Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3212/19.0T8BCL-A.G1
Relator: JOSÉ FLORES
Descritores: NULIDADE DA DECISÃO
PROVA DOCUMENTAL
TEMPESTIVIDADE
FACTOS INSTRUMENTAIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/27/2023
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
- A tempestividade de um documento apresentado com a audiência de julgamento em curso, à luz do disposto no art. 423º, nº 3, do Código de Processo Civil, implica a prova de que a apresentação anterior não foi possível ou de que a apresentação se tornou necessária em virtude de ocorrência posterior.
- Constituem ocorrências posteriores justificativas de apresentação de documento, fora dos tempos legalmente previstos, a junção de documentos novos, pela contraparte, ordenada pelo Tribunal, para prova de facto novo e instrumental.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES NA 3ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:

I – Relatório

Recorrente(s): AA E BB;

- Recorrido/a(s): P... – INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS E MOBILIÁRIOS, S.A.
*
Os Apelantes propuseram a presente acção declarativa contra a Recorrida e CC, pedindo:

- que se declare que são donos, legítimos proprietários e possuidores do prédio urbano identificado no item 1º da petição inicial, correspondente ao Lote n.º ..., composto por casa de ..., andar e logradouro, sito na Rua ..., da freguesia ..., concelho ..., com a área de 423m2, a confrontar do Norte com DD, do Sul com estrada Nacional n.º ...05, do Nascente com EE cachada e do Poente com P... – Investimentos Imobiliários e Mobiliários, S.A., inscrito na matriz predial urbana sob o n.º ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...23/...; e condenar as Rés a reconhecer tal direito de propriedade;
- que se condene os réus a reconhecer que a dita parcela de terreno ocupada com a área de 207 m2, e em discussão nos presentes autos, faz parte integrante do dito prédio pertencente aos aqui Autores;
- que se condene a ré a demolir/remover da dita parcela ocupada com a área de 207 m2, o pavilhão que foi por ela abusivamente implantado;
- que se condene os réus a restituir aos AA. a dita parcela de terreno com a área de 207 m2 ocupada indevidamente pelos mesmos, livre de pessoas e bens;
- que se condene os réus a pagar aos AA., a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de 50,00 € (cinquenta euros) diários por cada dia de atraso que se venha a verificar na restituição aos AA. da referida parcela de terreno ocupada com a área de 207 m2, a contar desde a citação e até à efectiva restituição da parcela de terreno livre de pessoas e bens;
- que se condene os réus a absterem-se, no futuro, da prática de quaisquer atos que impeçam ou diminuam o exercício do direito de propriedade dos AA. sobre a referida parcela de terreno com a área de 207 m2.

Citados os demandados, apenas a ré veio apresentar contestação, que culmina pedindo que se julgue procedente a excepção dilatória invocada e, consequentemente, se absolva a ré da instância, ou se julgue inteiramente improcedente, por não provada, a acção instaurada pelos autores.
Foi dispensada a realização da audiência prévia e proferido despacho saneador, no qual se decidiu pela improcedência da matéria de excepção invocada pela ré, tendo-se ainda procedido à identificação do objecto do litígio e à enunciação dos temas de prova.

Conforme consta dos autos…
Em acta de continuação da audiência de julgamento, datada de 4.7.2022 ficou a constar, além de mais, o seguinte:

“Durante o depoimento pela Mma Juiz foi proferido o seguinte:
DESPACHO

Resultando do depoimento da testemunha FF que o pavilhão em causa nos presentes autos tem descrição autónoma, quer nas Finanças quer na Conservatória do Registo Predial, e verificando-se que tais elementos não constam do processo, bem como o respectivo título de aquisição (autónoma) do referido pavilhão, determino, ao abrigo do disposto no artigo 411º do C.P.C., a notificação da ré para proceder à junção das respectivas certidões predial e matricial actualizadas, bem como de cópia do título de transmissão, quer do lote ... quer do referido pavilhão em causa nos presentes autos.
Uma vez que a testemunha se faz acompanhar de vários documentos atinentes ao processo de aquisição do pavilhão em causa nos autos, determino ainda a junção da cópia do levantamento topográfico dos lotes de autores e ré (lotes ... e ..., respectivamente) que foi referido pela testemunha como tendo sido entregue pelo Administrador de Insolvência do processo de insolvência em que a ré comprou o referido lote ....
Notifique.
Do despacho que antecede foram os presentes devidamente notificados, do que disseram ficar cientes.”
(…)
Neste momento foi perguntado às I. Mandatárias acerca da possibilidade de, atenta a natureza unicamente documental da prova que falta produzir, os autores exercerem o contraditório quanto aos documentos a juntar pela ré por escrito, no prazo de 10 (dez) dias após a respectiva junção, apresentando também as suas alegações por escrito, tendo pelas mesmas sido referido nada terem a
opor.

De imediato pela Mma Juiz foi proferido o seguinte:
DESPACHO
Ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 1 e 547º, ambos do C.P.C., considerando que a única prova que falta produzir tem natureza documental, adequo formalmente os autos, determinando que a I. Mandatária dos autores se pronuncie quanto aos documentos que serão juntos pela ré, por escrito e no prazo de 10 (dez) dias após a referida junção, e bem assim, apresentando, também, as suas alegações por escrito; a ré apresentará as suas alegações no prazo de 10 (dez) dias seguinte ao da apresentação das alegações dos autores.
Findos tais prazos, determino que os autos me sejam conclusos, a fim de proferir sentença.”

Na sequência destes despachos, regista-se a junção, com data de 14.7.2022, de requerimento da Ré que, em “cumprimento do ordenado” pede a junção de diversos documentos matriciais, registrais e títulos de aquisição, mencionando que, ao abrigo do disposto no art. 221º, do C.P.C. foram notificados os mandatários.
Em 14.7.2022, os Autores/Apelantes exerceram contraditório “quanto ao documento junto na audiência de julgamento do dia 4”.
Em 12.9.2022, os mesmos Autores vieram apresentar requerimento, “conforme ordenado no douto despacho proferido na audiência final do dia 4 de Julho do presente ano, exercer o seu direito ao contraditório e juntar as suas alegações por escrito” (…) os AA. impugnam os documentos juntos que não são da sua autoria, mormente quanto ao seu teor e alcance, impugnando ainda o substrato probatório que dos mesmos se pretenda extrair, seja ele qual for.”
Com esse requerimento e no que diz respeito a esse contraditório, formulam ainda o seguinte pedido: “Por último, requerem a Vossa Excelência a junção aos autos dos docs. n.º ... a ... e a não condenação em multa pela sua junção, atendendo a que os Autores só os juntam para contraposição dos documentos juntos pela Ré P..., atinentes à questão surgida em audiência de julgamento quanto à existência de artigo e descrição autónoma quanto ao pavilhão em discussão nos autos.”
Este requerimento também regista notificação aos mandatários, nos termos do citado art. 221º, do C.P.C..
Em 26.9.2022, a Ré contestante veio apresentar alegações escritas, nada dizendo sobre o pedido de prova formulado por último.

Em 23.12.2022, em despacho proferido antes da sentença exarada na mesma data, ficou a constar o seguinte:
Considerando o disposto no artigo 423º, do C.P.C., indefiro a junção de documentos requerida pelos autores no requerimento de 12/09/2022, por extemporânea.
Notifique.
*
Inconformados com tal decisão, dela interpuseram os Autores o presente recurso de apelação, em cujas alegações formulam as seguintes

conclusões:
I. É objecto do presente recurso o despacho datado de 23.12.2022 - ref.ª citius ...31 – na parte em que não admite os quatro (4) documentos juntos pelos AA./Recorrentes através de requerimento apresentado em juízo em 12.09.2022 – ref.ª citius ...01.
II. O despacho recorrido, nada referindo quanto às premissas donde emerge aquela conclusão, é nulo nos termos da alínea b) do n. 1 do artigo 615º do CPC.
III. O despacho recorrido é também nulo nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615º do CPC, pois, ao não admitir os quatro (4) documentos juntos pelos AA./Recorrentes viola o n.º 3 do artigo 423º do CPC, mostrando-se ambíguo face à legislação aplicável, o que torna a decisão ininteligível.
IV. Termos em que, considerando o despacho recorrido nulo nos termos das alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 615º do CPC, deve o mesmo ser revogado e substituído por outro que, por aplicação do n.º 3 do artigo 423º do CPC, admita a junção aos autos dos documentos apresentados pelos AA./Recorrentes em juízo em 12.09.2022.
V. Sem prejuízo do supra exposto, o despacho recorrido viola o n.º 3 do artigo 423º do CPC, o princípio do contraditório plasmado no art. 3º, n.º 3, do CPC, e ainda o princípio da igualdade das partes consagrado no art. 4º do CPC.
VI. O n.º 3 do artigo 423º do CPC admite a possibilidade de as partes procederem, após o limite temporal fixado nos n.ºs 1 e 2, à junção de documentos cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior, como é manifestamente o caso, pois os documentos juntos com o requerimento de 12.09.2022 visaram o exercício do contraditório quanto aos documentos juntos pela R./Recorrida em 14.07.2022 e só se tornaram necessários para contradizer o teor daqueles.
VII. No caso concreto, na continuação da audiência final agendada realizada no dia 04.07.2022, o Tribunal ordenou a notificação da R./Recorrida para em 10 dias juntar aos autos documentos que no seu entender seriam úteis aos autos, concedendo aos AA./Recorrentes igual prazo de 10 dias, a contar da junção, para exercerem o direito ao contraditório.
VIII. Na sequência do referido despacho, a Ré P..., por requerimento datado de 14.07.2022 – ref.ª citius ...08 – requereu a junção aos autos de “duas cadernetas prediais, duas descrições prediais, dois títulos de transmissão e um levantamento topográfico.”
IX. Notificados da junção dos referidos documentos, os AA./Recorrentes exerceram o direito ao contraditório por escrito através de requerimento datado de 12.09.2022 – ref.ª citius ...01 -, conforme havia determinado o Tribunal por despacho proferido em 04.07.2022, no exercício do qual juntaram quatro documentos com o único intuito de refutar o teor dos documentos sobre os quais se apresentavam a exercer o contraditório.
X. Como é patente em face ao histórico processual, a junção de documentos pelos AA./Recorrentes através do seu requerimento de 12.09.2022, visou apenas e só o exercício do direito ao contraditório quanto aos documentos juntos pela Ré em 14.07.2022, o que constitui uma situação em que a apresentação de documentos só se tornou necessária em virtude de ocorrência posterior, sendo a junção de tais documentos admissível face ao n.º 3, 2ª parte, do artigo 423º do CPC.
XI. Por outro lado, ao não admitir os documentos juntos em 12.09.2022, o despacho recorrido limitou e violou frontalmente o direito ao contraditório por parte dos AA./Recorrentes, conforme decorre do disposto no n.º 3 do artigo 3º do CPC.
XII. Como ainda violou, o despacho recorrido, o princípio da igualdade das partes consagrado no artigo 4º do CPC, o que decorre do facto do Tribunal a quo ter determinado, na pendência do julgamento e ao abrigo do princípio do inquisitório, a junção aos autos de documentos pela R./Recorrida, mas já não permitir que os AA./Recorrentes usassem de igual faculdade de junção de documentos no exercício do direito ao contraditório, o que constitui flagrante violação do estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no uso de meios de defesa.
XIII. O despacho recorrido violou, assim, o art. 423º, n.º 3, do CPC, o princípio do contraditório plasmado no art. 3º, n.º 3, do CPC, e ainda o princípio da igualdade das partes consagrado no art. 4º do CPC.
XIV. Termos em que, deverá o despacho recorrido, datado de 23.12.2022 - ref.ª citius ...31-, na parte em que não admite os documentos juntos pelos AA./Recorrentes em 12.09.2022, ser revogado e substituído por outro que admita a junção aos autos dos referidos documentos por aplicação do n.º 3 do artigo 423º do CPC, art. 3º, n.º 3, do CPC, e art. 4º do CPC.
XV. Ainda sem prescindir, e sem prejuízo do supra exposto, entendem também os AA./Recorrentes, salvo o devido respeito, que mal andou o Tribunal a quo ao decidir como decidiu no contexto processual, pois o despacho em crise faz tábua rasa do princípio da procura da verdade material com vista à justa composição do litígio e à realização da justiça, constituindo tal decisão numa recusa injustificada de procura da verdade material, violadora dum princípio essencial e estruturante do processo civil.
XVI. Com efeito, o legislador optou na revisão do CPC por impor ao Tribunal um dever oficioso de aquisição de meios de prova, como corolário da primazia da verdade material sobre a verdade formal.
XVII. O atual art.º 411 do CPC (e já antes o número 3 do artigo 265.º), dispõe que “incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”.
XVIII. Também o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95 de 12 de Dezembro: dispunha “além de se reforçarem os poderes de direcção do processo pelo juiz, conferindo-se-lhe o poder-dever de adoptar uma posição mais interventora no processo e funcionalmente dirigida à plena realização do fim deste, eliminam-se as restrições excepcionais que certos preceitos do Código em vigor estabelecem, no que se refere à limitação do uso de meios probatórios, quer pelas partes quer pelo juiz, a quem, deste modo, incumbe realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente e sem restrições, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”.(nosso sublinhado).
XIX. Ou seja, à luz deste princípio geral o requisito para a junção processual dos documentos é diferente e bem distinto. Já não importa saber se o mesmo é justificado por qualquer ocorrência posterior, mas apenas determinar se é relevante para a boa decisão da causa.
XX. In casu, e sem prejuízo do alegado supra quanto à motivação e oportunidade da junção, pois os (4) documentos cuja junção se indeferiu só se tornaram necessários no exercício do contraditório e por força de documentos previamente juntos pela parte contrária, acresce que os quatro (quatro) documentos juntos não são apenas úteis, como dizem respeito a questões de central importância na causa, sendo absolutamente determinantes para a descoberta da verdade material e para a realização da justiça material, em prejuízo de uma justiça formal.
XXI. Assim, compulsado o teor dos quatro (4) documentos juntos, os documentos n.º ... e ... correspondem às descrições prediais n.º ...50/... e n.º ...33/..., com inclusão de todo o histórico, pois só deste se poderiam extrair os factos e as conclusões vertidas na pronúncia e que infirmavam os documentos sobre os quais se apresentavam a exercer o contraditório.
XXII. Com a apresentação das descrições prediais com inclusão do respectivo pretenderam os AA. comprovar que a descrição predial n.º ...33/... corresponde ao lote n.º ... do Alvará de Licenciamento de Loteamento Urbano n.º ...1 da Câmara ... – prédio da Ré -, e que este havia sido anteriormente desanexado do prédio com a descrição em livro n.º ...08 – 59vº - B-..., e que por sua vez corresponde à atual descrição ...50/....
XXIII. Do histórico da descrição predial n.º ...33/... decorre ainda que as prescrições do alvará de loteamento e obras de urbanização n.º 2/91, emitido em 13-02, em nome de GG, o qual incidiu sobre o prédio descrito sob o n.º ...50/..., com o artigo ...89 da extinta matriz, da qual autorizava a constituição de sete lotes, numerados de 1 a 6, mais o lote ..., bem como posteriores aditamentos, mantêm-se em vigor, no que ao caso importa, quanto aos lotes n.º ... e ..., pertencentes à R. e AA., respectivamente.
XXIV. Com igual relevância para os autos, do histórico da descrição predial n.º ...33/... – doc. ... junto com o requerimento de 12.09.2022 – resulta que o lote n.º ..., propriedade da Ré, foi doado a HH (anterior proprietário e insolvente no processo de Insolvente onde a Ré P... adquiriu este prédio) no dia de 4 de novembro de 1985, tendo tal doação sido efetuada com reserva de usufruto a favor dos doadores, usufruto este registado em 04/06/1992 através da AP. ...2 junto da Conservatória do Registo Predial e cancelado apenas em 05/10/2015, através da AP. ...41,
XXV. Reserva de usufruto essa que, no caso concreto, também é suscetível de comprovar a não inversão do título da posse por parte dos antepossuidores da R./Recorrida enquanto aquele usufruto se manteve em vigor, pois mantendo-se a reserva de usufruto aquilo que se detinha a título de animus detinendi não poderia passar a detido a título de animus possidendi”, infirmando por essa via também a tese da usucapião que a sentença veio a acolher e que será sindicada oportunamente em sede recursiva própria.
XXVI. Por seu turno, o documento n.º ... junto pelos AA./Recorrentes com o seu requerimento de 12.09.2022, correspondente à descrição predial n.º ...84/... com inclusão do histórico anterior, visou comprovar que a caderneta predial urbana do artigo ...71º da freguesia ... e respectiva descrição predial n.º ...84/..., não correspondem à matriz predial ou descrição autónoma relativa ao “pavilhão” em discussão nos autos ou ao lote n.º ...,
XXVII. Pois desse histórico resulta que o prédio descrito sob o n.º ...84/... foi adquirido pelo seu anterior proprietário, HH, por usucapião – o que motivou a junção da respectiva escritura, e que corresponde ao documento n.º ... -, donde decorre que tal descrição predial não corresponde ao prédio da R./Recorrida em discussão dos autos, ou mesmo que correspondesse, o que nunca foi pela R./Recorrida alegado ou invocado, neste caso ocorreria uma duplicação de descrições prediais, ilegal e contrária à lei e ao que decorre do respectivo Alvará de loteamento.
XXVIII. Fica assim evidenciado que os quatro documentos juntos pelos AA/Recorrentes com o requerimento de 12.09.2022, para além de terem sido juntos no exercício do direito ao contraditório quanto a documentos juntos pela parte contrária, infirmam a prova pretendida por estes documentos e corroboram os factos alegados na petição inicial, concluindo-se assim que as vantagens e relevância dos documentos em causa são ponderosas, pelo que a decisão de os não admitir constitui a violação do dever oficioso do Tribunal constante do art. 411º do CPC.
XXIX. Termos em que Requerem a Vossas Excelências se digne determinar a revogação do despacho em crise, substituindo-o por outro que admita a junção aos autos dos quatro (4) documentos juntos com o requerimento dos AA./Recorrentes de 12.09.2022, com as legais consequências.

A Recorrida apresentou contra-alegações pugnando pela manutenção da decisão.

II – Delimitação do objecto do recurso e questões prévias a apreciar:

Nos termos dos Artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de actuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial.[i] Esta limitação objectiva da actividade do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas[ii] que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[iii]

As questões enunciadas pelos recorrentes podem ser sintetizadas da seguinte forma:
· A nulidade da decisão;
· Saber se o despacho recorrido viola o n.º 3 do artigo 423º do C.P.C., o princípio do contraditório plasmado no art. 3º, n.º 3, do C.P.C., e ainda o princípio da igualdade das partes consagrado no art. 4º do C.P.C.;
· Saber se o mesmo despacho viola o disposto no art. 411º, do Código de Processo Civil.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

III – Fundamentos

1. Factos (cf. art. 662º, do Código de Processo Civil)
São os que emergem do processo, nomeadamente os que acima se relatam e estão assentes em documentos autênticos, ou seja, no processado dos autos.

2. Direito
2.1. Da nulidade da decisão

Os Apelantes concluem que o despacho em crise, nada referindo quanto às premissas donde emerge a sua decisão, é nulo nos termos da alínea b) do n. 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil e, ainda, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615º do mesmo Código, pois, ao não admitir os quatro documentos juntos pelos AA./Recorrentes viola o n.º 3 do artigo 423º desse mesmo Código, mostrando-se ambíguo face à legislação aplicável, o que torna a decisão ininteligível.  
A Apelada rejeita esses argumentos.
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do Artigo 615º, nº1, alínea b), do Código de Processo Civil, é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Trata-se de um vício formal, em sentido lato, traduzido em error in procedendo ou erro de actividade que afecta a validade da sentença.
Ensinava a este propósito ALBERTO DOS REIS que[iv]
«Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto[v]
Nas palavras precisas de Tomé Gomes[vi], «Assim, a falta de fundamentação de facto ocorre quando, na sentença, se omite ou se mostre de todo ininteligível o quadro factual em que era suposto assentar. Situação diferente é aquela em que os factos especificados são insuficientes para suportar a solução jurídica adoptada, ou seja, quando a fundamentação de facto se mostra medíocre e, portanto, passível de um juízo de mérito negativo. / A falta de fundamentação de direito existe quando, não obstante a indicação do universo factual, na sentença, não se revela qualquer enquadramento jurídico ainda que implícito, de forma a deixar, no mínimo, ininteligível os fundamentos da decisão.»
Conforme se refere de forma lapidar no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.4.95, Raul Mateus, [vii]“ (...) no caso, no aresto em recurso, alinharam-se, de um lado, os fundamentos de facto, e, de outro lado, os fundamentos de direito, nos quais, e em conjunto se baseou a decisão. Isto é tão evidente que uma mera leitura, ainda que oblíqua, de tal acórdão logo mostra que assim é. Se bons, se maus esses fundamentos, isso é outra questão que nesta sede não tem qualquer espécie de relevância.” O mesmo Tribunal precisou que a nulidade da sentença por falta de fundamentação não se verifica quando apenas tenha havido uma justificação deficiente ou pouco persuasiva, antes se impondo, para a verificação da nulidade, a ausência de motivação que impossibilite o anúncio das razões que conduziram à decisão proferida a final (Acórdão de 15.12.2011, Pereira Rodrigues, 2/08). Só a absoluta falta de fundamentação – e não a sua insuficiência, mediocridade, ou erroneidade – integra a previsão da alínea b) do nº1 do Artigo 615º, cabendo o putativo desacerto da decisão no campo do erro de julgamento – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2.6.2016, Fernanda Isabel Pereira, 781/11.[viii] «O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal e persuasivo da decisão – mas não produz nulidade[ix]
A não concordância da parte com a subsunção dos factos às normas jurídicas e/ou com a decisão sobre a matéria de facto de modo algum configuram causa de nulidade da sentença[x].
Por sua vez, dispõe esse mesmo artigo 615º, nº1, alínea c), que é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica pelo que se, na fundamentação da sentença, o julgador segue determinada linha de raciocínio apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decide em sentido divergente, ocorre tal oposição[xi].
Realidade distinta desta é o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou erro na interpretação desta, ou seja, quando – embora mal – o juiz entenda que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação ou dela decorre, o que existe é erro de julgamento e não oposição nos termos aludidos[xii]. Por outras palavras, se a decisão está certa, ou não, é questão de mérito e não de nulidade da mesma[xiii].
No que tange à obscuridade conducente à ininteligibilidade da decisão, ALBERTO DOS REIS[xiv], com a sua expressão clarividente, ensinava a este propósito: «A sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido é ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos. É evidente que, em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade. Se determinado passo da sentença é suscetível de duas interpretações diversas, não se sabe, ao certo, qual o pensamento do juiz
Assim, a decisão judicial é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes [xv]. A ininteligibilidade da decisão não se reporta ao conteúdo ou mérito, mas à exteriorização formal do discurso “quo tale”, perfilando-se, nesta perspectiva, situações de ambiguidade expositiva, de obscuridade, de excessivo gongorismo impeditivo da univocidade ou, no limite, de meros lapsos de escrita[xvi].

No Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa, 2001, colhe-se a informação que ambiguidade é a qualidade ou estado do que tem mais do que um sentido (p. 209) e que obscuridade é a qualidade ou estado do que se compreende com dificuldade ou do que não se compreende bem como qualidade ou estado daquilo que oferece dúvidas (p. 2637).

No caso, emerge claramente do despacho impugnado que a prova documental apresentada pelos Autores foi indeferida por se ter considerado que o respectivo requerimento era extemporâneo, à luz do art. 423º, do Código de Processo Civil, que define os momentos em que podem ser apresentados os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa, ou seja, que não cabia em nenhuma das permissões dessa norma.

Essa decisão, que como qualquer outra, deve ser devidamente interpretada, não padece, por isso, dos alegados vícios de falta de fundamentação, ambiguidade ou ininteligibilidade, tanto é que os Recorrentes mostram na presente apelação ter percebido o seu alcance.
Coisa diversa é discordar do seu julgamento, coisa que os Apelantes também demonstram com este seu recurso.
Improcedem, portanto, as nulidades invocadas.

2.1. Da violação do disposto no art. 423º, nº 3, do Código de Processo Civil

Dita o art. 423º, do Código de Processo Civil, que: (1) - Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
(2) - Se não forem juntos com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado. (3) - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.
Neste ponto, os Apelantes consideram que a junção dos documentos em causa está a coberto da previsão da parte final desse nº 3, do art. 423º, dado que visou o exercício do contraditório quanto aos documentos juntos pela Ré em 14.7.2022.
Diversamente do que alega, a propósito, a Recorrida, como se pode ler no requerimento probatório respeitante a esses documentos, os Recorrente afirmaram oportunamente que “só os juntam para contraposição dos documentos juntos pela Ré P..., atinentes à questão surgida em audiência de julgamento quanto à existência de artigo e descrição autónoma quanto ao pavilhão em discussão nos autos.
Posto isto, o requerimento em apreço foi claro quanto à justificação da pretendida junção de documentos, reportando-a quer ao contraditório dos documentos juntos pela Ré, quer ao facto surgido em audiência de julgamento.
Mais, deve sublinhar-se que estamos perante documentos cuja junção foi determinada, ex novo, por iniciativa do Tribunal, ao abrigo do disposto no art. 411º, do Código de Processo Civil.
Perante isto, está em causa saber se estamos perante caso em que se verifica a permissão estipulada pela parte final do referido nº 3, do art. 423º: a apontada necessidade superveniente em virtude de “ocorrência posterior”.
Este conceito, que deve ser casuisticamente escrutinado e “legitima a entrada de documentos no processo não respeitará, por certo, a factos que constituam fundamento da acção ou da defesa (factos essenciais, na letra do art. 5º), pois tais factos já hão de ter sido alegados nos articulados oportunamente apresentados ou, pelo menos, por ocasião da dedução de articulado superveniente, pois a alegação desses factos deve ser acompanhada dos respectivos documentos, sendo esse o meio da sua entrada nos autos (art. 588º, nº 5). Portanto, no plano dos factos, a ocorrência posterior dirá somente respeito a factos instrumentais ou factos relativos a pressupostos processuais…(…)”.[xvii]
Em sintonia com esta doutrina, ficou escrito no Ac. do  Tribunal da Relação de Lisboa, de 26.9.2019[xviii], que, sic:  “Quanto aos factos (não alegados) que sejam complemento ou concretização dos que as partes alegaram e resultem da instrução da causa, a sua consideração pelo juiz implica o contraditório pleno - refutação e prova – nos termos do artigo  5.º, n.º 2, alínea b), do CPC.
Assim sendo, a introdução de um facto com tal natureza em sede de depoimento de uma testemunha, sempre autorizaria, por esta norma, a produção de prova, v.g. documental, em momento ulterior aos previstos no artigo 523.º, n.º 1 e 2, do CPC. A excepção da IIª parte do artigo 423.º, n.º 3, do CPC, é meramente concretizadora daquele princípio no que à prova documental concerne.
Os factos instrumentais, indiciários ou probatórios, serão assim o campo natural de aplicação da norma da IIª parte do artigo 423.º, n.º 3, do CPC.
Factos instrumentais são os que interessam indirectamente à solução do pleito, por servirem para demonstrar a verdade ou falsidade dos factos pertinentes; não pertencem à norma fundamentadora do direito e são-lhe, em si, indiferentes, servindo apenas para, da sua existência, se concluir pela existência dos próprios factos fundamentadores do direito ou da excepção6.
Conclui-se assim que o depoimento de uma testemunha pode constituir ocorrência posterior que torna necessária a apresentação de um documento fora dos momentos previstos no artigo 423.º, n.º 1 e 2, do CPCivil, desde que no seu depoimento invoque factos que sejam novos no processo e não possam ser qualificados como factos essenciais7.
A este respeito, o Acórdão de 25 de Setembro de 2018 desta Relação, proferido no processo 744/11.... (Rijo Ferreira), no que se refere à necessidade de assegurar o direito a um processo equitativo e justo na interpretação da norma restritiva do artigo 423.º, n.º 3, do CPC. Lê-se nele:
Segundo a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem a garantia de processo equitativo (‘fair trial’) coloca o tribunal sob o dever de levar a cabo um exame aprofundado dos pedidos, fundamentos e provas aduzidos pelas partes; e se se reconhece uma larga margem de apreciação aos legisladores e tribunais nacionais para estabelecerem as regras de admissibilidade e apreciação das provas, não se deixa de afirmar que as restrições à apresentação de provas não podem ser arbitrárias ou desproporcionadas, antes têm de ser consistentes com a exigência de julgamento equitativo e que sempre se deve exigir que o procedimento na sua globalidade, incluindo os aspectos relativos à admissibilidade das provas, seja equitativo. E nesse sentido haverá de interpretar-se, também, o disposto no art. 20º, nº 4, da Constituição da República por força do disposto no art.º 16º, nº 2, do mesmo diploma.
(…) Omisssis
Tratando-se as apontadas circunstâncias de excepções à regra da proibição de apresentação de documentos, sendo por conseguinte constitutivas da possibilidade dessa apresentação, têm as mesmas de ser alegadas e demonstradas pela parte que requer a junção do documento depois de ultrapassado aquele limite temporal.
A impossibilidade da prévia apresentação haverá de ser apreciada segundo critérios objectivos e de acordo com padrões de normal diligência, que será aquela para que aponta o art.º 487º do CCiv – a diligência de um bom de família em face das circunstâncias do caso.
Já a junção ter-se tornado necessária em virtude de ocorrência posterior se afigura de mais problemática definição, designadamente por ser susceptível de abranger plúrimas e diversificadas situações.
De qualquer forma essa circunstância é integrada por um elemento factual bem definido: a necessidade de apresentação deve surgir de uma circunstância posterior, ou seja, de uma circunstância que ocorra depois do vigésimo dia anterior à audiência final. O normativo em causa não é susceptível de aplicação se a necessidade de apresentação do documento já se verificava anteriormente àquela data.
(…) Omissis
A ocorrência posterior deve ser relacionada com a dinâmica do desenvolvimento do próprio processo, designadamente tendo em vista a dialéctica que se desenvolve durante o processo de produção de prova no julgamento da causa (relativamente a alterações factuais exteriores ao processo a forma adequada de as tornar relevantes é a dedução de articulado superveniente, não se levantando aí qualquer problemática quanto à possibilidade de com esse articulado se apresentarem os correspondentes documentos). E nesse conspecto haverá de ter em conta o regime legal relativamente ao apuramento dos factos relevantes.
9. Deste modo se alcança o objectivo disciplinador da audiência e do prolongamento dos julgamentos, confessadamente assumido como razão de ser do regime restritivo introduzido, sem postergar as garantias de acesso ao direito mediante a imposição de ónus ou restrições e sem ofensa do princípio da proporcionalidade:
(…) as exigências formais não podem impossibilitar ou dificultar, de modo excessivo ou intolerável, a actuação procedimental facultada ou imposta às partes.
(…) As exigências de simplificação e celeridade – assentes na necessidade de dirimição do litígio em tempo útil – terão, pois, necessariamente que implicar um delicado balanceamento ou ponderação de interesses por parte do legislador infraconstitucional – podendo nelas fundadamente basear-se o estabelecimento de certos efeitos cominatórios ou preclusivos para as partes     (…), sem, todavia, aniquilar ou restringir desproporcionadamente o núcleo fundamental do direito de acesso à justiça e os princípios e garantias de um processo equitativo e contraditório que lhe estão subjacentes, como instrumentos indispensáveis à obtenção de uma decisão jurisdicional – não apenas célere – mas também justa, adequada e ponderada. (…)

No caso em apreço, aderindo a entendimento acima expresso, a melhor interpretação do disposto no art. 423º, nº 3, não pode deixar de abarcar a situação em apreço.
Sublinhando que não foi suscitada qualquer objecção à junção dos documentos tendo em vista a sua pertinência e/ou o propósito especialmente expresso pelos Requerentes/Apelantes (que de qualquer forma aqui não se discute), em nosso entender estamos perante a contraprova de facto instrumental novo, que não vimos ter sido alegado anteriormente, maxime na contestação da Ré, que por sinal foi quem indicou a citada testemunha.
Neste conspecto, julgamos estar perante um dos casos em que se verifica a ocorrência posterior que constitui concretização da previsão do citado art. 5º., nº 2, al. b).
Acresce que, no caso, existe uma razão suplementar para defendermos essa introdução de documentos para além dos prazos previstos nºs 1 e 2, do citado art. 423º, que está relacionada com a natureza oficiosa da junção dos documentos que, de acordo com a pretensão dos Recorrentes, também motivou o requerimento probatório em apreço.
Em nosso entender, o incidente probatório gerado pelo Tribunal ao abrigo do disposto nos arts. 411º e 436º, do Código de Processo Civil, deve envolver, nos mesmos cânones, a possibilidade de contestar os factos novos e instrumentais, no respeito pelo princípio do contraditório, conforme o estabelecido nos arts.  3º, 415º e 439º, do Código de Processo Civil).
Deste modo, deve ser considerado, por si só, evento “posterior” que admite, no exercício pleno desse contraditório, a produção de prova documental que vise contrapor aquilo que se inovou com esse incidente.
Sem prejuízo disso, não podemos deixar de salientar que a aparente rigidez das regras estabelecidas no citado art. 423º deviam, no caso concreto, ter sido temperada à luz do mesmo critério de justiça material que levou o Tribunal a quo a introduzir oficiosamente documentos cuja junção, aparentemente, caberia originalmente à Ré, até para que se respeite o princípio do tratamento igual que ambas as partes merecem (art. 4º, do Código de Processo Civil).
Em conclusão, temos de dar razão à apelação dos Autores, como prejuízo para o conhecimento dos restantes argumentos que invocam (cf. art. 608º, nº 2, do Código de Processo Civil).
 
IV. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar procedente a apelação, revogando a decisão recorrida e, em sua substituição, admitindo os documentos apresentados pelos Autores no seu requerimento de 12.9.2022.

Condena-se nas custas da apelação, o Recorrida P... (cf. art. 527º, do Código de Processo Civil).
N.
*
Sumário[xix]:

- A tempestividade de um documento apresentado com a audiência de julgamento em curso, à luz do disposto no art. 423º, nº 3, do Código de Processo Civil, implica a prova de que a apresentação anterior não foi possível ou de que a apresentação se tornou necessária em virtude de ocorrência posterior.
- Constituem ocorrências posteriores justificativas de apresentação de documento, fora dos tempos legalmente previstos, a junção de documentos novos, pela contraparte, ordenada pelo Tribunal, para prova de facto novo e instrumental.
*
Guimarães, 27/4/2023

Relator – Des. José Flores
1º - Adj. Des. Sandra Melo
2º - Adj. Des. Conceição Sampaio

Declaração de voto:
Concordo totalmente com a decisão de revogação do despacho que rejeitou a junção de documentos com fundamento na sua extemporaneidade, mas entendo que os documentos não deviam ser admitidos sem que se averiguasse dos demais pressupostos da sua admissibilidade, como a pertinência, matéria que extravasa já o objeto deste recurso, pelo que se deveria determinar à primeira instância que apreciasse esse pressuposto e decidisse em conformidade.

Des. Sandra Melo


[i] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, pp. 106.
[ii] Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efectivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13.
[iii] Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 107.
[iv] In Código de Processo Civil  Anotado, V Volume, p. 140
[v] No mesmo sentido, vejam-se Acórdão da Relação de Coimbra de 14.4.93, Ruy Varela, BMJ nº 426, p. 541, Acórdão da Relação do Porto de 6.1.94, António Velho, CJ 1994- I, p. 197, Acórdão da Relação de Évora de 22.5.97, Laura Leonardo, CJ 1997-II, p. 266, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.10.2004, Oliveira Barros, acessível em www.dgsi.pt/jstj, RODRIGUES BASTOS, Notas ao Código de Processo Civil, III Vol., LEBRE DE FREITAS e OUTROS, Código de Processo Civil Anotado, II Vol., 2001, p. 669.
[vi] In Da Sentença Cível, p. 39
[vii] In CJ 1995 – II, p. 58
[viii] No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28.5.2015, Granja da Fonseca, 460/11, de 10.5.2016, João Camilo, 852/13.
[ix] Luís Mendonça e Henrique Antunes, Dos Recursos, Quid Juris, p. 116.
[x] Cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17.5.2012, Gilberto Jorge, 91/09
[xi] cfr. Acórdãos da Relação de Coimbra de 11.1.94, Cardoso Albuquerque, BMJ nº 433, p. 633, do STJ de 13.2.97, Nascimento Costa, BMJ nº 464, p. 524 e de 22.6.99, Ferreira Ramos, CJ 1999 – II, p. 160
[xii] cfr. LEBRE DE FREITAS, A Acção Declarativa Comum, 2000, pg. 298
[xiii] cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8.3.2001, Ferreira Ramos, acessível em www.dgsi.jstj/pt
[xiv] In Código de Processo Civil Anotado, V Volume, p. 151
[xv] cf. Ac. Da RC de 7.6.94, Cardoso Albuquerque, BMJ nº 438, p. 569.
[xvi] cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.9.2006, Sebastião Póvoas, acessível em www.dgsi.pt/jstj
[xvii] Cf. António Geraldes e outros, in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2ª Ed., p. 423º.
[xviii] In http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/ec1ced112607318c8025848800476eb9?OpenDocument
[xix] Da responsabilidade do relator – cf. art. 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.