Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
56/18.0T8BRG.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: ACTA
RECTIFICAÇÃO
ERRO MATERIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 - O não conhecimento do recurso, deve ser usado com parcimónia e moderação, devendo ser utilizado, tão só, quando não for de todo possível, ou for muito difícil, determinar as questões submetidas à apreciação do tribunal superior.

2 - O erro material a que se refere o artigo 614.º do CPC só pode ser rectificado se for ostensivo, evidente e devido a lapso manifesto: é preciso que, ao ler o texto logo se veja que há erro e logo se entenda o que o interessado queria dizer.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

Na ação especial de divórcio sem consentimento do outro cônjuge – entretanto convertido em divórcio por mútuo consentimento – que P. S. moveu a B. C., veio este interpor recurso do despacho que determinou a retificação da acta junta a fls. 44 e 45, na parte relativa ao exercício das responsabilidades parentais (direito de visitas), “em conformidade com a pretensão da progenitora porque, conforme promovido, a mesma reproduz o sentido da solução consensualizada”.

Juntou alegações que finalizou com as seguintes

Conclusões:

I – A Decisão transitada em julgado e parcialmente supra transcrita consta da Acta de tentativa de conciliação, com conversão em divórcio por mútuo consentimento, de 12 de Fevereiro de 2018;
II – Os apontamentos atinentes a esta Acta foram redigidos inicialmente pela Sra. Funcionária presente na diligência, e ulteriormente até final pela própria Meritíssima Juiz de Direito que presidiu à mesma, Exma. Sra. Dra. H. M., atendendo ao adiantado da hora e à dispensa concedida à Sra. Funcionária para almoço;
III – Importa aqui realçar que os entendimentos se alcançam na recta final e não em todas as negociações constituídas pelas discussões e argumentações anteriormente expendidas;
IV – Conforme resulta descrito no ponto 9º do requerimento do recorrente, datado de 08-03-2018, “…Acresce que perto do final da diligência foi solicitada a revisão da matéria entretanto acordada, como se pode constatar entre os 52:03 minutos e os 52:08 minutos, e – ao que interessa – entre os 52:19 minutos e os 52:31 minutos resulta claro, mais uma vez, que o pai poderia ter a filha consigo de sexta-feira a segunda-feira de quinze em quinze dias, mais as folgas semanais;…”;
V – Essa revisão, a pedido do recorrente, foi feita pela Meritíssima Juiz de Direito que presidiu à diligência, na presença da Digníssima Magistrada do Ministério Público, das Partes e dos seus Mandatários;
VI – Sabendo o recorrente muito bem o que ouviu nessa leitura, e que corresponde ao que consta na Acta em causa, pois foi por isso mesmo que a solicitou, ademais na presença das pessoas referidas, sem que houvesse qualquer oposição;
VII – Tais apontamentos, e certamente a gravação da diligência, bem como a memória e impressão da Sra. Funcionária e da Meritíssima Juiz de Direito que presidiu a toda a diligência, é que ditaram a redacção constante do documento (Acta) em causa;
VIII – Pelo que a Sentença proferida e transitada em julgado (pois não foi objecto de recurso) foi a seguinte: “…Depois de apreciar os acordos juntos, entendo acautelarem eles suficientemente os interesses de cada um dos cônjuges e bem assim da sua filha menor, B. S., nascida a …, pelo que os homologo, no que respeita ao período posterior à pendência do processo…” (sublinhado nosso);
IX – As partes apresentaram um requerimento conjunto no próprio dia (12-02-2018), tendo a Meritíssima Juiz de Direito que presidiu à diligência em causa decidido o seguinte: “…Na verdade, a acta nos termos em que está redigida retrata o que ficou acordado na diligência pelos progenitores e, por isso, não é objecto de rectificação…” (sublinhado nosso);
X – Tal Decisão, proferida pela Meritíssima Juiz de Direito que presidiu à diligência em causa, e que também transitou em julgado, encerra definitivamente a questão, o que significa que inexiste qualquer possibilidade de rectificação, pelo que qualquer outra “…pretensão dos requerentes apenas poderá ser entendida como uma alteração…” (sublinhado nosso) - Despacho de 19-02-2018 transitado em julgado;
XI – Ora, tendo sido requerida uma rectificação, tal hipótese estava vedada por Decisão anterior e que já transitou em julgado, pelo que, além de tal já resultar patente nas alegações de recurso, para que não subsistam dúvidas, importa agora precisar e indicar expressamente tal circunstância reiteradamente ignorada, sem prejuízo do seu conhecimento oficioso;
XII – Sem prejuízo de tudo o quanto foi invocado em sede de alegações de recurso, importa ainda acrescentar que do antes exposto resulta que o Tribunal deixou de pronunciar-se sobre a referida questão das Decisões transitadas em julgado, o que implica a nulidade da Decisão ora em causa, nos termos e para os efeitos da al. d), do n.º 1, do artigo 615º, do CPC, o que se invoca e requer;
XIII – Por outro lado, não sendo admissível qualquer rectificação, a ser deferida a pretensão do requerente, apenas poderia ter ocorrido enquanto alteração, o que consubstancia uma Decisão sobre objeto diverso do pedido, o que implica a nulidade da Decisão ora em causa, nos termos e para os efeitos da al. e), do n.º 1, do artigo 615º, do CPC, o que se invoca e requer;
XIV – No que concerne à gravação agora referida na Decisão ora em causa, importa antes de mais precisar que o primeiro “bloco” (com 38 minutos e 47 segundos) corresponde à primeira parte das conversações sem resultados, tendo sido sugerido e aceite pelas partes que conferenciassem em particular com os respectivos Mandatários com vista ao desbloqueamento das negociações;
XV – O segundo “bloco” das gravações corresponde ao que sucedeu depois dessa interrupção, sendo que no regresso as partes não traziam ainda qualquer entendimento definido, tendo a discussão incidido sobre a permanência da menor com o pai desde quinta-feira a segunda-feira (fim-de-semana);
XVI – Pelo que não se percebe que relação têm as passagens assinaladas na Decisão agora em causa (“3m38s” e “8m47s”) com a matéria em discussão, visto que essas passagens se reportam à extensão do fim-de-semana em que a menor estará com o pai e nada mais (de quinta a segunda, ou de sexta a segunda);
XVII – A alteração defendida pela progenitora nada tem que ver com os fins-de-semana do pai, mas antes com as folgas à semana: “…O pai terá a menor consigo, durante a semana, com pernoita, nas folgas que não coincidam com as quartas, quintas e a sextas - feira do fim de semana em que a menor deva estar consigo…” (sublinhado nosso);
XVIII – De mais a mais, as passagens assinaladas apenas trazem fundamento ao alegado pelo recorrente, designadamente que na perspectiva Meritíssima Juiz de Direito que presidiu à diligência em causa o pai não deveria passar muito dias sem ver a menor, e o próprio Ministério Público refere aos 06:18 minutos as folgas generosas do mesmo;
XIX – Sendo que não foi equacionado o objecto da alteração em causa, ou seja, que “…O pai terá a menor consigo, durante a semana, com pernoita, nas folgas que não coincidam com as quartas, quintas e a sextas - feira do fim de semana em que a menor deva estar consigo…”;
XX – De referir que as diversas vozes audíveis pertencem à Meritíssima Juiz de Direito que presidiu à diligência em causa, à Digníssima Magistrada do Ministério Público, à Progenitora e ao respectivo Mandatário, denotando-se o silêncio transversal do progenitor;
XXI – Pelo que além das passagens invocadas nada terem que ver com o tema a decidir, não se consegue compreender como é que do referido silêncio do progenitor durante essas passagens se consegue extrair a ausência de discordância e muito menos qualquer concordância, a qual se quer expressa, para não dizer inequívoca;
XXII – A única coisa que se pode extrair é que o progenitor não fez ouvir a sua voz ao mesmo tempo que as outras, tal como sucedia com os outros intervenientes, apenas aguardando pela sua vez de poder falar ou que lhe fosse dada a oportunidade de expressar a sua opinião, tal era a patente preocupação com a vontade da progenitora;
XXIII – Reiterando-se que a discussão em curso, entre o Tribunal, o Ministério Público e a Progenitora, versava sobre os fins-de-semana e não sobre as folgas semanais do pai!
XXIV – Além do mais, como é afirmado na própria Decisão em causa, tudo não passavam de considerações, o que não constitui qualquer acordo, nem estando disposto o progenitor a interromper ou – como se disse – fazer ouvir a sua voz ao mesmo tempo que outras, mas pelo contrário esperando serenamente a sua vez para falar, e nem o seu Mandatário teria poderes especiais fosse para o que fosse;
XXV – E se com alguma coisa concordou, a contragosto, foi que lhe retirassem o primeiro dia do seu fim-de-semana (que seria quinta-feira e passou a ser sexta-feira), o qual ora estava em cima da mesa, ora deixava de estar;
XXVI – E desde já se diga que, sendo tanto pai como a progenitora é mãe, para quem vinha a pedir legitimamente igual tempo com a sua filha, em muito cedeu o progenitor, mas sempre consciente e atento naquilo que estava a ceder, por isso – e não só – ouvia mais do que falava;
XXVII – Com o devido respeito – que é muitíssimo –, mais surpreendente se torna a afirmação final constante da Decisão em causa: “…isto com a intenção de a menor não estar muitos dias seguidos com o mesmo progenitor…” (sublinhado nosso);
XXVIII – Pelo que resta questionar se a mãe ficou com a guarda da filha, junto da qual foi fixada a residência, tendo sempre a filha consigo, e ficando o progenitor – que é pai – a ter apenas um fim-de-semana de quinze em quinze dias e folgas semanais que se pretende limitar, não fica a menor muitos dias só com a mãe?
XXIX – Será que ao pai apenas lhe resta esperar que algum dia o interesse da menor seja preponderante e o princípio da igualdade passe a ser uma realidade, e aí se inclua verdadeiramente o género também;
XXX – Do antes exposto resulta que os fundamentos invocados estão em oposição com a Decisão ora em causa ou, caso assim não e entenda, ao menos padecendo de ambiguidades e obscuridades que a tornam ininteligível, nos termos e para os efeitos da al. c), do n.º 1, do artigo 615º, do CPC, o que se invoca e requer;
XXXI – Importa ainda considerar outras circunstâncias, mormente a conduta da progenitora pois, conforme resulta do requerimento apresentado pelo recorrente em 30-04-2018 no apenso de regulação das responsabilidades parentais, em resposta a um requerimento inusitado da progenitora, o qual se considera aqui integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos, o horário de trabalho do progenitor foi alterado, pelo que, salvo melhor entendimento, tal mudança de horário torna totalmente inútil a alteração requerida pela progenitora;
XXXII – Mas nem isso a demoveu na sua senda de tentar privar o pai de estar com a menor (vá-se lá saber porquê), nem o Tribunal equacionou tal hipótese apesar do sucedido ser cronologicamente anterior à Decisão agora em causa (28-05-2018);
XXXIII – Por outro lado, o recorrente tomou agora conhecimento que a progenitora requereu a sua insolvência em 04-05-2018 (Doc. 1);
XXXIV – E o que a mesma aí alega é absolutamente inacreditável, apesar de o progenitor não ser inocente ao ponto de não perceber as reais motivações, mas que não deixam de configurar um venire contra factum proprium;
XXXV – Exemplificando: “…1. A Requerente está separada de facto…” e “…2. A requerente tem uma filha menor, cuja guarda ficou em regime de guarda semi-partilhada com o Pai…” (sublinhado nosso);
XXXVI – É por demais evidente que a insolvente pretende dar a entender que não recebe qualquer quantia do pai relativamente à filha, mas, e ao que interessa, gostaria o recorrente que tal fosse verdade quanto à guarda e, aparentemente, essa será a vontade confessada da progenitora, pelo que é totalmente desprovida de sentido a pretensão que a mesma veio trazer a esta instância, apenas servindo para causar enorme perturbação sem razão e grave sofrimento ao progenitor e à filha de ambos;
XXXVII – Pelo que, sem prejuízo das demais consequências a extrair da informação agora exposta, deverá improceder a pretensão da progenitora, mantendo-se inalterada a redacção da Acta em causa;
XXXVIII – No mais se mantendo tudo o quanto já se expôs em sede de alegações de recurso, e que se consideram aqui integralmente reproduzidas para todos os devidos e legais efeitos, mormente o efeito suspensivo pretendido – ainda que mediante caução –, as normas violadas e o demais peticionado, ao que acresce o agora aqui indicado.
Em sede de alegações de recurso o Réu/Recorrente já fez constar as peças necessárias à sua correcta apreciação e que fazem parte dos autos, sendo manifestamente desnecessária a sua duplicação.
A esse propósito cumpre reiterar e salientar o documento supra referido em 39º do presente, e que corresponde ao requerimento datado de 30-04-2018, junto aos autos de regulação de responsabilidade parentais, o qual também deverá ser levado em consideração instruindo o recurso.
TERMOS EM QUE
Deve a Decisão ora em crise ser revogada e, consequentemente, manter-se inalterada a redacção da Acta datada de 12-02-2018, pois só assim se fará Justiça.

A autora e o Ministério Público contra alegaram, pugnando pela improcedência do recurso.
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.

A questão a resolver traduz-se em saber se a acta onde vem reproduzido o acordo quanto às responsabilidades parentais, podia ser rectificada e em que termos.

II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão de retificação da acta tem o seguinte teor:

“A progenitora da menor B. S. veio, a fls. 53 e 54, requerer a rectificação da acta na parte em que dela consta “O pai poderá estar com a menor durante a semana nas folgas do mesmo, com pernoita” pois entende, com os fundamentos que constam desse mesmo requerimento, que deve passar a constar “O pai terá a menor consigo, durante a semana, com pernoita, nas folgas que não coincidam com as quartas, quintas e sextas-feiras do fim de semana em que a menor deva estar consigo”.

O progenitor, socorrendo-se das gravações, alega que a acta reproduz o sucedido pelo que não deve haver qualquer rectificação.
A Digna Magistrada do Ministério Público que esteve presente na diligência considerou que a pretensão da progenitora reproduz o sentido da solução consensualizada e “amplamente debatida”.

Cumpre decidir.

Tendo havido acordo quanto ao Exercício das Responsabilidades Parentais relativas à menor B. S., a acta deve reproduzir o consenso das partes, não apenas no sentido linguístico literal, mas na sua essência e em toda a sua envolvência.

Da audição, na íntegra, das gravações (dois blocos – o primeiro com cerca de 40m e o segundo com mais de 1h) resulta que a pretensão da progenitora reproduz o sentido da solução consensualizada.

Com efeito, dessas gravações retiramos as seguintes conclusões que se mostram sustentadas, nomeadamente, pelas passagens reproduzidas:

- o regime acordado não contempla a situação de a menor estar com o progenitor todas as folgas deste pois, na sequência da referência às folgas do progenitor e à possibilidade de este ter a menor consigo em todas as folgas, a Digna Magistrada do Ministério Público afirmou “todas as folgas não deve dar porque depois colam-se aos fins de semana” (3m38s do segundo bloco de gravações);
- o regime acordado pretendeu evitar períodos prolongados com cada um dos progenitores, e, neste sentido, a Mma Juíza que presidiu à diligência afirmou que “o que queremos evitar é que a menor esteja muitos dias com um e com outro” (8m47s do segundo bloco de gravações).

Assim, é patente, face à ausência de discordância por parte do progenitor ou do seu Ilustre Mandatário nas referidas gravações relativamente a tais considerações sobre as folgas, que as partes acordaram e concordaram que o progenitor não ficava com a menor, com pernoita, em todas as folgas (quartas, quintas e sextas-feiras do fim de semana em que a menor deva estar consigo), isto com a intenção de a menor não estar muitos dias seguidos com o mesmo progenitor.

Face ao exposto e porque, conforme referido, a pretensão da progenitora reproduz o sentido da solução consensualizada, determina-se a rectificação da acta em conformidade com essa mesma pretensão.
Notifique”.

Nas contra alegações, tanto o MP como a autora, sustentam a rejeição do recurso em virtude de as conclusões serem extensas e se limitarem a reproduzir o corpo das alegações.

Não se trata, obviamente, de ausência de conclusões, caso em que o recurso deveria ter sido indeferido – artigo 641.º, n.º 2, alínea b) do CPC.

Pode dizer-se que o ilustre mandatário não tem poder de síntese, apesar de ter conseguido converter em 38 conclusões, aquilo que articulou em 49 pontos do corpo da alegação. Contudo, das mesmas resulta com clareza a delimitação do objecto do recurso, estando aí fixadas as questões a decidir, bem como indicados os fundamentos pelos quais pede a alteração da decisão – cfr. artigo 639.º, n.º 1 do CPC.

Não se tratando de qualquer deficiência ou obscuridade das conclusões, temos entendido não haver necessidade de convidar o recorrente a sintetizar as mesmas, ao abrigo do disposto no artigo 639.º, n.º 3 do CPC, por tal se revelar um exercício inútil, que apenas dilata o prazo de decisão.

Como se salienta no Acórdão do STJ de 29/04/2008, processo n.º 07A4712, in www.dgsi.pt, o não conhecimento do recurso, deve ser usado com parcimónia e moderação, devendo ser utilizado, tão só, quando não for de todo possível, ou for muito difícil, determinar as questões submetidas à apreciação do tribunal superior. “A aplicação do direito deve ser feita de forma sensata, equilibrada e respeitando os princípios gerais que inspiram as normas. Por detrás do dispositivo em causa estão razões de clareza e perceptibilidade do objecto da impugnação, proporcionando a concretização do contraditório e balizando a decisão. Ora se, no caso vertente, o objecto do recurso foi apreendido pela parte contrária (vide contra-alegações) e se a decisão poderá ser demarcada porque as questões colocadas (ainda que extensas) são claras, parece-nos que não se deve fazer uso da radical determinação de não se conhecer do objecto do recurso”.

Improcede, assim, a peticionada rejeição do recurso por falta ou complexidade das conclusões.

Quanto ao mérito do recurso, teremos que dar razão ao apelante.

Não se trata, aqui, de considerar o despacho nulo, por falta de fundamentação, por omissão de pronúncia, por os fundamentos estarem em oposição com a decisão ou por o juiz ter condenado em objeto diverso do pedido – alíneas b), c), d) e e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC – nulidades que o apelante invocou um pouco desordenadamente no seu recurso.
O que importa começar por determinar é se a alteração introduzida pode ou não considerar-se mera rectificação.

Vejamos.

A acta em causa, inserta a fls. 44 e 45 dos autos, contém sentença que homologou os acordos a que chegaram as partes e que constam da primeira parte da referida acta, designadamente, no que aqui nos interessa, o acordo relativo ao exercício das responsabilidades parentais, na sua vertente de direito de visitas.

Esta diligência teve lugar no dia 12 de fevereiro de 2018.

Logo no mesmo dia, as partes deram entrada de um requerimento peticionando a alteração da data de início de contagem dos fins-de-semana alternados.

Tal alteração foi deferida por despacho de 19 de fevereiro, onde, além do mais, se referiu que “…a acta, nos termos em que está redigida retrata o que ficou acordado na diligência pelos progenitores e, por isso, não é objeto de retificação (…) podendo entender-se a pretensão dos requerentes como uma alteração à data acordada”, o que foi deferido.

Posteriormente, veio a requerente, a 22 de fevereiro de 2018, alegar que “a acta transcrita não corresponde aquilo que foi acordado entre as partes, padecendo de lapso que importará rectificar”, requerendo a alteração do que ficou consignado quanto ao regime de visitas, designadamente do seu parágrafo terceiro: onde se lê “o pai poderá estar com a menor durante a semana nas folgas do mesmo, com pernoita”, passaria a ler-se “o pai terá a menor consigo, durante a semana, com pernoita, nas folgas que não coincidam com as quartas, quintas e sextas-feira do fim-de-semana em que a menor deva estar consigo”.

A esta “retificação” se opôs o requerido, salientando que, do seu ponto de vista, não houve qualquer lapso e que a acta reflecte a realidade do sucedido, socorrendo-se, para o efeito, de passagens da gravação.
Apesar desta discordância, o requerimento da progenitora foi deferido, tendo sido proferido despacho que rectificou a acta no sentido pretendido.

Vejamos melhor.

A possibilidade de retificação da sentença está prevista no artigo 614.º do Código de Processo Civil.

“Deixando de lado a omissão de custas, ou da indicação da proporção a que se refere o nº 6 do artigo 607º do Código de Processo Civil, hipóteses que nada têm a ver com o conteúdo da apreciação da pretensão deduzida e com a força de caso julgado que venha a adquirir, verifica-se que a lei inclui no perímetro possível de rectificações que a todo o tempo podem ser efectuadas, mesmo depois do trânsito – o que por si só nos transmite a ideia de que se trata de alterações materiais que não alteram o que ficou decidido, e que transitou em julgado (cfr. acórdão de 12 de Fevereiro de 2009, www.dgsi.pt, proc. nº 08A2680: o erro material “nunca interfere, decisivamente, com o mérito da decisão, tanto mais que terá de ser evidenciado pelo seu contexto cuja leitura atenta o torna perceptível face às premissas do silogismo judiciário”) – as seguintes hipóteses:

– o suprimento da omissão de indicação do nome das partes,
– correcção de erros de escrita ou de cálculo ou
– de quaisquer inexactidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto” – cfr. Acórdão do STJ de 26/11/2015, processo n.º 706/05.6TBOER.L1.S1 (Maria dos Prazeres Beleza).

Como bem se salienta neste acórdão do STJ, não estão abrangidos nem erros de julgamento, de facto ou de direito, nomeadamente erros manifestos, susceptíveis de correcção por meio de um pedido de reforma, nem tão pouco vícios que sejam qualificados como nulidades. Como se escreveu, por ex., no acórdão de 7 de Maio de 2015, 18-A/2001.E1.S1, «Não se confunde o erro de julgamento, cuja correcção só por via de recurso pode ser obtida (ou, nos termos fortemente restritivos em que a lei admite a reforma de uma decisão judicial, através de um pedido de reforma – artigo 616º do Código de Processo Civil), com o erro material cuja rectificação pode ser conseguida nos termos previstos no artigo 614º do Código de Processo Civil, e que abrange, por exemplo, “erros de escrita ou de cálculo” detectáveis no contexto da decisão».

Prosseguindo, pode ler-se no acórdão que vimos citando e que é elucidativo:

“Se da análise da fundamentação de uma decisão judicial se conclui que ela não poderia conduzir à decisão que dela formalmente consta, haverá nulidade, susceptível de correcção nos limites estritos da incongruência entre uma e outra; se do confronto entre a decisão e elementos com prova plena, constantes do processo, ressaltar um erro de julgamento ostensivo, poderá o mesmo ser corrigido requerendo a reforma da decisão.

Em qualquer destes casos, o trânsito em julgado é um limite intransponível à correcção; e a respectiva apreciação decorre segundo regras de controlo da parte contrária, nomeadamente em recurso, se o recurso for admissível.

Restam assim para a admissibilidade de correcção por mera rectificação os lapsos materiais consistentes em omissões e discrepâncias de escrita ou de cálculo que se revelam da mera leitura do texto da decisão, equivalentes aos erros de cálculo ou de escrita revelados no contexto das declarações negociais, a que se refere o artigo 249º do Código Civil, como uniformemente tem sido recordado por este Supremo Tribunal – cfr., a título de exemplo, os acórdãos de 23 de Setembro de 2008, www.dgsi.pt, proc. nº 07B2469, de 18 de Dezembro de 2008, www.dgsi.pt, proc. nº 08B2459, de 12 de Fevereiro de 2009, www.dgsi.pt, proc. nº 08A2680, de 10 de Dezembro de 2009, www.dgsi.pt, proc. nº 52555/06.OYYLSB-E.L1.S1, ou de 23 de Novembro de 2011, www.dgsi.pt, proc. nº 4014/07.1TVLSB.L1.S1”

Ou seja, tal erro só pode ser rectificado (ao abrigo do art. 249º do Código Civil) se for ostensivo, evidente e devido a lapso manifesto: é preciso que, ao ler o texto logo se veja que há erro e logo se entenda o que o interessado queria dizer.

O que se verifica, no caso concreto, é que a Sra. Juíza que, aliás, não tinha estado presente na conferência em que foram obtidos os acordos transcritos em acta, alterou a redação de uma das alíneas do acordo quanto a visitas ao abrigo da possibilidade de retificação da sentença prevista no artigo 614.º do CPC, por considerar que “a pretensão da progenitora reproduz o sentido da solução consensualizada”, conclusão a que chegou depois de ouvir as mesmas gravações em que o progenitor se baseou para pugnar pela improcedência da referida retificação.

Salvo o devido respeito, não pode tratar-se esta alteração introduzida no teor dos acordos constantes em acta como uma mera retificação. Da leitura da acta não resulta a existência de um lapso material. Não é patente que se disse uma coisa, quando se queria dizer outra. Não se deteta nenhum lapso que se evidencie pelo contexto e que mostre que se escreveu o contrário do que se quis escrever.

Do exposto decorre que não pode ser considerada a alteração introduzida pelo despacho de 22/03/2018, posteriormente repetido a 28/05/2018 (após suprimento da invocada falta de fundamentação) por não se traduzir numa retificação de um erro material, mantendo-se o texto dos acordos relativos às responsabilidades parentais, tal como constam inicialmente, da acta de 12/02/2018, assim procedendo a apelação.

III. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se julgar procedente a apelação e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, mantendo-se inalterada a redação da acta de 12 de fevereiro de 2018.
Custas pela apelada.
***
Guimarães, 22 de novembro de 2018

Ana Cristina Duarte
Fernando Fernandes Freitas
Alexandra Rolim Mendes