo recorrente para atingir o resultado que proclama.
As conclusões serão complexas quando não cumpram as exigências de sintetização a que se refere o nº1 (prolixidade) ou quando, a par das verdadeiras questões que interferem na decisão do caso, surjam outras sem qualquer interesse (inocuidade) ou que constituem mera repetição de argumentos anteriormente apresentados. Complexidade que também poderá decorrer do facto de se transferirem para o segmento que deve integrar as conclusões, argumentos, referências doutrinais ou jurisprudenciais propícias ao segmento da motivação. Ou, ainda, quando se mostre desrespeitada a regra que aponta para a necessidade de a cada conclusão corresponder uma proposição, evitando amalgamar diversas questões. Nestes casos, trata-se fundamentalmente de eliminar aquilo que é excessivo, de forma a permitir que o tribunal de recurso apreenda com facilidade as verdadeiras razões nas quais o recorrente sustenta a sua pretensão de anulação ou de alteração do julgado”.
Este Tribunal de recurso admite que os recorrentes não se tenham esforçado em sintetizar as suas conclusões. Não obstante, sendo as conclusões absolutamente claras, um convite aos réus recorrentes para as sintetizar revelar-se-ia, na situação em apreço, num ato desnecessário e que, sobretudo, prolongaria a permanência destes autos nesta 2.ª Instância de forma inútil.
Assim, nada obsta à apreciação da apelação apresentada.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
**
II - Questões a decidir:

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes – arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por C. P. Civil) -, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em saber:

1 - Da impugnação da matéria de facto suscitada pelos réus.
2 - Se, alterada ou não a decisão sobre a matéria de facto, deve ser alterada a decisão de direito.
3 - Da nulidade da sentença por violação do princípio do contraditório e do dispositivo.

III - Fundamentação de facto:

Os factos que foram dados como provados na decisão proferida são os seguintes:
1. Por escritura pública de partilha, celebrada no dia 26 de maio de 2017 e que aqui se dá como reproduzida, foi adjudicado à Autora mulher, entre outros, o prédio rústico, composto de cultura arvense, vinha em ramada e pastagem, sito no Lugar ..., freguesia ..., Concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número ...01 (desanexado do prédio ...29), inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...3 da referida freguesia ..., inscrito a seu favor pela Ap. ...04, de 2017/07/10. 
2. Na mesma escritura de partilha, foi adjudicado ao herdeiro MM, o prédio urbano composto de casa de dois pisos e logradouro, sito na Rua ..., freguesia ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número ...27 (desanexado do prédio ...29) e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...1.
3. Ambos os prédios faziam parte de uma quinta dos falecidos avós e pais da Autora mulher, estes falecidos a .../.../1991 e .../.../1997.
4. O acesso aos campos da quinta, instalações agrícolas, casa dos caseiros e feitor, num comprimento de cerca de 75 metros, sempre foi feito por um caminho de terra batida desde a Rua ..., no sentido sul-norte e com cerca de 3 metros de largura, por entre os prédios supra identificados.
5. Os herdeiros, na sequência de avaliação efetuada em 2001, desanexaram os dois referidos prédios da descrição ...29, e averbaram o registo em seu nome, em comum e sem determinação de parte, ficando o prédio referido em 2) com a seguinte descrição - casa de dois pisos e logradouro, com a área coberta de 110 m2 e descoberta de 3046 m2.
6. Nesta altura os herdeiros decidiram individualizar o caminho, que permaneceria a servir os prédios 1) e 2), tendo sido colocado um portão junto à Rua ..., e pelos Autores foi ainda colocada rede e um portão a 1/2 do caminho, entre o prédio identificado em 1) e o caminho; no fim do caminho – onde antes estava a casa principal – foi construído um muro.
7. Tal nunca mereceu oposição, continuando a ser utilizado para acesso ao logradouro do prédio referido em 2 (onde antes se encontrava a casa dos caseiros) e para acesso aos campos e leiras do prédio referido em 1.
8. O trato de caminho era limpo pelos Autores e pelos então proprietários do prédio identificado em 2), que o tratavam como sendo seu e com exclusão de todos os outros.
 9. Para aceder com tratores, maquinaria ou camiões a alguns campos e leiras que constituem o prédio dos Autores não era possível o acesso pela outra entrada do prédio pela Rua ..., atendendo ao desnível.
10. Em 16 de abril de 2020, foi vendido por JJ o prédio descrito em 2) a II e esposa NN.
 11. Aquando da venda, aqueles foram esclarecidos pela vendedora e pela sociedade imobiliária, da existência do caminho em questão, que se encontrava fora dos limites do prédio vendido e de que servia ambos os imóveis, constando tal informação da publicidade:
12. Em cinco de agosto de dois mil e vinte e um, foi celebrada escritura pública de compra e venda, por via da qual, aqueles vendem aos Réus o prédio, que ficou registado a seu favor pela Ap....83, de 2021/08/09, declarando que o prédio tem efetivamente a área descoberta de 3229 m2, com uma divergência decorrente de erro de medição.
13. Ainda antes da compra, e perante a mesma informação pela mediadora imobiliária, os Réus foram informados pelo Autor da utilização do caminho por ambos os prédios e que não prescindiam do mesmo, nem de parte.
14. Perante a posição dos Autores, os Réus e vendedores procederam ao levantamento topográfico e alteraram a área descoberta do prédio na matriz, incluindo a área correspondente ao caminho.
15. Em janeiro de 2022, os Autores reforçaram a rede que ladeava o caminho, colocando junto dessa já existente uma malha ovelheira, mais perto do caminho, para defesa das ovelhas que têm no seu terreno.
 16. A 28 de janeiro de 2022 os Réu remeteram uma carta para interpelarem os Autores a retirar a vedação da sua propriedade.
17. Em meados de abril de 2022, os Réus iniciaram a construção de um muro de pedra, ordenando que fossem colocadas diversas pedras no caminho, em frente ao portão que dava acesso aos campos do meio do prédio dos Autores.
 18. Em 24 de maio de 2022, os Autores interpelaram os Réus, solicitando que os mesmos procedessem à retirada das pedras.
19. A 31 de maio de 2022, os Réus encostaram mais pedras junto à vedação dos Autores, impedindo o acesso ao caminho e danificaram o tubo de rega dos Autores (depois reparado).
20.Os Réus, entretanto, concluíram a construção do muro, ocupando o caminho, deixando livre uma parte junto à estrada que permite acesso ao campo mais a sul.
21. O caminho vem sendo utilizado pelos Autores, Réus e anteriores proprietários, sem interrupção e de forma pacífica, mantendo o uso dado pelos proprietários da Quinta, com aproveitamento de todas as utilidades e vantagens que o mesmo lhes proporciona.
22. À vista de toda a gente, por serem os donos dos referido prédios que são servidos pelo referido caminho.
 23. Os Autores vivem com receio de perder o acesso do caminho, sentindo-se transtornados e incomodados com toda a situação”.
**
Resultaram não provados os seguintes factos:

“- que os Réus estejam deprimidos, com problemas de descanso e receosos, e que se comentem os problemas na vizinhança, em virtude da situação;
- que o que os Autores pretendem é dificultar a vida a todo e qualquer proprietário do prédio urbano, numa tentativa de vingança pela venda da cunhada, ou sem fundamento;
- que o Autor marido entrou no prédio dos réus, acompanhado de um cão de raça pastor alemão, como ameaça e coação”.
*
IV - Do objeto do recurso:

1 - Da impugnação da matéria de facto:

Dispõe o art.º 640.º do C. P. Civil, que:

1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo, de poder proceder à transcrição do excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636º.”.

A jurisprudência tem entendido que desta norma resulta um conjunto de ónus para o recorrente que visa impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto.
Nas palavras do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01/10/2015, da Juiz Conselheira Ana Luísa Geraldes, proc. 824/11.3TTLRS.L1.S1 in www.dgsi.pt, das normas aplicáveis resulta que “recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus:
Primo: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
Secundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Tertio: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa-fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão”.
Estes ónus exigem que a impugnação da matéria de facto seja precisa, visando o regime vigente dois objetivos: “sanar dúvidas que o anterior preceito ainda suscitava e reforçar o ónus de alegação imposto ao recorrente, prevendo que deixe expressa a decisão alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova” (cfr. Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, pág. 198).
Recai assim sobre o recorrente o ónus de, sob pena de rejeição do recurso, determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretendem questionar (delimitar o objeto do recurso), motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação (fundamentação) que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre cada um dos factos que impugnam e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação.
No âmbito da impugnação da matéria de facto não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento da alegação, ao contrário do que se verifica quanto às alegações de direito (vide, por todos, Abrantes Geraldes, no livro já citado, pág. 199).
Analisadas as alegações apresentadas, os recorrentes indicam de forma correta os factos que pretendem sejam decididos de forma diversa, fundamentando a sua alegação em concretos meios probatórios que entendem permitir concluir no sentido por si proposto, fazendo menção, quando deles decorre, aos específicos momentos da gravação, nada obstando assim à reapreciação da matéria de facto da decisão recorrida.
Veja-se, por todos, a jurisprudência citada no Acórdão recente do Supremo Tribunal de Justiça de 12/10/2023, da Juiz Conselheira Maria da Graça Trigo, proc. 1/20.2T8AVR.P1.S1, e em particular o Acórdão do mesmo Tribunal de 10/12/2020 (proc. n.º 274/17.8T8AVR.P1.S1), nele referido, que estabelece que “na verificação do cumprimento dos ónus de alegação previstos no art. 640.º do CPC, os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, dando-se prevalência à dimensão substancial sobre a estritamente formal”.
Começa o Tribunal por referir que, numa ação em que se discute se determinada parcela de terreno pertence aos autores ou, subsidiariamente, se sobre a mesma existe um direito de servidão de passagem, tal parcela de terreno, que se alega ser utilizada como caminho, não pode ser descrita como “caminho”, pois que essa será a conclusão a que o Tribunal chegará, ou não, com base nos factos que venham a resultar provados.
Como decorre do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27/09/2023, do Juiz Desembargador Jerónimo Freitas, in www.dgsi.pt, “conforme é entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, as conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada. Dito de outro modo, só os factos materiais são suscetíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objeto de prova”, remetendo para o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/09/2009 do Juiz Conselheiro Bravo Serra, proc. n.º 238/06.7TTBGR.S1, também ele disponível in www.dgsi.pt.
Nas palavras de Anselmo de Castro só “acontecimentos ou factos concretos no sentido indicado podem constituir objeto da especificação e questionário (isto é, matéria de facto assente e factos controvertidos), o que importa não poderem aí figurar nos termos gerais e abstratos com que os descreve a norma legal, porque tanto envolveria já conterem a valoração jurídica própria do juízo de direito ou da aplicação deste” (Direito Processual Civil Declaratório, Almedina, Coimbra, Volume III, 1982, pág. 268/269).
O Tribunal seguirá aqui de perto o entendimento expresso no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/09/2019, da Juiz Conselheira Rosa Ribeiro Coelho, proc. 1333/15.7T8LMG.C1.S1, in www.dgsi.pt: “no regime anterior na audiência de julgamento, após a produção da prova, abria-se o debate sobre a matéria de facto, com produção de alegações sobre o tema pelos advogados das partes, e seguia-se o proferimento de decisão onde se julgavam os factos, indicando-se os tidos como provados e aqueles que se consideravam como não provados. Ultrapassada a fase em que às partes era facultada a discussão sobre o aspeto jurídico da causa, era proferida a sentença na qual, além do mais, se discriminavam os factos admitidos por acordo, os factos provados por documento ou por confissão reduzida a escrito e os factos constantes do acórdão ou do despacho proferido no final da audiência; seguia-se a indicação interpretação e aplicação das normas jurídicas pertinentes a esses factos, assim se chegando à decisão final - tudo nos termos enunciados nos arts. 652º, 653º e 659º do CPC então vigente,
Atualmente, porém, à audiência final, onde são produzidas as provas e as partes produzem alegações sobre a matéria de facto e o direito aplicável, segue-se o proferimento da sentença, em cuja fundamentação o juiz discrimina os factos que considera provados e não provados, através de análise crítica das provas, tomando ainda em consideração os admitidos por acordo e os provados por documento ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e indicando, interpretando e aplicando as normas jurídicas pertinentes, concluindo pela decisão final – arts. 604º e 607º do atual CPC.
Coerentemente, não havendo já, na tramitação de um concreto processo, a prolação de uma decisão sobre os factos e, depois, o proferimento de uma decisão de mérito, muitas vezes com a intervenção sucessiva de julgadores diferentes – o do facto e o do direito –, foi eliminado o antigo nº 4 do art. 646º, que rezava assim: “têm-se por não escritas as respostas do tribunal coletivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.
Como a este propósito escrevem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, esta “(…) opção legislativa tem subjacente a admissibilidade de uma metodologia em que, com mais maleabilidade, se faça o cruzamento entre a matéria de facto e a matéria de direito, tanto mais que a circunstância de ambos os segmentos surgirem agregados na mesma peça processual facilita e simplifica a decisão do litígio (…).”.
Porém, tal “(…) opção não significa, obviamente, que seja admissível doravante a assimilação entre o julgamento da matéria de facto e o da matéria de direito ou que seja possível, através de uma afirmação de pendor estritamente jurídico, superar os aspetos que dependem da decisão da matéria de facto”.
E continua, “não poderá, portanto, a sentença, ao emitir o julgamento sobre os factos atinentes a uma dada questão de direito, considerar como provado o correspondente conceito jurídico, desacompanhado dos factos suscetíveis de o integrarem”.
Como se concluiu no Acórdão que acompanhamos “sendo incluída, em sede de decisão sobre a matéria de facto, a afirmação de uma dada conclusão jurídica sem que se julguem como provados factos concretos que a integrem, não se poderá fazer uso do remédio previsto no nº 4 do antigo art. ...46º – desaparecido que está da nossa ordem jurídica –, mas haverá lugar à constatação de que a matéria de facto apurada não suporta essa conclusão jurídica, que, por isso, não será vinculativa para a decisão de mérito a proferir; na verdade, um erro do tribunal com esse conteúdo não pode suprir o facto em falta”.
Saber se a parcela de terreno é ou não um “caminho” e, sendo-o, quem é o seu proprietário, é a questão dos autos e, assim, tal referência tem de ser substituída pela matéria de facto correspondente, o que se fará, perante a prova que foi produzida, analisada na sua totalidade, impugnada que foi a decisão sobre a matéria de facto.
A impugnação da matéria de facto versa os factos 4, 5, 6, 7, 14, 22 e 23 da matéria de facto provada.
No que ao facto 4 diz respeito, insurgem-se os recorrentes quanto à referência efetuada à localização do “caminho” “por entre os prédios supra identificados” que consta da sua redação.
Quanto ao facto 5, insurgem-se os réus recorrentes quanto à referência temporal da desanexação e à omissão da indicação das confrontações do prédio referido em 2, na referida descrição predial.
Começa por evidenciar-se que os imóveis aqui em discussão foram partilhados em 26/05/2017 por morte dos pais da autora e dos seus dois irmãos, tendo aqueles falecido em .../.../1991 e .../.../1997, respetivamente (documento ... junto com a petição inicial).
Ora, ouvida toda a prova testemunhal e declarações de parte produzidas, não foi claro, porque não foi questionado, quem e em que termos utilizou os imóveis que aqui estão em discussão no momento subsequente à morte do último dos inventariados e até à data da partilha, referindo-se as testemunhas à utilização que sempre foi dada aos imóveis quando estava em causa uma quinta pertencente a um único dono, sendo certo que se os donos foram até .../.../2017 os inventariados e depois todos os seus herdeiros, em rigor, não sabemos que utilização foi dada ao imóvel adjudicado à autora e ao imóvel adjudicado ao irmão MM e que, mais tarde, foi adquirido pelo réu, entre 1997 e 26/05/2017.
Por outro lado, é efetuada uma referência à separação dos imóveis pertencentes à quinta como sendo relativa ao momento da partilha, quando é claro que, como resulta da avaliação de 10/10/2001, o prédio urbano que correspondia à inscrição matricial ...1 tinha já inscrição matricial autónoma – documento ...0 junto com a petição inicial.
Ou seja, se a desanexação da descrição predial mãe aconteceu posteriormente (documento ...1 junto com a petição inicial), existia então já uma inscrição matricial.
Como se retira da inscrição matricial junta como documento ... com a petição inicial, este prédio urbano com inscrição matricial ...1 foi o que deu origem ao que tem, agora, a inscrição matricial ...51 (desta inscrição lê-se “teve origem nos artigos”).
O mesmo se diga do prédio que foi adjudicado à autora e identificado com a inscrição matricial rústica ...3. Como se retira do documento ... junto com a petição inicial, este imóvel está inscrito na matriz desde 1997.
Assim, se é certo que, como todos referiram, esta quinta sempre foi utilizada como um todo até ao momento da partilha, daqui não se retira que até à partilha existisse um único imóvel, decorrendo o seu fracionamento da partilha.
Os documentos juntos pelos próprios autores demonstram, de forma inequívoca, que já antes existia mais do que um imóvel.
Aliás, a confusão dos autores é tal que alegam que os prédios identificados em D) e E) do relatório de avaliação se reportam ambos à inscrição matricial urbana com o art.º 11, quando é evidente da leitura do documento ...1 junto com a petição inicial que o imóvel identificado em D) tinha uma inscrição matricial urbana autónoma – o art.º 65.
Ou seja, o que se retira dos documentos é que aqueles dois prédios urbanos, cada um com a sua inscrição matricial, tinham então uma única descrição predial – a 631 -, tendo a desanexação desta, em duas descrições prediais diferentes, sido requerida pelos herdeiros através do documento ...1 junto com a petição inicial.
Não foi assim o art.º matricial 11 que foi dividido (arts.º 13.º a 15.º da petição inicial), antes tendo sido desanexadas da descrição predial ...31 duas novas descrições, uma para cada um daqueles artigos matriciais urbanos já existentes – 65 (que aqui não está em causa) e 11, este atual ...51.
Certo é que, como toda a prova testemunhal e por declarações evidenciou, a parcela de terreno aqui identificada como caminho era utilizada como tal, com essas características e que estão evidenciadas nas fotografias juntas, para acesso a todos os imóveis da quinta fossem eles de natureza urbana ou rústica (e que eram mais do que aqueles que estão identificados nos autos, adjudicados à autora e ao irmão MM, na referida partilha). Esta realidade, aliás, não está colocada em causa pelos réus no recurso interposto, atenta a redação que propõem para o facto 4 da matéria de facto provada.
Que a parcela de terreno a que os autores apelidam de caminho não integra o imóvel que lhes foi adjudicado, resulta evidente da inscrição matricial do imóvel – rústica art.º 63 – pois que, logo ali, pertencendo o imóvel desde sempre à família dos autores, a sua confrontação poente está definida como sendo com “caminho”.
Assim, se confrontava com a parcela de terreno que aqui descrevem como caminho, é porque esta não integra tal imóvel, o que acontece pelo menos desde 1997, já que ninguém referiu ter existido qualquer alteração das confrontações daquele imóvel na respetiva inscrição matricial.
Convidado a alegar os factos relativos à origem do seu direito de propriedade, o que alegaram os autores foi que “cabe a propriedade do caminho à matriz 63 e à matriz 11 (atualmente matriz ...51)”.
Ora, como se retira destes documentos, esta alegação não é verdadeira em relação à matriz 63.
Veja-se que o imóvel adjudicado à autora foi vedado, por ordem dos autores, na confrontação com esta parcela de terreno, deixando do lado de fora dessa vedação a parcela de terreno identificada como caminho e que tinha, visivelmente, tais características, o que também permite concluir que a mesma não integra o prédio adjudicado à autora.
Note-se que sabemos, pela escritura pública de partilha, que, à data da mesma, este prédio adjudicado à autora estava descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº...46, tendo sido desanexado do descrito no nº...31 da mesma Conservatória como se retira daquela descrição predial (junta como documento ... com a petição inicial) e que a sua aquisição estava  registada a favor de todos os herdeiros sem determinação de parte ou direito desde .../.../2015 (documento ... junto com a petição inicial).
Tal ato de desanexação da descrição predial mãe (com o nº631) não está documentado nos autos (pois que o documento ...1 junto com a petição inicial comprova apenas a desanexação do prédio que hoje tem a sua aquisição registada a favor do réu, e a desanexação do que estava inscrito na matriz predial urbana sob o art.º ...5).
Retira-se assim dos documentos juntos que do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...31 foram desanexados pelo menos três imóveis: o rústico inscrito na matriz predial sob o art.º ...3 e que está agora descrito sob o n.º 646 (documento ... da petição inicial), o urbano inscrito na matriz predial sob o art.º ...51, antigo art.º ...1, hoje descrito sob o n.º ...50 (documento ... da petição inicial), e o urbano inscrito na matriz predial sob o art.º ...5 e que, segundo a menção manuscrita constante do documento ...1 junto pelos autores com a petição inicial, estará agora descrito com o n.º ...49 (descrição predial que não foi junta).
Ora, este prédio inscrito na matriz predial sob o art.º ...1 foi desanexado pelos herdeiros do prédio mãe com as seguintes menções: área coberta de 110 m2 e descoberta de 3046 m2, situado na Rua ..., a confrontar do norte e poente com herdeiros de GG, do sul com a Rua ... e do nascente com HH e outros.
Como resulta de toda a prova testemunhal produzida e das coordenadas geográficas, as confrontações poente e nascente deste imóvel estavam trocadas (na audição das gravações, percebe-se que a fotografia junta como documento ...4 causava perplexidade, porque a poça estaria do lado “errado”, como se a imagem estivesse em “espelho”).
Com efeito, confrontando o prédio com inscrição matricial art.º 63 a poente com caminho e correspondendo a parcela de terreno deste à parcela que aqui se discute, a confrontação do prédio inscrito na matriz predial urbana do art.º ...51 teria que ser com os herdeiros de GG a nascente e não a poente.
É esta confrontação nascente do prédio adquirido pelos réus (com o lado poente do prédio adjudicado à autora) que está em causa nestes autos e não a sua confrontação poente.
Ora, tendo todos os herdeiros declarado que o prédio agora descrito sob o n.º ...50 confrontava com herdeiros de GG, tal menção não permite perceber se estavam então a identificar o imóvel que veio depois a ser adjudicado à autora ou a uma qualquer autonomização da  parcela de terreno que identificam como caminho, pois que, quer numa situação quer noutra, ninguém tem dúvidas que, fosse qual fosse a intenção das partes, sempre estaria em causa imóvel pertencente aos referidos herdeiros.
Ou seja, até à partilha, nenhum elemento de prova existe, documental ou de outra natureza, que permita concluir que a parcela de terreno identificada como caminho foi autonomizada do que quer que fosse, sendo certo que, resulta da prova documental, que não integrava o prédio que veio a ser adjudicado à autora, pois que, como vimos, se este confronta com caminho é porque a parcela de terreno deste não o integra.
Foram os próprios autores que alegaram que, em relação ao imóvel que foi adjudicado à autora, este não “sofreu alterações aquando da partilha do acervo hereditário dos pais da autora mulher”, sendo certo que “nessa altura, os autores e JJ e MM (…) decidiram que o caminho que se encontrava entre os prédios partilhados permaneceria como sendo um caminho que serviria os dois” (art.sº 26.º e 27.º da petição inicial).
Ou seja, tal como resultava já do articulado e se retira dos depoimentos prestados, a autonomização da parcela de terreno identificada como caminho foi sempre referida pela herdeira, cônjuge e cunhada viúva como se tendo verificado aquando da partilha, não sendo sequer um assunto em discussão entre as partes, resultando do levantamento topográfico que a viúva do herdeiro MM exibiu em audiência (e que não foi junta) que aquela parcela de terreno estava fora dos limites do imóvel que veio a ser adjudicado ao marido, perfeitamente identificados, e deixando de fora, na confrontação com o prédio adjudicado à autora, a parcela que todos identificam como caminho e que sempre teve, notoriamente, tais características.
E que foi este prédio, com estas características, que, em representação do marido MM, vendeu a II não restam também dúvidas, pois que resulta claro do seu depoimento e da testemunha II que afirmou saber que o vizinho tinha o direito de utilizar aquela parcela de terreno, tendo tentado entender-se com ele sobre a parcela em questão e tendo chegado a pretender que, em conjunto, pagassem obras a realizar na parcela identificada como caminho, necessitando dessa parcela para aceder ao seu imóvel através da Rua ....
Aqui chegados temos claro que a redação dos factos 4 e 5 da matéria de facto provada não pode manter-se nos termos em que foi efetuada.
Com efeito, se é verdade que o acesso aos campos da quinta, instalações agrícolas, casa dos caseiros e feitor, num comprimento de 75 metros, sempre foi feito por uma parcela de terreno utilizada como caminho, em terra batida, desde a Rua ..., no sentido sul-norte e com cerca de 3 metros de largura, a questão a que teremos de dar resposta – em termos de direito – é a de saber se esta se situa dentro de qualquer dos dois prédios identificados nos autos ou constitui um parcela de terreno autónoma e desde quando, não podendo por isso, decidir-se a questão de direito na fixação da matéria de facto, afirmando-se, como fez o Tribunal recorrido, que tal parcela se situa entre os prédios (e, portanto, fora de qualquer deles). Ao assim afirmar, está o Tribunal de 1.ª Instância a considerar que aquela parcela de terreno que todos identificam como caminho não integra nenhum dos prédios identificados, pois que existe “por entre os prédios identificados”, sem que exista prova dessa existência autónoma em data anterior à partilha realizada em 2017.
Tem assim de eliminar-se a referência à localização da parcela de terreno como existindo entre os prédios supra identificados, corrigindo-se a menção a “caminho” nos termos já expendidos, pois que traduz já uma qualificação jurídica que é, em termos de descrição da matéria de facto, inadmissível.
Quanto ao facto 5, como vimos, não existe qualquer menção na prova produzida que relacione a avaliação de 2011 e a desanexação dos prédios que foi efetuada da descrição predial ...31, e cuja data consta da abertura da nova descrição predial, quanto aos prédios que foram adjudicados à autora e ao irmão, sendo certo que o prédio que foi adjudicado ao herdeiro MM foi então descrito como casa de dois pisos e logradouro, com a área coberta de 110 m2 e descoberta de 3046 m2, situado na Rua ..., sendo as confrontações indicadas a norte e poente com herdeiros de GG, a sul com Rua ... e a nascente com HH e outros, correspondente ao artigo matricial ...1.
Assim, impõe-se eliminar da sua redação aquela menção à avaliação, acrescentando-se a data da desanexação e os elementos que, então, ficaram a constar da descrição predial criada.
No que se refere ao facto 6 da matéria de facto provada, a crítica dos réus surge em relação ao momento em que foi individualizado o caminho e a esta mesma individualização.
Nesta matéria, as críticas dos recorrentes prendem-se com a possibilidade dessa individualização, pois que alegam que a mesma não é possível, tendo o alegado caminho de estar integrado num dos prédios em causa nos autos.
Ora, saber se tal individualização é ou não possível – no sentido de conceder ou não direitos sobre a mesma – é matéria a apreciar em sede de matéria de direito.
Aqui, em termos de matéria de facto, tem de afirmar-se o que fizeram então os herdeiros sobre a parcela em questão.
E, nesta matéria, não existem dúvidas.
No momento da partilha – e não da desanexação da descrição predial ...31, pois que, como vimos, este não foi sequer referido pelos autores e não resulta dos documentos que o tivesse sido nesse momento temporal -, entenderam os herdeiros que a parcela de terreno que identificam como caminho permaneceria a servir os dois prédios identificados em 1) e 2), tendo então separado tal parcela.
E ao separar tal parcela, não podemos fugir à questão de facto essencial destes autos e que é a de saber de que prédio foi esta separada.
Os autores alegam que o caminho sempre existiu, apenas foi individualizado com a partilha – art. 31.º da petição inicial.
O Tribunal não tem dúvidas que, no momento em que foi realizado o levantamento topográfico que foi considerado na partilha, tal separação estava já desenhada, pois que foi o que resultou do depoimento da testemunha JJ que o exibiu em audiência. Não está junto tal levantamento.
Na sentença proferida, a Mm.ª Juiz refere-se ao documento ... junto com a petição inicial dizendo que desse desenho resulta que a parcela de terreno identificada como caminho não foi incluída em nenhum dos prédios que aí estão identificados com as letras ...) e C). Ora, pela área, o prédio aí identificado como B) é muito maior do que aquele que foi adjudicado ao herdeiro MM e que está em causa nestes autos.
Este desenho não permite concluir nem a data em que foi elaborado nem a referida individualização da parcela identificada como caminho, pois que se estivesse então individualizada teria de ter sido partilhado pelos herdeiros, ainda que para ficar a pertencer a mais do que um.
Não há, assim, qualquer elemento que permita concluir que, com esse levantamento, tivessem os herdeiros individualizado o que quer que seja, sendo que nem os autores o afirmaram nestes autos.
O que sabemos é que nesse levantamento o caminho tem 226,80 m2 e que está aí identificado um terreno com 3.136,80 m2. Ora, 3.136,80 – 226,80 m2 perfaz 2.910 m2. Nenhuma destas áreas corresponde a qualquer das áreas referidas como sendo do prédio adjudicado ao herdeiro MM.
Sabemos que a parcela de questão não pertencia ao prédio que foi adjudicado à autora (pelas razões acima expendidas).
E pertencia ao prédio que, pela partilha, foi adjudicado ao irmão MM?
Ora, não temos dúvidas que, no contexto dos autos, atenta a sua localização, se foi então individualizado, no sentido de ter sido separado, foi-o de algum prédio e, assim, não sendo do que foi adjudicado à autora, só poderia sê-lo do que veio a ser adjudicado ao irmão MM.
Note-se que são os próprios autores que reconhecem que “cabe a propriedade do caminho à matriz 11 (atualmente matriz ...51)”, embora afirmem idêntico direito à matriz 63 (como resulta do art.º ...0/2022), tendo, aquela primeira afirmação carater confessório, porque desfavorável à versão que apresentam nos autos.
Assim, altera-se a redação do facto 6, ficando a constar que: na altura da realização da partilha, os herdeiros decidiram separar a parcela de terreno utilizada como caminho, referida no facto 4, que permaneceria a servir os dois prédios identificados em 1) e 2), retirando-a do prédio referido em 2).
Quanto à colocação do portão, a rede, a cancela e o muro foram, como referiram os autores, colocados após a partilha, nos exatos termos transcritos pelos recorrentes de forma fiel ao seu depoimento, que foi ouvido neste Tribunal de recurso, não sendo a redação da parte final do facto 6 fiel aos termos por estes declarados.
No que se refere à finalidade com que tais elementos foram colocados, os depoimentos não têm carácter confessório, surgindo muito pouco verosímil que um portão possa ter sido colocado para evitar a entrada de estranhos quando tudo o mais está completamente aberto, tendo sido dadas duas explicações diferentes para a rede – afastar animais que mataram animais do autor ou afastar os animais deste do terreno do cunhado.
Assim, a factualidade apurada ficará a constar como facto 6 A, com a seguinte redação: após a realização da partilha, os autores colocaram com o consentimento do irmão e cunhado MM um portão junto à Rua ... e colocaram ainda rede e uma cancela entre o prédio identificado em 1) e a parcela de terreno utilizada como caminho e, no fim desta parcela, onde antes estava a casa principal, foi construído um muro.
Resulta do exposto que nenhuma censura merece o facto 7, pois que aquele acordo foi sendo respeitado até que o imóvel adjudicado ao herdeiro MM foi vendido aos aqui réus pelo adquirente anterior II.
Já quanto ao facto 14, insurgem-se os réus recorrentes quanto ao que foi declarado e relativo ao novo levantamento topográfico realizado e que alterou a área do prédio que foi adjudicado ao herdeiro MM.
Os contactos estabelecidos entre o autor e o então apenas interessado em adquirir o imóvel, aqui réu, promovidos pela imobiliária e em concreto por familiar daquele réu por afinidade, realizados após o vendedor II ter consultado advogado que lhe disse que aquela parcela de terreno tinha de fazer parte do imóvel que havia adquirido pois, quando muito, o vizinho tinha um direito de servidão sobre a parcela em questão, permitem extrair a conclusão que este novo levantamento topográfico procurou assegurar ao comprador que a área em discussão, leia-se a parcela de terreno utilizada como caminho, estava integrada na área a adquirir pelo novo comprador, tendo os limites indicados pelo vendedor II incluído, precisamente, a área em questão (a área foi medida até à vedação construída pelos autores).
O facto de a área medida do imóvel ser superior à soma da área anteriormente inscrita com a área da parcela de terreno utilizada como caminho, não impede tal conclusão. Foi a concreta questão desta última área, suscitada antes da aquisição pelo réu, que fez despoletar a exigência de um novo levantamento topográfico.
Assim, mantém-se a redação do facto 14 da matéria de facto provada, retificando-se apenas referência à expressão “caminho”: perante a posição dos autores, os réus e os vendedores procederam a um levantamento topográfico e, na sequência deste, alteraram a área descoberta do prédio na matriz, incluindo neste a área correspondente à parcela de terreno utilizada como caminho.
Quanto ao facto 22, resulta de tudo o que já foi dito, que, quer antes da partilha, quer depois desta e da individualização efetuada, a utilização daquela parcela de terreno sempre foi feita nos mesmos termos, à vista de toda a gente, sendo apenas retificada, nos termos já referidos, a expressão “caminho”.
No que se refere ao facto 23, nenhuma questão foi colocada a qualquer dos inquiridos em audiência, nem sobre ele foi expendida qualquer consideração na sentença proferida, no âmbito da motivação da decisão sobre a matéria de facto.
Não se vislumbram outros meios de prova que permitissem considerar aquele facto como provado, para além dos depoimentos prestados em audiência.
Começa por referir-se que apenas a autora era proprietária do que quer que seja, pois que, como resulta claro da escritura de partilha, o autor não é herdeiro dos pais daquela.
Ora, se, depois de ouvido, podemos concluir que o depoimento do autor revelou desgaste com esta situação, porque era ele que mais próximo estava da utilização dada a este imóvel, o da autora não o revelou e este não pode ser presumido.
E mesmo em relação ao autor, esse desgaste está mais relacionado com a altercação com o réu e o processo crime por este movido por violação do direito de propriedade, e não tanto com a privação da utilização da parcela como caminho, por onde, segundo referiu, gostava de levar o cão a passear.
Não existem assim meios de prova que permitam afirmar o facto como provado que, assim, tem de ser eliminado e transitar para a matéria de facto não provada.
           
 2 – A matéria de facto a considerar é assim a seguinte (alterando-se em conformidade com o exposto supra a referência conclusiva à expressão “caminho”):
1. Por escritura pública de partilha, celebrada no dia 26 de maio de 2017 e que aqui se dá como reproduzida, foi adjudicado à Autora mulher, entre outros, o prédio rústico, composto de cultura arvense, vinha em ramada e pastagem, sito no Lugar ..., freguesia ..., Concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número ...01 (desanexado do prédio ...29), inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...3 da referida freguesia ..., inscrito a seu favor pela Ap. ...04, de 2017/07/10.
2. Na mesma escritura de partilha, foi adjudicado ao herdeiro MM, o prédio urbano composto de casa de dois pisos e logradouro, sito na Rua ..., freguesia ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número ...27 (desanexado do prédio ...29) e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...1.
3. Ambos os prédios faziam parte de uma quinta dos falecidos avós e pais da Autora mulher, estes falecidos a .../.../1991 e .../.../1997.
4. O acesso aos campos da quinta, instalações agrícolas, casa dos caseiros e feitor, num comprimento de cerca de 75 metros, sempre foi feito por uma parcela de terreno utilizada como caminho, em terra batida caminho de terra batida desde a Rua ..., no sentido sul-norte e com cerca de 3 metros de largura.
5. Os herdeiros desanexaram os dois referidos prédios da descrição ...29, em 01/04/2015 e 27/04/2015, respetivamente, e averbaram o registo em seu nome, em comum e sem determinação de parte, ficando o prédio referido em 2) com a seguinte descrição - casa de dois pisos e logradouro, com a área coberta de 110 m2 e descoberta de 3046 m2, sendo as confrontações indicadas a norte e poente com herdeiros de GG, a sul com Rua ... e a nascente com HH e outros, correspondente ao artigo matricial ...1.
6. Na altura da realização da partilha, os herdeiros decidiram separar a parcela de terreno utilizada como caminho, referida no facto 4, que permaneceria a servir os dois prédios identificados em 1) e 2), separando-a do prédio referido em 2).
6 A. Após a realização da partilha, os autores colocaram com o consentimento do irmão e cunhado MM um portão junto à Rua ... e colocaram ainda rede e uma cancela entre o prédio identificado em 1) e a parcela de tereno utilizada como caminho e, no fim desta parcela, onde antes estava a casa principal, foi construído um muro.
7. Tal nunca mereceu oposição, continuando a ser utilizado para acesso ao logradouro do prédio referido em 2 (onde antes se encontrava a casa dos caseiros) e para acesso aos campos e leiras do prédio referido em 1.
8. O trato da parcela de terreno utilizada como caminho era limpo pelos Autores e pelos então proprietários do prédio identificado em 2), que o tratavam como sendo seu e com exclusão de todos os outros.
 9. Para aceder com tratores, maquinaria ou camiões a alguns campos e leiras que constituem o prédio dos Autores não era possível o acesso pela outra entrada do prédio pela Rua ..., atendendo ao desnível.
10. Em 16 de abril de 2020, foi vendido por JJ o prédio descrito em 2) a II e esposa NN.
 11. Aquando da venda, aqueles foram esclarecidos pela vendedora e pela sociedade imobiliária, da existência da parcela de terreno em questão, utilizada como caminho, que se encontrava fora dos limites do prédio vendido e de que servia ambos os imóveis, constando tal informação da publicidade:
12. Em cinco de agosto de dois mil e vinte e um foi celebrada escritura pública de compra e venda, por via da qual, aqueles vendem aos Réus o prédio, que ficou registado a seu favor pela Ap....83, de 2021/08/09, declarando que o prédio tem efetivamente a área descoberta de 3229 m2, com uma divergência decorrente de erro de medição.
13. Ainda antes da compra, e perante a mesma informação pela mediadora imobiliária, os Réus foram informados pelo Autor da utilização daquela parcela de tereno utilizada como caminho por ambos os prédios e que não prescindiam do mesmo, nem de parte.
14. Perante a posição dos Autores, os Réus e vendedores procederam ao levantamento topográfico e alteraram a área descoberta do prédio na matriz, incluindo nesta a área correspondente à parcela de terreno utilizada como caminho.
15. Em janeiro de 2022, os Autores reforçaram a rede que ladeava o caminho, colocando junto dessa já existente uma malha ovelheira, mais perto do caminho, para defesa das ovelhas que têm no seu terreno.
 16. A 28 de janeiro de 2022 os Réus remeteram uma carta para interpelarem os Autores a retirar a vedação da sua propriedade.
17. Em meados de abril de 2022, os Réus iniciaram a construção de um muro de pedra, ordenando que fossem colocadas diversas pedras no caminho, em frente ao portão que dava acesso aos campos do meio do prédio dos Autores.
 18. Em 24 de maio de 2022, os Autores interpelaram os Réus, solicitando que os mesmos procedessem à retirada das pedras.
19. A 31 de maio de 2022, os Réus encostaram mais pedras junto à vedação dos Autores, impedindo o acesso à parcela de terreno utilizada como caminho e danificaram o tubo de rega dos Autores (depois reparado).
20.Os Réus, entretanto, concluíram a construção do muro, ocupando a parcela de terreno utilizada como caminho, deixando livre uma parte junto à estrada que permite acesso ao campo mais a sul.
21. A parcela de terreno utilizada como caminho vem sendo utilizada pelos Autores, Réus e anteriores proprietários, sem interrupção e de forma pacífica, mantendo o uso dado pelos proprietários da Quinta, com aproveitamento de todas as utilidades e vantagens que a mesmo lhes proporciona.
22. À vista de toda a gente, por serem os donos dos referido prédios que são servidos pela parcela de terreno utilizada como caminho.
 23. (não provado)
**
V -  Reapreciação de direito:

1 - A dificuldade da apreciação da matéria de facto provada e a sua subsunção jurídica reside na forma como os autores alegaram a existência de um direito de propriedade sobre o “caminho” que identificam.
Desde logo, porque tal identificação sugere, pela própria natureza da palavra “caminho”, que os autores invocam não o direito de propriedade sobre a parcela que indicam ser caminho, mas um direito de a utilizar como caminho, o que encerra um direito real, menor, de servidão (como resulta claro do entendimento da Mm.ª Juiz titular do processo quando determinou que os autores esclarecessem o seu direito de propriedade sobre o caminho, no despacho de 06/10/2022).
E os autores parecem não perceber que para terem tal direito de servidão, tal significa que a parcela de terreno que utilizam como caminho não lhes pertence, pois que tal direito exige a existência de um prédio dominante (aquele que beneficia da servidão) e um serviente (que é precisamente o que está onerado com a servidão).
Ora, o prédio serviente e onerado pela servidão não podem ser o mesmo prédio.
Os autores retiram da descrição predial do imóvel que foi adjudicado à autora que a poente do seu prédio existe um caminho, como se de tal realidade se concluísse, sem mais, que aquela parcela de terreno confinante fosse, por tal indicação, um caminho.
Não estando em causa um caminho público – como não está porque ninguém o alega – tal caminho tem de ser, ele próprio, um prédio ou integrar um prédio.
A confusão na alegação dos autores é total.
Depois de estruturarem a sua pretensão num acordo que, como alegaram e resultou provado, se verificou aquando da partilha e, portanto, apenas em 2017, referindo que o caminho “permaneceria como sendo um caminho que serviria os dois”, por reporte aos prédios identificados em 1) e 2) da matéria de facto provada, adjudicados, respetivamente à autora e ao irmão MM (art. 26.º da petição inicial), acrescentaram no art. 17º da sua resposta à contestação “que o caminho sempre foi entendido pelos autores como parte integrante do prédio sua propriedade”.
Por outro lado, depois de alegarem que o acordo realizado aquando da partilha individualizou a parcela de terreno que era utilizada como caminho, confrontados com o despacho de 06/10/2022 (“notifique os Autores para esclarecerem, atendendo que a confrontação do seu prédio é o caminho, e atendendo que foi alegado que o caminho serve ambos os prédios, em que circunstâncias é que ele foi por eles adquirido (dos factos alegados resulta, na realidade a existência de uma servidão”), vieram alegar no art.º8º da resposta a este convite que “pelas partilhas da herança já junta na PI, sob o doc. ...8, cabe a propriedade do caminho à matriz 63 e à matriz 11 (atualmente, matriz ...51)”.
Ou seja, a individualização não era, afinal, uma individualização no sentido da criação de um prédio autónomo, antes tendo os herdeiros pretendido que a parcela de terreno em causa, utilizada como caminho e com a dimensão descrita no facto 4, ficasse integrada em ambos os imóveis adjudicados à autora e ao irmão MM.
Cada um seria, nesta versão, proprietário do imóvel adjudicado e aquela mesma parcela de terreno pertenceria, afinal, a ambos os imóveis (com a simples utilização da frase “cabe a propriedade do caminho”).
Ora, o acordo verbal dos herdeiros, nada data em que foi realizado, seja na primeira versão da individualização (que resultou demonstrada), seja nesta segunda versão da pertença de uma parcela de terreno a dois imóveis diferentes não permite a constituição de qualquer direito real, como resulta do art.º 1306.º do C. Civil, tendo apenas efeitos obrigacionais.
Aquela parcela de terreno (ou o “caminho” na forma de alegação dos autores) não constitui um imóvel autónomo, não tendo os autores alegado qualquer válida desanexação daquela do imóvel (urbano) a que pertencia. O acordo dos herdeiros, que estes realizaram de forma verbal, não a torna numa coisa autónoma do prédio urbano onde se integrava e só a coisa corpórea pode ser objeto do direito de propriedade – art.º 1302.º do C. Civil.
A parcela de terreno não tem, pois, autonomia e não pode, por isso, ser objeto do direito de propriedade, sendo certo que se demonstrou que os herdeiros procuraram separa-la do prédio que foi adjudicado ao herdeiro MM e que, entretanto, foi transmitido ao réu.
E se não pode ser objeto de direito de propriedade, não pode ser de compropriedade, sendo que não estavam sequer alegados os factos que permitiam afirma-la.
Ora, se essa autonomização desta parcela de terreno não produz qualquer efeito, o que há que verificar é se o prédio adjudicado à autora beneficia de qualquer direito real sobre o prédio adjudicado ao irmão MM e que foi adquirido pelo réu, estando deduzido pedido subsidiário de reconhecimento do direito de servidão, direito esse que o Tribunal sempre entendeu que existiria, para além da compropriedade afirmada sendo que, esta, como vimos, não existe.
**
2 – A existência deste direito de servidão está também contestada no recurso em apreciação pelos réus.
Servidão predial é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente; diz-se serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o que dela beneficia - cfr. art.º 1543.º, do C. Civil.
A servidão é um direito real sobre uma coisa alheia, limitando o gozo efetivo do proprietário dessa coisa, em benefício do titular daquele direito - cfr. Mota Pinto, in “Direitos Reais”, 3ª Ed., pág. 279.
A servidão, como direito real de gozo sobre coisa alheia, limita o gozo efetivo do proprietário dessa coisa, na medida em que inibe este titular de praticar atos que possam prejudicar o exercício daquele direito, em beneficio do titular do direito de servidão, beneficio que se traduz em utilidades para o dono do prédio dominante, mas que este só pode gozar como tal e por intermédio do seu prédio.   
As servidões podem constituir-se por contrato, testamento, usucapião ou destinação do pai de família - cfr. art.º 1547º, n.º1, do C. Civil.
Os autores, na sua confusa alegação de facto e de direito, não indicam o modo de constituição da servidão, cujo reconhecimento requereram a título subsidiário, depois de interpelados para o efeito pelo Tribunal de 1.ª Instância.
Aliás, começam por apelida-la de “servidão legal de passagem” para, depois, requerer a eliminação dessa menção, mantendo-se apenas o reconhecimento da servidão.
Sobre as formas de constituição de servidões importa destacar, apenas, assim a que foi referida nestes autos: a servidão por destinação de pai de família, afirmada pelo Tribunal de 1.ª Instância e contestada por via da apelação interposta.
O nº 1 do art.º 1547.º do C. Civil enumera as servidões voluntárias, entre as quais se inclui a servidão predial constituída por destinação do pai de família, a qual se constitui no preciso momento em que os prédios ou as frações de determinado prédio passam a pertencer a proprietários diferentes e assenta num facto voluntário (a colocação do sinal ou sinais aparentes e permanentes).
Ora, para a constituição da referida servidão são fundamentais três pressupostos (vide Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil anotado”, III Vol., 2ª edição, pág. 632 a 635):
- que os prédios, ou as frações do prédio, tenham pertencido ao mesmo dono (não bastando que tenham sido possuídos apenas ou que tenham pertencido a pessoas ligadas por vínculos de parentesco ou de casamento);
- a existência de sinais visíveis e permanentes que revelem, inequivocamente, uma relação ou situação estável de serventia de um prédio para com outro, independentemente de quem os produzir (não sendo indispensável que os sinais existam nos prédios nem se exige que dos sinais tenham conhecimento o alienante e o adquirente, no ato jurídico que serve de veículo à separação, revelando a serventia de um prédio para com o outro, o que significa que terão sido postos ou deixados com a intenção de assegurar certa utilidade a um, à custa ou por intermédio do outro)
- e que os prédios, ou as frações do prédio, se separem quanto ao seu domínio e não haja no documento respetivo nenhuma declaração oposta à constituição do encargo, podendo a separação de domínios dar-se por qualquer título negocial (compra e venda, doação, partilha, testamento, etc.) ou por outro título de transmissão (expropriação, usucapião, etc.)”.
Todo o circunstancialismo que resulta da matéria de facto provada evidencia, sem qualquer dúvida, que os herdeiros proprietários de ambos os imóveis em causa nestes autos quiseram, no momento da partilha e, portanto, quando os mesmos passaram a ter proprietários diferentes, que a parcela de terreno identificada no ponto 4, de terra batida, que sempre foi utilizada como caminho para a acesso a todos os prédios, assim continuasse a ser utilizada pelo prédio que foi adjudicado à autora e pelo prédio adjudicado ao irmão MM, tendo, para concretizar tal desígnio, acordado até que a mesma fosse separada, para esse efeito, do prédio adjudicado a este último, de forma a servir ambos os prédios.
Os sinais visíveis e permanentes, para além da clara identificação da parcela como sendo um caminho, assim sempre sendo pressuposta pelos proprietários e depois pelos seus herdeiros, são, na situação em apreço, a clara separação daquela parcela da restante parte do imóvel adjudicado ao herdeiro MM, como se área correspondente pudesse deixar de integrar aquele imóvel.
Nada na escritura pública de partilha afasta esta vontade dos herdeiros proprietários e, assim, não temos dúvidas que se constituiu uma servidão de passagem por destinação de pai de família.
Impõe-se, assim, revogar a sentença proferida na parte em que reconheceu o direito de compropriedade dos autores sobre a parcela de terreno identificada no ponto 4 da matéria de facto provada, afirmando-se, porém, o seu direito de servidão de passagem, constituída por destinação de pai de família, sobre a mesma parcela.
O Tribunal não pode reportar-se à área de 226,80 m2 porquanto esta medição (que consta do documento ... junto com a petição inicial), não consta dos factos provados, estando apenas demonstrada a área de 225 m2 (75 x 3 m2).
A constituição deste direito de servidão implica, apenas, que os réus não podem impedir a passagem pela referida parcela em benefício do imóvel pertencente à autora, devendo abster-se da prática de atos que sejam lesivos desse direito de servidão.
Quanto ao mais, salvaguardado este direito de passagem que têm de assegurar aos autores, os réus gozam de todos os direitos que resultam do direito de propriedade que têm sobre o imóvel que adquiriram, podendo dar-lhe o destino que pretendam, desde que não impeçam aquele direito de passagem.
**
4 - Aqui chegados, não pode o Tribunal de recurso deixar de interpretar o pedido subsidiário formulados pelos autores, considerando os demais formulados e que foram também apreciados pelo Tribunal de 1.ª Instância.
Como se conclui do requerimento dos autores de 17/11/2022, o reconhecimento do direito de servidão foi formulado a título subsidiário em relação a todos os demais pedidos formulados, incluindo o pedido de indemnização (naquele requerimento todos os pedidos iniciais estão elencados de a) a e) e o pedido subsidiário consta como alínea f), depois da expressão “ou caso assim não se entenda”.
Daqui se retira que a pretensão indemnizatória deduzida estava relacionada com a alegada violação do direito de propriedade que os autores imputavam aos réus, não estando deduzida idêntica pretensão caso se reconhecesse que o direito violado era o seu direito de servidão.
Não existindo tal direito de propriedade, a conduta dos réus não o violou e, como tal, não existe a conduta ilícita que foi alegada para fundamentar a referida pretensão indemnizatória.
Reconhecido que foi o direito de servidão, e sendo a conduta dos réus violadora deste direito - porque impediram a utilização da parcela de terreno utilizada como caminho -, não existe pretensão indemnizatória deduzida pelos autores que ao Tribunal cumpra apreciar.
A apreciação dessa questão violaria o princípio do dispositivo resultante do art.º 3.º do C. P. Civil: o tribunal não pode resolver conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes.
Ainda que não fosse este o entendimento do Tribunal, temos como claro que não resultaram demonstrados quaisquer dos danos não patrimoniais alegados (face à eliminação do facto provado no ponto 23)  e muito menos a sua relação com este direito de servidão agora reconhecido, sendo certo que a mera privação do uso de passagem pela parcela de terreno utilizada como caminho não está alegada como fundamento de qualquer dos danos alegados e não pode, assim, fundamentar qualquer pretensão indemnizatória com base no instituto da responsabilidade civil. 
*
VI – Quanto à nulidade da sentença de 1.ª Instância que foi invocada, mostra-se já inútil a sua apreciação, pois que, nos segmentos contestados, a mesma já não subsiste.
Com efeito, como resulta do supra exposto, não existe fundamento jurídico para o reconhecimento do direito de compropriedade dos autores, nem para a condenação do réu no pagamento de uma indemnização, e, assim, não podem ser devidos juros de mora.
Sempre dirá o Tribunal o seguinte:
Alegam os réus recorrentes que o Tribunal não poderia reconhecer o direito de compropriedade dos autores sobre a parcela de terreno que identificam como caminho, pois que foi pedido o reconhecimento do direito de propriedade, sendo certo que tal decisão não foi objeto de prévio exercício do contraditório.
Do mesmo modo, alegam que o Tribunal condenou os réus no pagamento de juros de mora a contabilizar sobre o valor da indemnização peticionada, quando tal pretensão não foi deduzida pelos autores, não tendo também sido ouvidos sobre tal questão.
Entendem, assim, que a sentença é nula por violação do disposto no art. 3.º, n.º1, 608.º, n.º2, 609.º e 615.º, n.º1, alínea c), do C. P. Civil.
Como referem António dos Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Volume I, pág. 783, “as partes, através do pedido (art.3.º, n.º1) circunscrevem o thema dedidendum, isto é, indicam a providência requerida, não tendo o juiz que cuidar de saber se à situação real conviria ou não providência diversa. Trata-se de uma esfera em que domina o princípio do dispositivo, o qual, em termos paralelos, também vigora em sede de sustentação fáctica da pretensão. Em ambos os casos, prevalece a estratégia assumida pelo autor, sem que nela se deva imiscuir o juiz. Consequentemente, a sentença deve inserir-se no âmbito do pedido (e da causa de pedir, não podendo o juiz condenar (ou fazer a apreciação que corresponder ao tipo de ação em causa) em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir”.
É muito discutida a natureza jurídica da compropriedade.
Como refere Luís A. Carvalho Fernandes, in Lições de Direitos Reais, 2ª edição revista e atualizada, pág. 322, “de acordo com a conceção clássica perfilhada na doutrina portuguesa por Manuel Rodrigues e Mota Pinto, ma compropriedade cada um dos comproprietários é titular de um direito sobre uma quota ideal ou intelectual da coisa, que constitui o seu objeto. Poderia tentar ver-se uma aplicação desta conceção nas referências que o legislador faz a quotas dos consortes, em vários preceitos, de que se podem destacar, pelo seu carácter mais significativo, o n.º 2 do art.º 1403.º e, em particular, os arts.º 1408.º e 1410.º.
A conceção que, com variantes na formulação, se pode considerar dominante na doutrina portuguesa, vê na compropriedade um conjunto de direito, coexistindo sobre toda a coisa e não sobre qualquer realidade ideal ou imaterial, como seria a quota, nem sequer sobre uma parte da coisa.
Sendo estes direitos, como a própria lei diz, qualitativamente iguais, isso implica que eles se autolimitam, pois o exercício de cada um terá de se fazer sem prejuízo de um exercício equivalente dos demais. Esta tese, perfilhada por Luís Pinto Coelho, Oliveira Ascensão e Menezes Cordeiro, merece também o nosso apoio (…)
Nesta conceção cada um dos direitos em concurso incide sobre a coisa comum, embora não se refira a parte específica da mesma. Os direitos dos vários consortes são iguais, no que respeita à sua qualidade jurídica, mas podem ser quantitativamente diferentes, como se diz no n.º 2 do art.º 1403.º. O aspeto quantitativo não interfere com a natureza dos poderes que a cada um dos comproprietários cabem, mas projeta-se já em aspetos relevantes do seu exercício.
Esta forma de conceber a compropriedade adequa-se perfeitamente ao regime que para o instituto se estabelece no Código Civil. Assim, ela constitui, desde logo, uma tradução adequada do que se estatui no seu art.º1405º, n.º1, Na verdade, sob o ponto de vista qualitativo, o conjunto dos poderes dos comproprietários corresponde aos poderes dos proprietários singulares; mas, na atuação desses poderes interfere o aspeto quantitativo, pelo que os comproprietários só participam nas vantagens da coisa e só suportam os correspondentes encargos na proporção das suas quotas.
Por outro lado, uma vez que o direito de cada comproprietário, no aspeto quantitativo, é aferido em função de uma quota abstrata ou ideal, justifica-se o uso que da palavra se faz na linguagem legal e corrente, nomeadamente para identificar a correspondente situação jurídica”.
Decorre desta perceção da natureza jurídica da compropriedade que reconhecer o direito de compropriedade dos autores (que pressupõe a existência de outros comproprietários), como foi afirmado pelo Tribunal a quo, não é coisa diversa de reconhecer que existem dois proprietários da mesma coisa porque a adquiriram, ambos, por usucapião.
Assim, requerendo os autores o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre uma coisa, contém-se ainda no objeto dessa pretensão afirmar que tal direito de propriedade não lhes pertence apenas a eles (ainda que não se possa reconhecer o direito de propriedade desse outro titular, porque não foi peticionado), estando sempre em causa, apenas, reconhecer o direito de propriedade que foi invocado (e note-se que os autores não requereram que fossem reconhecidos como únicos proprietários da parcela de terreno que identificam como caminho).
Não existe assim uma condenação em objeto diverso do que foi peticionado, pois que o que se reconheceu – e não existe, como vimos – foi o mesmo direito de propriedade invocado, apenas não sendo exclusivo dos autores.
O mesmo não se diga em relação aos juros de mora referidos na decisão.
Não vemos fundamento para, não tendo sido pedidos, ser proferida decisão que condenasse os réus no seu pagamento.
Este é precisamente um dos exemplos citados por António dos Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, na obra acima citada, para evidenciar a rigidez com que a jurisprudência tem interpretado os limites impostos pelo art.º 609.º do C. P. Civil, citando o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência 9/15 (pág. 784).
Como resulta do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/05/2015, do Juiz Conselheiro Pinto de Almeida, proc. 1520/04.3TBPBL.C1.S1-A, in www.dgsi.pt, “repare-se que, apesar da significativa relevância que, sobretudo nas últimas reformas processuais, tem sido reconhecida ao princípio da cooperação, concorrendo para uma gradual desformalização do processo, o art. 266º, nº 1, do CPC (como o atual art. 7º, nº 1, que o repete) limita-se a consagrá-lo como princípio geral: a cooperação tem em vista obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio. Mas, como tal, não é passível de aplicação imediata, carecendo de concretização.
Isso significa que, com base nesse princípio, o tribunal "não pode adotar uma qualquer conduta interventiva que seja imediatamente justificada pela justa composição do litígio". Essa intervenção tem de ser intermediada por norma que a permita ou imponha.
Ora, dos múltiplos deveres em que tal princípio se desdobra, pareceria pertinente convocar aqui o dever de prevenção. Só que este dever não é concebido em termos genéricos ou como "cláusula geral", estando apenas previsto para a remoção de obstáculos de natureza formal ao fim substancial do processo e para o suprimento da insuficiência ou imprecisão na exposição ou concretização da matéria de facto (cfr. art. 590º, nºs. 3 e 4, do CPC).
Está, assim, arredada a possibilidade de o tribunal sugerir a correção ou o suprimento de deficiências ou omissões que afetem o conteúdo do pedido formulado.
Quer dizer: ao longo do processo o juiz não pode, sponte sua, convidar o autor a suprir qualquer omissão que vislumbre no conteúdo do pedido; no caso, portanto, não poderia sugerir a inclusão do pedido de condenação em juros de mora que entendesse devidos.
Mas, se assim é, parece que, por maioria de razão, não pode ele próprio suprir depois, oficiosamente, essa omissão no momento da decisão final.
Poderá dizer-se que, desse modo, se sobrepõem razões formais ao regime substantivo da obrigação de indemnizar e defender-se que, por esse motivo, a aplicação de juros "não se encontra na dependência do princípio do pedido".
O caminho que tem sido seguido, como acima se aflorou, é realmente no sentido de uma gradual desformalização e menor rigidez do processo, visto como mero instrumento para ser alcançada a verdade material, dando-se prevalência à decisão de mérito sobre a decisão de forma. É inegável que a evolução é nesse sentido, e desejável que o seja, na procura de um processo mais justo, não apenas formalmente, mas também substancialmente. O percurso, porém, não estará ainda concluído.
No caso, a questão a resolver, que respeita ao limite quantitativo à decisão, é subsumível na previsão das normas legais acima referidas, que, a nosso ver, não permitem solução diferente da que ficou indicada.
Essas normas (ainda) existem e, com o devido respeito, apesar da natureza formal, não parece que possam ser postergadas; pelo menos, apenas com o fundamento de poderem conduzir a resultados injustos (cfr. art. 8º, nº 2, do CC)”.
É certo que o valor indemnizatório arbitrado (3.500,00 euros) ficou aquém do valor peticionado (5.000,00 euros).
A questão que se coloca é, porém, como resulta do Acórdão citado, a violação do princípio do pedido. Os juros constituem, nas obrigações pecuniárias, a indemnização devida pelos danos causados ao credor e resultantes da constituição em mora do devedor, nos termos do art.º 806.º do C. Civil.
Incumbe aos autores decidir se pretendem ou não requerer tal indemnização.
E, nestes autos, não o requereram, não podendo o Tribunal substituir-se aos autores na pretensão não deduzida.
Assim, a sentença proferida, na parte em que reconheceu o direito de compropriedade dos autores não é nula por ter reconhecido direito diferente daquele que havia sido alegado, mas já o será quando condenou os réus no pagamento de juros de mora, por violação do disposto no art.º 615.º, n.1, alínea d) do C. P. Civil.
 Também com este fundamento não poderia subsistir a decisão que condenou os réus no pagamento de juros de mora não peticionados.
Note-se que não faz sentido afirmar-se esta nulidade e, ao mesmo tempo, a violação do princípio do contraditório. Este direito exerce-se em relação às questões que podem ser apreciadas pelo Tribunal e não também, naturalmente, em relação às que não podem ser conhecidas.
Ou seja, ou o Tribunal poderia decidir nos termos em que o fez e, então, porque não haviam sido antes suscitadas, deveria observar o princípio do contraditório ou, não poderia e, assim, o cumprimento deste princípio representaria, apenas, um ato inútil. 
Assim, só faz sentido avaliar a necessidade do cumprimento do princípio do contraditório em relação à afirmação do direito de compropriedade, pois que, como vimos, quanto aos juros de mora, tal cumprimento seria sempre inútil.
Referem António dos Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, na obra já citada, pág. 21, a este princípio “subjaz a ideia de que repugnam ao nosso sistema processual civil decisões tomadas à revelia de algum dos interessados, regra que apenas sofre desvios quando outros interesses se sobreponham”.
Ora, não vemos como a afirmação da compropriedade, numa situação em que estava invocado o direito de propriedade, possa ser compreendido como uma decisão tomada à revelia dos réus, pois que é, como se disse, o mesmo direito, sendo apenas “partilhado” por outra pessoa.
Não houve, assim, qualquer violação do princípio do contraditório quando o Tribunal a quo reconheceu aquele direito de compropriedade, ainda que este Tribunal de recurso tenha entendido que o mesmo não existe e que, como tal, nesse segmento, a decisão proferida deve ser revogada.
*
Sumário (ao abrigo do disposto no art.º 663º, n.º 7, do C. P. Civil):

1 – Não pode ser afirmada a existência de um direito de propriedade sobre parcela de terreno utilizada como caminho sem que a mesma constitua uma coisa corpórea autónoma.
2 – O acordo relativo à separação desta parcela de terreno, em terra batida, que sempre foi utilizada como caminho, do prédio em que está integrada, tendo por objetivo, precisamente, assegurar a sua utilização em benefício do prédio mãe e de prédio confrontante com essa parcela, constituiu sinal visível e permanente bastante para a constituição de servidão de passagem por destinação de pai de família.
3 – Deduzida pretensão indemnizatória com base na violação de direito de propriedade, não existe pedido indemnizatório formulado pela violação de direito de servidão se o reconhecimento deste foi formulado como pedido subsidiário a todos os demais pedidos anteriormente formulados, incluindo nestes a referida pretensão indemnizatória.
4 – Não existe violação do disposto no art.º 609.º do C. P. Civil quando se reconhece a existência de um direito de compropriedade, estando peticionado o reconhecimento do direito de propriedade.
5 – Viola o disposto no art.º 615.º, n.º1, alínea d), do C. P. Civil a sentença que condena no pagamento de juros de mora quando tal pretensão não foi deduzida.
**
VII – Decisão:

Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação apresentada pelos réus e, em conformidade:

a) revogam a sentença proferida no que se refere ao reconhecimento do direito de compropriedade dos autores sobre a parcela de terreno com a área de 226,80 m2, a restituição dessa área e a condenação dos réus na indemnização de 3.500,00 euros, acrescida de juros de mora desde a citação.
b) reconhecem a constituição de uma servidão de passagem por destinação de pai de família sobre a parcela de terreno com a área de 225,00 m2, identificada no ponto 4 da matéria de facto provada, para acesso à Rua ..., em benefício do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º...46 e inscrito na matriz sob o art.º ...3, e a onerar o prédio descrito na mesma Conservatória sob o n.º ...50 e inscrito na matriz sob o art.º ...51, resultando deste reconhecimento a obrigação de os réus respeitarem o direito de passagem dos autores, abstendo-se da prática de atos que impeçam o exercício desse direito. 
Quanto a custas, nos termos do art.º 527.º do C. P. Civil:
- as custas da ação são da responsabilidade de ambas as partes, na proporção de ½ para cada uma das partes, já que apenas procedeu o pedido subsidiário;
- as custas deste recurso são também da responsabilidade de ambas as partes, atenta a procedência parcial do mesmo.
Guimarães, 15 de fevereiro de 2024
(elaborado, revisto e assinado eletronicamente)