Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4774/21.7T8GMR.B.G1
Relator: CONCEIÇÃO SAMPAIO
Descritores: DIREITO À PROVA
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
OPORTUNIDADE DA SUA APRESENTAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/15/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO DO AUTOR IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - A tempestividade de um documento apresentado na audiência final implica a alegação e prova de que a apresentação anterior não foi possível ou de que a apresentação se tornou necessária em virtude de ocorrência posterior.
II - A ocorrência posterior deve ser relacionada com a dinâmica do desenvolvimento do próprio processo, designadamente tendo em vista a dialéctica que se desenvolve durante o processo de produção de prova no julgamento da causa
III - O princípio da igualdade encontra consagração no artigo 4.º do CPC, que dispõe que o tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais.
IV – A identidade de faculdades e meios de defesa processuais das partes só é exigível quando a sua posição perante o processo seja equiparável.
IV – O juiz não se encontra compelido a admitir a junção de um documento só porque a parte, que não o apresentou oportunamente, invoca a importância daquele para a descoberta da verdade. A não se entender assim, perdia sentido a obrigação de apresentação da prova em momentos processuais determinados, pois restaria sempre à parte a possibilidade de invocar a sua essencialidade.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I - RELATÓRIO

AA propôs contra BB e esposa CC (1ºs RR.), DD e esposa EE (2ºs RR.), FF e GG (3ºs RR.), a presente ação de condenação pedindo que:

- Sejam declarados nulos, porque simulados, os contratos de compra e venda celebrados entre a falecida HH e os 1.ºs RR, por escrituras públicas de 20/08/2002 e 25/10/2002;
- Sejam declarados nulos os contratos de compra e venda celebrados entre os 1.ºs RR. e os 2.ºs RR., por escrituras públicas de 28/03/2003 e de 07/05/2003 e;
- Sejam declarados nulas as doações celebradas entre os 2.ºs RR. e os 3.ºs RR., por escritura pública de 27/12/2018;
- Seja ordenado o cancelamento dos atos de registo predial e de inscrição matricial que incidem sobre os imóveis declarados vender pela falecida HH aos RR., realizados com base nas impugnadas escrituras;
- Seja ordenado o cancelamento dos atos de registo predial e de inscrição matricial que incidem sobre os imóveis aqui em crise, realizados com base nas impugnadas escrituras.

Na sua contestação, os réus DD e mulher EE, FF e GG, suscitaram a ilegitimidade do autor para estar na ação desacompanhado dos demais herdeiros, impugnaram e deduziram pedido reconvencional, concluindo pela improcedência da ação e, em consequência:

i) devem os RR. ser absolvidos desta instância por ilegitimidade do A. e, se assim não se entender,
ii) deverá a presente ação ser julgada improcedente por não provada e, por outro lado,
iii)  Ser julgado procedente por provado o abuso de direito.
iv) Ser julgado provado e procedente o pedido reconvencional, decretando-se que os RR. são donos e legítimos possuidores dos imóveis melhor identificados nos artigos 15º, 16º, 17º, 18º e 19º da PI.
v) Quando assim não se entenda e para a possibilidade de esta ação vir a ser julgada procedente, então deverá ser restituído aos 2ºs RR o preço pago pela compra dos referidos imóveis e que é aquele que constas das respetivas escrituras. Conselho Directivo dos Baldios de ..., Autor nos presentes autos, apresentou requerimento em 20 de Fevereiro de 2019, pretendendo juntar ao processo uma planta topográfica.

Os autos seguiram a sua normal tramitação e na sessão de julgamento de 18/04/2023 foi proferido o seguinte despacho: «Tendo em conta que na tese do Sr. BB, a venda terá sido titulada por um ou mais cheques no valor de 260 000,00 Euros, que depositou no Banco 1..., em data próxima de 2003, notifique o mesmo para, em 10 dias, providenciar pela junção aos autos desse ou desses cheques».
Na sequencia do despacho proferido, o réu veio juntar a informação fornecida pelo Banco 1... da qual resulta não ter sido possível obter os documentos pretendidos, visto que a instituição apenas tem arquivo de 10 anos. Acrescentou, no entanto, que tem na sua posse fotocópias dos aludidos cheques - Cheque de 45 000,00 euros, emitido em .../.../2003; cheque de 62 000,00 euros, emitido em .../.../2003; cheque de 30 500,00 euros, de 14/...03, cheque de 62 000,00 euros, emitido em .../.../2003, cheque de 58 500,00 euros, emitido em .../.../2003 -, requerendo a junção aos autos dos documentos ... a ... (cfr. fls. 260 a 264), para prova dos valores pagos nas escrituras de 28/03/2003, 07/05/2003 e 15/03/2003.
O autor veio pronunciar-se sobre os documentos juntos e no mesmo requerimento juntou aos autos vários documentos (718 fls), que constituem fls. 275 a 993, designadamente:
- Doc. ... a ... - decisões transitadas em julgado proferidas no processo nº 197/04...., que correu termos pela ... Vara de Competência Mista ..., no âmbito das quais os aqui 2ªs RR, foram condenados por simulação, protagonizada com outros intervenientes e outros imóveis,
- Doc. ... a ... - No âmbito da referida ação foram juntos outros cheques (Doc. ..., ... e ...), no valor global de 241 000,00 euros;
- Doc. ... - extrato da conta dos ali 1º réus, os teriam sido depositados dois cheques no valor de 64 000,00 euros e 83 000,00 euros, nos dias 16 e 17 de julho de 2003, num total de 147 000,00 euros
- Doc. ... - cópia da P.I., do processo nº 196/04...., que correu termos pela ... Vara Mista do Tribunal Judicial da Comarca ..., onde alegadamente se verificaria uma coincidência de argumentos com os da presente ação.
Foi então proferido o seguinte despacho:
«(…) Assim, a junção aos autos, por determinação do tribunal, do meio de pagamento que os réus protestaram juntar na contestação, nenhum fato/ocorrência posterior constitui a justificar a apresentação de 718 páginas de documentos em audiência de julgamento, impondo-se que o apresentante, com a antecedência imposta em relação à data da audiência e com a lisura que o legislador pretendeu introduzir, juntar os documentos com que pretenda fazer prova ou contraprova dos factos da causa.
Ademais, sempre se diga que os documentos juntos não têm nenhum relevo para os presentes autos, pois que dizem respeito a outros autos, que envolvem outros intervenientes e outros imoveis, não podendo o tribunal concluir que os aqui 2ºs réus, simularam os negócios em causa nestes autos, com base na convicção firmada nos autos ali em causa, a pretexto de que ali se teria concluído que os mesmos incorreram em simulação, pois que este tribunal julga os factos e não a personalidade das partes.
Cabe ao requerente, apresentante do meio de prova documental, que se apresenta a exercer o direito à junção, os ónus de alegação e da prova de que não foi possível apresentar o documento até àquele momento ou de ocorrência posterior a tornar necessária a junção.
E nada tendo, sequer, sido alegado pelo apresentante, não pode deixar de ser indeferido o requerimento formulado com vista à obtenção para os autos do meio de prova documental em causa.
Neste conspecto, por não ser legalmente admissível a junção em audiência de julgamento, já que os pressupostos de tal junção não foram alegados e provados, acrescendo, ainda, a completa irrelevância dos mesmos para a decisão da causa, por de nenhum substrato probatório relevante para prova ou contraprova dos factos em causa nos autos ser dotado, sequer vir invocado pelo apresentante, não pode o mesmo deixar de ser rejeitado, ordenando-se o seu desentranhamento, indeferindo-se tudo o mais que aí é requerido a propósito dessa documentação agora mandada desentranhar.
Custas do incidente, fixando em 3 UCS a respetiva taxa de justiça.».
*
É com este despacho que o autor não se conforma e dele vem recorrer, para o que apresenta as seguintes conclusões:

I. O Recorrente, não se conforma com o teor do, aliás douto, Despacho com referência ...94, a fls. …, com data de 01/06/2023, que indeferiu o requerimento formulado pelo Requerente com vista à obtenção para os autos de meios de prova documental.
II. Justifica a Douta decisão a sua motivação com o facto de que os meios de prova são intempestivos (com base no artigo 423.º CPC) e impertinentes, com base no artigo 410.º CPC).
III. Isto não obstante, além do mais, o Recorrente ter fundamentado a junção de documentos, bem como alegado o facto que ensejou a sua junção, tornando legítimo o momento processual para o efeito.
IV. Como resulta da simples leitura da única contestação junta a fls…, dos 2º Réus, estes nunca invocaram que o pagamento havia ocorrido por intermédio de cheques!
V. Foi o 1º Réu BB, que não contestou a ação, que apenas em sede de audiência indicou que a forma de pagamento foi através de cheques!
VI. Mas foram os 2º Réus que, depois do início da audiência de discussão e julgamento que juntaram os ditos cheques.
VII. Tal junção – a primeira vez que “aparecem” cheques nos autos, VIII. O que levou o Recorrente a apresentar o requerimento datado de 18/05/2023, com a referência Citius ...73, em que requereu e justificou a apresentação de duas Certidões de dois processos judiciais em que é Autor o Banco 2... e são sempre parte os 2º Réus e a mãe do Recorrente – proprietária original dos bens: num em que foi discutida a simulação objeto dos presentes autos (em que eram parte também os 1º Réus), e noutra em que foi discutida, de igual modo, a simulação de negócios em tudo semelhantes!
IX. Nessa medida, o Recorrente entendeu, como entende, que, ao menos os cheques emitidos pelo 2º Réu constantes do processo 197/04...., sempre seriam relevantes para a descoberta da verdade material nos presentes autos, pois, para avaliação da simulação invocada, as datas – coincidentes com os que foram juntos pelo 2º Réu aos presentes autos -, sempre seriam absolutamente pertinentes para a descoberta da verdade material, bem como o contexto que vem evidenciado na petição inicial e Decisões também juntas.
X. Nesse sentido, veja-se que no processo que correu termos com o nº 197/04.... foi julgada provada a simulação,
XI. E as escrituras e cheques de tal processo 197/04.... têm datas próximas às aqui invocadas, fazendo com que os 2º Réus tenham investido quase meio milhão de euros em imóveis que não apresentam qualquer rendimento!
XII. Tal foi invocado pelo Recorrente no requerimento datado de 18/05/2023, com a referência Citius ...73, com o qual foram juntas certidões desentranhadas pelo Despacho recorrido.
XIII. Nessa medida, tendo o próprio 1º Réu (que não contestou) despoletado o conhecimento do meio preciso de pagamento, no decurso do respetivo depoimento de parte, temos que tal justifica a apresentação dos documentos em questão pelo Recorrente.
XIV. Ora, a superveniência subjetiva decorre do próprio facto de que o Autor não tinha conhecimento dos meios de prova que ora se pretende juntar aos autos, e foram aludidos, ex novo, pelo 1º Réu e depois juntos pelo 2º Réu.
XV. Neste conspecto, estão preenchidos os pressupostos no n.º 3 do artigo 423.º, devendo ter provimento o requerimento para junção dos meios de prova sendo, nessa medida, o Despacho recorrido revogado.
XVI. Quanto à pertinência ou necessidade da junção dos documentos aqui em crise, temos que a jurisprudência, tal como a supra transcrita defende: “VII. O grau dessa necessidade não tem de ser significativo, bastando que a apresentação do documento se revele útil como meio de prova”.
XVII. Até porque: “Os factos instrumentais, indiciários ou probatórios, serão assim o campo natural de aplicação da norma da IIª parte do artigo 423.º, n.º 3, do CPC. Factos instrumentais são os que interessam indirectamente à solução do pleito, por servirem para demonstrar a verdade ou falsidade dos factos pertinentes; não pertencem à norma fundamentadora do direito e são-lhe, em si, indiferentes, servindo apenas para, da sua existência, se concluir pela existência dos próprios factos fundamentadores do direito ou da excepção.
Conclui-se assim que o depoimento de uma testemunha pode constituir ocorrência posterior que torna necessária a apresentação de um documento fora dos momentos previstos no artigo 423.º, n.º 1 e 2, do CPCivil, desde que no seu depoimento invoque factos que sejam novos no processo e não possam ser qualificados como factos essenciais.” (sic Acórdão supra citado)
XVIII.   Resulta evidente que avaliação e ponderação relativa a todos os cheques emitidos pelo 2º Réu no ano de 2003, cheques que foram juntos aos processos judiciais acima identificados em que foi discutida a simulação – e dada como provada em ambos – têm uma íntima ligação com os presentes autos, sendo absolutamente fundamentais para a descoberta da verdade material, sendo absolutamente pertinentes para os temas da prova em questão.
XIX. Em todo o caso, considerando o teor das certidões dos documentos juntos – e agora desentranhados – a verdade é que, a entender-se que o Recorrente não cumpre os requisitos para junção da globalidade daqueles, ao menos em parte, sempre deveriam ser admitidos!
XX. Tal resulta especialmente evidente em relação aos cheques constantes a fls. 540 a 545 e a sentença a fls. 908 a 920 da Certidão do processo 197/04...., sendo que, ao menos em relação a estes elementos, sempre se haveriam de considerar como absolutamente essenciais, em todo o caso, para a descoberta da verdade material –escopo último do processo!
XXI. Portanto, andou mal o insigne Tribunal a quo ao decidir como decidiu, tendo violado as normas citadas, nomeadamente os artigos 410.º e 423.º do Código de Processo Civil, devendo ser concedido provimento ao recurso, revogando-se o Despacho recorrido nos termos referidos, com as legais consequências.
E por fim,
XXII. Compulsados os autos verifica-se que a MM.ª Juiz do Tribunal a quo admitiu a junção de documentos/cheques por parte dos 2º Réus porque tinham protestado juntar os mesmos – ainda que não tenham identificado tal forma de pagamento!
XXIII. Todavia, em relação ao A., não obstante também tenha protestado juntar certidões de escrituras na petição inicial (sic artigos 6º, 15º, 16º, 17º, 18º, 19º, 21º, 22º, 36º, 37º, 39º, 40º), em relação a este ordenou o desentranhamento da totalidade de tais documentos!
XXIV. Assim, resulta que o insigne Tribunal a quo manifestamente violou o princípio da igualdade, previsto nomeadamente no art.º 4º do CPC, configurando a prática de ato nulo por não admitido por lei, o que expressamente se invoca, pelo que, nesta medida, sempre deveria, pelo menos, o douto Despacho recorrido ser revogado e, pelo menos, admitida a junção das certidões protestadas juntar pelo Recorrente e constam de fls. 40 a 48 e fls. 293, da Certidão do processo 196/04.... junto a fls…
Pugna o Recorrente pela revogação do despacho recorrido o qual deve ser substituído por outro que defira a junção dos documentos.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
*
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

A questão decidenda a apreciar, delimitada pelas conclusões do recurso, consiste em saber se deve ser admitida a junção dos documentos.
*
III - FUNDAMENTAÇÃO

Os factos a considerar são os que resultam do relatório que antecede.
A questão a apreciar insere-se no âmbito do direito à prova e oportunidade da sua apresentação.
O direito à prova emana da necessidade de se garantir ao cidadão a adequada participação no processo e de assegurar a capacidade de influenciar o conteúdo da decisão.
A consagração constitucional do direito a um processo equitativo (artigo 20.º, nº4 da Constituição da Republica Portuguesa) envolve a opção por um processo justo em cada uma das suas fases, constituindo o direito fundamental à prova uma das dimensões em que aquele se concretiza. Como se escreveu no Acórdão do Tribunal Constitucional de 11/11/2008, “o direito à tutela jurisdicional efetiva para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, genericamente proclamado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), implica um direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância de garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder deduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e resultados de umas e outras[1].
O direito à prova significa que as partes conflituantes, por via de ação e da defesa, têm o direito a utilizarem a prova em seu benefício e como sustentação dos interesses e das pretensões que apresentarem em tribunal. As partes têm ainda o direito a contradizer as provas apresentadas pela parte contrária ou suscitadas oficiosamente pelo tribunal bem como o direito à contraprova.
A este propósito afirma Eduardo Cambi que as partes devem, pois, ter a oportunidade de demonstrar os fatos que servem de fundamento para as respetivas pretensões e defesas, sob pena de não conseguirem influenciar o órgão julgador no julgamento da causa. A noção de direito à prova aumenta as possibilidades das partes influenciarem na formação do convencimento do juiz, ampliando as suas chaces de obter uma decisão favorável aos seus interesses[2].
Em suma, o direito fundamental à prova implica que as partes tenham liberdade para demonstrar quaisquer factos, mesmo que não possuam o respetivo ónus da prova, desde que entendam que a sua comprovação diminuirá os seus riscos processuais[3].
Todavia, o direito à prova não é ilimitado.
O direito à prova não pode ser tomado por um direito absoluto na sua essência, e por isso, por vezes, terá de sofrer restrições.
No campo das proibições de prova, importa considerar a natureza processual ou substancial que estas revistam: tem natureza substancial quando colocada essencialmente em função dos direitos que o ordenamento reconhece aos indivíduos, independentemente do processo; está em causa uma proibição de prova processual, quando for colocada em função de interesses atinentes à lógica e à finalidade do processo[4].
Sem entrar na classificação conceitual de “prova proibida”, ora como uma limitação legal à produção da prova, ora como uma limitação legal a valoração da prova, importa sublinhar aqui a sua importância em termos de prova inadmissível, por referência àquela prova que, por qualquer razão legal, não pode ser admitida no processo. Neste conspecto, a inadmissibilidade corresponde à verificação de um impedimento à prática de determinado ato no processo seja porque a lei não admite in tottum ou não admite com aquela forma ou altura do processo. Com efeito, na doutrina refere-se à prova inadmissível para descrever os meios de prova que, por qualquer motivo, não podem ser inseridas nos autos.
Um dos limites que a lei impõe respeita, precisamente, ao momento da sua apresentação.
 Quanto à prova por documentos, a oportunidade da sua apresentação encontra-se legalmente fundada na previsão do art. 423.º, do C.P.C.
O nº1 deste preceito consagra o princípio geral de proposição dos meios de prova, constituendos e pré-constituídos, com os articulados, ao dispor que os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
Da exegese do 423.º do C.P.C., extrai-se que os documentos podem ser apresentados nos seguintes momentos: a) com o articulado respetivo; b) até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final mas, neste caso, a parte é condenada em multa, exceto se provar que não os pode oferecer com o articulado respetivo; e c) posteriormente aos mencionados 20 dias, até ao encerramento da discussão em 1ª instância mas, neste caso, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento e os que provem factos posteriores a ele ou que, provando factos anteriores, se formem posteriormente ou se tornem necessários por virtude de ocorrência posterior.
O art. 423º do C.P.C. regula tão só e apenas o direito que assiste às partes de fazerem juntar ao processo documentos, independentemente da sua pertinência, da sua relevância e da apreciação do seu valor probatório[5].
As circunstâncias que tornam admissível a apresentação de documentos depois dos 20 dias que antecedem a audiência final têm de ser alegadas e provadas pela parte que pretende a junção do documento.
Visou-se com a restrição contida neste preceito (que difere da anterior redação do art.º 523º, nº 2) disciplinar a produção de prova, assegurando-se o oportuno contraditório e obviando a intuitos exclusivamente dilatórios.
A falta de diligência da parte e a produção do chamado "efeito-surpresa" são incompatíveis com os parâmetros atuais do processo civil. Como o é a apresentação de um documento na audiência final com vista a provocar o seu adiamento. Um e outro estão correlacionados, pois que a diligência constitui um parâmetro de aferição da conduta da parte no desenvolvimento do processo.
Na indagação da admissibilidade do documento, quando invocada a impossibilidade da prévia apresentação, o seu fundamento haverá de ser apreciado segundo critérios objetivos e de acordo com padrões de normal diligência, isto é, a diligência de um bom pai de família em face das circunstâncias do caso (art. 487, nº2, do C.P.C.).
Quando invocada a necessidade da sua junção em virtude de ocorrência posterior o grau dessa necessidade não tem de ser significativo, bastando que a apresentação do documento se revele útil como meio de prova.
Na verdade, como se escreveu no já citado acórdão da Relação de Lisboa de 25/9/2018[6], “da economia do preceito legal não se descortina uma especial intenção de reforçada excecionalidade; não é necessário que o documento cuja junção se pretende seja o único (ou principal) meio de prova, bastando que a apresentação do documento se revele útil como meio de prova”.
Seguindo ainda o entendimento considerado no referido aresto “A ocorrência posterior deve ser relacionada com a dinâmica do desenvolvimento do próprio processo, designadamente tendo em vista a dialéctica que se desenvolve durante o processo de produção de prova no julgamento da causa (…). E nesse conspecto haverá de ter em conta o regime legal relativamente ao apuramento dos factos relevantes. As partes apenas estão adstritas à alegação dos factos essenciais (artigos 5º, nº 1, 552º, nº 1, al. d), e 572º, al. c), do NCPC); mas o tribunal, para além desses, pode considerar os factos instrumentais e complementares ou concretizadores que resultem da discussão da causa (art.º 5º, nº 2, do NCPC). Ora será aquando da revelação desses factos decorrentes da produção de prova na audiência que poderá surgir a necessidade, no apontado sentido de utilidade, de confirmação desses factos mediante prova documental. E a essa situação se reportará, na generalidade dos casos, o conceito de ocorrência posterior”.
No caso vertente, estando ultrapassados os prazos previstos na lei, o Requerente justifica a razão e a finalidade da junção para que se possa aferir, ou melhor contrariar, a relevância probatória dos cheques que foram juntos pela contraparte por determinação do tribunal.
Apreciemos, então, a justificabilidade quer formal quer material da apresentação dos documentos.
Atentemos que o processo se encontra na fase de julgamento.
Logo, só com a invocação de ocorrência posterior relacionada com a dinâmica do processo se justificaria legalmente a junção dos documentos.
Ora, ressalvado o devido respeito, não se vislumbra que ocorrência posterior relacionada com a dinâmica do processo, possa justificar a junção dos documentos nesta fase, quando antes em face dos fundamentos da defesa e da alusão que já aí era feita aos cheques (que foram protestados juntar), não sentiu o autor tal necessidade.
Nenhuma justificação se prefigura como atendível, no sentido de ser apta ou adequada a demonstrar a impossibilidade de o autor, num quadro de normal diligência, proceder à junção do documento no momento processualmente oportuno. Não é por acaso que a propósito da impossibilidade da prévia apresentação, a terminologia usada nos art.s 423º, n.º 3 e 425º é “não ter sido possível”, implicando que o fundamento haja de ser apreciado segundo critérios objetivos e de acordo com padrões de normal diligência, isto é, a diligência de um bom de família em face das circunstâncias do caso (art.º 487, nº2, do Código Civil).
Por outro lado, como já referido, não se alcança nem o recorrente invoca qual tenha sido a “ocorrência posterior”, suficientemente consistente e atendível, que torne necessária a apresentação dos documentos, não decorrendo a mesma claramente dos cheques que foram juntos.
Acrescenta-se, em termos de pertinência, que os documentos não apresentam relevância para a decisão da causa, isto é, baseando-nos num juízo de prognose abstrato os elementos em causa não têm (potencial) relevância para prova de factos objeto do litígio, pois que dizem respeito a outros processos, que envolvem outros intervenientes e outros imóveis, não podendo extrair-se a conclusão que os aqui 2ºs réus simularam os negócios em discussão nestes autos, com base na convicção firmada naqueloutros, a pretexto de que ali se teria concluído que os mesmos incorreram em simulação.
Por fim, invoca o recorrente a violação do principio da igualdade.
A violação do principio da igualdade tem ínsito um tratamento privilegiado de uma parte, assistindo-se a um tratamento desigual sem uma justificação material da desigualdade.
A questão circunscreve-se em saber se o tribunal garantiu um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no uso de meios de defesa.
O princípio da igualdade das partes é fonte do subprincípio do contraditório e encontra consagração no artigo 4.º do CPC, que dispõe que o tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais.
É daqui que deriva o denominado princípio da igualdade de armas que impõe o equilíbrio entre as partes ao logo de todo o processo, na perspetiva de permitir às partes idênticas oportunidades para expor as suas razões e convencer o tribunal a proferir uma decisão que lhes seja favorável.
Sucede, no entanto, como afirma Lebre de Freitas “O princípio da igualdade de armas, tal como o do contraditório, constitui manifestação do princípio mais geral da igualdade das partes, que implica a paridade simétrica das suas posições perante o tribunal. No que particularmente lhe respeita, impõe o equilíbrio entre as partes ao longo de todo o processo, na perspetiva dos meios processuais de que dispõem para apresentar e fazer vingar as respetivas teses: não implicando uma identidade formal absoluta de todos os meios, que a diversidade das posições das partes possibilita, exige, porém, a identidade de faculdades e meios de defesa processuais das partes e a sua sujeição a ónus e cominações idênticos, sempre que a sua posição perante o processo é equiparável, e um jogo de compensações gerador do equilíbrio global do processo, quando a desigualdade intrínseca de certas posições processuais leva a atribuir a uma parte meios processuais não atribuíveis à outra.”[7]
No mesmo sentido, Teixeira de Sousa refere que “Um primeiro problema suscitado pelo artigo 3.º-A (atual artigo 4.º) e pela referida igualdade substancial entre as partes é o de que nem sempre é viável assegurar essa igualdade. Em certos casos, não é possível ultrapassar certas diferenças substanciais na posição processual das partes; noutras hipóteses não é possível afastar certas igualdades formais impostas pela lei. A posição processual das partes é, em muitos dos seus aspetos, substancialmente distinta. Por exemplo: o autor escolhe, normalmente segundo o seu arbítrio, o momento da propositura da ação e o réu tem sempre um prazo limitado para apresentação da sua defesa (…) o que origina uma desigualdade substancial entre as partes a favor do autor.”[8]
O recorrente fundamenta que o tribunal a quo admitiu a junção de documentos/cheques por parte dos 2º Réus porque tinham protestado juntar os mesmos, todavia, em relação ao autor, não obstante também tenha protestado juntar certidões de escrituras na petição inicial, em relação a este ordenou o desentranhamento da totalidade de tais documentos.
Não é correta esta asserção.
Não é verdade, que o tribunal a quo haja admitido a junção de documentos por parte dos 2º Réus porque estes haviam protestado juntar os mesmos. Antes, considerou, oficiosamente, que a junção de tais documentos era relevante para a decisão da causa, fundamentado a propósito que «Tendo em conta que na tese do Sr. BB, a venda terá sido titulada por um ou mais cheques no valor de 260 000,00 Euros, que depositou no Banco 1..., em data próxima de 2003, notifique o mesmo para, em 10 dias, providenciar pela junção aos autos desse ou desses cheques».
O contraditório foi facultado. O que não foi permitido foi que, a respeito da pronuncia sobre os documentos juntos, se aproveitasse o ato para juntar outros documentos, que não se limitavam a contrariar o alcance daqueles.
Não foi assim infringido o principio da igualdade, já que não foi posta em causa a paridade simétrica da posição das partes perante o tribunal.
O juiz não se encontra compelido a admitir a junção de um documento só porque a parte, que não o apresentou oportunamente, invoca a importância daquele para a descoberta da verdade. A não se entender assim, perdia sentido a obrigação de apresentação da prova em momentos processuais determinados, pois restaria sempre à parte a possibilidade de invocar a sua essencialidade[9].

Nestes termos, quanto ao requerimento de junção de documentos bem andou o tribunal a quo ao não admitir a sua junção.
Termos em que improcede a apelação.
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SUMÁRIO (artigo 663º n º7 do Código do Processo Civil)

I - A tempestividade de um documento apresentado na audiência final implica a alegação e prova de que a apresentação anterior não foi possível ou de que a apresentação se tornou necessária em virtude de ocorrência posterior.
II - A ocorrência posterior deve ser relacionada com a dinâmica do desenvolvimento do próprio processo, designadamente tendo em vista a dialéctica que se desenvolve durante o processo de produção de prova no julgamento da causa
III - O princípio da igualdade encontra consagração no artigo 4.º do CPC, que dispõe que o tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais.
IV – A identidade de faculdades e meios de defesa processuais das partes só é exigível quando a sua posição perante o processo seja equiparável.
IV – O juiz não se encontra compelido a admitir a junção de um documento só porque a parte, que não o apresentou oportunamente, invoca a importância daquele para a descoberta da verdade. A não se entender assim, perdia sentido a obrigação de apresentação da prova em momentos processuais determinados, pois restaria sempre à parte a possibilidade de invocar a sua essencialidade.
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IV - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente (artigo 527º, nº 1 do CPC).
Guimarães, 15 de Fevereiro de 2024

Assinado digitalmente por:                                                   
Rel. – Des. Conceição Sampaio
1º Adj. - Des. Margarida Pinto Gomes
2º - Adj. - Des. Jorge Santos


[1] Acórdão do Tribunal Constitucional de 11/11/2008, relatado por Carlos Fernando Cadilha, disponível in www.dgsi.pt
[2] O direito à Prova no Processo Civil, in Revista da Faculdade de Direito UFRP, disponível em http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs/index.php/direito/article/viewFile/1836/1532.
[3] Neste sentido, Acórdão da Relação de Coimbra de 21/04/2015, in www.dgsi.pt
[4] Sobre a proibição da prova, Isabel Alexandre, Provas ilícitas em Processo Civil, Almedina, Coimbra, 1998, pag. 48.
[5]   Neste sentido, Acórdão da Relação de Lisboa de 25/9/2018, disponível em www.dgsi.pt
[6] Acórdão da Relação de Lisboa de 25/9/2018, disponível em www.dgsi.pt
[7] In Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais à Luz do Código Revisto, Ed. 1996, p. 105.
[8] In Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª Ed., 1997, p. 42.
[9] Neste sentido, Acórdão da Relação de Guimarães de 4.3.2013, proc. 293/12.0TBVCT-J.G.l, disponível em www.dgsi.pt.