Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
735/13.8TBGMR-A.G1
Relator: ANTÓNIO SOBRINHO
Descritores: PROCESSO EXECUTIVO
EMBARGOS
TÍTULO EXECUTIVO
ENTIDADE PATRONAL DO EXECUTADO
FORMALIDADES DA NOTIFICAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/24/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
A exigência das formalidades legais equivalentes à citação pessoal na notificação ao devedor nos termos do artº 777º, nº 1, do CPC, deriva do facto de estar garantido que este tomou conhecimento da comunicação feita e de que ficou devidamente informado e esclarecido do seu conteúdo, face às consequências nefastas advindas para o terceiro devedor, nomeadamente nos casos de falta de declaração (o que implica o reconhecimento do crédito pelo devedor) ou de omissão do depósito: incumprimento da obrigação e possibilidade de o exequente exigir, nos próprios autos da execução, a prestação, servindo de título executivo a declaração de reconhecimento do devedor, a notificação efetuada e a falta de declaração – artº 777º, nºs 1, al. a) e nº3 do CPC.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório;

Apelante: Banco ..., SA.(embargado);
Apelada: X – Estamparia e Acabamentos Têxteis, Lda, (embargante);
*****
Por apenso à ação executiva para pagamento de quantia certa em que é exequente Banco ..., SA., veio a executada X – Estamparia e Acabamentos Têxteis, Lda, deduzir embargos à execução, pedindo a extinção da execução.
Alegou, em síntese, que é parte ilegítima pois não figura no título dado à execução e que, relativamente à notificação, não existia obrigação por parte da embargante de fazer a penhora por não auferir o executado primitivo vencimento superior ao salário mínimo; que deu conta ao SE da impossibilidade de penhora, face aos valores auferidos.
Notificada, a exequente ofereceu contestação, alegando que a executada é parte legítima e que é devida pela mesma toda a quantia exequenda, por não ter a mesma observado as notificações que lhe foram dirigidas.

Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, sendo proferida sentença a julgar procedentes os embargos, determinando-se a extinção da execução quanto à embargante e a julgar improcedentes os pedidos de condenação de exequente e embargante como litigantes de má-fé.

Inconformada, a exequente interpôs recurso de apelação, em cujas alegações apresentou, em súmula, as seguintes conclusões:

a. O Banco ... S.A., na qualidade de instituição de crédito, celebrou um contrato de crédito com o Executado B. F..
b. Fruto do aludido incumprimento contratual o Banco ... S.A. instaurou a presente ação executiva contra o Executado.
c. Em 18/07/2013, o Exmo. Sr. Agente de Execução notificou a entidade patronal para proceder à penhora de vencimento do Executado.
d. A Entidade Patronal respondeu à notificação informando que o Executado auferia vencimento correspondente ao salário mínimo nacional.
e. Todavia, aquando do pagamento do subsídio de férias e de natal a Entidade Patronal manteve a ausência de qualquer penhora não obstante os montantes auferidos pelo Executado, nesses meses, ultrapassarem o salário mínimo nacional.
f. Em 04/04/2018 foi remetida à Entidade Patronal nova notificação reiterando que estavam sujeitos a penhora nos termos anteriormente descritos todos os abonos, vencimentos, salários, indemnizações, compensações ou outros rendimentos periódicos devidos ao Executado.
g. O Exmo. Sr. Agente de Execução advertiu, ainda, a Entidade Patronal para os efeitos do incumprimento da obrigação da penhora de créditos, nos termos do disposto no artigo 777º, nº 3 do C.P.C., transcrevendo, inclusivamente, o teor do artigo.
h. A notificação datada de 04/04/2018, bem como todas as notificações seguintes, foi enviada pelo Exmo. Sr. Agente de Execução para a morada da sede da Entidade Patronal, Rua …, …, Braga.
i. Não existiu, desde janeiro de 2017, qualquer mudança de sede da sociedade X-Estamparia e Acabamentos Têxteis, Lda..
j. Em 28/08/2018 e em 26/09/2018 o Exmo. Sr. Agente de Execução notificou, novamente, a entidade patronal para que juntasse aos autos os comprovativo dos depósitos efetuados correspondentes aos descontos em meses de pagamento de subsídios, advertindo-a, mais uma vez, para os efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 777º do C.P.C..
k. A Entidade Patronal não procedeu a qualquer desconto no vencimento do Executado em meses de pagamento de subsídios.
l. Em 04/01/2019 a execução foi revertida contra a sociedade X-Estamparia e Acabamentos Têxteis, Lda..
m. A Sociedade Recorrida fundamentou o seu requerimento de embargos de executado no facto de o montante correspondente aos subsídios de férias e de natal não ser, no seu entender, penhorável.
n. Nos embargos de executado a Sociedade Recorrida em momento algum refere não ter recebido qualquer notificação expedida pelo Exmo. Sr. Agente de Execução.
o. Todas as notificações foram juntas ao requerimento executivo pelo Recorrente pelo que se a Entidade Patronal desconhecesse o seu teor seria expectável que o referisse.
p. Todas as notificações foram enviadas para a morada da sede da Sociedade X-Estamparia e Acabamentos Têxteis, Lda., morada na qual a sociedade foi citada da reversão da execução.
q. A Mmª Juiz a quo entendeu que no caso em apresso o título executivo consubstancia a notificação dirigida à entidade empregadora para proceder à penhora dos subsídios e a certificação da falta de resposta da mesma, nos termos do artigo 777º, nº 3, do C.P.C..
r. A Mmª Juiz a quo considerou que não existe título executivo pois não foi provado que as notificações posteriores à notificação de 04/04/2018 foram recebidas pela Entidade Patronal.
s. Assim, considerou que ficou por demonstrar que as notificações de 28/08/2018 e de 26/09/2018, dirigidas à entidade empregadora, para proceder à penhora dos subsídios e notificação nos termos do artigo 777º, nº 3, do C.P.C., foram recebidas.
t. Todas as notificações foram enviadas para a morada da sede da sociedade X-Estamparia e Acabamentos Têxteis, Lda..
u. O efeito substancial que se pretendeu obter com as sobreditas notificações foi o de dar início à penhora dos subsídios auferidos pelo Executado B. F. bem como alertar a Entidade Patronal para os efeitos do incumprimento da obrigação da penhora de créditos.
v. A Recorrida nunca referiu não ter recebido as notificações enviadas pelo Exmo. Sr. Agente de Execução em 28/08/2018 e de 26/09/2018.
w. Fácil será de constatar que a Recorrida não procedeu à penhora de subsídios do Executado por considerar que os créditos em questão não são suscetíveis de penhora.
x. Se assim não fosse, aquando da citação, na qualidade de Executada, para a presente ação executiva, a Entidade Patronal teria procedido à transferência para o Exmo. Sr. Agente de Execução dos valores correspondentes aos subsídios de férias e de natal desde julho de 2013 até ao presente.
y. O que não se verificou.
z. O que significa que, pese embora se reitere a argumentação que precede, a ação executiva contra a Recorrida deve prosseguir os seus termos.

Pede que se revogue a sentença recorrida, prosseguindo a execução contra a recorrida.

Não houve contra-alegações.

II – Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar;

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, nos termos do artº 639º do Código de Processo Civil (doravante CPC).

As questões suscitadas pela recorrente podem sintetizar-se nos seguintes itens:

a) Exequibilidade do título;
b) Existência da obrigação exequenda;

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

III – Fundamentos;

1. De facto;

A factualidade considerara provada pela 1ª instância e com incidência na decisão recorrida é a seguinte:
Factos provados:
Do requerimento executivo:--
a) O exequente é uma instituição financeira que exerce a atividade bancária.
b) Em 28.02.2013, o exequente propôs ação executiva para pagamento de quantia certa contra o executado B. F..
c) A ação teve como título executivo uma livrança apresentada a pagamento e não paga sendo o pedido exequendo de € 10.872,45.
d) O SE apurou que que o executado B. F. tinha como entidade patronal a X ESTAMPARIA ACABAMENTOS TÊXTEIS, LDª.
e) Em 18.07.2013, procedeu o Exmº Sr. Agente de Execução à notificação da entidade patronal, com a indicação de referência multibanco para que a mesma efetuasse a transferência do montante mensal que viesse a ser penhorado, nos termos constantes do documento junto a fls. 61 (verso) e 62 da execução.--
f) No seguimento da notificação referida em e) a entidade empregadora do executado fez chegar ao agente de execução o recibo de vencimento junto a fls. 62 verso da execução.
g) No seguimento do referido em f) não foram efectuados quaisquer descontos.—
h) Em 04.04.2018, o SE remeteu à entidade empregadora a notificação constante do documento junto a fls. 64 dos autos de execução, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, notificação que foi recebida em 10/4/2018.--
i) A entidade patronal ofereceu resposta a essa notificação com a informação de que o funcionário auferia um vencimento de € 534,99, nos termos do documento junto a fls. 66, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
j) O SE remeteu à entidade empregadora as notificações constantes dos documentos junto a fls. 68, 69 e 70 dos autos de execução, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.--
Da petição de Embargos:--
k) O executado B. F. aufere actualmente e sempre auferiu como contrapartida da força do seu trabalho prestado à Embargante, enquanto entidade patronal do mesmo, o equivalente ao salário mínimo nacional incluindo o Subsidio de Férias e Natal, que também correspondem ao salário mínimo nacional, daí se deduzindo os impostos.
*
B) Factos não provados:---

Com relevância para a decisão a proferir, não se demonstrou que:---
Do requerimento executivo:--
1) A entidade patronal deu resposta à notificação a informar que nos meses em que auferisse os subsídios de férias e natal o vencimento passaria a ser suscetível de penhora.
2) O SE insistiu pelo cumprimento das notificações antecedentes com a advertência do disposto no artigo 777 do Cód. Proc. Civil.—
3) As notificações referidas em j) foram recebidas pela entidade empregadora do executado.
Da petição de Embargos:--
4) O embargado sabia antes de intentar a presente execução que os valores auferidos pelo executado são impenhoráveis.
*****

2. De direito;

a) Exequibilidade do título;
b) Existência da obrigação exequenda;

A recorrente impugna a decisão recorrida, invocando erro de direito.
Para o efeito, começa por esgrimir que o tribunal a quo deveria ter dado como assente o facto de a embargante, executada devedora, ter sido notificada da obrigação exequenda, no que concerne à penhora e respectivos descontos relativos aos rendimentos que ultrapassassem o salário mínimo nacional, a saber os subsídios de férias e de Natal.
Independentemente, de ser ou não exigível tal obrigação referente aos aludidos subsídios, não se aceita a argumentação da recorrente de que a executada tinha conhecimento dessa obrigação nos termos estabelecidos no artº 773º, nº 1, do CPC.

Em primeiro lugar, a recorrente não impugnou a matéria de facto, sendo que esta deve obedecer ao prescrito no artº 640.º do CPC, obrigando à especificação, sob pena de rejeição, dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados [al. a) do nº1], dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [al. b) do nº1] e da decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [al. c) do nº1].
A apelante nada alegou neste sentido.
Daí que se mantenha inalterada a matéria de facto provada e não provada – artº 663º, nº 2, do CPC - nomeadamente a factualidade não provada plasmada nos pontos «2) O SE insistiu pelo cumprimento das notificações antecedentes com a advertência do disposto no artigo 777 do Cód. Proc. Civil.
3) As notificações referidas em j) foram recebidas pela entidade empregadora do executado».

Posto isto, alega a recorrente, como fundamento do seu recurso, que todas as notificações foram enviadas para a morada da sede da sociedade X-Estamparia e Acabamentos Têxteis, Lda. e que a executada, aqui recorrida, nunca referiu não ter recebido as notificações enviadas pelo Exmo. Sr. Agente de Execução em 28/08/2018 e de 26/09/2018.
Porém, o que aqui está em causa é a constituição de título executivo contra a executada, entidade patronal do aludido B. F., por um lado, e relativamente à obrigação de descontos dos subsídios de férias e de Natal, por outro.
Neste particular - formação do título executivo - mostra-se relevante a notificação a que alude o artº 773.º, do CPC, o qual impõe as formalidades da citação pessoal e sujeitação ao regime desta, como emerge do seu nº1 (“A penhora de créditos consiste na notificação ao devedor, feita com as formalidades da citação pessoal e sujeita ao regime desta, de que o crédito fica à ordem do agente de execução”).
Ora, tal não ocorreu com as notificações efectuadas em 28/08/2018 e de 26/09/2018.
Com efeito, como bem salienta a sentença recorrida, no caso em apreço, “o título executivo apresentado consubstancia a notificação dirigida à entidade empregadora para proceder à penhora dos subsídios e a certificação da falta de resposta da mesma, nos termos do art. 777º, nº 3, do Cód. Proc. Civil”.

E como estipula o seu nº 2 :
Cumpre ao devedor declarar se o crédito existe, quais as garantias que o acompanham, em que data se vence e quaisquer outras circunstâncias que possam interessar à execução” (sublinhado nosso).
E os seus nºs 4 e 5:
“4 - Se o devedor nada disser, entende-se que ele reconhece a existência da obrigação, nos termos da indicação do crédito à penhora.
5 - Se faltar conscientemente à verdade, o devedor incorre na responsabilidade do litigante de má-fé” (sublinhado nosso).
Logo, a exigência das formalidades legais equivalentes à citação pessoal nessa notificação ao devedor deriva do facto de estar garantida indubitavelmente que este tomou conhecimento da comunicação feita e de que ficou devidamente informado e esclarecido do seu conteúdo, face às consequências nefastas advindas para o terceiro devedor, nomeadamente nos casos de falta de declaração (o que implica o reconhecimento do crédito pelo devedor) ou de omissão do depósito: incumprimento da obrigação e possibilidade de o exequente exigir, nos próprios autos da execução, a prestação, servindo de título executivo a declaração de reconhecimento do devedor, a notificação efetuada e a falta de declaração – artº 777º, nºs 1, al. a) e nº3.
Neste sentido, vide Acórdão do TRL de 06.07.2017, processo nº 78/08.9TBNRD-B.L1-6, acessível em www.dgsi.pt.
Em suma, in casu, no que respeita às notificações efectuadas em 28/08/2018 e de 26/09/2018, não se mostra assegurada a notificação com as formalidades da citação pessoal, como o impõe o apontado artº 773º, nº 1, do CPC.
E o formalismo dessa comunicação era tanto mais exigível quanto é certo que o seu conteúdo se debruçava sobre a natureza e conteúdo da obrigação desse tipo de descontos associados aos subsídios de férias e de Natal, ante a declaração do devedor de que o executado auferia salário equivalente ao dito salário mínimo nacional – discutindo-se, portanto, a sua impenhorabilidade ou não.
Assim, estamos perante um caso de inexistência e inexequibilidade de título executivo.

Pelas razões aduzidas, improcede, portanto, a apelação.

IV – Decisão:

Em face do exposto, acordam os Juizes da 1ª Secção Cível deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pelo apelante.
Guimarães, 24 de setembro de 2020

António Sobrinho
Ramos Lopes
Jorge Teixeira