Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4054/20.5T8VNF-B.G2-A
Relator: ALEXANDRA VIANA LOPES
Descritores: INSOLVÊNCIA
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
FALTA DE RESPOSTA À IMPUGNAÇÃO DE CRÉDITOS
EFEITO COMINATÓRIO SEMIPLENO
CRÉDITOS LABORAIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. A falta de resposta do reclamante à impugnação dos créditos que lhe foram reconhecidos, de acordo com uma interpretação restritiva do art.131º/3 do CIRE, em harmonia com a unidade do sistema jurídico (art.9º do CC): não deve desencadear automaticamente a procedência da impugnação, em efeito cominatório pleno; pode fazer operar o efeito do cominatório semipleno (art.574º, ex vi do art.587º/1 do CPC).
2. Nestes casos, o Tribunal deve apreciar, em concreto: se o credor, na sua impugnação, impugnou factos alegados na reclamação de créditos e que devessem ser provados pelo credor reclamante (art.342º/1 do CC) e/ou se alegou matéria de facto nova que fosse passível de integrar uma defesa por exceção e que lhe coubesse a si provar (art.342º/2 do CC); se a falta de resposta à impugnação implicava a prova dos factos novos (art.574º, ex vi do art.587º/1 do CPC); se os factos provados, de acordo com o direito aplicável, permitem excluir ou alterar o crédito reclamado e reconhecido ou a sua qualificação.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório:

1. Após a declaração de insolvência de EMP01..., SA a 09.09.2020 no processo nº4054/20...., foram apresentadas reclamações de créditos ao administrador da insolvência, juntas no suporte documental autuado com o nº4054/20...., tendo AA apresentado reclamação a 13.10.2020, na qual:

1.1. Pediu: que se reconhecesse o crédito vencido até à data de € 58 900, 25, acrescido de juros de mora à taxa legal; que se reconhecesse o valor de € 11 489, 75 de crédito sob condição; que os créditos fossem classificados como privilegiados (com privilégio imobiliário e mobiliário geral), nos termos do att.333º do CT). 
1.2. Alegou e defendeu como fundamento, em síntese:
a) Que a 13.09.2012 foi admitido pela reclamada para exercer funções de engenheiro mecânico, mediante a remuneração mensal ilíquida de € 1 794, 00, acrescida de subsídios de Natal e Férias de igual valor e de subsídio de alimentação à razão diária de € 4, 27, passando a trabalhar sob as ordens, direção e fiscalização da reclamada (art.1º).
b) Que o seu contrato de trabalho ainda não cessou, uma vez: que a 10.09.2020 a reclamada foi declarada insolvente, sem que até à presente data fosse declarado encerrado o estabelecimento, total e definitivamente; que a declaração judicial de insolvência não fazia cessar o contrato de trabalho, devendo o administrador continuar a satisfazer integralmente as obrigações para com os trabalhadores enquanto o estabelecimento não for encerrado, conforme decorre do nº1 do art.347º do CT (arts.2º e 3º).
c) Que, até à data da reclamação:
c1) Tinha créditos laborais vencidos no valor global de € 58 900, 25, valor este integrado pelas 44 parcelas de créditos indicadas discriminadamente no art.4º da sua reclamação:
__ Em relação a 2016: subsídios de férias e de natal no valor de € 1794, 00 cada um.
__ Em relação a 2017: ajudas de custo de cada um dos meses de agosto a dezembro de 2017, nos valores de € 273, 24, € 242, 42, € 264, 74, € 302, 40, € 360, 36, 
__ Em relação a 2018: ajudas de custo dos meses de janeiro, março a dezembro, nos valores de € 292, 32, de € 375, 12, de € 330, 84, de € 369, 00, de € 313, 20, de € 350, 64, de € 441, 36, de € 441, 36, de € 154, 80, de € 355, 76; retribuições de novembro e dezembro nos valores respetivos de € 194, 75 líquido e € 1794, 00 ilíquidos.
__ Em relação a 2019: ajudas de custo dos meses de janeiro a maio, nos valores de € 287, 28, de € 248, 40, de € 347, 04, de € 316, 08, de € 544, 32; retribuições mensais de janeiro a dezembro no valor de € 1794, 00 cada uma (indicada como ilíquida até maio e sem qualquer menção após); subsídios de férias e de natal de € 1794, 00 cada um.
__ Em relação a 2020: retribuições de janeiro a setembro no valor de € 1794, 00 cada uma e de 10 dias de outubro no valor de € 598, 00; subsídio de férias de agosto no valor de € 1794, 00.
__ «Despesas da empresa pagas pelo Reclamante, e o montante de € 3 026, 90 de despesas de deslocação em viatura própria à razão de 0.36 Km, conforme lançamentos e documentos contabilísticos que estarão na posse da empresa» (art.4º).
c2) Tinha créditos laborais sob condição, nos termos do art.50º do CIRE, condicionados à verificação da cessação do contrato de trabalho, contabilizados até à presente data no valor de € 11 489, 75, correspondente à soma das seguintes quantias:
__ Três parcelas de € 1495, 00 cada uma de proporcionais de férias vencidas, de subsídios de férias e de subsídio de Natal do ano de cessação de contrato.
__O valor de € 7 004, 75 de indemnização de antiguidade do trabalhador reclamante (arts.5º e 6º).
c3) Que sempre desempenhou atividade laboral na sede da empresa, pelo que os seus créditos gozavam dos privilégios creditórios do art.333º/1 do CIT e deveriam ser classificados como privilegiados, nos termos do art.47º/4-a) do CIRE (arts.7º e 8º).
2. No processo de reclamação e verificação de créditos de créditos de EMP01..., SA, por apenso ao processo de insolvência:
2.1. A 23.12.2020 o administrador da insolvência apresentou lista de reconhecimento de créditos, na qual declarou reconhecer, em referência à reclamação de I-1. supra, o crédito de AA, créditos laborais no valor global de € 70 390,00, integrado:  pelo de € 58.900,25 de créditos privilegiados; pelo o valor de € 11 489,75 de crédito sob condição.
2.2. A 11.01.2021 a credora BB apresentou impugnação de créditos, na qual, em relação aos créditos dos trabalhadores, em particular, o crédito referido em 1, alegou:
«23.ºImpugna-se na íntegra os créditos reclamados pelos Trabalhadores (…) e AA, por se encontrarem os mesmos prescritos, nos termos do art. 337.º do Código do Trabalho,
24.º O que implica que sejam os mesmos excluídos da lista de créditos reconhecidos, o que aqui vai, desde já, invocado, com as demais consequências legais.
25.º É que, a sociedade comercial Insolvente encerrou a atividade para efeitos de IVA e de Segurança Social em Junho de 2019, conforme resultará da informação disponibilizada pela Autoridade Tributária e do Instituto da Segurança Social.
26.º Mais acresce que, conforme resulta das reclamações de créditos, ora em crise, apresentadas pelos Trabalhadores cujos créditos aqui impugnamos, todos os trabalhadores in casu resolveram os seus respetivos contratos de trabalho no decorrer do ano de 2019.
27.º Precise-se, assim, por relevante que:
(…)
10. AA - Apesar de ter solicitado o articulado da reclamação de créditos do Sr. AA junto da Sra. Administradora de Insolvência, a mesma não foi enviada/ disponibilizada ao Mandatário da Credora BB, pelo que a impugnação do crédito deste credor é baseada na reclamação de créditos apresentada no primeiro processo de insolvência da Insolvente, que correu termos no Juízo de Comércio de ..., Juiz ..., sob o n.º 4712/19...., e cujos créditos presumimos serem mais ou menos idênticos.
(…)
28.º Estabelece o art. 337.º do Código do Trabalho que “O crédito de empregador ou trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.”

Com efeito,
29.º É, por isso, manifestamente claro que, no nosso caso em análise, se encontram prescritos os créditos reclamados pelos Trabalhadores supra identificados,
30.º O que impõe a exclusão dos créditos dos trabalhadores da lista de créditos reconhecidos, com as demais consequências legais.

Sem prescindir,
31.º Se ainda assim se entender que os créditos dos trabalhadores não se encontram prescritos, nos termos do art. 337.º do Código do Trabalho, o que não se consente, mas apenas se admite por mera hipótese académica,
32.º Sempre se diga que nunca poderão ser reconhecidos aos referidos trabalhadores o montante dos créditos pelos mesmos reclamado, pelo que sempre terão os mesmos de ser corrigidos/ reduzidos, nos termos que infra se passam a enunciar.

Vejamos.
33.º A Sra. Administradora da Insolvência aceitou quanto aos seguintes trabalhadores o seguinte crédito de horas de formação profissional:
(…)
- AA – Cfr. se referiu no ponto 10 do artigo 27.º deste articulado, a Impugnante não teve acesso à reclamação de créditos deste Credor, desconhecendo, por isso, se o mesmo reclamou qualquer valor a título de horas de formação profissional;
(…)
34.º O que não se pode consentir.
35.º Não só porque é liminarmente falso que, pelo menos até 2016, não tenha sido prestada formação profissional aos credores/trabalhadores em causa, mas também porque, e como resulta do Código do Trabalho (na redação em vigor à data da cessação dos contratos de trabalho em causa), os trabalhadores apenas têm direito a um crédito de 35 horas por cada um dos três últimos anos de trabalho prestado, prescrevendo todo e quaisquer crédito – de formação profissional - que seja anterior a esses três anos (cfr. 131.º, n.º 2 e 132.º, n.º 6 do
Código do Trabalho).
36.º O que aqui se invoca.
37.º Assim, e no limite, apenas poderia ter sido reconhecido a estes trabalhadores, a esse título, as seguintes quantias:
(…)
- AA - Cfr. se referiu no ponto 10 do artigo 27.º deste articulado, a Impugnante não teve acesso à reclamação de créditos deste Credor, desconhecendo, por isso, se o mesmo reclamou qualquer valor a título de horas de formação profissional; ainda assim, por cautela de patrocínio, impugna a aqui Impugnante qualquer quantia que o Credor tenha reclamado a esse título, devendo, igualmente ser seguido/ corrigido o alegado crédito seguindo o raciocínio aqui exposto quanto aos demais Trabalhadores;
(…)
38.º Terão, por isso, os respetivos créditos, atento o até aqui exposto, de serem reduzidos da seguinte forma:
(…)
AA: Cfr.se referiu no ponto 10 do art. 27.º deste articulado, a Impugnante não teve acesso à reclamação de créditos deste Credor, desconhecendo, por isso, se o mesmo reclamou qualquer valor a título de horas de formação profissional; ainda assim, por cautela de patrocínio, impugna a aqui Impugnante qualquer quantia que o Credor tenha reclamado a esse título, devendo, igualmente ser seguido/ corrigido o alegado crédito seguindo o raciocínio aqui exposto quanto aos demais Trabalhadores;
39.º O que aqui vai invocado, com as demais consequências legais.
40.º     (…)
41.º É que relativamente aos credores CC e DD, e ainda por cautela de patrocínio, relativamente aos credores EE, FF, AA, também terá de ser reduzida a compensação/indemnização reclamada caso ocorra cessação, por iniciativa da Sra. Administradora de Insolvência, dos contratos de trabalho dos contratos de trabalho dos credores GG, CC, FF, AA e EE.
42.ºÉ que entendemos que o método de cálculo indicado por estes trabalhadores, e que mereceu a adesão da Sra. Dra. Administradora de Insolvência (ainda que com uma correção no n.º de dias, já que esta considerou 30/dias e não os 45), não é o correto atento o que dispõe o Código de Trabalho, em especial o artigo 347.º, o artigo 366.º e 372.º do Código do Trabalho, bem como o artigo 5.º da Lei 69/2013, de 30/08, que aqui se chamam à colação.
43.º Atento o conteúdo destes normativos devidamente conjugados, em especial os limites indemnizatórios impostos pela lei, bem como o valor remuneratório de cada um destes trabalhadores, sempre terão os mesmos, pela cessação da relação laboral, o direito de receber a quantia de:
(…)
- AA, EE e FF - Cfr. se referiu nos pontos 10, 11 e 12 do art. 27.º deste articulado, a Impugnante não teve acesso às reclamações de créditos deste Credores, desconhecendo, por isso, em que termos foi calculada a alegada compensação/ indemnização pela alegada cessação dos contratos de trabalho, mas, ainda assim, por cautela de patrocínio, impugna a aqui Impugnante qualquer quantia que o Credor tenha reclamado a esse título, devendo, igualmente ser seguido/ corrigido o alegado crédito seguindo o raciocínio aqui exposto quanto aos Trabalhadores/ Credores GG e CC;
44.º E não os valores que peticionam a este montante.
45.º O critério dos 30/45 dias, por cada ano de antiguidade, apenas pode ser utilizado e/ou chamado à colação em casos em que houve despedimento ou resolução do contrato de trabalho com justa causa por despedimento e se aplica o critério constante dos artigos 390.º e 391.º do Código do Trabalho, como acontece no caso da Impugnante e de alguns trabalhadores em situações similares.
46.º Pelo que, atento o exposto, devem ser corrigidos os montantes peticionados por estes Trabalhadores/ Credores, a título de compensação/ indemnização, o que aqui se requer, com as demais consequências legais.».
2.3. A 14.10.2021 foi remetida a seguinte carta de notificação aos credores com créditos impugnados, nomeadamente o de I-1. supra:
«Assunto: Resposta à Impugnação de créditos
V/Referência: Credor, AA
Fica deste modo V. Ex.ª notificado, relativamente ao processo supra identificado, da impugnação cujo duplicado se remete.
Mais fica notificado de que tem o prazo de 10 dias para responder, querendo, sob pena de não o fazendo, a impugnação ser julgada procedente.
O prazo é contínuo, não se suspendendo durante as férias judiciais (nº 1 do artº 9º do CIRE).».
2.4. O credor de I-1 supra não apresentou resposta à impugnação de I-3 supra, tendo apresentada resposta outros trabalhadores a 02.11.2021.
2.5. A 28.12.2022 foi proferido despacho saneador e de fixação dos temas de prova, no qual se definiu, entre outros:
«- Apurar se os créditos dos trabalhadores aqui impugnados se encontram prescritos;
-Apurar se os créditos de horas de formação profissional aceites pela sra administradora de insolvência relativamente a cada um dos trabalhadores impugnados são devidos;
- Apurar se os trabalhadores GG, CC, AA, EE e FF têm a receber indemnização pela cessação da relação laboral inferior à reconhecida pela sra administradora de insolvência.».
2.6. A 05.01.2023 a credora impugnante apresentou reclamação, na qual arguiu uma nulidade do despacho, por defender: que, «apesar de notificados para o efeito, os credores AA e a Credora HH nada disseram, aplicando-se portanto aos mesmos o efeito cominatório pleno constante do n.º 3.º in fine do artigo 131.º do CIRE;»; que, «em clara contravenção do disposto no citado artigo/diploma, o douto Tribunal ao proferir despacho saneador agiu simultaneamente em omissão e excesso de pronúncia.  É que quanto ao alegado crédito do Sr. AA nada diz, não se debruçando sobre o mesmo, quando se impunha que fosse proferida decisão que considerasse o crédito excluído por via da procedência da impugnação que lhe foi dirigida pela aqui Credora por falta de resposta.» e que «Quanto à omissão de pronúncia cometida, (…) O não conhecimento dessa questão e a omissão de declaração desse efeito cominatório e inerente requalificação do crédito reconhecido constituem omissão de pronúncia, determinante de nulidade da sentença de verificação e graduação de créditos.” – Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 26-11-2013, disponível para consulta em www.dgsi.pt. », sendo «o despacho ora em crise (…)parcialmente nulo – com ref.ª aos créditos supra melhor identificados - por violação do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), 613.º, n.º 3 do CPC e 131.º n.º 3 do CIRE, o que aqui vai invocado, por via de requerimento/reclamação, e impõe a imediata revogação e substituição do douto despacho por outro que: - Considere procedente a impugnação dos créditos feito pela aqui Credora Impugnante relativamente aos créditos dos Credores HH e AA, excluindo os respetivos créditos da lista de créditos reconhecidos.».
2.7. A 07.02.2023 foi proferido o seguinte despacho:
«Req de 5-1: Dispõe o artigo artigo 131º, nº3 in fine do CIRE, que a resposta deve ser apresentada dentro dos 10 dias subsequentes ao termo do prazo referido no artigo anterior ou à notificação ao titular do crédito objeto da impugnação, consoante o caso, sob pena de a impugnação ser julgada procedente.
A credora BB veio impugnar os créditos dos credores HH e AA, não tendo estes apresentado resposta à impugnação.
Pelo que, nos termos do disposto naquele artigo procede a reclamação, devendo serem tais créditos retirados da lista de créditos reconhecidos.
Pela mesma razão elimino do despacho saneador os três primeiros temas da prova, bem como a menção aos credores HH e AA.».
2.8. A 01.03.2023 o trabalhador reclamante interpôs recurso de apelação, no qual apresentou as seguintes conclusões:
«A) Vem o presente recurso interposto do douto despacho proferido pelo Tribunal a quo, com a referência ...89, que decidiu, entre o mais, i) retirar o crédito do Recorrente da lista de créditos reconhecidos; ii) eliminar do despacho saneador a menção  ao Credor Recorrente, invocando o art.º 131, n.º 3 in fine do CIRE, que dispõe que a resposta deve ser apresentada dentro dos 10 dias subsequentes ao termo do prazo referido no artigo anterior ou à notificação ao titular do crédito objeto da impugnação, consoante o caso, sob pena de a impugnação ser julgada procedente.
B) Considerou o Tribunal a quo que a falta de resposta do Recorrente conduz à procedência da impugnação da lista de créditos supramencionada, no que ao Recorrente respeita.
C) Com o devido respeito, que é muito, não concorda o Recorrente com a decisão proferida e com os fundamentos em que a mesma se apoia, quanto à decisão de mérito, pelos motivos que a seguir se explanam, dela recorrendo de direito.
D) O Recorrente era trabalhador da Insolvente, tendo reclamado tempestivamente os seus créditos, no valor total de 70.390,00 € (setenta mil trezentos e noventa euros), conforme reclamação e documentos que constam dos autos, que foi incluído na lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos, elaborada pela Sr.ª Administradora de Insolvência nos termos do artigo 29º do CIRE, no valor por aquele peticionado, identificado como credor n.º 9.
E) Tal como ocorreu com os demais trabalhadores da Insolvente, também credores nos presentes autos, os quais se encontravam em total igualdade de circunstâncias, tendo todos, recorrente e restantes trabalhadores, reclamado créditos emergentes de contrato de trabalho celebrado com a Insolvente, relativos a retribuições, subsídios, proporcionais e indemnização devida pela cessação do contrato.
F) A credora BB, no que aqui importa, impugnou, de forma conjunta, sem distinção entre os impugnados, os créditos reclamados por nove trabalhadores, incluindo o aqui Recorrente, alegando que os créditos se encontravam prescritos e, sem prescindir, que os montantes dos créditos reclamados teriam de ser corrigidos/reduzidos.
G) O Recorrente não apresentou resposta à impugnação da lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos, apresentada pela credora BB.
H) Os demais oito trabalhadores requeridos apresentaram, tempestiva e conjuntamente, resposta à impugnação, contestando a invocada prescrição dos créditos, bem como a redução dos valores reconhecidos.
I) O Recorrente encontra-se numa posição igual à dos demais trabalhadores requeridos na impugnação, e que apresentaram resposta à mesma.
J) Na impugnação apresentada, a credora BB não toma posição concreta relativamente aos créditos reclamados pelo Recorrente, alegando que não teve acesso à respetiva reclamação de créditos, mas faz a aplicação, relativamente aos créditos reclamados pelo aqui Recorrente, das mesmas alegações e raciocínios que estabelece quanto aos créditos dos trabalhadores II e GG.
K) Estes dois trabalhadores cessaram os seus contratos de trabalho em novembro de 2019, por resolução levada a cabo pelos mesmos, tal como sucedeu com o Recorrente, existindo uma identidade de características e circunstâncias quanto aos créditos do Recorrente e dos trabalhadores indicados, seja quanto ao tipo de créditos, origem, cessação do contrato de trabalho e classificação, diferindo apenas no valor.
L) A falta de resposta à impugnação pelo Recorrente configura uma revelia acidental, não imputada a atos de vontade ou a decisões tácitas, nem podendo ser encarada como desrespeito à justiça ou às partes intervenientes no processo.
M) Tendo os demais trabalhadores impugnados respondido, tempestivamente, à impugnação que foi apresentada pela credora BB, entendemos estar verificada, no presente caso, a exceção aos efeitos da revelia prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 568º do Código de Processo Civil (CPC);
N) Normativo legal este que entendemos ser aplicável à situação sub iudice por remissão do artigo 17º do CIRE, que prevê a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil ao processo de insolvência.
O) Prevê a alínea a) do n.º 1 do artigo 568º do CPC que não se operam os efeitos da revelia, sendo esta inoperante, “quando, havendo vários réus, algum deles contestar, relativamente aos factos que o contestante impugnar”.
P) Adaptando a norma ao processo de insolvência, concretamente à impugnação em causa, basta que um dos impugnados/credores responda à impugnação para os factos por ele impugnados não poderem ser considerados confessados em relação aos seus co-impugnados revéis.
Q) Evitando-se, desta forma, uma eventual discrepância no julgamento da matéria de facto, obstando-se que os factos articulados pela Impugnante sejam, no mesmo processo, considerados como confessados quanto ao Recorrente e impugnados quanto aos restantes trabalhadores.
R) Circunscrevendo-se a exceção à matéria impugnada/contestada, no caso, na resposta apresentada pelos trabalhadores, atendendo a que, como supra se indicou, existe uma identidade de características e circunstâncias quanto aos créditos do Recorrente e dos demais trabalhadores, a defesa do Recorrente do mesmo e exato teor.
S) A falta de resposta do Recorrente à impugnação da lista de créditos reconhecidos não pode constituir uma situação de revelia com efeitos cominatórios plenos, afastando-se a norma constante do n.º 3 do artigo 131º do CIRE, verificando-se preenchidos os pressupostos para a aplicação da exceção prevista no referido artigo 568º, n.º 1, alínea a) do CPC.
T) No sentido da aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, concretamente quanto à norma aqui em questão, o artigo 131º, n.º 3 do CIRE, pronuncia-se o Tribunal da Relação de Guimarães, processo n.º 956/14.6TBVRL.G1, de 28 de novembro de 2019, apelando a uma interpretação restritiva do artigo em discussão:
Sob pena de violação do princípio constitucional da reserva de função jurisdicional, o art. 131º, nº 3, do CIRE deverá ser interpretado restritivamente, no sentido de consagrar um cominatório semi-pleno, com importação da disciplina do processo declarativo comum (cf. art.º 17.º do CIRE), o que implica, para além da necessidade de apreciação jurídica dos factos pelo tribunal, que a ausência de resposta a uma impugnação quando o teor desta se encontra antecipadamente contrariado pelos termos da própria reclamação não possa conduzir, sem mais, à procedência da impugnação.
U) A revelia inoperante e, concretamente, a exceção prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 568º do CPC encontra-se prevista e preceituada em variada jurisprudência, sendo exemplos,  o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 26 de fevereiro de 2019, proc. n.º 172/18.8TOVR-A.P1:
Quando, havendo vários réus, somente um deles contestar, os factos impugnados pelo réu contestante consideram-se impugnados a favor dos demais qualquer que seja a sorte da ação em relação ao contestante.
II - A situação de revelia e os seus efeitos aferem-se à data da contestação e perduram até à decisão final do processo, razão pela qual fica vedado o desentranhamento da contestação, ainda que sob requerimento do seu apresentante.
Há, porém, exceções a esta previsão legal, como sucede, no que ao caso importa, quando, havendo vários réus, algum deles contestar, relativamente aos factos que o contestante impugnar [artigo 568º, a), do CPC], apelidada de revelia inoperante, a significar que, não obstante o réu, regularmente citado, não ter apresentado contestação, não se consideram confessados os factos articulados pelo autor na petição inicial e que o contestante ou contestantes tenham impugnado, o que significa que o réu não contestante aproveita da impugnação dos réus contestantes.
V) O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28 de outubro de 2003, Proc. n.º 03A3036, que dispõe: Assim, não se consideram confessados os factos:
- quando, havendo vários réus, algum deles contestar, relativamente aos factos que o contestante impugnar {cfr. a al. a)}. Basta, pois, que um dos réus conteste a acção, para os factos por ele impugnados não poderem ser considerados como confessados em relação aos seus co-réus revéis. Desta forma, evita-se uma eventual discrepância no julgamento da matéria de facto, obstando-se a que os factos articulados pelo autor sejam, no mesmo processo, considerados como confessados quanto a uns réus e impugnados quanto a outros. Note-se que este benefício concedido aos réus revéis se circunscreve à matéria impugnada pelo réu contestante. Por isso, os factos da petição inicial que não hajam sido efectivamente impugnados são dados como assentes, em relação a todos os réus.
W) E o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 05.02.2012, proc. 534/10.9TBVLN.G1.
1- Em caso de pluralidade de réus, basta que um deles conteste para que, e relativamente aos factos que o mesmo impugnar, os factos articulados pelo autor não possam considerar-se como confessados/provados, mesmo em relação aos RR que nenhuma oposição deduziram.
2- É que, como decorre do disposto na alínea a), do artº 485º, do CPC, a impugnação do contestante vem a aproveitar/beneficiar os demais RR, tornando-se a revelia destes últimos inoperante.
3-E, a ineficácia da apontada revelia, vem a manter-se operante, mesmo que, relativamente ao único RR contestante, venha a respetiva instância a extinguir-se, v.g. em consequência de homologação de desistência do pedido.
4- É que, até em razão do princípio da confiança - intrinsecamente ligado aos princípios da segurança jurídica e do Estado de Direito - os efeitos da única contestação apresentada devem perdurar até à decisão final do processo.
X) Importando, também, reforçar que, os efeitos da revelia inoperante mantêm-se até à decisão final do processo, não relevando o facto de a credora impugnante e os trabalhadores impugnados que responderam à impugnação terem, transigido no processo, perdurando os efeitos da resposta à impugnação.
Y) Importa dar primazia à descoberta da verdade material e à justa composição do litígio, devendo os princípios da cooperação e do contraditório serem entendidos de uma forma mais abrangente, sendo determinante o modo de atuação do juiz para a persecução desses fins, lançando mão dos princípios da gestão formal e do inquisitório, tendo um papel ativo na direção do processo, contribuindo para a justa composição do litígio e o alcance da verdade material.
Z) Andou mal a decisão vertida no despacho proferido pelo douto Tribunal a quo, por enfermar de ilegalidade, ao não aplicar ao caso presente a exceção prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 568º do CPC, por remissão do artigo 17º do CIRE.
AA) Face à falta de resposta do Recorrente à impugnação da lista de créditos reconhecidos, a resposta apresentada pelos co-impugnados aproveita àquele, excecionando-se os efeitos da revelia e, consequentemente, não tendo aplicação o previsto no n.º 3, in fine, do artigo 131º do CIRE.
BB) Termos em que se requer a V. Exas. que, atendendo aos fundamentos supra expostos, seja o presente recurso julgado procedente, e, em consequência, seja o douto despacho recorrido revogado e substituído por douto Acórdão que determine a aplicação da norma prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 568º do CPC, por remissão do artigo 17º do CIRE, mantendo-se o crédito do Recorrente reconhecido e integrado na lista de créditos reconhecidos.

Nestes termos e nos demais de Direito, requer:  seja o presente recurso julgado procedente, e, em consequência, seja o douto despacho recorrido revogado e substituído por douto Acórdão que determine a aplicação da norma prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 568º do CPC, por remissão do artigo 17º do CIRE, mantendo-se o crédito do Recorrente reconhecido e integrado na lista de créditos reconhecidos.

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Valor: 70.390,00 € (setenta mil euros, trezentos e noventa euros)
Decaimento: 70.390,00 € (setenta mil euros, trezentos e noventa euros)».

2.9. A recorrida/credora impugnante respondeu ao recurso a 20.03.2023, defendendo a sua rejeição e, subsidiariamente, a sua improcedência.
2.10. A 02.10.2023 Tribunal a quo admitiu o recurso de apelação, que ordenou que subisse imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
2.11. Subido o recurso à Relação:
a) A 28.10.2023: foi convidado o recorrente a pronunciar-se sobre os requerimentos de rejeição de recurso apresentados nas contra-alegações; foram convidadas as partes a indicarem certidão das peças processuais de que pretendem a instruir o recurso, por se prefigurar que este deva subir em separado.
b) A 13.11.2023 o recorrente defendeu a admissão do recurso.
c) A 13.11.2023 a recorrida pediu a declaração de extinção do mesmo por inutilidade superveniente da lide por, entretanto, ter sido proferida sentença de graduação de créditos, e a 23.11.2023 o recorrente defendeu a rejeição deste requerimento.
d) A 20.02.2024 foi proferido despacho: de indeferimento dos requerimentos de rejeição do recurso, de subida deferida e de inutilidade apresentados pela recorrida; de recebimento do recurso de apelação de 01.03.2023, a subir imediatamente, em separado e com efeito devolutivo; de organização de um apenso de recurso em separado, integrado pelas peças processuais indicadas, e a devolução do processo de reclamação de créditos à 1ª instância; de posterior recolha dos vistos no processo de recurso em separado e inscrição em tabela.
2.12. Colheram-se os vistos e realizou-se a conferência.

II. Questões a decidir:

As conclusões das alegações do recurso delimitam o seu objeto, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso não decididas por decisão transitada em julgado e da livre qualificação jurídica dos factos pelo Tribunal, conforme decorre das disposições conjugadas dos artigos 608º/ 2, ex vi do art. 663º/2, 635º/4, 639º/1 e 2, 641º/2- b) e 5º/ 3 do Código de Processo Civil, doravante CPC.
Define-se, como questões a decidir:
1. Se a decisão recorrida incorreu em erro de direito: por a falta de resposta à impugnação não poder desencadear o efeito cominatório pleno; por a resposta à impugnação dos demais reclamantes trabalhadores aproveitar ao reclamante trabalhador recorrente.
2. Em caso afirmativo, quais as consequências da falta de impugnação.

III. Fundamentação:

1. Matéria de facto assente:

Julgam-se provados os factos relatados em I supra, face à força probatória plena dos atos processuais (art.371º do CC).

2. Apreciação de direito:
2.1. Apreciação se a falta de resposta do reclamante AA à impugnação de 11.01.2021 gera a procedência desta e a eliminação dos créditos reclamados em I-1 e reconhecidos em I-2.1. supra:
A decisão recorrida de 07.02.2023, face à falta de resposta do reclamante AA à impugnação apresentada por uma credora, julgou procedente a impugnação, nos termos do art.131º/3 do CPC (transcrita em I-2.7 supra). Esta decisão fez operar, em face da falta de apresentação de resposta à impugnação, um efeito cominatório pleno.
O recorrente, no seu recurso, apesar de declarar expressamente impugnar a consequência do efeito cominatório pleno da decisão recorrida: citou apenas incidentalmente um argumento coerente com essa impugnação, quando na al. k) das conclusões citou o acórdão nº956/14.6TBVRL.G1, que defendeu, em interpretação restritiva da norma do art.131º/3 do CIRE, que esta não poderia operar um efeito cominatório pleno mas apenas um efeito cominatório semipleno (sendo que, em relação a este, entendeu também que não poderia ocorrer em relação aos factos que estivessem antecipadamente impugnados pela reclamação de créditos, nos termos do art.574º do CPC, ex vi do art.17º do CIRE); defendeu expressamente, na restante totalidade do seu recurso, a existência de uma exceção ao efeito cominatório semipleno (que não foi expressamente determinado na decisão recorrida), nos termos do art.568º/1-a) do CPC, ex vi do art.17º do CIRE, por entender que lhe aproveitava a resposta à impugnação apresentada pelos demais trabalhadores, nomeadamente os que tinham contratos resolvidos em novembro de 2019.
Apreciar-se-á, assim, se a decisão encerra de erro de direito, face ao regime jurídico aplicável.
No regime legal de reclamação, verificação e graduação de créditos do processo de insolvência, o legislador prevê:
a) Que o credor reclamante pode «reclamar a verificação dos seus créditos por meio de requerimento, acompanhado de todos os documentos probatórios de que disponham, no qual indiquem: a) A sua proveniência, data de vencimento, montante de capital e de juros; b) As condições a que estejam subordinados, tanto suspensivas como resolutivas; c) A sua natureza comum, subordinada, privilegiada ou garantida, e, neste último caso, os bens ou direitos objecto da garantia e respectivos dados de identificação registral, se aplicável; d) A existência de eventuais garantias pessoais, com identificação dos garantes; e) A taxa de juros moratórios aplicável. f) O número de identificação bancária ou outro equivalente.» (art.128º/1 do CIRE).
b) Que qualquer interessado, após a apresentação pelo administrador da insolvência da lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos (art.129º do CIRE), pode impugnar créditos nos termos do art.130º/1 do CIRE («Nos 10 dias seguintes ao termo do prazo fixado no n.º 1 do artigo anterior, (…) impugnar a lista de credores reconhecidos através de requerimento dirigido ao juiz, com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou na incorrecção do montante ou da qualificação dos créditos reconhecidos.»), com o regime de prova e notificações do art.134º do CIRE.
c) Que as impugnações podem obter resposta do administrador e de qualquer interessado, nos termos do art. 131º do CIRE e com a cominação do art.131º/3 do CIRE («1 - Pode responder a qualquer das impugnações o administrador da insolvência e qualquer interessado que assuma posição contrária, incluindo o devedor. 2 - Se, porém, a impugnação se fundar na indevida inclusão de certo crédito na lista de credores reconhecidos, na omissão da indicação das condições a que se encontre sujeito ou no facto de lhe ter sido atribuído um montante excessivo ou uma qualificação de grau superior à correcta, só o próprio titular pode responder. 3 - A resposta deve ser apresentada dentro dos 10 dias subsequentes ao termo do prazo referido no artigo anterior ou à notificação ao titular do crédito objecto da impugnação, consoante o caso, sob pena de a impugnação ser julgada procedente.»), com o regime de prova e notificações do art.134º do CIRE.
d) Que, após autuação da lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos, das impugnações e das repostas (art.132º do CIRE), procede-se ao saneamento do processo nos termos do art.136º do CIRE (1 - Junto o parecer da comissão de credores ou decorrido o prazo previsto no artigo anterior sem que tal junção se verifique, o juiz declara verificados com valor de sentença os créditos incluídos na respetiva lista e não impugnados, salvo o caso de erro manifesto, e pode designar dia e hora para uma tentativa de conciliação a realizar dentro dos 10 dias seguintes, para a qual são notificados, a fim de comparecerem pessoalmente ou de se fazerem representar por procuradores com poderes especiais para transigir, todos os que tenham apresentado impugnações e respostas, a comissão de credores e o administrador da insolvência. 2 - Na tentativa de conciliação são considerados como reconhecidos os créditos que mereçam a aprovação de todos os presentes e nos precisos termos em que o forem. 3 - Concluída a tentativa de conciliação, o processo é imediatamente concluso ao juiz, para que seja proferido despacho, nos termos previstos nos artigos 595.º e 596.º do Código de Processo Civil. 4 - (Revogado.) 5 - Consideram-se ainda reconhecidos os demais créditos que possam sê-lo face aos elementos de prova contidos nos autos. 6 - O despacho saneador tem, quanto aos créditos reconhecidos, a forma e o valor de sentença, que os declara verificados e os gradua em harmonia com as disposições legais.7 - Os créditos cuja verificação ou graduação necessite de produção de prova são provisoriamente verificados e graduados nos termos do número anterior, observando-se o disposto no n.º 1 do artigo 180.º8 - Caso o juiz entenda que não se mostra adequado realizar a tentativa de conciliação, profere de imediato o despacho previsto no n.º 3.») e, relativamente ao créditos com factos controvertidos, procede-se a instrução e julgamento, nos termos dos arts.137º a 139º do CIRE e, por fim, a sentença de verificação e graduação de créditos, nos termos do art.140º do CIRE.
Na aplicação deste regime, importa assinalar as seguintes regras nas situações em que há impugnações de créditos reconhecidos pelo administrador da insolvência.
Por um lado, a Jurisprudência tem defendido, de forma coerente com as regras gerais de repartição do ónus da prova (art.342º do CC), que, quando há créditos impugnados: o ónus de alegar e provar os factos constitutivos dos créditos e das suas garantias cabe aos reclamantes (sem prejuízo de completarem a sua alegação na resposta à impugnação ou de beneficiarem de factos adquiridos processualmente nos autos); e o ónus de alegar e provar as exceções impeditivas, modificativas e extintivas do direito cabe aos impugnantes.
Assim, sublinham as referidas regras de repartição do ónus da prova, nomeadamente: na Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, o Ac. STJ de 07.02.2013 (proferido no processo n.º148/09.6TBPST-F.L1.S1, relatado por Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, em coletivo também integrado por Lopes do Rego e Orlando Afonso), o Ac. STJ de 23.01.2014 (proferido no processo n.º1938/06.7TBCTB-E.C1.S1, relatado por Lopes do Rego, em coletivo também integrado por Orlando Afonso e Távora Victor), o Ac. STJ de 06-11-2018 (proferido no processo nº66/16.1T8RGR-C.L1.S2, relatado por Henrique Araújo, em coletivo composto também por Catarina Serra e Salreta Pereira); na Jurisprudência das Relações o Ac. RL de 29.03.2012 (proferido no processo nº3083/10.1T2SNT-C.L2-2, relatado por Jorge Leal), o Ac. RP de 26.06.2014 (proferido no processo nº 1040/12.2TBLSD-C.P1, relatado por Aristides Rodrigues de Almeida, atribuindo o ónus de factos constitutivos do crédito ao reclamante e das exceções ao impugnante, concluindo «VI - Na verificação de créditos em processo de insolvência, mesmo que o crédito tenha sido incluído pelo administrador na lista de créditos reconhecidos e desde que neste caso tenha sido impugnada a lista com fundamento na indevida inclusão do crédito, recai sobre o credor o ónus da prova da existência do crédito objecto da impugnação. VII - A impugnação da lista de créditos pode consistir em impugnação por excepção (facto impeditivo ou extintivo do crédito) ou impugnação pura (negação da constituição do crédito) e o seu fundamento pode ser qualquer circunstância que conduza à afirmação da existência do crédito não reconhecido ou da inexistência do crédito reconhecido.»), o Ac. RC de 23.03.2015 (proferido no processo nº78/13.7TBNLS-D.C1, relatado por Barateiro Martins), o Ac. RP de 02.12.2021 (proferido no processo nº3407/18.3T8STS-A.P2, relatado por João Venade), o Ac. RL de 02.10.2023 (proferido no processo 1870/13.8TYLSB-B.L1-1, relatado por Manuela Espadaneira Lopes).
Por sua vez, sublinham a possibilidade de aquisição de processual de factos, independentemente do ónus de alegação e prova que caiba aos reclamantes, a referida jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nos mesmos acórdãos: o referido Ac. STJ de 07.02.2013 (proferido no processo n.º148/09.6TBPST-F.L1.S1, relatado por Maria dos Prazeres Pizarro Beleza); o referido Ac. STJ de 23.01.2014 (proferido no processo n.º 1938/06.7TBCTB-E.C1.S1, relatado por Lopes do Rego); o referido Ac. STJ de 06-11-2018 (proferido no processo nº66/16.1T8RGR-C.L1.S2, relatado por Henrique Araújo).
Por outro lado, a Jurisprudência maioritária tem interpretado restritivamente o art.131º/3 do CIRE, defendendo que, apesar deste prever que «A resposta deve ser apresentada (…) sob pena de a impugnação ser julgada procedente», não se deve entender que opera um efeito cominatório pleno mas apenas cominatório semipleno (sem prejuízo de não ocorrer a confissão de factos em relação àqueles que estejam antecipadamente impugnados na reclamação de créditos- art.574º do CPC, ex vi do art.587º/1 do CPC e ambos ex vi do 17º do CIRE), no qual o juiz não fica dispensado de proceder às diligências necessárias e adequadas à verificação do crédito, nos termos do artigo 136.º do CIRE.
Regista-se, em particular: na Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, o Ac. STJ de 23.10.2018, proferido no processo nº650/12.2TBCLD-B.C1.S1, relatado Catarina Serra, em coletivo composto também por Salreta Pereira e Fonseca Ramos (que sumariou «II. Na hipótese de falta de resposta à impugnação da lista provisória de créditos, prevista no artigo 131.º, n.º 3, do CIRE, são necessariamente admitidos os factos alegados na impugnação, mas o juiz não fica dispensado de proceder às diligências necessárias e adequadas à verificação do crédito, nos termos do artigo 136.º do CIRE.») e Ac. STJ de 05.04.2022, proferido no processo nº2115/19.2T8STS-E.P1.S1, relatado por José Rainho, em coletivo composto ainda por Graça Amaral e Olinda Garcia (que sumariou, «I- A falta de resposta à impugnação à lista de créditos (CIRE) não pode levar à procedência automática da pretensão impugnatória (efeito cominatório pleno). II- Ao invés, competirá ao tribunal verificar que factos é que estão provados, nomeadamente por confissão ficta decorrente da não contestação da impugnação e por documentos, aplicando-se-lhes depois o direito que for devido»); na Jurisprudência das Relações, entre outros, o Ac. RC de 28.05.2015, proferido no processo nº650/12.2TBCLD-B.C1.S1, relatado por Maria Domingas Simões, em coletivo também integrado por Nunes Ribeiro e Hélder Almeida(que sumariou «Apelando aos critérios interpretativos plasmados no nº3 do art.º9º do Código Civil, “sobretudo à  unidade do sistema jurídico”, o preceituado no nº3 do art.º131º do CIRE deverá ser interpretado restritivamente, no sentido de consagrar um cominatório semi-pleno, solução  harmónica com a inequívoca natureza e estrutura declarativa do processo de graduação de créditos, com importação da disciplina do processo declarativo comum (cf. artº 17º do CIRE)»), o Ac. RG de 28.11.2019, proferido no processo nº956/14.6TBVRL.G1, relatado por Margarida Sousa, em coletivo também integrado por Alcides Rodrigues e Joaquim Boavida (que sumariou «III- Sob pena de violação do princípio constitucional da reserva da função jurisdicional, o art.131º, nº3, do CIRE deverá ser interpretado restritivamente, no sentido de consagrar um cominatório semi-pleno, com importação da disciplina do processo declarativo comum (cf. art.º17.º do CIRE), o que implica, para além da necessidade de apreciação jurídica dos factos pelo tribunal, que a ausência de resposta a uma impugnação quando o teor desta se encontra antecipadamente contrariado pelos termos da própria reclamação não possa conduzir, sem mais, à procedência da impugnação.»), o Ac. RL de 16.01.2024, proferido no processo nº1336/12.3TYLSB-B.L1-1, relatado por Amélia Sofia Rebelo, em coletivo integrado também por Teresa Henriques e Rosário Gonçalves (que sumariou «III–Na interpretação do art. 131º, nº 3 do CIRE a doutrina e a jurisprudência confluíram na compatibilização do âmbito por ele previsto com a regra do cominatório semi-pleno, ou seja, circunscrito apenas à admissão dos factos por acordo e já não à procedência do pedido, solução que encontra arrimo no regime regra previsto pelo art. 574º, nº 1 e 2 do CPC e cujo efeito opera em sede de decisão de facto nos termos determinados pelo art. 607º, nº 4 do CPC, ao prever que Na fundamentação da sentença, (…) o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo (…) e que, assim, por efeito processual, não têm a natureza de factos controvertidos.»).
Esta interpretação do art.131º/3 do CIRE é aquela que melhor se harmoniza com o sistema jurídico no seu todo (art.9º do CC), maxime: com o direito constitucional a um processo justo e equitativo e ao exercício constitucional das funções jurisdicionais dos Tribunais (arts.20º e 202º ss da CRP); com o regime processual civil (em que o cominatório é apenas semipleno- arts.566º ss do CPC) e do ónus de repartição e prova (art.5º CPC e 342º do CC); com o próprio regime especial da insolvência dos arts.136º ss do CIRE (nas quais, mesmo os créditos reconhecidos e não impugnados, podem ser reapreciados em caso de erro manifesto, nos termos do art.136º/1 do CIRE).
Assim, reconhece-se que a falta de resposta à impugnação não deve desencadear automaticamente a procedência da impugnação, em efeito cominatório pleno, devendo apreciar-se em concreto: se o credor, na sua impugnação, impugnou factos alegados na reclamação de créditos e que devessem ser provados pelo credor reclamante e/ou se alegou matéria de facto nova passível de integrar uma defesa por exceção, cuja falta de resposta à impugnação implicasse a confissão de factos novos; se os factos provados, de acordo com o direito aplicável, permitem excluir ou alterar o crédito reclamado e reconhecido ou a sua qualificação.
Far-se-á esta apreciação omitida pelo Tribunal a quo em 2.2. infra, nos termos do art.665º do CPC.

2.2. Apreciação se a impugnação, face aos seus fundamentos e à reclamação prévia, deve ser julgada procedente ou improcedente:
Importa apreciar a impugnação, face aos seus fundamentos, à reclamação prévia e ao regime legal aplicável.

2.2.1. Arguição da exceção de prescrição:
O reclamante AA reclamou créditos laborais a 13.10.2020 (créditos vencidos pela vigência do contrato de trabalho; créditos laborais vencidos até à data e condicionais, para o caso da cessação de contrato de trabalho), nos termos referidos em I-1 supra, ex vi de III-1.
A impugnante/recorrida, na sua impugnação de créditos reclamados pelos trabalhadores: arguiu, em geral, a exceção extintiva de prescrição dos créditos reclamados pelos trabalhadores, por entender que a insolvente declarou encerrada a atividade para efeitos de IVA em junho de 2019 e decorreu o prazo de 1 ano desde a resolução feita pelos trabalhadores em 2019 (em datas que discriminou em relação a 9 trabalhadores); não alegou, todavia, qualquer facto concreto em relação ao reclamante AA (nem a data da resolução do contrato, nem a data de reclamação de créditos), com a justificação que não teve acesso à sua reclamação de créditos; reconheceu até que o reclamante reclamara créditos laborais no primeiro processo de insolvência nº4712/19.... e pediu no art.41º ss a redução de créditos compensatórios deste trabalhador pela extinção de contrato de trabalho por causa distinta da resolução de 2019 (a apreciar em 2.2.3. infra).
Impõe-se apreciar.
A prescrição, nomeadamente a prescrição de créditos laborais, nos termos do art.337º do CT («1 - O crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho. 2 - O crédito correspondente a compensação por violação do direito a férias, indemnização por aplicação de sanção abusiva ou pagamento de trabalho suplementar, vencido há mais de cinco anos, só pode ser provado por documento idóneo. 3 - O crédito de trabalhador, referido no n.º 1, não é suscetível de extinção por meio de remissão abdicativa, salvo através de transação judicial.») corresponde a uma exceção perentória, cujos factos essenciais devem ser alegados e provados pela parte que a invoca, nos termos já referidos em III- 2.1. supra (art.5º/1 CPC, ex vi do art.17º do CIRE; art. 342º/2 do CC).
Ora, examinando a impugnação, em confronto com este regime, verifica-se o seguinte.
Por um lado, apesar da impugnante ter alegado que a sociedade encerrou a atividade para efeitos de IVA e Segurança Social em junho de 2019 (art.25º da impugnação): não acompanhou esta alegação da afirmação de ter ocorrido um encerramento definitivo do estabelecimento e de terem caducado os contratos de trabalho, nos termos dos arts.340º/a), 343º/b) e 346º do CT; não contou o prazo prescricional desde a data em que julgasse os contratos de trabalho extintos por caducidade.
Por outro lado, a impugnante, apesar de ter invocado a extinção dos contratos de trabalho por resolução dos trabalhadores: não alegou a data da resolução do contrato de AA, que pudesse vir a julgar-se provada por confissão ou acordo (em caso de falta de resposta do credor, nos termos do art.574º/2 do CPC, ex vi do art.587º/1 do CPC, ambos ex vi do art.17º do CIRE) ou por produção de prova (no caso de se entender que a resolução estava antecipadamente impugnada pela afirmação feita pelo reclamante na sua reclamação de que o contrato estava vigente), e que permitisse a contagem do prazo prescricional, nos termos do art.337º/1 do CT; pediu a redução dos créditos de compensação por extinção do posto de trabalho por iniciativa da administradora, o que é contraditório com a declarada resolução do contrato e é incompatível com uma situação em que o contrato de trabalho estivesse previamente extinto por resolução de 2019 por iniciativa do trabalhador; reconheceu que o trabalhador AA reclamara créditos laborais no processo primeiro processo de insolvência nº4712/19...., o que poderia ser apto a configurar uma causa de interrupção do prazo de prescrição, nos termos do art.323º do CC.
Desta forma, a matéria alegada pela impugnante não era suficiente para se poder vir a concluir que na data da reclamação do crédito de AA a 13.10.2020 já havia decorrido o prazo de 1 ano desde a extinção do contrato de trabalho e reclamados.
Esta conclusão não é afastada pelo facto do recorrente AA ter declarado na al. K das conclusões deste recurso (no contexto de entender que devia beneficiar do efeito da exceção da revelia do art.568º/1-a) do CPC face à contestação dos demais trabalhadores), que estava na mesma circunstancia de trabalhadores que resolveram o contrato de trabalho em novembro de 2019. De facto, esta afirmação: é contrária à sua reclamação de créditos, operando como facto novo e uma alteração indevida de causa de pedir (arts.264º e 265º do CPC, ex vi do art.17º do CIRE); não determina a confissão ou o acordo de facto que tivesse sido alegado na impugnação, uma vez que a impugnante não alegou em concreto uma resolução feita pelo trabalhador numa determinada data e acabou por admitir a vigência do contrato de trabalho na data da insolvência e a sua possível cessação por ato da administradora (quando fez o pedido do art.41º da impugnação); não poderia determinar a prescrição do crédito, ainda que se pudesse atender e julgar provado o facto novo, por entre ../../2019 e ../../2020 não ter decorrido o prazo de 1 ano do nº1 do art.337º do CT.
Assim, improcede a impugnação quanto à arguida exceção de prescrição, sem necessidade de conhecer os demais argumentos da recorrente.
2.2.2. Impugnação dos créditos por formação profissional:
A recorrida/impugnante defendeu subsidiariamente (caso se entendesse que os créditos laborais reclamados não estavam prescritos), que os créditos por horas de formação profissional não poderiam ser reconhecidos nos valores reclamados e deveriam ser reduzidos ou corrigidos. Para este efeito, e como fundamento: no geral, impugnou que a formação profissional não tivesse sido prestada pelo menos até 2016 e defendeu que nos últimos 3 anos de trabalho prestado os trabalhadores só têm 35 horas de formação profissional e prescrevem todos créditos de formação profissional anteriores, nos invocados termos dos arts.131º/2 e 132º/6 do CT; em especial, em relação ao trabalhador AA, declarou que não sabia se este reclamara esse crédito e que se o tivesse reclamado, impugnava-o e pedia a sua correção.
Examinando a reclamação do trabalhador referida em I-1 supra, ex vi de III-1 supra, verifica-se que este não reclamou quaisquer créditos a titulo de horas de formação profissional.
Desta forma, fica prejudicada a necessidade de apreciação da impugnação, condicionada à existência dessa reclamação, sem necessidade de conhecer os demais argumentos da recorrente.
2.2.3. Impugnação dos créditos compensatórios pela cessação do contrato de trabalho:
A recorrida/impugnante também defendeu, subsidiariamente (caso se entendesse que os créditos laborais reclamados não estavam prescritos), que, no caso de ocorrer cessação do contrato de trabalho por iniciativa da administradora da insolvência em relação a 5 trabalhadores (onde incluiu AA), os créditos de compensação/indemnização reclamados deveriam ser reduzidos por não ter sido correto o método de cálculo indicado pelos trabalhadores (e que mereceu a adesão da Sra. administradora da Insolvência, ainda que com correção dos 45 dias para os 30 dias): por deverem ser aplicados os arts.347º, 366º e 372º do CT e do art.5º da Lei nº69/2013, de 30.08; por o critério dos 30/45 dias por cada ano de antiguidade apenas poder ser utilizado quando à resolução do contrato por justa causa, nos termos dos arts.390º e 391º do CT (como a impugnante e alguns trabalhadores).
A recorrida, nesta sequência, depois de indicar os valores para os quais pedia a redução de créditos compensatórios de dois trabalhadores, não indicou qualquer valor em relação ao trabalhador AA e a outros dois, por declarar não ter tido acesso às reclamações, desconhecer em que termos foi contabilizada a compensação ou indemnização.
Impõe-se apreciar.
O reclamante, na sua reclamação de créditos de 13.10.2020: formulou um pedido de reconhecimento de créditos condicionais, caso o contrato viesse a cessar, nos termos do art.50º do CIRE (que define, no nº1, «1 - Para efeitos deste Código consideram-se créditos sob condição suspensiva e resolutiva, respetivamente, aqueles cuja constituição ou subsistência se encontrem sujeitos à verificação ou à não verificação de um acontecimento futuro e incerto, por força da lei, de decisão judicial ou de negócio jurídico.»), liquidando a compensação pela cessação de contrato de trabalho vencida até à data da reclamação no valor de € 7004, 75, sem explicar os critérios de cálculo que utilizou; alegou que foi admitido como trabalhador pela reclamada a 13.09.2012 para exercer funções de Engenheiro mecânico, mediante a remuneração ilíquida de € 1794, 00 (acrescida de subsídios de Natal e de Férias de igual montante e subsídio de alimentação à razão diária de € 4, 27).
Estes pressupostos fáticos do crédito não se encontram impugnados pela impugnante (data de contrato e valores de remuneração), que apenas discutiu o critério legal que entende estar subjacente aos cálculos dos trabalhadores, o que delimita o objeto de apreciação.
No regime legal aplicável, o legislador define que a declaração judicial de insolvência do empregador não faz cessar o contrato de trabalho, devendo o administrador da mesma continuar a satisfazer integralmente as obrigações para com os trabalhadores enquanto o estabelecimento não for definitivamente encerrado (art.347º/1 do CT). Nestes casos, o contrato de trabalho que se tiver mantido após a declaração da insolvência, pode cessar: antes do encerramento do estabelecimento, nos termos do art.347º/2 do CT («2 - Antes do encerramento definitivo do estabelecimento, o administrador da insolvência pode fazer cessar o contrato de trabalho de trabalhador cuja colaboração não seja indispensável ao funcionamento da empresa.»), caso em que a compensação pela cessação se fixa nos termos do art.366º do CT, ex vi do art.347º/2 do CT; com o encerramento do estabelecimento, nos termos do art.347º/3 em referência ao art.346º/2 do CT («2 - A extinção de pessoa colectiva empregadora, quando não se verifique a transmissão da empresa ou estabelecimento, determina a caducidade do contrato de trabalho»), caso em que a compensação pela cessação se fixa nos termos do art.366º do CT, ex vi do art.346º/5 do CT («5 - Verificando-se a caducidade do contrato em caso previsto num dos números anteriores, o trabalhador tem direito a compensação calculada nos termos do artigo 366.º, pela qual responde o património da empresa.»).
Ora, este art.366º do CT:
- Na versão da Lei nº23/2012, de 25.06, vigente na data de início do contrato de trabalho (uma vez que entrou em vigor no dia 01.09.2012, nos termos do art. 11º da referida Lei nº23/2012, e a admissão do trabalhador é de 13.09.2012), previa-se que «1 - Em caso de despedimento coletivo, o trabalhador tem direito a compensação correspondente a 20 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade. 2 - A compensação prevista no número anterior é determinada do seguinte modo: a) O valor da retribuição base mensal e diuturnidades do trabalhador a considerar para efeitos de cálculo da compensação não pode ser superior a 20 vezes a retribuição mínima mensal garantida; b) O montante global da compensação não pode ser superior a 12 vezes a retribuição base mensal e diuturnidades do trabalhador ou, quando seja aplicável o limite previsto na alínea anterior, a 240 vezes a retribuição mínima mensal garantida; c) O valor diário de retribuição base e diuturnidades é o resultante da divisão por 30 da retribuição base mensal e diuturnidades; d) Em caso de fração de ano, o montante da compensação é calculado proporcionalmente.».
- Na versão da Lei nº69/2013, de 30.08, entrada em vigor no dia 01.10.2013, nos termos do seu art. 10º (e ainda vigente na data da reclamação de 13.10.2020, os dias de retribuição do nº1 do art.366º do CT foram reduzidos para 12 (doze).
- Na versão atual, introduzida pela Lei nº13/2023, de 03.04., os dias de retribuição do nº1 do art.366º do CT foram ampliados para 14, sendo que o art.35º da referida Lei define que esta alteração, apesar de se aplicar aos contratos de trabalho anteriores, apenas se aplica «ao período da duração da relação contratual contado do início da vigência e produção de efeitos da presente lei», o que já não abrange o cálculo realizado na reclamação de 13.10.2020.
Assim, aplicando este regime de direito aos referidos factos alegados pelo reclamante a 13.10.2020, considerados pela administradora e não impugnados pela impugnante (exercício de funções de Engenheiro mecânico desde ../../2012, mediante a remuneração base ilíquida de € 1794, 00, sendo que os subsídios de Natal e de Férias de igual montante e subsídio de alimentação à razão diária de € 4, 27 também alegados não são relevantes para a contabilização do cálculo da compensação), verifica-se que a compensação condicional pela cessação de contrato de trabalho deve ser calculada da seguinte forma (com o critério de 20 dias de retribuição base por cada ano de antiguidade entre ../../2012 até ../../2013 e com critério de 12 dias de retribuição base por cada ano de antiguidade entre ../../2013 e a data de 13.10.2020):
_ De 13.09.2012 a 12.09.2012, correspondente a 1 ano – [(€ 1794,00:30 = € 59,80) x 20 dias = € 1.196,00].
- De 14.09.2012 a 30.09.2013, correspondente a 17 dias – [(€ 1794,00:30 = € 59,80) x (20x17:365=0,93) = € 55,61].
__ De 01.10.2013 a 30.09.2020, correspondente a 7 anos – [(€ 1794,00:30 = € 59,80) x 12 dias x 7 =€ 5.023,20].
__De 01.10.2030 a 13.10.2020, correspondente a 13 dias – [(€ 1794,00:30 = € 59,80) x (12x13:365=0,43) =€ 25,71].

Por conseguinte, o valor total da compensação sob condição liquidada à data da reclamação de créditos (13.10.2020) atinge o valor total de € 6.300,52 (€ 1.196,00 +€ 55,61+ € 5.023,20+ € 25,71).
Assim, a compensação sob condição reclamada pelo credor/recorrente e reconhecida pela administradora no valor de € 7 004, 75 (integrada nos créditos sob condição de € 11 489, 75), deve ser reduzida para o valor de € 6 300,52.
Desta forma, a impugnação procede na redução de € 704, 23 do crédito compensação (€ 7 004, 75-€ 6 300,52 =€ 704, 23).
A decisão de verificação e graduação dos créditos laborais reclamados e reconhecidos pela administradora da insolvência (no valor de € 58 900, 25 de créditos laborais privilegiados; de € 11 489, 75 de créditos sob condição), a realizar pela 1ª instância, deve, consequentemente, atender à decisão da impugnação de créditos desta Relação.

IV. Decisão:

Pelo exposto, os juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, julgando parcialmente procedente o recurso, acordam:

1. Revogar o despacho recorrido de 07.02.2023.
2. Julgar (em substituição do Tribunal a quo) a impugnação dos créditos reconhecidos a AA em I-2.1. supra, apresentada pela impugnante/recorrida:
a) Improcedente quanto à arguida exceção de prescrição dos créditos reclamados por AA.
b) Procedente quanto à redução do valor da compensação da cessação de contrato de trabalho, sob condição, em € 704, 23 (o valor de € 7 004, 75 reclamado e reconhecido deve ser alterado para valor de € 6 300,52).
3. Relegar para o Tribunal a quo a verificação e a graduação dos créditos laborais reclamados e reconhecidos pela administradora da insolvência a AA (no valor de € 58 900, 25 de créditos laborais privilegiados; de € 11 489, 75 de créditos sob condição), Tribunal a quo este que deve observar o decidido quanto à impugnação por esta Relação (em IV-2 supra).
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Custas na proporção de 2% para o recorrente e de 98% para a recorrida (art.527º do CPC), em relação ao valor do recurso de € 70 390, 00.
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Guimarães, 04.04.2024

Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores integradores do coletivo
Alexandra M. Viana P. Lopes (J. Des. Relatora)
Maria Gorete Morais (J. Des. 1ª Adjunta)
Pedro Maurício (J. Des. 2ª Adjunto)