Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3756/12.4TBGMR.G2
Relator: EUGÉNIA CUNHA
Descritores: LEGITIMIDADE PROCESSUAL
RESPONSABILIDADE CIVIL
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (elaborado pela relatora):

1- Ao apuramento da legitimidade processual - que se reporta à relação de interesse das partes com o objeto da ação - releva, apenas, a consideração do concreto pedido e da respetiva causa de pedir, independentemente da prova dos factos que integram a última e do mérito da causa. A legitimidade processual afere-se pela titularidade da relação material controvertida tal como é configurada pelo Autor, na petição inicial, e é nestes termos que tem que ser apreciada;

2- A ampliação do prazo prescricional, estatuída no n.º 3, do art. 498º, do Código Civil, depende da alegação e, posterior, prova pelos interessados nela (os Autores) de factos dos quais decorra que os ilícitos em que fundam o direito indemnizatório de que se arrogam preenchem os elementos objetivos e subjetivos de um tipo legal de crime em relação ao qual a lei penal preveja um prazo de prescrição superior a três anos. Verificando-se que os alegados factos (afirmados na petição inicial) são suscetíveis de, em abstrato, o constituir, o prazo prescricional é o alargado. De contrário o prazo prescricional será o especial, mais curto (de três anos), previsto no nº1 do referido artigo e, arguida, pelos Réus, a exceção perentória da prescrição, a mesma procederá, com a consequente absolvição daqueles do pedido (nº1 e 3, do art. 576º, do CPC).
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

MANUEL e mulher EMÍLIA propuseram ação popular cível, sob a forma ordinária, tendo, por decisão proferida a fls 576 e segs, transitada em julgado – cfr. Acórdão de fls 264 a 274, apenso C) –, sido ordenada a retificação da forma de processo para ação comum - contra:

1. IRMÃOS C., LDA,
2. FRANCISCO,
3. ANA,
4. ANTÓNIO,
5. F. D.,
6. HENRIQUE e mulher ROSA,
7. M. F.,
8. JOSÉ e esposa MARIA,
9. CONCEIÇÃO e marido CARLOS,
10. R. M. e marido FERNANDO,
11. PEDRO,
12. AUGUSTO e esposa PAULA,
13. ODETE e marido ARTUR,
14. DANIEL,
15. CAROLINA,
pedindo que:

a) Sejam os contratos celebrados entre os RR declarados nulos por vício de falta de forma, a escritura pública;
b) Sejam os RR obrigados a repor a situação que se encontrava antes da construção do poços e da sua utilização no prédio onde se encontram o registado com o n.º (...) na 2º Conservatória e inscrito na matriz rústica de S Torcato sob o artigo (...),
c) procedendo à retirada, onde se encontram, no prédio registado com o n.º (...) na 2º Conservatória e inscrito na matriz rústica de S Torcato sob o artigo (...), dos restos dos efluentes e detritos poluentes que nela se encontram bem como a retirar todas as argolas de cimento que ainda se encontram enterradas no solo, por forma a impedir a sua utilização para o mesmo fim que vinham a ser utilizadas;
d) Sejam os RR condenados a absterem-se da prática de quaisquer atos que correspondam à utilização dos poços referidos;
e) Sejam os RR condenados, solidariamente, a pagar aos AA uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos por estes e seus familiares, no montante de 90.980,00€ (noventa mil novecentos e oitenta euros), e a pagar 100,00€ por cada mês em que se encontrem sem possibilidade de utilização da água à razão de 100,00€/ mês ou caso não se consiga estabelecer o prazo que ainda durará a privação da água o tribunal estabeleça, por equidade, o valor de indemnização a pagar pelos RR aos Autores.

Alegam os Autores, como fundamento da ação e resumidamente, os danos sofridos, decorrentes da violação pelos Réus do seu direito de propriedade sobre águas de nascente existentes no seu prédio, por inquinação subterrânea, decorrente da abertura e utilização continuada de três fossas séticas no prédio contíguo ao seu, onde se depositaram os dejetos de diversos residentes, o que levou à contaminação dessa mesma água e que ela se tivesse tornado imprópria para consumo.

Responsabilizam os RR por tais danos invocando:

- quanto à primeira ré que construiu três fossas séticas no terreno dos 6ºs RR, com autorização destes, as quais serviram, desde 1996, para o lançamento das águas e dejetos dos proprietários e condóminos do prédio que a mesma ré viria a construir entre 1994 e 1996, em regime de propriedade horizontal, tendo posteriormente vendido as respetivas frações, e, ainda, que esta ré outorgou o contrato de permuta (nulo por falta de forma) com os 6ºs RR pelo qual estes a autorizaram àquela construção;
- quanto aos 2º a 5ºs RR invocam que estes construíram o prédio em regime de propriedade horizontal que a partir de 1996 passou a usar as fossas séticas para esgotos;
- quanto aos 6º e 15º RR., o 1º destes por ser o proprietário do prédio, que autorizou em 1993 e em 1994 a construção das fossas séticas e o seu uso pelos proprietários do prédio construído, e a 15ª ré, por ter sido proprietária posteriormente e por efeito de partilha extrajudicial (e embora os AA não especifiquem a data em que atribuem o domínio da propriedade a esta Ré fazem-no reportar à partilha extrajudicial junta por documento referente ao prédio (...) matriz-(...) cuja compra pelo antecessor desta Ré – A. V. - aos 6º RR data de 4.01.996 - escritura de fls 364 a qual registada a 23.07.2008 – fls 111 sendo a partilha extrajudicial a favor desta ré registada em 25.05.2009 - fls 112.
- quanto aos 7º a 14º RR por terem outorgado a promessa de permuta mediante a qual os 6º RR autorizaram a construção das fossas.
Invocam a nulidade dos referidos contratos por falta de forma, e que sofreram prejuízos patrimoniais com a aquisição de água desde 1996, à razão de 100,00 euros mensais, e danos não patrimoniais, que eles e os seus familiares sofreram, estimados em 10.000,00 por cada um, num total de 70.000,00 euros, fundando a ação na nulidade de negócio e em responsabilidade civil extracontratual.

Mais invocam que o saneamento público foi instalado até final de 2010 tendo os AA procedido à ligação a este na Páscoa de 2011 e que os 6ºs RR procederam ao aterro das fossas deixando lá detritos e dejetos.
Os RR, para além de terem impugnado parte dos factos articulados, defenderam-se por exceção, ao invocarem, desde logo, a ineptidão da petição inicial, a ilegitimidade ativa e passiva e a prescrição do direito à indemnização.
Os Autores responderam à matéria de exceção pugnando pela improcedência das mesmas, sustentando serem as partes dotadas de legitimidade e não existir a prescrição, pois que os danos alegados são provenientes de factos criminosos continuados, praticados pelos Réus, punidos com penas que podem ir até aos 8 anos de prisão, nos termos conjugados dos artigos 279.º e 280.º do Código Penal em vigor à data dos factos, por isso, com prazos de prescrição de 10 (ou 15) anos, conforme art.º 118.º do Código Penal.
*
Após transito em julgado da decisão proferida em audiência prévia, a fls 578 e segs, que determinou que a ação siga a forma de processo comum (para prolação de despacho saneador e de fixação do objeto do litígio e dos temas da prova - v. fls 585), foi proferida decisão a julgar inepta a petição inicial (artigo 186º nºs 1 e 2, al. a) do Código de Processo Civil) e a declarar a nulidade de todo o processo, com a consequente absolvição dos RR da instância (artigos 576º, nº 2 e 577º, al. b) do Código de Processo Civil), considerando, sem prejuízo disso, extinta a instância, por inutilidade superveniente a lide, quanto ao pedido formulado sob a alínea d) do mesmo articulado e, tendo os Autores dela apresentado recurso, foi o mesmo julgado procedente e revogada a decisão recorrida.
*
No prosseguimento da ação, foi proferido despacho que apreciou a exceção dilatória da ilegitimidade e a exceção da prescrição nos seguintes termos:

“MANUEL E EMÍLIA, ambos residentes em Guimarães, intentaram a presente ação que, prossegue termos do disposto dos artigos 10º nº 2 e 3 c) e 548º do Código de Processo Civil mercê do despacho de fls 576 que transitou em julgado, contra, os Réus:

1.IRMÃOS C., LDA, com sede em Guimarães
2. FRANCISCO;
3. ANA,
4. ANTÓNIO,
5. F. D.,
todos construtores civis e residentes em Guimarães,
6. HENRIQUE e mulher ROSA,
7. M. F., (falecida na pendencia da causa que prossegue com os habilitados herdeiros em sua representação)
8. JOSÉ e esposa MARIA,
9. CONCEIÇÃO e marido CARLOS, (falecido na pendencia da causa que prossegue com os habilitados herdeiros em sua representação)
10. R. M., e marido FERNANDO,
11. PEDRO,
12. AUGUSTO, e esposa PAULA,
13. ODETE e marido ARTUR,
14. DANIEL ,
15. CAROLINA, todos residentes em Guimarães;

Tendo formulados os seguintes pedidos:

a) Serem os contratos celebrados entre os RR declarados nulos por vício de falta de forma a escritura pública;
b) Os RR devem ser obrigados a repor a situação que se encontrava antes da construção do poços e da sua utilização no prédio onde se encontram o registado com o n.º (...) na 2º Conservatória e inscrito na matriz rústica de S Torcato sob o artigo (...);
c) Procedendo à retirada, onde se encontram, no prédio registado com o n.º (...) na 2º Conservatória e inscrito na matriz rústica de S Torcato sob o artigo (...), dos restos dos efluentes e detritos poluentes que nela se encontram bem como a retirar todas as argolas de cimento que ainda se encontram enterradas no solo por forma a impedir a sua utilização para o mesmo fim que vinham a ser utilizadas.
d) Absterem-se da prática de quaisquer atos que correspondam à utilização dos poços referidos;
e) Serem condenados a pagar solidariamente uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais aos AA e familiares do montante de 90.980,00€ (noventa mil novecentos e oitenta euros) e a pagar 100,00€ aos Autores por cada mês que se encontrem sem possibilidade de utilização da água à razão d e 100,00€ mês ou caso não se consiga estabelecer o prazo que ainda durará a privação da água o tribunal estabeleça por equidade o valor de indemnização a pagar pelos RR aos Autores.

Ora, os AA enunciam danos decorrentes da violação do seu direito de propriedade sobre águas de nascente existentes no seu prédio, por inquinação subterrânea decorrente da abertura e utilização continuada de três fossas séticas no prédio contíguo ao seu, onde se depositaram os dejectos de diversos residentes o que levou a que a mesma água se tivesse tornado imprópria para consumo.

Responsabilizam os RR por tais danos invocando quanto:

Aos 1º a 5º RR - que alegadamente construíram três fossas séticas no terreno dos 6ºs RR com autorização destes as quais serviram desde 1996 para o lançamento das águas e dejetos dos proprietários e condóminos do prédio que a mesma ré viriam a construir entre 1994 e 1996 em regime de propriedade horizontal tendo posteriormente vendido as respetivas frações.
Ainda que esta ré outorgou o contrato de permuta (nulo por falta de forma) com os 6ºs RR pelo qual estes a autorizaram àquela construção
Quanto os 1º a 5ºs RR construíram o prédio em regime de propriedade horizontal que a partir de 1996 passou a usar as fossas séticas para esgotos
Os 6ºs 15º RR são demandados o 1º por ser o proprietário do prédio que autorizou em 1993 e em 1996 a construção das fossas séticas e o seu uso pelos proprietários do prédio construído e quem procedeu ao aterro das fossas deixando nestas dejectos e detritos que continuaram a contaminar a água dos AUTORES a 15ª ré por ter sido posteriormente e por efeito de partilha extrajudicial ( e embora os AA não especifiquem a data em que atribuem o domínio da propriedade a esta Ré fazem-no reportar à partilha extrajudicial junta por documento referente ao prédio (...) matriz-(...) cuja compra pelo antecessor desta Ré – A. V.- aos 6º RR data de 4.01.996 -escritura de fls 364 a qual registada a 23.07.2008 – fls 111 sendo a partilha extrajudicial a favor desta ré registada em 25.05.2009- fls 112.

Os AA convocam a seu favor o direito emergente da norma do artigo 1347º do CC e (isentando este proprietário intermédio na pessoa dos seus habilitados herdeiros de responsabilidade que atribui aos 6º e 15ª)
Os 7º a 14º RR por terem outorgado a promessa de permuta mediante a qual os 6º RR autorizaram a construção das fossas.
Sustentam a nulidade dos contratos de permuta por falta de forma

Mais invocam que o saneamento publico foi instalado ate final de 2010 tendo os AA procedido à ligação a este na Páscoa de 2011 e que os 6ºs RR procederam ao aterro das fossas deixando lá detritos e dejetos.
Que sofreram prejuízos patrimoniais com a aquisição de água desde 1996 à razão de 100,00 euros mensais e danos não patrimoniais eles e os seus familiares estimados em 10.000,00 por cada um num total de 70.000,00 euros.
A ação é pois de responsabilidade extracontratual e de nulidade de negócio.
A ação que foi intentada como ação popular por decisão já transitada prossegue como ação comum.
A seu tempo foi proferido saneador sentença que absolveu os RR da instância por ineptidão da petição inicial.
Esta, decisão foi revogada por Acórdão do TRG que transitou.
Prosseguem os autos, pois.
Todos os RR contestantes invocaram diversas exceções quanto à petição, desde a sua ineptidão até à ilegitimidade ativa e passiva e prescrição do direito à indemnização para além de terem impugnado parte dos factos articulados pelo que se conhece desde já da exceção de ilegitimidade ativa e passiva conforme artº 592º do cpc

I-
No que ao primeiro pedido respeita, consistente “ Serem os contratos celebrados entre os RR declarados nulos por vício de falta de forma a escritura pública
Os AA invocam dois contratos de permuta de terrenos com autorização para abertura das ditas fossas séticas um primeiro alegadamente celebrado entre os 7º 14º RR e os 6ºs RR e um segundo alegadamente celebrado como aditamento a este, entre a 1ª ré e os mesmos 6º RR, contratos estes que terão consubstanciado o acordo que esteve na base da abertura das fossas séticas dos autos.
Sustentam os AA que estes contratos são nulos por falta de forma legal.

Vejamos:

Os AA juntam aos autos dois documentos tituladores dos alegados contratos promessa celebrados entre os RR e com o objecto que enunciam na petição e consta dos referidos documentos aqui dados por reproduzidos fls 67 a 72 e 73 e 74, documentos estes datados de 1993 e 1996.

Os AA não tiveram qualquer intervenção nos invocados contratos.

Se é certo que a nulidade do negócio jurídico é um vício que pode ser conhecido oficiosamente pelo tribunal e invocável a todo o tempo por qualquer interessado (artigo 286º cc) não é menos certo que neste caso, a existir o apontado vício, apenas poderia o mesmo ser objecto de declaração judicial, já que os respetivos efeitos sempre seriam dependência de pedido expresso das partes outorgantes (neste sentido cc anotado Abílio Neto 16ª ed nota 5 ao artigo 286º).

Por outro lado, interessados, para efeitos deste dispositivo legal, são os titulares de relação jurídica que de algum modo possa ser afetado pelos efeitos que o negócio tendia a produzir. Afetado na sua consistência jurídica ou mesmo só na sua consistência prática”
Sendo certo e, sem prejuízo, de ter sido junto documento particular de contrato promessa em que se não vislumbra a reclamada falta de forma (cfra artº 410º nº 2 do cc), também não se vislumbra qual o interesse dos AA atendível naquela pretensão dirigida a este tribunal uma vez que a nulidade formal destes negócios não se destina a proteger qualquer direito a que se possam arrogar mas sim os direitos dos próprios contratantes.

Acresce que, como se refere na RLJ 103º-447 nota 2 ao artº 220º cc anot Abílio Neto ed 16ª “pode admitir-se que, quando o cumprimento do negócio formalmente nulo satisfazer as razões de forma, ele sana o vício formal, visto ficarem preenchidos os fins da forma prescrita na lei. Assim se a forma é exigida apenas para a defesa do declarante ou dos declarantes contra a sua precipitação e para segurança acerca da vontade de se obrigar, o vício do negócio considerar-se-ia sanado mediante o cumprimento com reconhecimento da nulidade”

Não sendo os AA parte do negócio e não tendo sido invocado o incumprimento é manifesto que o vício apontado ao mesmo não pode ser arguido por estes, que para tanto e por essa razão carecem de legitimidade (vde quanto a situação idêntica STJ 11-11994 BMJ 415-195, in nota 14 ao artº 286, cc anot abilio neto 16ª ed).

Todavia e mais que isso inexiste o apontado vicio uma vez que a promessa de permuta de imóveis é válida por escrito particular como resulta do disposto no artº 410º nº2 do CC.

Donde que na senda do acórdão do STJ citado se declara os AA parte ilegítima para formularem este pedido contra os RÉUS
Em todo o caso e mesmo que assim não fosse sempre seria esta pretensão improcedente uma vez que os acordos contratuais em causa observam a forma legal prescrita.

II
Formulam ainda os AA pedido de condenação dos RR a “ Absterem-se da prática de quaisquer atos que correspondam à utilização dos poços referidos” alinea d)
São os próprios AA que invocam que os 6ºs RR aterraram os poços – artigo 90º da petição e que o saneamento básico cuja ausência e construção de imóvel levada a cabo então, constituiu a causa da prática pelos RR foi instalado até ao inicio do ano de 2011- artigo 31º e 32º da petição.
Ora a sentença constitui um ato juridico que se destina a por termo a um conflito de interesses e dar certeza e segurança a um direito.”

«Por sua vez, o interesse em agir consiste em o direito do demandante estar carecido de tutela judicial, representando o interesse em utilizar a ação judicial e em recorrer ao processo respetivo, para se ver satisfeito o interesse substancial lesado pelo comportamento da parte contrária. Consiste – cfra Ac do STJ, de 6/2/986, in BMJ nº354, págs.447 -- em o direito do demandante estar carecido de tutela judicial, na real precisão de utilizar a arma judicial, sem o que a atividade jurisdicional seria exercitada em vão, constituindo um pressuposto processual. E, tendo em conta o caráter processual, o interesse em agir -- interesse processual -- traduz-se na necessidade de o A utilizar o processo por a sua situação de carência necessitar da intervenção dos tribunais (Cr. A. Varela, em Manual de Processo Civil, 2ª ed.,págs.179).

Mas, aquela necessidade de se socorrer das vias judiciais não deve ser considerada como a única ou a última via aberta para a realização da pretensão formulada. Mas, também não bastará uma necessidade de satisfação de um mero capricho ou de um puro interesse subjectivo de obter uma decisão judicial. O que se exige é que, por força dele, exista uma necessidade justificada, razoável fundada de lançar mão do processo (ob e Autor citado,págs.183). nas palavras do Ac do STJ de 20.10.99 in dgsi JSTJ00038856 “ O interesse em agir consiste em o direito do demandante estar carecido de tutela judicial, representando o interesse em utilizar a ação judicial e em recorrer ao processo respetivo, para ver satisfeito o interesse substancial lesado pelo comportamento da parte contrária.

Tendo os RR aterrado os poços como os AA reconhecem, e tendo sido instalada a rede de saneamento publico a tutela requerida neste pedido torna-se injustificada o que conduz à falta de interesse em agir, o que leva à ilegitimidade ativa quanto ao mesmo –artigo 30º nº 1 e 2 do cpc.
Vão pois todos os RR absolvidos da instância quanto aos pedidos formulados nas alíneas a) e d) da petição atenta a declarada ilegitimidade ativa e tudo conforme o disposto nos artigos conjugados 30º, 577º e) e 576º do Código de Processo Civil

III-
Da ilegitimidade ativa dos AA para formularem pedidos de ressarcimento dos danos sofridos pelos familiares:

Formulam ainda os AA pedidos de “condenação solidária de todos os RR a pagar-lhes uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais aos AA e familiares do montante de 90.980,00€ (noventa mil novecentos e oitenta euros) e a pagar 100,00€ aos Autores por cada mês que se encontrem sem possibilidade de utilização da água à razão de 100,00€ mês ou caso não se consiga estabelecer o prazo que ainda durará a privação da água o tribunal estabeleça por equidade o valor de indemnização a pagar pelos RR aos Autores”.

Os AA formulam pedido de condenação solidaria dos RR, a si, por danos patrimoniais; e pedido de condenação solidaria dos RR por danos não patrimoniais a si e aos familiares que identificam.

Ora os AA tendo intentaram um ação declarativa de condenação cujo fundamento não pode deixar de ser a violação de um direito que lhes pertence, e de que são titulares radicada por isso no disposto nos artigos 1347º e 483º do CC, pressuposto da condenação cfr. artigo 10º nº 2 e 3 b) e 5º do mesmo diploma legal, deste direito está excluído obviamente quaisquer outros direitos que não lhes pertençam como os que alegadamente decorrem dos danos não patrimoniais sofridos pelos seus familiares de que os AA não tem qualquer poder de representação neste processo.

Donde a ilegitimidade dos AA para formularem pedidos em nome daqueles familiares, o que também se declara prosseguindo apenas para apuramento do direito quanto aos AA reclamado de 10.000, 00 euros para cada A., valor global de 20.000,00 euros
Todos os RR invocam a sua ilegitimidade passiva.
Todavia e em face da petição inicial entende-se que na ação tal como é configurada pelos AA os RR são parte legitimas

IV
Da exceção de prescrição:
a- quanto aos 7º a 14º RR:

A responsabilidade imputada a este RR situa-se no facto de terem – como primeiros outorgantes - celebrado em 1993 um contrato promessa de permuta com os 6º RR, estes segundos outorgantes tendo ficado clausulado que:

«os primeiros outorgantes poderão abrir três fossas fossas séticas ou sumidouras no prédio deles segundos outorgantes com as medidas de largura de 2x2metros e profundidade julgada necessária e para elas conduzir subterraneamente as referidas águas do edifício que vai ser construído no prédio deles primeiros outorgantes…»

Como questão prévia refere-se que a esta conduta não é aplicável o dl 147/2008 (a que os AA fizeram alusão na petição ) uma vez que o artigo 35º do mesmo diploma estabelece a sua aplicabilidade apenas para futuro.

Posto isto, a intervenção destes RR está limitada no tempo ao ano de 1993 e a este contrato, tendo os AA tomado conhecimento dos factos invocados logo pelo menos no ano de 1996.

Esta ação é de responsabilidade civil extracontratual – art 483º e 1347º cc pelo que os prazos de prescrição são os que decorrem do disposto no art 498º do cc, iniciando-se no dia em que os AA tiveram conhecimento do seu direito independentemente da fixação dos danos

A prescrição é o instituto por virtude do qual a parte contrária se pode opor ao exercício de um direito, quando este não seja exercitado durante o prazo fixado na lei (cfr. Almeida Costa in “Direito das Obrigações”, pág. 789).

O fundamento específico deste instituto pode ser a recusa de proteção a um comportamento contrário ao direito, a negligência do titular ou ainda a necessidade de obviar, em face do decurso do tempo, à dificuldade de prova por parte do sujeito passivo da relação jurídica.

O prazo de prescrição destina-se a servir a segurança e certeza da ordem jurídica, pondo termo a situações contrárias ao direito e à prejudicial ou perturbante dilação do seu exercício (cfr. Aníbal de Castro. In: A caducidade, 1984, págs. 29-30).

O artigo 298º, nº 1, do Código Civil, dispõe que: “Estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo previsto na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição”.
A regra é, assim, que todos os direitos disponíveis estão sujeitos a prescrição.

Por outro lado, preceitua o artigo 498º do Código Civil que o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa responsável e da extensão integral dos danos. A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente e se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias (cfr. artigo 323º, nºs 1 e 2, do CC).

Não houve qualquer facto interruptivo da prescrição quanto a tais RR pelo que, tendo tido o prazo respetivo inicio em 1996 há muito que tal prazo se tinha completado à data da propositura desta ação em 13.10.2012.

A procedência desta exceção conduz à abolvição destes RR do pedido contra eles formulado artigos 576º do cpc.
Vão consequentemente os 7º a 14º RR absolvidos dos pedidos desta ação.
Custas pelos AA

Da prescrição parcial dos pedidos de indemnização formulados pelos AA:

Os AA formulam pedido de condenação dos RR no pagamento de indemnização “ correspondente a 100,00 euros mensais desde janeiro de 1998 até que a água do poço fique potável” tendo liquidado o valor global de 17.800,00 euros à data da pi montante que veio a integrar o pedido final vde art 102º da pi e bem assim pediram o ressarcimento de 20,00 euros mensais desde 1998 até abril de 2011 referentes a despesas com a aquisição de água potável valor este que liquidaram em 3180,00 euros e veio a integrar o pedido final.. vde art 103 da pi.
são para aqui válidos mutatis mutandis os fundamentos da prescrição invocados supra, ao que acresce que tratando-se aqui de facto continuado a cada facto corresponde um prazo prescricional.

Assim o prazo prescricional relativo aos montantes indemnizatórios correspondentes aos períodos de janeiro de 1998 a setembro de 2009,completou-se antes da propositura desta ação que é de outubro de 2012 sem qualquer interrupção apenas se devendo considerar não prescritos os montantes reclamados a partir desta data atenta a interrupção do prazo em curso que resulta da aplicação do artº 325º do cc

Ascendem estes valores ao montante de 100,00 euros x 139 meses = 13.900,00 euros + 20,00 euros x 139 meses = a 2780 euros, no valor global de 16.680,00 euros.
Declara-se consequentemente prescrito o direito dos AA a tais montantes que de que nestes termos vão os RR absolvidos, nesta parte.
custas pelos AA
prosseguem os autos quanto ao mais. …”.
*
Dela se apresentaram os Autores a recorrer, solicitando a alteração da decisão das supra referidas exceções, formulando, para tanto, as seguintes conclusões:

A) os autores têm legitimidade em pedir, uma vez que foram afetados quer na suas consequência jurídicas e de que maneira nas suas consequência práticas, veja-se as consequências na qualidade das águas que consumiam, pelo que ao ter decidido que não há causa de pedir neste caso e ilegitimidade, o tribunal a quo violou o previsto no art.º 410.º do CC, ao tê-lo invocado e o previsto nos art.º 286.º e 875 do CC ao não o ter aplicado, devendo a sentença nesta parte ser revogada e substituída por uma decisão em que se considere haver causa de pedir e legitimidade para os autores pedirem a nulidade dos contratos definitivos e concretizados de facto, conforme alegado.
B) O tribunal não podia declarar Tendo os RR aterrado os poços como os AA reconhecem, e tendo sido instalada a rede de saneamento público a tutela requerida neste pedido torna-se injustificada o que conduz à falta de interesse em agir, o que leva à ilegitimidade ativa quanto ao mesmo –artigo 30º nº 1 e 2 do CPC. Vão pois todos os RR absolvidos da instância quanto aos pedidos formulados nas alíneas a) e d) da petição atenta a declarada ilegitimidade ativa e tudo conforme o disposto nos artigos conjugados 30º, 577º e) e 576º do Código de Processo Civil, devendo a sentença nesta parte ser revogada e substituída por uma decisão em que se considere haver legitimidade ativa dos autores para estes pedidos, conforme alegado.
C) O Tribunal a quo ao ter decido que “Donde a ilegitimidade dos AA para formularem pedidos em nome daqueles familiares, o que também se declara prosseguindo apenas para apuramento do direito quanto aos AA reclamado de 10.000, 00 euros para cada A., valor global de 20.000,00 euros, errou e violou artigos 1347º e 483º do CC, pressuposto da condenação cfr. artigo 10º nº 2 e 3 b) e 5º do mesmo diploma legal e as normas legais relativas à capacidade judiciária dos menores e a da representação de seus pais, pelo que, pelo menos relativamente a esta deve ser considerado haver legitimidade ativa e revogada a decisão dada nesse sentido e dada outra no sentido que aqui se alega.
D) Relativamente à prescrição, primeiro, os danos são provenientes de factos criminosos pelo que a prescrição não é contada por via da norma do art.º 498.º, n.º 1, do Código Penal, como os factos criminosos são punidos com penas que podem ir até aos 8 anos de prisão, nos termos conjugados dos artigos 279.º e 280.º do Código Penal em vigor à data dos factos, por isso, com prazos de prescrição até 10 ou 15 anos, conforme art.º 118.º do Código Penal, não se verifica a prescrição declarada.
Ao decidir assim o tribunal a quo artigo 498º do Código Civil os artigos 118.º, 279.º e 280.º do Código Penal em vigor à data dos factos, por isso, com prazos de prescrição até 10 ou 15 anos, conforme art.º 118.º do Código Penal pelo que tem se ser declarado não haver prescrição.
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Não foram apresentadas contra alegações.
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Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
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II. FUNDAMENTAÇÃO

- OBJETO DO RECURSO

Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.

Assim, as questões a decidir são as seguintes:

– Da improcedência da exceção dilatória da ilegitimidade ativa;
2ª - Da improcedência da exceção da prescrição.
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II. 1 - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos provados, com relevância, para a decisão constam já do relatório que antecede.
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II. 2 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

1ª – Da improcedência da exceção dilatória da ilegitimidade ativa

Concluem os Autores terem legitimidade:

1- para a peticionada declaração de nulidade dos contratos, definitivos, de permuta, pois que foram afetados pelas consequências dos mesmos, desde logo, na qualidade das águas que consumiam, pelo que ao ter decidido pela falta de legitimidade ativa, o tribunal a quo violou os artigos 410.º, 286.º e 875º, todos do Código Civil;
2- para o pedido que formulam em d), não sendo correto declarar que Tendo os RR aterrado os poços como os AA reconhecem, e tendo sido instalada a rede de saneamento publico a tutela requerida neste pedido torna-se injustificada o que conduz à falta de interesse em agir, o que leva à ilegitimidade ativa quanto ao mesmo – artigo 30º nº 1 e 2 do cpc;
3- para o pedido que formulam em e), tendo o Tribunal a quo errado e violado os artigos 1347º e 483º, pressuposto da condenação, e as normas legais relativas à capacidade judiciária dos menores e à da representação de seus pais, ao decidir Donde a ilegitimidade dos AA para formularem pedidos em nome daqueles familiares, o que também se declara prosseguindo apenas para apuramento do direito quanto aos AA reclamado de 10.000, 00 euros para cada A., valor global de 20.000,00 euros, pelo que, também, pelo menos relativamente à filha menor, deve ser considerado haver legitimidade ativa e revogada a decisão.

Cumpre, pois, apreciar se os Autores são dotados de legitimidade para pedir:

1 - a declaração de nulidade dos contratos (definitivos), por falta de escritura pública – pedido formulado sob a al. a);
2 - a condenação dos Réus a absterem-se da prática de atos que correspondam à utilização dos poços referidos – pedido formulado sob a al. d);
3 - a condenação (solidária) dos Réus a pagar-lhes uma indemnização por danos que provocaram a familiares seus – parte do pedido formulado sob a al. e).
A legitimidade processual constitui um pressuposto processual, de cuja verificação depende a possibilidade de o juiz conhecer do mérito da ação. A sua falta dá lugar à absolvição da instância.

Como se refere no Acórdão do STJ de 14/10/2004, processo 04B2212, in dgsi.net, relatado pelo saudoso Senhor Juiz Conselheiro Araújo de Barros (sendo os preceitos referidos de anterior redação do CPC) “A legitimidade processual, pressuposto de cuja verificação depende o conhecimento do mérito da causa (art. 288º, nº 1, al. d), do C.Proc.Civil) - que se não confunde com a denominada legitimidade substantiva, requisito da procedência do pedido - afere-se pelo interesse directo do autor em demandar e pelo interesse directo do réu em contradizer (art. 26º, nº 1, do mesmo diploma).

Sendo certo que, na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor (nº 3 do citado art. 26º).

Assim, "ao apuramento da legitimidade interessa apenas a consideração do pedido e da causa de pedir, independentemente da prova dos factos que integram a última". (1).

Na verdade, "a relação controvertida, tal como a apresenta o autor e forma o conteúdo jurídico da pretensão deste é que é - em orientação jurídica - o objecto do processo, em face do qual (e, por isso, quase sempre determinável por simples exame da petição inicial) se aferem a legitimidade e os outros pressupostos que desse objecto dependam". Concluindo, "a parte é legítima quando, admitindo-se que existe a relação material controvertida, ela for efectivamente seu titular". (2).(…) Será, desta forma, apenas pelo exame da petição inicial (sujeitos, pedido e causa de pedir) que há-de decidir-se das excepções dilatórias em causa - ilegitimidade activa e ilegitimidade passiva. (…) Ora, como já acima referimos, a legitimidade constitui um pressuposto processual de cuja verificação depende que o tribunal conheça do mérito da causa, e profira, acerca dos pedidos deduzidos, uma decisão de fundo.

"Não se verificando algum desses requisitos, como a legitimidade das partes (") o juiz terá, em princípio, que abster-se de apreciar a procedência ou improcedência do pedido, por falta de um pressuposto processual para o efeito". (3)(4).
Também no Acórdão da Relação de Lisboa de 19/2/2015, processo 143148/13.OYIPRT.L1-2, se decidiu constituir “a legitimidade processual, … um pressuposto processual relativo às partes, que se afere, na falta de indicação da lei em contrário, face à relação material controvertida tal como configurada pelo A., e cuja falta, determina a verificação da correspondente exceção dilatória, dando lugar à absolvição do Réu da instância, cfr. artigos 576º, n.º 2 e 577º, alínea e), ambos do Código de Processo Civil”.

Numa interessante abordagem, julgou o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 02-06-2015, (5) que “É a legitimidade processual aferida pela relação das partes com o objecto da acção, consubstanciada na afirmação do interesse daquelas nesta, podendo acontecer situações em que a esses titulares não seja reconhecida a legitimidade processual, ao passo que, quanto a certos sujeitos, que não são titulares do objecto do processo, pode vir a ser reconhecida essa legitimidade.

Assim, a mera afirmação pelo autor de que ele próprio é o titular do objeto do processo não apresenta relevância definitiva para a aferição da sua legitimidade, que, aliás, não depende da titularidade, ativa ou passiva, da relação jurídica em litígio, sendo manifesta a existência de legitimidade processual nas acções que terminam com a improcedência do pedido fundada no reconhecimento de que ao autor falta legitimidade substantiva, pelo que, só em caso de procedência da acção, passa a existir fundamento material para sustentar, «a posteriori», quer a legitimidade processual, quer a legitimidade material, e ainda que, sempre que o Tribunal reconhece a inexistência do objeto da acção ou a sua não titularidade, por qualquer das partes, essa decisão de improcedência consome a apreciação da ilegitimidade da parte, pelo que, de uma forma algo redutora, as partes são consideradas dotadas de legitimidade processual até que se analise e aprecie a sua legitimidade substantiva.” (6).
A legitimidade processual afere-se pela titularidade da relação material controvertida tal como é configurada pelo Autor na petição inicial e é nestes termos que tem que ser apreciada.

Na verdade, a legitimidade, enquanto pressuposto processual, vê o seu conteúdo definido no art. 30º, do Código de Processo Civil, sendo deste diploma todos os preceitos citados sem outra referência, o qual estabelece, no seu nº 1, que o autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer, sendo que o interesse direto de que deriva a legitimidade, segundo o nº 2, daquele preceito, consiste em as partes serem os sujeitos da relação jurídica material submetida à apreciação do tribunal.

Com efeito, estabelece este preceito que o interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação; o interesse em contradizer, pelo prejuízo que dessa procedência advenha. O Autor é parte legítima se da procedência da ação advier, para si, utilidade. O Réu é parte legítima se da procedência da ação advier, para si, prejuízo.
E o nº 3, de tal preceito, estabelece, como regra supletiva, que na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para efeitos da legitimidade os sujeitos da relação material controvertida, tal como configurada pelo autor.
A legitimidade refere-se à relação jurídica objeto do pleito e determina-se pela averiguação dos fundamentos da ação. A determinação da legitimidade afere-se pelo pedido formulado e pela causa de pedir (objeto do litígio).

Independentemente da decisão de mérito, fundando-se o pedido dos Autores em responsabilidade civil pelos danos por si sofridos, invocando violação de um seu direito, os sujeitos da relação material controvertida, tal como a mesma é configurada pelos autores, são os por eles mesmos indicados. Tal não ocorre, contudo, como resulta evidente, relativamente ao pedido que formulam referente a indemnização, para si, por danos causados a terceiros, seus familiares.
Perante a relação material controvertida, tal como configurada pelos próprios Autores, na petição inicial, os Autores são dotados de legitimidade ativa para os pedidos formulados sob as alíneas a) e d).

Na verdade, relativamente ao atinente ao ponto 1, supra referido, sustentam os apelantes, no corpo das alegações, que o tribunal a quo não atentou em que, embora fossem juntos documentos referentes a contrato promessa, os contratos definitivos subjacentes que exigiam a forma de escritura pública foram concretizados de facto como foi alegado, até porque todas as suas partes se encontram implementadas no terreno, e o que se pede que seja declarado nulo, por falta de forma, são os negócios que se consubstanciam nas permutas, nas autorizações de colocar as fossas e de deixar passar os efluentes destas e tudo o resto que se encontra implementado no local que resultou no prejuízo direto que os autores reclamam para si. São esses negócios, no âmbito de um crime ambiental (não se pode deixar de contextualizar os factos desta forma, até pela forma de ação que foi inicialmente intentada) que se pretende ver declarados nulos por falta de forma. Senão quaisquer partes de negócios podiam celebrar todo o tipo de negócio com cláusulas que prejudicassem diretamente um seu vizinho e esse vizinho, prejudicado, não teria interesse em ver anulados ou declarados nulos esse negócios, então onde ficam os interesses públicos de cumprimento da lei e do cumprimento da forma dos negócios.

Efetivamente, os contratos que os Autores afirmam nulos, por violação da forma exigível, à data, para a celebração de “contratos sobre direitos reais” - a escritura pública - são os definitivos (cfr. artigos 107-108, da petição inicial), são as permutas, não sendo legítimo considerar que os Autores formularam o pedido com referência, tão só, aos contratos promessa.

Como bem referem os apelantes, a exigência de forma nos negócios (no caso escritura pública - cfr. art. 875º, do Código Civil, diploma a que pertencem os preceitos legais citados sem outra referência) não visa apenas os interesses dos contraentes mas sim os de qualquer interessado (cfr. art. 286º, do CPC).

Como não foi pedida a declaração de nulidade dos contratos promessa, mas sim dos definitivos, que aliás, se alega terem sido cumpridos na prática, não é, na verdade, o art.º 410.º, referente a promessa, que se aplica neste caso mas sim o previsto no art.º 875º, do CC uma vez que se trata de permuta de imóveis e de servidão sobre imóveis.

Têm os autores legitimidade para pedir a declaração de nulidade dos contratos definitivos, uma vez que, alegadamente, foram afetados por eles, atentas as consequências na qualidade das águas que consumiam.

Relativamente ao ponto 2, sustentam os apelantes que o tribunal a quo entendeu que pelo facto de os poços terem sido aterrados os danos desaparecem, mas que assim não se verificou (citando o caso, com as devidas distâncias, dos reatores nucleares de Chernobyl que também foram “aterrados” e os danos ambientais ainda subsistem). E, na verdade, a colocação de terra por cima dos detritos humanos não implica que eles não continuem a poluir os solos e as águas freáticas, designadamente as que vão dar aos poços dos autores, pois que as infiltrações se fazem por baixo da terra que foi colocada em cima dos detritos. O facto de os poços - não limpos dos detritos e as argolas de betão que lá ficaram – terem sido aterrados, consubstancia alegação de novo ato de utilização dos mesmos e do inquinar das águas freáticas e do subsolo e, em consequência, das águas do poço dos autores.

Como referem os Autores, face ao alegado e referido, não ocorre ilegitimidade ativa, não se verificando fundamento legal para declarar, sem entrar na decisão de mérito, que tendo os Réus aterrado os poços, como os Autores reconhecem, e tendo sido instalada a rede de saneamento público a tutela requerida neste pedido se torne injustificada.
Face ao alegado, são os Autores dotados de legitimidade para formularem o pedido que deduzem na al. d).
Quanto ao ponto 3, sustentam os apelantes que o pedido para terceiros, mesmo que seus familiares, se deveu à ação ser conformada, inicialmente, como popular, mas invocam que uma das pessoas para quem pedem indemnização é uma sua filha menor e, sendo menor, os pais podiam ter pedido a indemnização reclamada nos artigos 105.º e 106.º da petição inicial, sendo que, pelo menos, neste caso, não têm falta de legitimidade ativa para tal pedir.
Ora, apesar de os Autores serem os representantes legais de sua filha menor, o certo é que no âmbito da presente ação declarativa comum, não atuam nessa qualidade (sendo eles próprios os autores e não a sua filha menor) e nenhum pedido formularam para a sua referida filha, sendo que nenhum poder de representação dos restantes familiares têm.

Antes, em nome próprio, invocando danos causados a terceiros, formulam pedido para si, não tendo legitimidade para tal.

Assim, são os Autores dotados de legitimidade para pedirem:

1 - a declaração de nulidade dos contratos de permuta (definitivos), por falta de escritura pública;
2 - a condenação dos Réus a absterem-se da prática de quaisquer atos que correspondam à utilização dos poços referidos.
Não têm, porém, legitimidade para pedir a condenação dos Réus a pagar-lhes uma indemnização por danos sofridos pelos seus familiares, de que os AA não tem qualquer poder de representação neste processo.

Deste modo, quanto à legitimidade, tem o recurso de proceder, exceto no que se reporta à peticionada condenação dos Réus a pagar-lhes uma indemnização por danos a familiares, que, quanto a tal, improcederá.
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2ª - Da improcedência da exceção perentória da prescrição

Tendo, por ocorrer prescrição, os 7º a 14º Réus sido absolvidos dos pedidos e os restantes Réus sido absolvidos, em parte, do pedido indemnizatório, sustentam os Apelantes que, em sede de réplica, responderam à exceção e invocaram argumentos que o tribunal a quo nem sequer abordou.

Afirmam que não se verifica prescrição, primeiro, porque os danos alegados são provenientes de factos criminosos, pelo que a prescrição não é contada por via da norma do nº1, do art.º 498.º, e, depois, como os factos criminosos são punidos com penas que podem ir até aos 8 anos de prisão, nos termos conjugados dos artigos 279.º e 280.º do Código Penal em vigor à data dos factos, os prazos de prescrição vão até 10 (ou 15) anos, conforme art.º 118.º do Código Penal. Sustentam que “se estas regras são aplicadas até nos “singelos” acidentes onde apenas há ofensas à integridade física simples como é que não são aplicadas num caso grave de poluição de águas seja as privadas dos autores sejam as públicas do curso de água para onde corriam os efluentes a céu aberto? Para além do facto de se estarem a verificar danos em períodos sucessivos e continuados, sempre se verificaram que havia danos não prescritos nos 3 anos anteriores à propositura da ação, bem como se vão verificando danos não previstos a cada instante que passa. Isto se se adotasse a tese dos RR, o que não se aceita nem admite”.
A presente ação funda-se em responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos.

Vêm alegados, pelos Autores, na petição inicial, os atos dolosos causadores de poluição e de danos ambientais praticados pelos Réus – contaminação (com dejetos humanos) do terreno, da água e da atmosfera, com perigo de propagação de doenças, inquinação que se verifica desde, pelo menos, o ano de 1998 até à data da propositura da ação (13 de Outubro de 2012) – cfr. petição inicial, designadamente arts 93º a 96º.

Deduzida a exceção da prescrição, vieram os Autores responder não existir a mesma, pois que, desde logo, os danos são provenientes de factos criminosos, pelo que a prescrição não é contada por via do nº1, do art. 498º e, como os factos criminosos são punidos com penas que podem ir até aos 8 anos de prisão, os prazos de prescrição vão até aos 10 (ou 15) anos, sendo certo que os atos e danos ambientais são continuados, ainda se mantendo e ocorrendo danos não previstos a cada instante que passa.

Analisemos.

A regular a matéria da prescrição do direito de indemnização está, desde logo, o referido nº1, do art. 498º.

“Estabelecem-se aqui dois prazos prescricionais, com duração e momentos de início de contagem diversos, mas que correm, ou podem correr, pelo menos parcialmente, em simultâneo.

O prazo ordinário de vinte anos (art. 309º) conta desde o “facto danoso”. É estabelecido um prazo especial mais curto (três anos) que corre a partir do momento “em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete”, isto é, daquele em que o titular do direito conhece os factos constitutivos dele. É irrelevante, para a contagem deste prazo, o “desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos” (…) se ambos os prazos forem correndo em simultâneo, ocorre a prescrição logo que o primeiro deles se esgote.” (7).

A prescrição supõe a inércia do titular do direito – o não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei (art. 298º, nº1, do CC) – e começa a contar no momento em que esse direito pode ser exercido (art. 306º, nº1, do CC). Decorre do art. 498º, nº1, do CC – referente à prescrição do direito de indemnização – que são dois os prazos de prescrição ali previstos: um, seguindo a regra geral da prescrição ordinária, é de 20 anos a contar do facto danoso (art. 309º); o outro, constitui o regime particular da responsabilidade civil e tem lugar quando o lesado tem conhecimento do direito à indemnização, começando, a partir daí, a correr o prazo de 3 anos.

No que respeita ao prazo curto de prescrição, diferentemente do que sucede com a solução consagrada no art. 306º, o legislador adotou um sistema subjetivo: a prescrição só começa a correr com o conhecimento, pelo credor, do seu direito à indemnização (ou, pelo menos, de certos elementos essenciais desse direito).Para determinar o início do prazo de prescrição, o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete a partir da data em que, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade soube ter direito à indemnização pelos danos que sofreu e não da possibilidade legal de ressarcimento (8).

Como bem se analisa no Acórdão desta Secção de 28/6/2018, “o instituto da prescrição, segundo Domingues de Andrade, tem o seu fundamento específico “na negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período de tempo indicado na lei. Negligência que faz presumir ter ele querido renunciar a direito, ou pelo menos o torna (o titular) indigno de proteção jurídica (dormientibus no succurit jus)”, apontando este autor outras razões, que coloca num plano secundário, como motivos justificadores do instituto em referência, como seja, a certeza e a segurança jurídica, a proteção dos obrigados, especialmente os devedores, contra as dificuldades de prova e o exercício de pressão ou estímulo educativo sobre os titulares dos direitos no sentido de não descurarem o exercício ou efetivação dos mesmos quando deles não queiram abdicar. (9)

Já para Menezes Cordeiro são dois os fundamentos do instituto da prescrição – fundamentos atinentes ao devedor, e de ordem geral. Quanto ao primeiro, “a prescrição visa, essencialmente, relevá-lo de prova” e, quanto ao segundo ele “(…) relevaria de razões atinentes à paz jurídica e à segurança” (10).

Quanto a nós, a prescrição é um instituto que se funda em interesses multifacetados, em que os principais fundamentos se reconduzem: a) à probabilidade de ter sido feito o pagamento; b) à presunção de renúncia do credor ao exercício do direito; c) à necessidade de sancionar a negligência do credor; d) à necessidade de consolidação de situações de facto; e) à necessidade de proteção do devedor contra a dificuldade de prova do pagamento; f) à necessidade social de segurança jurídica e certeza dos direitos; g) à necessidade de sanear a vida jurídica de direitos praticamente caducos; e, bem assim h) à necessidade de promover o exercício oportuno dos direitos por parte dos respetivos titulares (11).
O instituto da prescrição justifica-se, numa primeira linha, em homenagem ao valor da segurança jurídica e da certeza do direito, mas, também, em nome do interesse particular do devedor, funcionando como reação à inércia do titular do direito, fundada num imperativo de justiça.
Sendo indiscutível que o direito indemnizatório que os apelantes vêm exercer nos autos, atento o pedido e a causa de pedir que estruturam na petição inicial, radica na responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos (arts. 483º e segs. do CC.), é pacífico que em sede de prescrição, se impõe chamar à colação o regime enunciado no art. 498º, do CC.

De acordo com o n.º 1 do referido art. 498º “o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso”.
O seu n.º 3 acrescenta que “se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável”.

Conforme é entendimento pacífico, o n.º 1 do enunciado art. 498º estabelece dois prazos para o exercício do direito de indemnização no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, a saber: o prazo de prescrição ordinário, que o art. 309º do CC, fixa em vinte anos, e o prazo prescricional de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete para exercer esse direito (12).

Quanto ao prazo prescricional de três anos, conforme decorre expressamente daquele n.º 1 do art. 498º, esse prazo começa a contar-se logo que o lesado “teve conhecimento do direito que lhe compete”, ou seja, “a partir da data em que ele, conhecendo a verificação que condicionam a responsabilidade, soube ter direito à indemnização pelos danos que sofreu” (13).

Para o começo da contagem desse prazo não é necessário que o lesado tenha conhecimento da extensão integral do dano, uma vez que aquele pode formular um pedido indemnizatório genérico, podendo relegar a fixação do concreto quantum indemnizatório que lhe assiste, para momento posterior, antes de começar a discussão da causa (art. 358º, n.º 1 do CPC) ou em sede de incidente de liquidação de sentença (n.º 2 daquele art. 358º).

A lei tornou ainda o início da contagem do referido prazo prescricional independente do conhecimento da pessoa do responsável, carecendo, no entanto, o segmento desse n.º 1 daquele art. 498º do CC, nesta parte, de ser entendida em termos hábeis. É que se o lesado apenas tiver conhecimento da identidade do responsável depois de verificada a lesão, o prazo de três anos para propor a ação não se conta da data em que teve conhecimento da identidade desse responsável, mas a partir da data em que teve conhecimento do seu direito indemnizatório. De igual modo, caso sejam vários os responsáveis e o lesado apenas tiver conhecimento da identidade de um ou de vários deles, tal facto mostra-se irrelevante para efeitos de início da contagem do prazo prescricional de três anos, uma vez que aquele terá de intentar a ação no prazo de três anos a contar da data em que teve conhecimento do direito indemnizatório que lhe assiste, independentemente do conhecimento da identidade do responsável ou responsáveis civis pela indemnização.

Porém, caso decorra aquele prazo prescricional de três anos sem que o titular do direito indemnizatório tenha instaurado a ação por desconhecimento do responsável civil pela indemnização, enquanto não se mostrar decorrido o prazo de prescrição ordinário de vinte anos, aquele poderá ainda instaurar a ação contra esse responsável ou responsáveis civis, contanto que alegue e prove não ter instaurado anteriormente a referida ação por desconhecer a identidade do responsável civil e que esse desconhecimento não procede de culpa sua, por força do disposto no art. 321º do CC (14).

De resto, o que se acaba de dizer mostra-se ainda consentâneo com o regime enunciado na primeira parte do nº 1 do art. 306º do CC, nos termos do qual “o prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido (…)”, isto é, no entender de Menezes Cordeiro, tendo o nosso legislador adotado o sistema objetivo, tal significa que “o prazo começa a correr assim que o direito possa ser exercido e independentemente do conhecimento que disso tenha ou possa ter o respetivo credor” (15)(16).

E “A independência do início da contagem do prazo do conhecimento da integralidade dos danos tem que ver com a possibilidade, prevista no nº2 do art. 564º, de a decisão judicial sobre a extensão da indemnização ser proferida mais tarde ou, nos termos do art. 565º, haver uma “indemnização provisória”, ou, finalmente, com a desnecessidade de indicação da extensão exata da indemnização no pedido desta (artigo 569º). Problema que é independente deste é o de saber se, desconhecendo o lesado que há certos danos que sofreu e cuja existência só vem a conhecer mais tarde, o prazo de prescrição para exigir a respetiva indemnização ainda não decorreu. Cremos que a resposta deve ser positiva, isto é, que, se o lesado desconhecer que o facto lhe causou certos danos (ou danos de certa natureza) que só vêm a ser apercebidos depois ou de que só depois ele vem a ter conhecimento, não pode dizer-se que, quanto a estes, ele tenha conhecimento do direito que lhe compete (17).

Nos termos do n.º 3, do referido artigo 498º, se o facto ilícito constituir crime e o respetivo procedimento penal estiver sujeito a um prazo prescricional mais longo do que o prazo (de três anos) consagrado nº 1, esse será também o prazo prescricional aplicável à própria responsabilidade civil, bastando, para tanto, que os factos alegados pelos Autores, na petição inicial, sejam suscetíveis, em abstrato, de integrarem os elementos objetivos e subjetivos típicos de um determinado ilícito penal.

Alegando os Autores, ao formularem pedido indemnizatório junto da instância cível, factualidade que, em abstrato, seja suscetível de preencher os elementos objetivos e subjetivos típicos de determinado tipo legal de crime e vindo a provar esses factos, beneficiam do prazo prescricional alargado fixado pela lei penal para esse crime (sem necessidade de efetiva instauração de procedimento criminal) (18) (19). Como explica Ana Prata “o prazo de prescrição será o do procedimento criminal, se o ilícito civil for também um ilícito criminal e aquele for superior a três anos. Esta alteração do prazo de prescrição não depende de o processo penal ter sido ou vir a ser iniciado, mas apenas da qualificação dos factos” (20).

E a qualificação jurídica dada pelas partes não vincula o Tribunal, razão pela qual, estando implícita na petição inicial a natureza criminal da atuação dos réus, bem como o seu caráter culposo, tanto bastaria para que o Tribunal pudesse atender ao prazo prescricional alargado do nº3, do art. 498º, do CC (21).

O alargamento do prazo de prescrição previsto no referido preceito, tem por base a consideração de que nada justificaria que a apreciação da responsabilidade civil se confinasse aos três anos previstos no nº1 do mesmo preceito quando a responsabilidade criminal poderia ser discutida num prazo mais longo (22), fazendo o referido nº3 depender o prazo prescricional da natureza criminal do ilícito cometido, sem distinção entre os vários tipos dos civilmente responsáveis, aplicando-se tal prazo a todos os responsáveis civis (23)
A lei da época do crime é a que rege a prescrição e lhe regula o prazo (24).

Os fatos imputados aos Réus são puníveis com pena de prisão cujo limite máximo é de 8 anos de prisão (cfr art. 280º al. a), do CP, vigente à data de factos), pelo que, nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 118º do referido diploma, o respetivo procedimento criminal extingue-se, por prescrição, logo que sobre a prática do mesmo tiverem decorrido dez anos.

Ora, tendo a ação sido intentada em Outubro de 2012, e, alegadamente, os atos ilícitos ainda não haviam cessado quando os apelantes intentaram a ação, continuando a prática de atos criminosos englobados na imputada atividade ilícita poluidora em causa, importa apurar os respetivos factos alegados antes de decidir (cfr., até, temas de prova já formulados).

E refira-se que o art. 119º, do Código Penal, responde “à questão de saber qual o dia a partir do qual começa a decorrer a prescrição (dies a quo) enunciando um conjunto de regras” entre elas:

“- crime permanente – o prazo de prescrição corre desde o dia em que cessa a consumação – al. a), do nº2. O crime permanente já foi definido como uma linha, por contraposição ao crime instantâneo (que seria um ponto) e ao crime continuado (que seria uma série de pontos). Nessa visão o extremo da linha marca o fim da atividade criminosa e o princípio da atividade repressiva, começando aí a prescrição. Ao contrário do crime continuado, em que a ação criminosa é divisível, no crime permanente essa ação é indivisível. “O estado violador da lei prolonga-se sem intervalos, numa duração, digamos assim, sem colapsos e sem limites, e a qualquer momento está sendo cometido o crime, porque esse ininterrupto estado anti-jurídico é que é, exactamente, o crime. A prescrição, portanto há-de correr de quando cessa a permanência da acção” (A. Carvalho Filho, op. cit, pág 369).

São crimes permanentes, p. ex., o sequestro (art. 158º) e a associação criminosa (art. 299º). Enquanto perdurarem a detenção da pessoa sequestrada e a associação dirigida à prática de crimes o crime existe, pelo que a prescrição só pode ocorrer a partir do desfazer da associação ou da libertação da pessoa sequestrada, pois só então cessou a permanência da acção criminosa. Diversos são, no entanto, os crimes em que é criada pelo agente uma situação que persiste para além da sua atuação, como ocorre com a bigamia, em que funciona a regra do nº1;
- crime continuado - o prazo corre desde o dia da prática do último acto criminoso – al. b) do nº2. (…) no crime continuado a acção é uma série de actos criminosos que, verificadas determinadas condições, são considerados como um só crime, daí que a prescrição só corra a partir do último dos actos englobados na continuação. Para determinar, para estes efeitos, quando foi praticado esse último acto criminoso será necessário recorrer, conforme os casos, às restantes regras deste artigo”.
Findos os articulados - e para apreciar a exceção da prescrição – não é suficiente ponderar a matéria da ação apenas na perspetiva do prazo prescricional de três anos, ainda que as partes tenham argumentado nesse sentido; importa igualmente atentar se a matéria da ação é, ainda, suscetível de constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, o que poderá conduzir à improcedência da exceção, nos termos do art. 498º, nº3, do CC (25).

Conclui-se, assim, que contrariamente ao decidido no despacho-saneador recorrido, e face ao que dispõem os arts 118º e 119º, do Código Penal e nº3, do art. 498º, os autos não contêm, ainda, todos os elementos fácticos que permitam conhecer da exceção perentória da prescrição, designadamente quanto ao alargamento do prazo prescricional, razão pela qual se impõe revogar esse despacho, ordenando o prosseguimento dos autos, relegando-se o conhecimento dessa exceção para sentença final.
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IV. DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, revogam, parcialmente, a decisão recorrida, ordenando o prosseguimento dos autos:

a)- considerando serem os Autores dotados de legitimidade ativa para os pedidos formulados sob a alínea a) e d) (mantendo-se a decisão apenas quanto à absolvição dos Réus da instância, por ilegitimidade ativa para formular pedido de pagamento de indemnização por danos provocados pelos mesmos a familiares seus);
b)- relegando para sentença final o conhecimento da exceção perentória da prescrição.
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Custas pelos vencidos a final (na proporção do vencimento).
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Guimarães, 20 de setembro de 2018

Eugénia Marinho da Cunha
José Manuel Alves Flores
Sandra Melo



1. José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, "Código de Processo Civil Anotado", vol. 1º, Coimbra, 1999, pag. 52
2. Castro Mendes, "Manual de Processo Civil", Coimbra, 1963, pags. 260, 261, 262
3. Antunes Varela, J. M. Bezerra e Sampaio e Nora, "Manual de Processo Civil", 2ª edição, Coimbra, 1985, pag. 104. Acrescentam, aliás, os autores, em nota, que "a falta do pressuposto processual não impedirá o juiz apenas de proferir sentença sobre o mérito da acção, mas também de entrar na apreciação e discussão da matéria que interesse à decisão de fundo, sustando nomeadamente a produção de prova sobre os fundamentos do pedido".
4. Acórdão do STJ de 14/10/2004, processo 04B2212, in dgsi.net,
5. Proc. 505/07.2TVLSB.L1.S1, Relator: Helder Roque, in www.dgsi.pt/jstj.nsf.
6. Acórdão da Relação de Lisboa de 19/2/2015, processo 143148/13.OYIPRT.L1-2, in dgsi.net
7. Ana Prata (Coord.) Código Civil Anotado, vol I, 2017, Almedina, pág 651
8. Ac. do STJ de 13/11/2014, Processo 1235/12, Sumários, 2014, p. 603, citado in Abílio Neto Código Civil Anotado, 19ª Edição reelaborada, 2016, Ediforum, pág 556
9. Domingos de Andrade, “Teoria Geral da Relação Jurídica, Facto Jurídico, em especial Negócio Jurídico”, Coimbra, 1983, vol. II, pág.
10. Menezes Cordeiro, “Tratado de Direito Civil”, vol. V, 2011, Almedina, págs. 159 e segs.
11. Vaz Serra, BMJ, n.º 105º, págs. 32 e 33. Ac. RL de 25/03/2010, Proc. 1227/08.2TVLSB.L1-6, in base de dados da DGSI.
12. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. I, 4ª ed., Coimbra Editora, pág. 503.
13. Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 9ª ed., Almedina, pág. 649.
14. Neste sentido Pires de Lima e Antunes Varela, in ob. cit., pág. 504.
15. Antunes Varela, in ob. cit., pág. 651.
16. Menezes Cordeiro, ob. cit., pág. 166.
17. Ac da Relação de Guimarães de 28/6/2018, processo 4077/17.1T8GMR.G1, Relator: José Alberto Moreira Dias, disponível in dgsi.net
18. Ana Prata (Coord), idem, pág 652 e seg Cfr. Ac. do STJ de 23/10/2012, Processo 198/06.4TBFAL.E1.S1, Ac. RP. de 01/12/2014, Proc. 41/13.8T2SVV-A.P1 e Ac. da RC de 28/1/2014, Proc. 631/09.3TBPMS.C1, todos in base de dados da DGSI (referindo-se neste “O alongamento do prazo de prescrição constante do n.º 3 do artigo 498º do C. Civil não exige que naquele caso concreto tenha existido um processo crime em que se tenha apurado a prática de um crime, bastando a verificação de que factualidade geradora de responsabilidade civil e da respectiva obrigação de indemnizar preencha os elementos de um tipo legal de crime, relativamente ao qual a lei penal admite o seu apuramento judicial em prazo mais alargado que o previsto no art.º 498º, n.º 1, do C. Civil”). Cfr. ainda, Ac. do STJ de 12/9/2013, Processo 157/07, Sumários, 2013, p. 533 e, ainda Ac. da Relação de Évora de 30/11/2006, CJ 2006, 5º, 252, estes últimos citados in Abílio Neto Código Civil Anotado, 19ª Edição reelaborada, 2016, Ediforum, pág 555
19. Cfr. Ac. da RP de 7/7/2016, processo 1079/08.2TVPRT.P1 -A parte que pretenda beneficiar da ampliação do prazo prescricional estatuído no artigo 498º, nº3 do C. Civil, atento o seu teor, alcance e sentido, tem o ónus de, por um lado, alegar os factos praticados pela pessoa a quem pede a indemnização, além de constituírem um ilícito civil, constituem, igualmente, um ilícito criminal
20. Ana Prata (Coord), idem, pág 653
21. Ac. do STJ de 12/9/2013, Processo 1418/10: Sumários. 2013, p. 534
22. Ac. do STJ de 29/1/2015, Proc. 384/09: Sumários, Jan/2015. P 50, citado in Abílio Neto Código Civil Anotado, 19ª Edição reelaborada, 2016, Ediforum, pág 555
23. Ac. da RP de 25/1/2010, Processo 858/06.0TBMTS.P1.dgsi.Net
24. Leal-Henriques e Simas Santos Código Penal, 1º vol. Editora Rei dos Livros, pág. 827
25. Ac. da Relação de Lisboa de 7/7/2009, CJ, 2009, 3º, pág. 125