Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
247/15.5T8MAC-C.G1
Relator: JOSÉ CRAVO
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
PENHORA DE QUINHÃO HEREDITÁRIO
QUALIDADE DE TERCEIRO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/30/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – A penhora de um quinhão de uma herança ou de um património autónomo não se confunde, nem pode confundir, com a penhora de direitos sobre os bens individuais, mesmo que imóveis, que a compõem.
II – Devendo o ora embargante ter intervenção obrigatória nos autos principais, mercê da necessária concretização das notificações previstas no art. 781º/1 do CPC - para que, assim, aliás, fique completada a penhora do quinhão hereditário - não se poderá considerar que tenha a qualidade de terceiro, imprescindível para embargar.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
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1 RELATÓRIO

E. M., residente na Austrália, …., na qualidade de alegado proprietário de um prédio urbano sito na Rua ..., no Lugar de ..., da freguesia de ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da freguesia de ..., que estará (ou estaria) integrado na herança indivisa aberta por óbito de D. A., veio deduzir embargos de terceiro contra (1) “CAIXA ..., SA. E OUTROS”, credores melhor identificados nos autos de processo executivo comum referenciados, e (2) C. M. E OUTROS, executados melhor identificados nos autos de processo executivo comum referenciados, para obstar à penhora do quinhão hereditário da executada J. M. naquela herança, conforme auto de penhora dos autos principais, datado de 07-06-2021.

Aberta conclusão, em despacho liminar, quer por falta de legitimidade processual ativa do embargante, quer por serem liminar e manifestamente improcedentes, foram os mesmos liminarmente indeferidos, nos seguintes termos:

“Dispõe o artigo 342.º, n.º1 do Código de Processo Civil que “Se a penhora, ou qualquer ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro.

Por seu lado, também resulta do artigo 345.º, n.º1 do mesmo diploma que “Sendo apresentada em tempo e não havendo outras razões para o imediato indeferimento da petição de embargos, realizam-se as diligências probatórias necessárias, sendo os embargos recebidos ou rejeitados conforme haja ou não probabilidade séria da existência do direito invocado pelo embargante.
No caso em apreço, na qualidade de alegado proprietário de um prédio urbano sito na Rua ..., no Lugar de ..., da freguesia de ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da freguesia de ..., que estará (ou estaria) integrado na herança indivisa aberta por óbito de D. A., veio E. M. deduzir os presentes embargos de terceiro para obstar à penhora do quinhão hereditário da executada J. M. naquela herança, conforme auto de penhora dos autos principais, datado de 07-06-2021.
Apreciando e decidindo, cumpre desde já referir que os presentes embargos deverão ser liminarmente indeferidos, quer por falta de legitimidade processual ativa do embargante, quer por serem liminar e manifestamente improcedentes.
Note-se que o objeto de penhora nos autos principais foi o direito ou quinhão hereditário que a executada detém sobre os bens móveis e imóveis, saldos de todos os depósitos e dos valores mobiliários escriturais e titulados integrados em sistema centralizado, bem como quaisquer créditos ou outros direitos suscetíveis de penhora, que constituam herança indivisa aberta por óbito de D. A..
Assim sendo, em nenhum momento foi penhorado o prédio de que o embargante se diz proprietário, nem muito menos foi ofendida a posse sobre esse prédio alegadamente exercida pelo embargante.
Neste ponto, convém notar que a penhora de um quinhão de uma herança ou de um património autónomo não se confunde, nem pode confundir, com a penhora de direitos sobre os bens individuais, mesmo que imóveis, que a compõem. É por esse motivo que a penhora do quinhão hereditário não está sujeita a registo, mesmo quando a herança compreenda bens imóveis ou móveis sujeitos a registo, e que o artigo 743.º, n.º1 do Código de Processo Civil não permite, expressamente, a penhora de bens compreendidos no património comum ou uma fração de qualquer deles.
E é, também, por essa razão que, nestes casos, o procedimento escolhido pelo legislador é aquele previsto no artigo 781.º, n.ºs 1 a 4 do Código de Processo Civil, que, por sua vez, remete para o disposto no artigo 775.º do mesmo diploma.
Assim, o embargante não poderá opor embargos à penhora de um direito (quinhão hereditário) que não lhe é atribuído, com vista ao seu levantamento, não relevando o facto de ser alegado proprietário de um dos bens que comporiam a herança, pois nenhum bem da herança se mostra penhorado e, muito menos, o aludido prédio - logo também não existe qualquer incompatibilidade, para efeitos de embargos, entre o alegado direito do embargante e a penhora do direito da executada.
Por último, devendo o ora embargante ter intervenção obrigatória nos autos principais, mercê da necessária concretização das notificações previstas no artigo 781.º, n.º1 do Código de Processo Civil - para que, assim, aliás, fique completada a penhora do quinhão hereditário – não se poderá considerar que tenha a qualidade de terceiro, imprescindível para embargar.
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Nestes termos, e pelo exposto, rejeito liminarmente os presentes embargos de terceiro.
Valor do incidente: € 23.219,45 (vinte e três mil, duzentos e dezanove euros e quarenta e cinco cêntimos) – cf. artigo 304.º, n.º1 do Código de Processo Civil.
Notifique.
Custas pelo embargante (cf. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).”.
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Inconformado com essa decisão, o Embargante interpôs recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:

I. Vem o presente recurso interposto da decisão proferida pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, que indeferiu liminarmente os presentes embargos, “quer por falta de legitimidade processual ativa do embargante, quer por serem liminar e manifestamente improcedentes”.
II. De acordo com a Douta sentença, “o embargante não poderá opor embargos à penhora de um direito (quinhão hereditário) que não lhe é atribuído, com vista ao seu levantamento (…), pois nenhum bem da herança se mostra penhorado, e muito menos, o aludido prédio - logo também existe qualquer incompatibilidade, para efeitos de embargos, entre o alegado direito do embargante e a penhora da executada”.
III. Mais, “devendo o embargante ter intervenção obrigatória nos autos principais, mercê da necessária concretização das notificações previstas no artigo 781.º, n.º 1 do Código de processo Civil – para que, assim, aliás fique completada a penhora do quinhão hereditário - não se poderá considerar que tenha qualidade de terceiro imprescindível para embargar” – o que, com o devido respeito, o Recorrente não pode concordar!
IV. O aqui recorrente, E. M., deduziu embargos de terceiro, por apenso à execução dos autos principais em que é Exequente, CAIXA ..., CRL., e os Executados, C. M. e J. M., pedindo o levantamento da penhora sobre o direito ao quinhão hereditário da executada, mais concretamente a penhora de 1/7 do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da freguesia de ....
V. Alegando que, nos autos principais foram penhorados diversos imóveis que compõem o acervo hereditário, entre os quais o prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da freguesia de ....
VI. Acontece que, em meados de 1993, após o decesso do seu pai, procederam à partilha verbal daquela herança, tendo sido ao aqui Embargante adjudicado o dito imóvel, sendo que, desde então, quem vem praticando todos os atos de posse sobre aquele imóvel, como se de um legítimo proprietário se tratasse, de forma ininterrupta e sem oposição de quem quer que seja, adquirindo-o por usucapião.
VII. Sendo que o tribunal a quo rejeitou liminarmente os presentes embargos por falta de legitimidade ativa do embargante e por liminarmente e manifestamente improcedente.
VIII. Para o efeito, fundamentou a sua decisão em duas ordens de razões:
PRIMEIRA - no facto de, segundo aquela douta Casa da Justiça, nenhum bem da herança se mostra penhorado;
SEGUNDA – no facto do embargante, por ter intervenção obrigatória nos autos principais, mercê da necessária concretização das notificações previstas no artigo 781º, n.º 1 do CPC – para que, assim, fique completada a penhora do quinhão hereditário – não poder ser considerado como terceiro, imprescindível para embargar.
IX. Antes de mais, cumpre-nos fazer uma pequena resenha das ocorrências processuais, que aliás resultam dos autos. De facto, o Agente de Execução (vulgo AE) dirigiu ao Embargante a seguinte notificação: “Fica V. exa. notificado(a), nos termos dos artigos 781.º e 743.º do CPC, na qualidade de co-herdeira da Herança aberta de D. A., com o NIF ........., de que se encontra penhorado, respetivamente, o quinhão hereditário, pertencente à executada J. M., NIF ………, para garantia do pagamento da quantia de 37.245,78 euros e das despesas previsíveis da execução, que se presumem no valor de 3.724,57 euros, nos termos do disposto no n.º 3, do artigo 735º do CPC, ficando desde advertido(a) que o direito penhorado fica à ordem do Agente de Execução, desde a data da primeira notificação efetuada a um dos co-herdeiros.
Descrição dos direitos penhorados: (…)
14) prédio urbano, sito em Macedo de Cavaleiros, da freguesia de ..., distrito de Bragança, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …; (…)”
X. PRIMEIRA: Da efetivação da penhora
Ora, como resulta da notificação dirigida pelo AE ao Embargante, a mesma se reporta à penhora do quinhão hereditário da Executada, J. M., na herança ali identificada, da qual fazem parte as quotas correspondentes a 1/7 dos imóveis que ali também identificam, sobre os quais o embargante é titular inscrito de 1/7 de cada um deles.
XI. No artigo 781º do Código Processo Civil (CPC) estabelece-se as especialidades do procedimento da penhora que tenha por objeto o quinhão em património autónomo ou direito a bem indiviso não sujeito a registo, prescrevendo-se a este respeito no n.º 1 que: “Se a penhora tiver por objeto o quinhão em património autónomo ou direito a bem indiviso não sujeito a registo, a diligência consiste unicamente na notificação na notificação do facto ao administrador dos bens, se o houver, e aos contitulares, com a expressa advertência de que o direito do executado fica à ordem do agente de execução, desde a data da primeira notificação efetuada”.
XII. Ou seja, a penhora efetiva-se UNICAMENTE por notificação do agente de execução aos contitulares (ao comproprietário, ao cônjuge, ao co-herdeiro) e ao administrador de bens, caso exista, “com a expressa advertência de que o direito do executado fica à ordem do agente de execução”.
XIII. Porém, como refere Rui Pinto que “(…) a penhora de parte, quota ou quinhão hereditário em bem indiviso, móvel ou imóvel, sujeito a registo faz-se segundo o sistema do artigo 755º, aplicável por força do artigo 783º” (a ação Executiva, 2018, AAFDL, pág. 613/614).
XIV. Mas, como nos dá conta o mesmo autor, em comentário à posição de Remédio Marques (CPex, p. 242), [para quem, “se o objeto do direito numa compropriedade ou num património autónomo for um imóvel, não se segue o regime da penhora de imóveis (…). Esta penhora não é, por conseguinte registrável], “uma coisa é a penhora de uma parte em património autónomo ou universalidade – bens comuns, herança – onde caibam bens imóveis, outra coisa é a penhora de bens imóveis em compropriedade, Na verdade, é só no primeiro caso que não há lugar a registo, porquanto o que é penhorado é a parte do direito à universalidade, e não as quotas-partes nos direitos que a compõem, não se conhecendo se virão a calhar ao executado imóveis ou móveis sujeito a registo – assim, neste sentido e só para este hipótese, Alberto dos Reis, PEx II, cit, 224-225 e RP 16-1-1974, BMJ 233-243; já no segundo caso, deve ser levado a cabo o registo”.
XV. Ora, no caso em apreço não subsistem dúvidas de que a penhora incidiu, não sob uma quota-parte dos imóveis detidos em compropriedade, mas sobre o quinhão hereditário da Executada, J. M., do qual faz parte a quota do dito imóvel, pelo que, pelas razões acima apontadas se entende que a penhora se efetua por notificação, nos termos previsto no artigo 781º do Código de Processo Civil, não estando sujeito a registo.
XVI. Neste sentido, veja-se entre outros, o recente acórdão da Relação de Lisboa, de 11/04/2019 (processo n.º 171/17.7T8MFR.L1-6), disponível em www.dgsi.pt, onde se conclui que “I – A penhora do direito do executado a herança indivisa efetua-se mediante a notificação do facto do cabeça-de-casal e aos demais herdeiros, com a expressa advertência de que o direito do executado fica à ordem do agente de execução, desde a data da primeira notificação. II – Esta penhora não está sujeita a registo, ainda que na herança se integrem, bens imóveis ou móveis sujeitos a registo, por não se concretizar em bens certos e determinados, integrando a excepção consagrada na al. c) do n.º 2, do artigo 5º do Código de Registo Predial.
XVII. Em sentido idêntico, veja-se ainda os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 29/05/12 (Salazar Casanova), proferido no processo n.º 1718/03.1TBILH.C1.S1, e de 30/03/06 (Pereira da Silva), proferido no processo n.º 05B3646; e da Relação do Porto, de 13/05/2003 (Cândido Pelágio Castro Lemos), processo n.º 0322275 e de 27/04/2004, (Emídio Costa), processo n.º 0421355.
XVIII. Deste modo, não se pode concluir, como se fez na decisão recorrida, pela inexistência de penhora e pela desnecessidade de recurso do embargante à defesa da sua posse, mediante dedução dos embargos.
XIX. SEGUNDA: Da ilegitimidade ativa do embargante Já no que tange à ilegitimidade ativa, a tese sustentada pelo Tribunal Recorrido não pode, de modo algum, vingar.
XX. A legitimidade ativa nos embargos, como é óbvio, pertence ao terceiro, que é aquele que não integra a relação jurídica principal, e não tem responsabilidade processual alguma.
XXI. De facto, o artigo 342º n.º 1 do CPC afirma que “Se a penhora (…) ofender a posse ou qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro”.
XXII. De acordo com o artigo 342º do CPC, verificando-se uma ofensa da posse, de determinado sujeito, terceiro a um processo executivo, mormente essa mesma ofensa, fruto de atos de processo executivo, mormente uma penhora, então cabe dedução de embargos de terceiro, por forma a garantir a proteção dessa mesma posse.
XXIII. Os fundamentos do incidente da instância dos embargos de terceiro, são, a saber: a alegação e prova de que se é possuidor; a alegação e prova de que se é titular de um direito incompatível com a execução em curso.
XXIV. Ora, na ação executiva dos autos principais, temos, por um lado, como Exequente uma instituição bancária, CAIXA ..., CRL., por outro lado, como executados, C. M. e J. M..
XXV. Desta feita, o aqui Recorrente, E. M. não tem, nem nunca teve, qualquer relação creditícia ou outra com a Exequente. Nesta conformidade, não deve nada à CAIXA ..., CRL., nem à CAIXA ..., SA., um cêntimo que seja.
XXVI. Aliás, o aqui Recorrente/Embargante não consta, nem podia constar da escritura que matricia a execução então impetrada contra os Executados, C. M. e J. M..
XXVII. Dito de outra forma, o aqui Recorrente é tão-só co-herdeiros dos bens penhorados, não é parte na execução pendente na 1.ª instância, nem é equiparável à parte executada.
XXVIII. E foi nessa qualidade que o recorrente foi notificado, como o único escopo de validar a penhora do quinhão hereditário da executada, J. M., perpetrada pelo AE. Nunca para tomar o lugar de parte no processo.
XXIX. Pelo que mal andou o Tribunal Recorrido quando interpretou o n.º 1 do art.º 781º do CPC, no sentido de entender que o Recorrente, a partir da sua notificação enquanto co-herdeiro, tem uma intervenção no processo que o torne parte no processo executivo.
XXX. Pelo contrário, para além de co-herdeiro, é nestes autos um TERCEIRO que viu o seu direito/posse ofendido pela penhora de 1/7 do prédio rústico 518. Já que o Recorrente, desde 1993, que é possuidor de boa-fé, mediante partilha verbal do referido prédio, adquirindo-o por usucapião.
XXXI. Ora, atento aos fundamentos jurídicos supra aduzidos, tal conduz necessariamente à revogação da sentença de indeferimento liminar por ilegitimidade ativa, dado que a correta interpretação do art.º 781.º do CPC jamais permitira ao Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo considerar o aqui Recorrente como sendo parte na ação executiva.
XXXII. Por tudo o exposto, deve a Douta decisão de indeferimento liminar, nesta fase processual, ser considerado prematuro, devendo os autos prosseguir os ulteriores termos, em observância do que se encontra estabelecido no art.º 345º do CPC.

TERMOS EM QUE, NOS MELHORES DE DIREITO E COM O SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVEM JULGAR PROCEDENTE O RECURSO APRESENTADO PELO RECORRENTE E CONSEQUENTEMENTE SER CONSIDERADA A DECISÃO RECORRIDA PREMATURA, DEVENDO OS AUTOS PROSSEGUIR OS ULTERIORES TERMOS, EM OBSERVÂNCIA DO QUE SE ENCONTRA ESTABELECIDO NO ARTIGO 345º DO CPC, SÓ ASSIM FARÃO V. EXAS., SERENA, SÃ E OBJETIVA JUSTIÇA!
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O Exmº Juiz a quo proferiu despacho a admitir o interposto recurso, providenciando pela subida dos autos.
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Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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2QUESTÕES A DECIDIR

Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex vi dos arts. 663º/2, 635º/4, 639º/1 a 3 e 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Consideradas as conclusões formuladas pelo apelante, este pretende que a decisão supra descrita seja revogada e substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos.
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3OS FACTOS

Os pressupostos de facto a ter em conta para a pertinente decisão são os que essencialmente decorrem do relatório que antecede.
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4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Antes de mais uma nota quanto ao modo como se encontra formulado o recurso.
Nos termos do nº 1 do art. 639º do CPC, o recorrente deve terminar as alegações com as respectivas conclusões, que são a indicação de forma sintética dos fundamentos por que se pede a alteração ou anulação da decisão.
A formulação das conclusões do recurso tem como objectivo sintetizar os argumentos do recurso e precisar as questões a decidir e os motivos pelos quais as decisões devem ser no sentido pretendido. Com isso pretende-se alertar a parte contrária – com vista ao pleno exercício do contraditório – e o tribunal para as questões que devem ser decididas e os argumentos em que o recurso se baseia, evitando que alguma escape na leitura da voragem da alegação, necessariamente mais extensa, mais pormenorizada, mais dialéctica, mais rica em aspectos instrumentais, secundários, puramente acessórios ou complementares.
Esse objectivo da boa administração da justiça é, ou devia ser, um fim em si. O não cumprimento dessa exigência constitui não apenas uma violação da lei processual como um menosprezo pelo trabalho da parte contrária e do próprio tribunal. Daí que o art. 641º/2 do CPC comine a falta de conclusões com a sanção da rejeição do requerimento de interposição de recurso, funcionando essa sanção de forma automática, sem qualquer convite prévio ao aperfeiçoamento, como sucede quando as conclusões sejam deficientes, obscuras ou complexas (art. 639º/3 do CPC).
Ora, in casu, verifica-se que as apelidadas conclusões, entendidas como proposições sintéticas e arrumadas graficamente, inexistem, pois o que há é um arrazoado extenso que repete as alegações do recorrente, ainda que numerado, sem quaisquer proposições sintéticas, arrumadas graficamente, emanadas naturalmente do exposto e considerado antes.
Do ponto de vista substancial, o recorrente não formulou conclusões do recurso como devia, limitou-se a repetir a alegação duas vezes seguidas, intitulando a “segunda alegação” como “conclusões”, precedendo os parágrafos de numeração romana, o que manifestamente não constitui uma forma válida de cumprimento da exigência legal.
Por conseguinte, do ponto de vista substancial, a consequência devia ser a pura e simples rejeição do recurso por falta de conclusões. Com efeito, se essa sanção se aplica mesmo nas situações em que a falta se deve à mera desatenção ou até lapso informático, por maioria de razão deve aplicar-se às situações em que consciente e deliberadamente o mandatário se limita a alegar duas vezes, não podendo deixar de saber que não está, como devia, a formular conclusões.
Com muito boa vontade e atendendo apenas ao aspecto formal, poder-se-ia convidar o recorrente a aperfeiçoar (melhor dizendo, a formular) as “conclusões”. Considerando, no entanto, a simplicidade do recurso em apreciação, decidimos prosseguir e apreciar a questão.
E fazendo-o, é o seguinte o entendimento que temos: pretende o apelante embargante E. M. ter sido incorrecto o entendimento do tribunal a quo que entendeu indeferir liminarmente os embargos, quer por falta de legitimidade processual ativa do embargante (tendo o objecto da penhora nos autos principais sido o direito ou quinhão hereditário que a executada detém sobre os bens móveis e imóveis, saldos de todos os depósitos e dos valores mobiliários escriturais e titulados integrados em sistema centralizado, bem como quaisquer créditos ou outros direitos suscetíveis de penhora, que constituam herança indivisa aberta por óbito de D. A., em nenhum momento foi penhorado o prédio de que o embargante se diz proprietário, nem muito menos foi ofendida a posse sobre esse prédio alegadamente exercida pelo embargante), quer por serem liminar e manifestamente improcedentes (considerando que não tem a qualidade de terceiro, imprescindível para embargar).
Discordando do entendimento do Tribunal a quo, o apelante contrapõe, quanto à efectivação da penhora, que tendo a penhora incidido sobre o quinhão hereditário da Executada, J. M., do qual faz parte a quota do dito imóvel, não se pode concluir, como se fez na decisão recorrida, pela inexistência de penhora e pela desnecessidade de recurso do embargante à defesa da sua posse, mediante dedução dos embargos, e, quanto à ilegitimidade ativa do embargante, que para além de co-herdeiro, é nestes autos um TERCEIRO que viu o seu direito/posse ofendido pela penhora de 1/7 do prédio rústico 518.
No que não lhe assiste razão, pois, salvo o devido respeito, esta argumentação só se pode compreender como fruto de uma incompleta leitura da decisão recorrida, ou, em qualquer caso, por equívoco ou deficiente compreensão da mesma.
É que, para além do recorrente confundir posse com propriedade, se bem compulsada for a decisão proferida, não pode deixar de se constatar que, à semelhança do defendido pelo mesmo, o objeto de penhora nos autos principais foi o direito ou quinhão hereditário que a executada detém sobre os bens móveis e imóveis, saldos de todos os depósitos e dos valores mobiliários escriturais e titulados integrados em sistema centralizado, bem como quaisquer créditos ou outros direitos suscetíveis de penhora, que constituam herança indivisa aberta por óbito de D. A.. Logo, é patente que em nenhum momento foi penhorado o prédio de que o embargante se diz proprietário, nem muito menos foi ofendida a posse sobre esse prédio alegadamente exercida pelo embargante, pois é sabido que a penhora de um quinhão de uma herança ou de um património autónomo não se confunde, nem pode confundir, com a penhora de direitos sobre os bens individuais, mesmo que imóveis, que a compõem. Donde, como também defende o recorrente, a penhora do quinhão hereditário não está sujeita a registo, mesmo quando a herança compreenda bens imóveis ou móveis sujeitos a registo, e que o artigo 743.º, n.º1 do Código de Processo Civil não permite, expressamente, a penhora de bens compreendidos no património comum ou uma fração de qualquer deles. Sendo que, também, por essa razão que, nestes casos, o procedimento escolhido pelo legislador é aquele previsto no artigo 781.º, n.ºs 1 a 4 do Código de Processo Civil, que, por sua vez, remete para o disposto no artigo 775.º do mesmo diploma.
Concluindo-se e assertivamente na decisão recorrida que o embargante não poderá opor embargos à penhora de um direito (quinhão hereditário) que não lhe é atribuído, com vista ao seu levantamento, não relevando o facto de ser alegado proprietário de um dos bens que comporiam a herança, pois nenhum bem da herança se mostra penhorado e, muito menos, o aludido prédio - logo também não existe qualquer incompatibilidade, para efeitos de embargos, entre o alegado direito do embargante e a penhora do direito da executada.
Verificando-se, pois, que o recorrente confunde a penhora de um direito (quinhão hereditário), com a penhora de um dos bens individuais que compõem a herança e do qual se arroga proprietário.

Já quanto à questão da qualidade de terceiro, sendo o recorrente embargante co-herdeiro do penhorado quinhão hereditário, o que implica a sua notificação para que a penhora se complete, nos termos do art. 781º/1 do CPC, parece óbvio que se conclua que não se poderá considerar que tenha a qualidade de terceiro, imprescindível para embargar.
Com efeito, a solução para a questão tem a ver essencialmente com a natureza e função dos embargos de terceiro e o conceito de terceiros.
Ora, os embargos de terceiro sempre foram considerados no nosso direito processual civil um meio possessório (arts. 1037º a 1043º da traça primitiva do Cód. Proc. Civil). No entanto, a reforma processual introduzida pelo DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, transformou esse meio possessório em incidente da instância, como modalidade especial de oposição espontânea (arts. 351º a 359º do CPC, que no CPC de 2013 correspondem aos arts. 342º a 350º).
Na base dessa opção esteve o entendimento de que em termos estruturais o que realmente caracteriza os embargos de terceiro é a circunstância de a pretensão do embargante se enxertar num processo pendente entre outras partes e visar a efectivação de um direito incompatível com a subsistência dos efeitos de um acto de agressão patrimonial, judicialmente ordenado no interesse de alguma das partes da causa e que terá atingido ilegitimamente o direito invocado pelo terceiro.
Assim, enquanto antes era possível defender apenas a posse, agora, através dos embargos de terceiro, pode-se defender qualquer direito incompatível com o acto de agressão patrimonial cometido (1), inclusive a propriedade. Trata-se de um incidente cuja estrutura corresponde à de uma acção declarativa a processar por apenso à causa em que haja sido ordenado o invocado acto ofensivo do direito de um terceiro (o embargante) e que visa permitir a sua intervenção nessa «causa para fazer valer, no confronto de ambas as partes, um direito próprio total ou parcialmente incompatível com as pretensões por aquelas deduzidas» (2).
Como assinala Luís A. Carvalho Fernandes (3) «é muito amplo o conceito de terceiros que caracteriza este meio processual» abrangendo «para além de terceiros proprio sensu – pessoas estranhas ao processo ou acto judicial de que provém a diligência – podem ser considerados terceiros cada um dos cônjuges, em face das diligências relativas a bens próprios e comuns, e ainda quem na acção seja parte, em relação a bens que, por qualquer circunstância juridicamente atendível, não devam ser abrangidos na diligência em causa» (arts. 342º/1 e 343º do CPC).
Aliás, como se retirava do ensinamento de José Alberto dos Reis (4), esse conceito amplo de terceiro já antes assim era entendido, sendo como tal considerado, por contraponto ao conceito de parte ou de representante da parte, «aquele que não interveio no processo ou acto jurídico de que emana a diligência judicial, nem representa quem nele foi condenado ou quem nele se obrigou».
Nenhum reparo nos merece, assim, a decisão recorrida.

Improcede, pois, a apelação.
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5 – SÍNTESE CONCLUSIVA (art. 663º/7 CPC)

I – A penhora de um quinhão de uma herança ou de um património autónomo não se confunde, nem pode confundir, com a penhora de direitos sobre os bens individuais, mesmo que imóveis, que a compõem.
II – Devendo o ora embargante ter intervenção obrigatória nos autos principais, mercê da necessária concretização das notificações previstas no art. 781º/1 do CPC - para que, assim, aliás, fique completada a penhora do quinhão hereditário - não se poderá considerar que tenha a qualidade de terceiro, imprescindível para embargar.
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6 – DISPOSITIVO

Pelo exposto, decide-se a final, julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.
Notifique.
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Guimarães, 30-09-2021

(José Cravo)
(António Figueiredo de Almeida)
(Maria Cristina Cerdeira)


1. Cfr. Rodrigues Bastos, Notas ao Código Processo Civil, Volume II, 3ª edição, págs.135 a 137, José Lebre de Freitas, Acção Executiva à luz do Código Revisto, 2ª edição, pág. 233, e Luís A. Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 6ª edição (reimpressão), 2010, pág. 329.
2. Cfr, neste sentido, Fernando Amâncio Ferreira, in Curso de Processo de Execução, 10ª edição, 2010, pág. 294.
3. In Lições de Direitos Reais, 6ª edição (reimpressão), 2010, pág. 330.
4. In Processos Especiais, Volume I, reimpressão, 1982, pág. 411.