Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1702/18.0T8BCL.G.1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: REMIÇÃO OBRIGATÓRIA
REGIME TRANSITÓRIO
IPATH
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/04/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I - O Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do art. 74.º do DL 143/99, de 30 de Abril, na redacção do DL 382-A/89, de 22 de Setembro, interpretada no sentido de impor a remição obrigatória total de pensões vitalícias atribuídas por incapacidades parciais permanentes do trabalhador/sinistrado, nos casos em que estas incapacidades excedam 30%, relativamente aos acidentes ocorridos em data anterior a 1/01/2000, por violação do art. 59.º, 1, al. f) da CRP.
II – Para este efeito de não ser obrigatória a remição de pensão, as situações de IPATH devem ser equiparadas a uma IPP de mais de 30%.
III – Poderá ser deferida a remição total de uma pensão anual e vitalícia de reduzido montante, fixada ao abrigo da Lei n.º 2127, por força do regime transitório previsto no art. 74.º da LAT, desde que reunidos os requisitos previstos nos artigos 33.º da Lei 100/97 e 56.º n.º 1 alínea a), do DL n.º 143/99, e o sinistrado o requeira ou manifeste a sua concordância com a mesma, o que não sucedeu no caso em apreço.

Vera Sottomayor
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

I –RELATÓRIO

APELANTE: X - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.
APELADO: M. P.

Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo do Trabalho de Barcelos – Juiz 2

Nos presentes autos de acção especial emergente de acidente de trabalho em que é sinistrado M. P. e entidades responsáveis X - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. e A. F., veio o sinistrado requerer a remição parcial da pensão, quanto à quota-parte devida pela sua entidade empregadora.
A Seguradora pronunciou-se no sentido de nada ter a opor à remição parcial desde que se verificassem os requisitos legalmente previstos, ou seja desde que a pensão sobrante não seja inferior a seis vezes a remuneração mínima nacional garantida e que o capital de remição não seja superior ao que resultaria de uma pensão calculada com base numa IPP de 30%.
O Ministério Publico pronunciou-se no sentido de ser indeferido o pedido de remição parcial, por não se encontrarem reunidos os requisitos para o efeito, ou seja no caso concreto o valor da pensão em pagamento é inferior ao sêxtuplo da remuneração mínima mensal garantida, no valor actual de €3.990,00.
O empregador não foi ouvido sobre o incidente suscitado pelo sinistrado.
Foi proferida decisão que pôs termo ao incidente de remição de pensão, a qual passamos a transcrever.
“A pensão anual e vitalícia foi fixada nestes autos nas conciliações de 07/12/1983 (fls. 22) e 14/12/1984 (fls. 57), num total de 76.049$00, sendo 71.340$00 a cargo da seguradora (93,81%) e 4.709$00 a cargo do empregador (6,19%), tendo por base uma incapacidade permanente parcial de 10,8%.
Nos termos do disposto no art.º 33.º, n.º 1 da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, e no art.º 74.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de abril, as pensões de reduzido montante deveriam ser obrigatoriamente revistas nos termos previstos na tabela constante desta última norma.
Em 31/12/1999, a quota parte da seguradora era de 1.782,92€ (fls. 111) e a do empregador era de 117,64€, o que em escudos representava uma pensão anual de 381.028$07.
Em 31/12/2002, a pensão global era de 2.151,75€, o que em escudos representava 431.387$00.
Em 31/12/2003, essa pensão era de 2.249,65€, ou 451.015$04.
Comparando estes valores com os constantes da tabela do citado art.º 74.º, conclui-se que deveria a pensão ter sido totalmente remida com efeitos a 31/12/2003.

Nessa data, o sinistrado tinha 35 anos (fls. 15). Aplicando o fator previsto na tabela anexa à Portaria n.º 11/2000, de 13 de janeiro (16,296), alcança-se o valor de 36.660,30€, sendo da responsabilidade de cada uma das partes:
- a seguradora (93,81%): 34.391,03€;
- o empregador (6,19%): 2.269,27€.
*
Reportando-se o cálculo a 31/12/2003, a cada uma das quantias deverão ser deduzidos os montantes que desde essa data tenham sido pagos ao sinistrado a título de pensão anual e vitalícia.
*
Nestes termos e pelo exposto, defiro a requerida remição da pensão, com efeitos a 31/12/2003, condenando as partes a pagar ao autor M. P. as seguintes quantias a título de capital de remição:
- a seguradora X – Companhia de Seguros, S.A. (93,81%): 34.391,03€;
- os sucessores do empregador A. M. (6,19%): 2.269,27€.
*
Às quantias vindas de referir deverão ser deduzidas as quantias pagas por cada uma das responsáveis desde 31/12/2003 a título de pensão anual e vitalícia.
*
Notifique.
*
Remeta os autos ao Ministério Público para entrega do capital de remição.

Inconformado com esta decisão na medida em que foi condenada no pagamento de um capital de remição, dela veio a Seguradora responsável interpor recurso para este Tribunal da Relação, apresentando alegações que termina mediante a formulação das seguintes conclusões:

1) se, na verificação dum acidente de trabalho ocorrido na vigência do regime de reparação, vulgo “L.A.T.”, aprovado pela Lei n° 2127 (e seu diploma regulamentar, Decreto n° 360/71) resulta para o respectivo sinistrado o direito ao benefício duma pensão anual e vitalícia, por isso, aí não obrigatoriamente remível, nos termos do fixado pelo artigo 64° do Decreto n° 360/715, a subsequente vulgo “L.A.T.,” aprovado posterior Lei n° 100/97, cria um regime excepcional de remição de pensões por acidente de trabalho;
2) de facto, na regime da “L.A.T.” da Lei n° 100/97 e, com maior detalhe interpretativo e regulador, no corpo do seu diploma regulamentar, vertido nos artigo 33°, n° 1 e 74° do Dec. lei n.º 143/99, o legislador cria a figura do que qualifica de “regime transitório de remição obrigatório de pensões” por balizamento e aferição, a definir na casuística de cada caso concreto, à figura de “pensões vitalícias de reduzido montante”;
3) esse excepcional “regime transitório de remição obrigatório de pensões” a que alude o artigos 33, n° 1 da Lei 100/97 remete remissivamente para a figura de “remição obrigatória” enunciada pelo artigo 56°, n° 1, a) do Dec.-lei n° 143/99 e independentemente do grau de incapacidade que afecta o respectivo credor/sinistrado;
4) entretanto, esse modelo e critério do que seja, caso a caso, caso de “pensão de reduzido montante” foi objecto do “acórdão uniformizador de jurisprudência n°4/2005”, emanado pelo S.T.J. e, que veio disciplinar: “1. para determinar se uma pensão vitalícia anual resultante de acidente de trabalho ocorrido antes de 1 de Janeiro de 2000 de reduzido montante, para efeitos de remição, atende-se ao critério que resulta do artigo 56°, n° 1, alínea a) do Dec. lei n.º 143/99, devendo os dois elementos - valor da pensão e remuneração mínima mensal garantida mais elevada - reportar-se à data da fixação da pensão. II para efeitos de concretização gradual da remição dessas pensões atende- se à calendarização e aos montantes estabelecidos no artigo 74.º do mesmo diploma, na redacção introduzida pelo Dec.lei n.º 382A/99, relevando, neste âmbito, o valor atualizado da pensão”;
5) no caso sub judice, para a linear operação de cálculo do patamar máximo duma “pensão obrigatoriamente remível” para efeitos da subsunção no critério daquele artigo 56, n 1, a) do Dec.-lei n.º 143/99, há-de atender-se como sendo o valor de “remuneração mínima mensal garantida” para o ano da fixação judicial da pensão - ano de 2003 - o valor de € 64,80 mensais, correspondente, então, a PTE 13.000$00;
6) daí que, por via do método contido naquele normativo, para se balizar como patamar máximo de “pensão obrigatoriamente remível”, ié, para se obter o quantum correspondente a “seis vezes a remuneração mínima mensal garantida”, sairá do produto correspondente à multiplicação daqueles €64,80 x 6, ou seja, de €388,80;
7) e ainda no caso sub judice, se logo numa primária comparação entre esse patamar máximo, de €388,80 com a correspondente à ab initio fixada, aquando da “conciliação judicial”, “pensão anual e vitalícia de 71.340$00”, que, por conversão, é o correspondente a € 355,84, logo aí se evidencia,
8) mas mais notório sai (d)o confronto entre esse patamar máximo, os ditos € 388,80, com o que seja o quantum da “pensão actualizada em 32.12.2003, de € 2.249,65 € ou 451.015$04” - que o próprio M_mo. Juíz “a quo” apura e inscreve no seu despacho ora sob recurso -, valor esse que,« por ser o correspondente ao “valor actualizado da pensão” é o atendível, por respeito ao citado acórdão S.T.J. n0 4/2005, então extravasadamente saí distorcido patetado que o valor da “pensão anual e vitalícia, actualizada” que o Recorrido encaixava já aí, em 2003, é muito superior àquele patamar máximo, e, de per si, não é caso de “pensão vitalícia de reduzido montante”, nos termos enunciados do artigos 33º, n.º 1 da Lei n.º 100/97 e 56, n.º 1,. a) do Dec. lei n.º 143/99;
9) dando-a como tal, ie, como concreta “pensão vitalícia de reduzido montante”, o Mmo. Juiz “a quo” age com manifesto desrespeito e em modo enviesado do direito próprio proferindo decisão que desrespeita os normativos invocáveis e enunciados pelos artigos 33º, e 74º da Lei n.º 100/97 e 56º, n.º 1, a) do Dec.-lei n 143/99, o que in casu se enquadra no disposto nos n.s 1 e 2 do artigo 639º do C.P.C, tudo porque;
10) no acolhimento das vicissitudes fácticas do caso sub judice e a subsunção nas citadas disposições normativas, o Mmo. Juiz “a quo” deveria ter prosseguido no entendimento de que a obrigação da reparação da Recorrente para com o Recorrido é de lhe assegurar manter o direito ao recebimento duma “pensão anual e vitalícia” e nunca de considerar que a mesma é “pensão obrigatoriamente remível por ser de reduzido montante”, como erradamente consta;
11) Impondo-se, consequentemente, a revogação desse estrito excerto decisório contido naquele despacho emanado pelo Tribunal “a quo”, consagrando-se que a recorrente está onerada, para com o Recorrido, em razão do acidente de trabalho que o é objecto destes autos, no prosseguimento, em tempo e modo próprios, do pagamento duma “pensão anual e vitalícia, actualizável.
COM ISSO; Farão Vs Excs, como é usual apanágio, A MAIS SÃ JUSTIÇA

O Ministério Público veio responder ao recurso pugnando pela procedência do recurso.
Admitido o recurso na espécie própria e com adequado regime de subida e efeito, foram os autos remetidos a esta 2ª instância, mantido o recurso e cumprido o disposto na 1ª parte do n.º 2 do artigo 657º do CPC foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões do recorrente (artigos 653º, nº 3 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nela não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, temos que a única questão a decidir consiste em apurar se a pensão fixada nos autos ao abrigo da Lei 2127, de 3/08/1965 é obrigatoriamente remível

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A constante do relatório que antecede, a que acrescem os seguintes factos.
- O acidente a que os autos se reportam ocorreu no dia 31 de Agosto de 1982;
- O sinistrado encontra-se afectado por uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 10,80%, com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH).
- A pensão anual e vitalícia foi fixada nas conciliações de 07/12/1983 (fls. 22-23) e 14-12-1984 (fls. 57-58), num total de 76.049$00, sendo 71.340$00 a cargo da entidade seguradora (93,81%) e 4.709$00 a cargo da entidade empregadora (6,19%).
- A pensão está actualmente fixada no valor global de € 2.947,81 (ano de 2020).

IV – DA APRECIAÇÃO DO RECURSO

Da remição obrigatória da pensão

Antes de mais importa desde já consignar que atenta a data em que ocorreu acidente de trabalho – 31-08-1982 – o regime que vigorava é o que resultava da Lei n° 2127, de 3/08/1965 e do respectivo regulamento Decreto-Lei n° 360/71, de 21/08.
No que respeita à remição da pensão esta pode ser obrigatória, resultante de imposição legal, ou facultativa que é aquela que dependente da vontade dos interessados. A razão da remição é o de permitir que a compensação correspondente à pensão fixada ao sinistrado possa converter-se em capital que poderá ser eventualmente aplicado, até de um modo mais rentável do que a auferida pela mera percepção de uma renda anual.

A propósito da remição obrigatória resultava da Base XXXIX da Lei n.º 2127 o seguinte:

«Salvo tratando-se de doenças profissionais, serão obrigatoriamente remidas as pensões de reduzido montante, e poderá ser autorizada a remição quando deva considerar-se economicamente mais útil o emprego judicioso do capital.»
Por outro lado, o regulamento da citada lei também contemplava a remição de pensões no seu Capitulo VII, designadamente no artigos 64.º e seguintes, daí resultando que a remição podia ser obrigatória, autorizada pelo tribunal ou por acordo, devendo ter-se em atenção na sua graduação, não só o quantitativo da pensão, mas também o grau de desvalorização.
Assim, ao abrigo do mencionado regime apenas eram obrigatoriamente remíveis as pensões devidas a sinistrados (...) que, cumulativamente correspondessem a desvalorizações não superiores a 10% e não excedessem o valor da pensão calculada com base numa desvalorização de 10% sobre o salário mínimo nacional.
Daqui resulta manifesto que a pensão fixada ao sinistrado não era obrigatoriamente remível, desde logo porque a IPP que lhe foi atribuída é superior a 10%.
Sucede que com a entrada em vigor da Lei n.º 100/97, de 13/09 (doravante LAT) e com o seu regulamento, o Decreto-Lei n.º 143/99, 30/089 (doravante RLAT) vieram a ser a ser alteradas as condições de remição de pensões, aplicando-se este novo regime ainda que com algumas nuances às pensões fixadas anteriormente à sua vigência, resultando tal do art.º 41.º n.º 2 al. a) em articulação com o art.º 33.º n.º 1 ambos da LAT, os quais prescrevem o seguinte:
Art.º 41.º n.º 2 al. a) “O diploma regulamentar referido no número anterior estabelecerá o regime transitório, a aplicar: À remição de pensões em pagamento, à data da sua entrada em vigor, e que digam respeito a incapacidades permanentes inferiores a 30% ou a pensões vitalícias de reduzido montante e às remições previstas no art.º 33.º n.º 2”
Art.º 33.º n.º 1 “Sem prejuízo do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 17.º são obrigatoriamente remidas as pensões vitalícias de reduzido montante nos termos que vierem a ser regulamentados.
Para determinar se uma pensão vitalícia anual resultante de um acidente ocorrido em data anterior a 1 de Janeiro de 2000 é de reduzido montante veio o Acórdão n.º 4/2005 do STJ, publicado no Diário da República n.º 84/2005 fixar, que o critério é o que resulta do art.º 56.º n.º 1 al. a) do DL nº 143/99, de 30/04, ou seja o valor da pensão não pode ser superior a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada, reportada à data da fixação da pensão, sendo ainda certo que para efeitos de concretização gradual da remição dessas pensões, atende-se à calendarização e aos montantes estabelecidos no art.º 74.º do mesmo diploma, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 382-A/99, de 22 de Setembro, relevando, neste âmbito, o valor actualizado da pensão.

No citado aresto a este propósito refere-se o seguinte:

“Em suma, na vigência da Lei n.º 2127, as pensões por morte ou resultantes de incapacidade permanente igual ou superior a 20% não eram remíveis.
A Lei n.º 100/97 e o seu decreto regulamentar vieram alterar profundamente este regime: as pensões resultantes de incapacidades permanentes inferiores a 30% passaram a ser obrigatoriamente remidas [artigo 17.º, n. 1, alínea d) da Lei n.º 100/97 e artigo 56.º, n.º 1, alínea b) do Decreto-Lei n.º 143/99], o mesmo acontecendo com as pensões vitalícias devidas por morte ou por incapacidade permanente igual ou superior a 30% desde que de reduzido montante [artigo 33.º da citada lei e artigo 56.º , n.º 1, alínea a) do decreto regulamentar]. O novo regime também veio permitir a remição parcial destas pensões (pensões vitalícias devidas por morte ou por incapacidade permanente igual ou superior a 30%), desde que respeitados os seguintes limites: a pensão sobrante não podia ser inferior a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada; o capital de remição não podia ser superior ao que resultaria de uma pensão calculada com base numa incapacidade de 30 % (citado artigo 56.º , n.º 2).
Acresce dizer que a propósito da remição obrigatória das pensões abrangidas pelo regime transitório veio o Tribunal Constitucional no seu Acórdão n.º 34/2006, proc. 884/2005, publicado no DR I Série A, de 8 de Fevereiro, de 2006, declarar “a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, da norma constante do art.º 74 do DL 143/99, de 30 de Abril, na redacção dada pelo DL n.º 382-A/89, de 22 de Setembro, interpretado no sentido de impor a remição obrigatória total de pensões vitalícias atribuídas por incapacidades parciais permanentes do trabalhador/sinistrado, nos casos em que estas incapacidades excedam 30%, por violação do art.º 59, n.º 1 alínea f), da Constituição da República Portuguesa”.
Importa também referir que o Acórdão n.º 322/06, de 17-05-2006 do Tribunal Constitucional também julgou inconstitucional a norma constante do art.º 56.º do DL 143/99, de 30 de Abril, interpretada no sentido de impor independentemente da vontade do trabalhador a remição total de pensões cujo montante não seja superior a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data da sua fixação, atribuídas em consequência de acidentes de trabalho de que resultou uma incapacidade parcial permanente superior a 30% ocorridos anteriormente à data da sua entrada em vigor.

No sumário do referido Acórdão consignou o seguinte:

I - Impor ao beneficiário de uma pensão actualizável correspondente a um acidente ocorrido em 1960 a sua substituição por um capital de remição, obrigando-o a providenciar pela respectiva aplicação em termos de garantir, em idêntica medida, a sua subsistência, afecta de forma inaceitável a expectativa que legitimamente fundou na manutenção de um regime legal que lhe permita organizar a vida contando com o pagamento periódico e vitalício daquela quantia.
II - Embora o novo regime se explique por critérios de racionalidade económica, não se vê que tais vantagens (para as seguradoras) sejam aptas a prevalecer sobre o risco que dela poderá resultar para a subsistência do beneficiário que confiou na manutenção da pensão” – negrito nosso.

Por fim, importa realçar que o art.º 74.º do RLAT estabeleceu um regime transitório de remição de pensões, por força do qual as remições das pensões previstas na alínea d) do n.º 1 do art.º 17 e no art.º 33.º da Lei 100/97 serão concretizadas gradualmente, nos termos do quadro seguinte:
Períodos Pensão Anual
(contos)
Até 31 de Dezembro de 2000 .................. ..........- 8o
Até 31 de Dezembro de 2001 ...........................- 120
Até 31 de Dezembro de 2002 ...........................- 160
Até 31 de Dezembro de 2003 ...........................- 400
Até 31 de Dezembro de 2004 ...........................- 600
Até 31 de Dezembro de 2005 ...........................- >600

A questão que se coloca é a de apurar se em face ao regime transitório de remição de pensões se a pensão vitalícia fixada nestes autos é obrigatoriamente remível, o que apenas se verificará se for considerada de reduzido montante, uma vez que está em causa uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual.
Importa ainda relembrar que foi fixado ao sinistrado a IPP de 10,80 com IPATH, tendo este apenas requerida a remição facultativa da pensão, não lhe tendo sido dada qualquer possibilidade de se pronunciar sobre a eventual remição obrigatória da pensão.
Por outro lado, cabe-nos referir que apesar de a IPP não ser superior a 30% estamos na presença de uma Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual, a qual é de considerar de “equivalente”, para efeitos do juízo de inconstitucionalidade e da ratio que ao mesmo presidiu, a uma IPP de mais de 30%, pois nela se comporta um relevante grau de incapacidade permanente - no caso 100% - e à mesma corresponde, como regra, a uma pensão de valor significativo. Como se refere no citado Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 34/2006, proc. 884/2005, “…a própria teleologia da remição implica que nos casos de incapacidade absoluta ou elevada, só a subsistência de uma pensão vitalícia poderá precaver o sinistrado contra o destino, eventualmente aleatório, do capital resultante da remição obrigatória ...”
Vejamos se no caso se verificam os requisitos previstos para a remição obrigatória resultante do regime transitório de remição de pensões, tendo presente que o caso em apreço é equiparável a uma IPP superior a 30% para efeitos de ser ou não obrigatória a sua remição.
Em face da IPP de 10,80%, com IPATH foi atribuída ao sinistrado a pensão anual e vitalícia €76.049$00 (€355,84) devida desde 7/09/1983.
À data da fixação da pensão a remuneração mínima mensal garantida mais elevada cifra-se no montante de 13.000$00 correspondente a €64,80 (DL nº. 47/83, de 29.01), pelo que atento o critério definido pelo art.º 56 n.º 1 al. a) do RLAT, seis salários mínimos correspondiam a 78.000$00 (€388,80).
Daqui resulta evidente que o valor da pensão atribuída ao sinistrado (€355,84) é inferior ao valor correspondente a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data da sua fixação, reunindo por isso os requisitos para ser considerada de reduzido montante e declarada de obrigatoriamente remível ao abrigo da nova legislação.
Contudo, uma vez que o sinistrado não se pronunciou, nem veio requerer a remição obrigatória da pensão, tendo assim o tribunal a quo determinado a remição obrigatória independentemente da vontade do sinistrado, na senda do que tem vindo a ser decidido quer pela jurisprudência, quer pelo Tribunal Constitucional, no que respeita ao regime transitório da remição obrigatória de pensões, quando está em causa pensão resultante de incapacidade para o trabalho superior a 30%, consideramos que não estão reunidas as condições para fazer operar a remição obrigatória da pensão, tendo em conta o tipo e grau de incapacidade de que padece o sinistrado.
Impor ao sinistrado beneficiário de uma pensão anual, vitalícia e actualizável, devida desde Setembro de 1983, a sua substituição por um capital de remição afecta de forma inaceitável a expectativa que aquele legitimamente fundou na manutenção de um regime legal que lhe permita organizar a vida contando com o pagamento periódico e vitalício daquela quantia.
Em suma, apesar da pensão atribuída ao sinistrado reunir os requisitos previstos nos artigos 33.º da Lei 100/97 e 56.º n.º 1 alínea a), do DL n.º 143/99, para fazer operar a remição obrigatária ao abrigo do regime transitório de remição de pensões, atendendo ao tipo e ao grau de incapacidade de que ficou a padecer o sinistrado, por força da teleologia imanente à remição, consideramos que apenas a subsistência de uma pensão vitalícia “é apta a precaver o sinistrado contra o destino, eventualmente aleatório, do capital resultante da remição”.
Reafirmamos que o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional com força obrigatória geral a norma constante do art.º 56.º do DL 143/99, de 30 de Abril, interpretada no sentido de impor independentemente da vontade do trabalhador a remição total de pensões cujo montante não seja superior a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data da sua fixação, atribuídas em consequência de acidentes de trabalho de que resultou uma incapacidade parcial permanente superior a 30% ocorridos anteriormente à data da sua entrada em vigor.
Assim para fazer operar a remição total de uma pensão anual e vitalícia de reduzido montante, fixada ao abrigo da Lei n.º 2127, por força do regime transitório previsto no art.º 74.º da LAT, para além de terem de estar reunidos os requisitos previstos nos artigos 33.º da Lei 100/97 e 56.º n.º 1 alínea a), do DL n.º 143/99, é necessário que o sinistrado o requeira ou manifeste a sua concordância com a mesma, o que não sucedeu no caso em apreço.
De tudo isto resulta que o Tribunal a quo não podia ter imposto, independentemente da vontade do sinistrado, a remição total da pensão.
Neste sentido ver entre outros Ac. RP de 13/03/2006, proc. n.º 00545376 e Ac RL 24/03/2021, proc n.º 2445/14.0TTLSB.L2-4 de consultável in www.dgsi.pt.
Em face do exposto impõe-se a revogação do despacho recorrido no qual se ordenou a remição obrigatória da pensão.

V – DECISÃO

Pelo exposto, e ao abrigo do disposto nos artigos 87.º do C.P.T. e 663º do C.P.C., acorda-se, neste Tribunal da Relação de Guimarães em conceder provimento ao recurso e consequentemente revoga-se a decisão recorrida na qual se ordenou a remição obrigatória da pensão.
Sem custas.
Notifique.
4 de novembro de 2021

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Maria Leonor Barroso
Antero Dinis Ramos Veiga