Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
694/19.3T8VCT.G1
Relator: JOSÉ CARLOS PEREIRA DUARTE
Descritores: PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO
DISSOLUÇÃO E LIQUIDAÇÃO SOCIEDADE
ACÇÃO CONTRA OS SÓCIOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/15/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Tendo sido instaurado oficiosamente procedimento administrativo de dissolução de uma sociedade e, apesar de haver activo e passivo, não tendo o processo administrativo sido informado da existência dos mesmos; tendo o Sr. Conservador proferido decisão de dissolução e encerramento da liquidação da sociedade comercial, nos termos do n.º 4 do art.º 11º do RJPADLEC, não tendo essa decisão sido impugnada e tendo, em função disso, sido inscrita a dissolução e encerramento da liquidação da sociedade, por aplicação analógica do n.º 2 do art.º 165º do CSC, havendo activo e passivo, os credores poderão intentar acção comum contra os sócios da extinta sociedade, no Juízo de Comércio competente, pedindo a liquidação, sem necessidade de que seja considerada sem efeito, a decisão de encerramento da liquidação sociedade e ordenada a reabertura do procedimento para efeitos de liquidação do património da sociedade extinta.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

1. Relatório

Banco 1..., CRL intentou no Juízo Central Cível ... acção declarativa em processo comum contra AA [após rectificação da identificação da Ré, por despacho de 26/02/2019] pedindo:
I -
a.. reconhecer-se a existência de um crédito da autora sobre a “EMP01..., Lda.” no montante de € 461 872,33
b.. reconhecer-se que no procedimento administrativo de dissolução e liquidação da “EMP01..., Lda.” não foi considerada a existência de património - ativo e passivo - da sociedade
c.. considerar-se, sem efeito, a decisão de encerramento da liquidação da “EMP01..., Lda.”, e ordenar-se a reabertura do procedimento para efeitos de liquidação do património da sociedade extinta
II - Subsidiariamente:
a.. reconhecer-se a existência de um crédito da autora sobre a “EMP01..., Lda.” no montante de € 461 872,33
b.. reconhecer-se que no procedimento administrativo de dissolução e liquidação da “EMP01..., Lda.” não foi considerada a existência de património - ativo e passivo - da sociedade
c.. reconhecer-se a legitimidade à autora para requerer a liquidação do património da sociedade extinta, “EMP01..., Lda.”
III -
Subsidiariamente:
a.. reconhecer-se a existência de um crédito da autora sobre a “EMP01..., Lda.” no montante de € 461 872,33
b.. determinar-se que a ré deve efetuar todas as diligências necessárias para cobrança de todos os créditos da “EMP01..., Lda.”, e cumprir as obrigações da mesma
c.. determinar-se que a ré deve requerer a liquidação adicional do património da sociedade, com a menção de que deve ser pago primeiro o seu passivo e só depois, se restar algum ativo, poder ser feita a sua partilha

E alegou para tanto o seguinte:

Concedeu à EMP01..., Ldª dois empréstimos, os quais foram incumpridos, estando em dívida, respectivamente, as quantias de € 432.467,35 e € 14.503,01; e acordou com a mesma um crédito na modalidade de descoberto em conta, relativamente ao qual está em dívida a quantia de € 14.901,97; aos referidos montantes acrescem juros que se vencerem até integral e efectivo pagamento e a compensação de todas as despesas judiciais e extra-judiciais que a A. tenha de suportar até satisfação do seu crédito.

Em 2017 a Conservatória do Registo Comercial ... iniciou o procedimento administrativo de dissolução e liquidação da EMP01..., Ldª, por falta de depósito dos documentos de prestação de contas, relativos aos anos anteriores; no citado procedimento a sócia gerente não se pronunciou quanto à existência de qualquer activo ou passivo da sociedade; no âmbito do referido procedimento, a A., assim como os demais credores, nunca foi notificada, desconhecendo a sua abertura, não tendo dado a conhecer o seu crédito; não tendo sido dado a conhecer a existência de património da “EMP01...”, foi decidida a sua dissolução e, imediatamente, foi encerrada a respectiva liquidação e, consequentemente, lavrado o registo de cancelamento da matrícula a 13/03/2018.

A 11/06/2018 foi declarada a insolvência da EMP01...; a 06/07/2018 a A. reclamou créditos na mesma; a 12/07/2018 a CRComercial ... recusou o registo da insolvência “em virtude de a sociedade se encontrar com a matrícula cancelada”; em face desta informação o tribunal declarou extinta a instância no processo de insolvência, por impossibilidade superveniente da lide, e ordenou o arquivamento do apenso de reclamação de créditos; a A. interpôs recurso desta decisão, a qual foi mantida pela Relação de Guimarães.

Anos antes da extinção no âmbito no procedimento administrativo de dissolução, a “EMP01...” havia interposto uma acção no Tribunal Administrativo e Fiscal ..., contra, entre outros, o Conselho Nacional de Reserva Agrícola reclamando uma indemnização no montante de € 588.596,29; a acção foi julgada procedente, estando pendente recurso; está judicialmente reconhecido um crédito, o qual não foi considerado no procedimento administrativo de dissolução; a referida acção não se extinguiu com a extinção da EMP01..., prosseguindo os seu termos.

Tendo o procedimento administrativo de dissolução seguido os seus termos, com pressupostos de facto que não existiam, para tanto tendo contribuído os sócios, que não informaram o IRN da existência de passivo e ativo, deve ser considerado sem efeito o encerramento da liquidação da sociedade, devendo ser ordenada a sua reabertura para que seja assegurada a liquidação da sociedade dissolvida.

Caso assim não se entenda, deve reconhecer-se que não existe previsão legal na qual a referida situação se possa subsumir, devendo proceder-se a uma aplicação analógica do n.º 2 do art.º 165º do Código das Sociedades Comerciais, conferindo à A., na qualidade de credora, legitimidade para requerer a liquidação do património da sociedade.

E mesmo que assim não se entenda, deve reconhecer-se que recai sobre a Ré o dever de, mesmo em fase de liquidação da sociedade, cobrar os seus créditos e, mediante a realização de uma partilha adicional, assegurar o pagamento do crédito de que a A. é titular.

Foi proferida decisão a julgar competente para a acção o Juízo de Comércio e ordenada a remessa para o mesmo tribunal, decisão que não foi impugnada.

Citada a Ré, apresentou contestação.

Foi proferido despacho que ao abrigo do disposto no art.º 570º, nºs 3, 4, 5 e 6 do Cód. Proc. Civil, ordenou o desentranhamento da contestação, considerou confessados os factos e ordenou o cumprimento do n.º 2 art.º 567º do CPC.

Após pronúncia da A. foi proferida sentença cujo decisório tem o seguinte teor:
“Em conformidade com o exposto, julga o Tribunal a presente acção totalmente procedente e, em consequência, decide:---
i) reconhecer a existência de um crédito da autora sobre a “EMP01..., Lda.” no montante de € 461 872,33;---
ii) reconhecer que no procedimento administrativo de dissolução e liquidação da “EMP01..., Lda.” não foi considerada a existência de património - ativo e passivo - da sociedade;---
iii) considerar sem efeito a decisão de encerramento da liquidação da “EMP01..., Lda.”, e ordenar a reabertura do procedimento para efeitos de liquidação do património da sociedade extinta.---“

A 02/07/2020 BB intentou recurso de revisão, que constitui o apenso “A”, pedindo:
a) a revogação da sentença revidenda, por ter sido proferida numa acção que correu à revelia da Recorrente, por falta absoluta da sua intervenção, quando a mesma tinha de ter sido demandada nessa acção por a sociedade extinta ser, necessariamente, representada pelas duas sócias e, por conseguinte, ter sido citada para essa acção;
b) a anulação dos termos do processo posteriores ao momento em que a citação da Ré deveria ter sido feita;
c) a ordenação da citação da Recorrente para a causa.

A 22/09/2021 foi proferida sentença no referido apenso, cujo decisório tem o seguinte teor:
“Em conformidade com o exposto, julga o Tribunal o presente recurso extraordinário de revisão totalmente procedente, termos em que se decide:---
a) revogar a sentença proferida nos autos de acção de processo comum com o nº 694/19....;---
b) anular os termos do processo posteriores ao momento em que a citação da recorrente deveria ter sido feita;---
c) ordenar que a recorrente BB seja citada para os autos de acção de processo comum com o nº 694/19.....---“

Na ação principal, após a decisão do recurso extraordinário de revisão, citada, a Ré BB contestou por excepção invocando o erro na forma de processo, alegando que a A. olvidou as regras relativas à impugnação judicial da decisão do Conservador no âmbito do Regime Jurídico dos Procedimentos Administrativos de Dissolução e Liquidação das Entidades Comerciais (RJPADLEC) anexo ao DL 76-A/2006, de 29 de março e a caducidade do direito de impugnação judicial da decisão do conservador.

E aceitou alguns factos, impugnando os restantes.

Após resposta da A., a 23/10/2022 foi proferido despacho saneador que julgou improcedentes aquelas excepções, fixou o valor da causa, consignou o objecto do litigio e os temas da prova, admitiu a prova e designou data para julgamento.

Da decisão que julgou improcedentes as excepções, foi interposto recurso pela Ré.
Esta TRG, por Acórdão 16 de Fevereiro de 2023 julgou a apelação totalmente improcedente.

A 19/05/2023 foi proferida sentença com o seguinte decisório:
“Em conformidade com o exposto, julga o Tribunal a presente acção totalmente improcedente, termos em que decide absolver as Rés dos respectivos pedidos.----“

Interpôs a A. recurso, pedindo a revogação da sentença recorrida e, “em efeito, ordenar-se a análise da demais matéria de facto pertinente à decisão”, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:

1.ª - Com todo o devido respeito, que é muito, a recorrente não concorda com o entendimento desenvolvido pelo Tribunal a quo em matéria de direito e, pois, com a sua decisão final.
2.ª - Um dos pontos da discordância resulta do facto de o Tribunal a quo ter considerado a possibilidade de sujeição do caso sub judice ao estatuído no art. 12.º do RJPADLEC quando a recorrente crê que, há muito, se encontra decidida a não aplicação de tal disposição ao caso em apreço porque já no despacho saneador o Tribunal a quo decidiu que tal preceito legal não tinha aqui aplicação quando considerado o pedido formulado na ação e essa decisão, impugnada pela recorrida, viria a ser mantida pelo Tribunal da Relação de Guimarães.
Compreende-se que assim seja porque o art. 12.º do RJPADLEC regula apenas a forma de impugnação judicial da decisão do Conservador no procedimento administrativo de encerramento e liquidação de sociedades comerciais e nenhum dos pedidos da ação tinha como objeto tal impugnação.
3.ª - Outro dos pontos de discordância da recorrente relativamente à sentença
impugnada prende-se com o facto de o Tribunal a quo ter considerado estar impossibilitado de conhecer a existência de um crédito seu sobre a “EMP01... -..” por esta sociedade se encontrar extinta em virtude do procedimento administrativo de dissolução e liquidação se sociedades.
Ora, tal decisão mostra-se, no entender da recorrente, contrária à jurisprudência das nossas instâncias superiores que já firmou que, tendo-se baseado a dissolução/liquidação de sociedades por via administrativa em factos errados deve considerar-se que não têm efeito quer o encerramento da mesma (dissolução/liquidação) quer os atos de registo a este subsequentes. –
 vd. Ac. TRP, de 15.10.2015, proc. n.º 1132/13.0TYVNG.P1
4.ª - Isto significa então que no caso sempre seria necessário apurar a existência de património passivo e ativo da sociedade (o que se peticionava na ação) para perceber se a decisão administrativa de extinguir a “EMP01... -..” assentou em pressupostos errados e, nesse caso, dar sem efeito o encerramento da sociedade.
Assim, o Tribunal a quo ao decidir que a recorrente deveria ter peticionado o reconhecimento dos seus pedidos contra as rés, na qualidade de sócias da sociedade, desconsiderou a necessidade de se apurar se o procedimento de extinção da sociedade havia decorrido com base em pressupostos de facto verdadeiros e, nessa medida, subverteu não só a lógica do entendimento jurisprudencial que tem sido defendido nos nossos Tribunais, como toda a que se mostra subjacente ao instituto da responsabilidade no âmbito das sociedades comerciais.
5.ª - Com o devido respeito a recorrente também discorda do entendimento do
Tribunal a quo segundo o qual os pedidos formulados deveriam ter sido deduzidos, ao abrigo do disposto nos arts. 163.º e 164.º do CSC, contra as sócias na qualidade de liquidatárias porque a situação concreta não é subsumível à previsão de tais disposições já que, aos olhos da recorrente, não se pode considerar encerrada a liquidação porque a decisão de dissolução e imediato encerramento da respetiva liquidação teve por basse um pressuposto errado: o de que a sociedade não dispunha de património ativo/passivo.
- vd. Mircéa Isidora Araújo Delgado, “Dissolução e Liquidação das Sociedades Comerciais”, in Revista de Direito das Sociedades, Ano II, n.º 1-2, pp. 251 ss., 2010
- vd. arts. 147.º e 148.º do CSC
6.ª - Nestas circunstâncias, concluiu já a nossa jurisprudência que, seguindo o procedimento os seus trâmites com pressupostos de facto que não existiam, para tanto tendo contribuído os sócios da empresa que não informaram o IRN da existência de enorme passivo da empresa e ainda da existência de ativo desta, deve ser considerado sem efeito o encerramento da liquidação da sociedade.
- vd. TRP, de 15.10.2015, proc. 1132/13.0TYVNG.P1
- Ac. TRL, de 30.10.2014, proc. 2880/13.0 TBOER.L1-6
7.ª - Acresce que do registo comercial não resulta ter havido a partilha dos bens
da sociedade dissolvida e sendo que a partilha após liquidação tem que ficar acordada no prazo de 2 anos a contar da data da dissolução da sociedade sem que ainda tivesse sido acordada, conclui-se que não se encontra, até ao presente, encerrada a sociedade.
- vd. n.º 1 do art. 150.º do CSC
8.ª - A este propósito, imaginem-se as consequências que podem resultar caso
se considere aquela liquidação administrativa definitivamente encerrada tal como decidido pelo Tribunal a quo: o crédito que a “EMP01... -..” detém sobre o CNRA não poderá ser-lhe pago porque não dispõe de personalidade jurídica e, pela mesma razão, o crédito que a recorrente detém sobre a “EMP01... - …” não lhe poderá ser exigível.
Significa isto que, por um lado, os devedores da sociedade não terão a quem entregar os créditos de que a mesma era titular e, por outro, os credores da sociedade não poderão reclamar a satisfação dos seus créditos, apesar de a devedora possuir património suficiente para o seu cumprimento.
Há, assim, um conjunto de relações jurídicas que, em virtude de uma decisão de encerramento assente em pressupostos errados, perdem toda a sua eficácia.
9.ª - Acresce que não é viável a aplicação do regime consagrado no art. 164.º do CSC porque as sócias, continuando a pautar-se pela inércia com que têm atuado, não irão reclamar pelo recebimento dos créditos da “EMP01... -..” ou, caso o façam, não têm interesse na partilha adicional porque não a requerendo integram no seu património os créditos recebidos pela “EMP01... -..” e sem que a recorrente disponha de quaisquer garantias que lhe permitam afiançar que possa, de forma eficaz, lançar mão de uma ação judicial contra as mesmas, reclamando a sua responsabilidade até ao montante que receberam na partilha.
- vd. n.º 1 do art. 163.º do CSC
10.ª - Assim é desde logo porque a recorrente tem conhecimento da existência de outras dívidas assumidas pela sócia e recorrida AA, estando inclusivamente penhoradas as quotas de que era titular na sociedade dissolvida; já para não referir que numa ação desse género, diretamente instaurada contra as sócias da “EMP01... -..”, recai sobre o credor o ónus de provar qual o património do ex-sócio, por este recebido em partilha, que está afeto à satisfação do seu crédito.
Tal fragiliza em larga medida a posição da recorrente e beneficia, mais uma vez ilegitimamente, a posição das recorridas.
- vd. doc. n.º ...3 junto à p.i. (dep. 308/2011-10-28)
- vd. ac. TRL, de 12.07.2012, proc. 17316/09.3YIPRT e TRP, de 04.06.2013, proc. 5475/11.0TBMTS.P1
11.ª - A manter-se a decisão há um claro prejuízo para os credores da “EMP01... -..” e as suas sócias são as únicas a beneficiar desta situação pois que retiram proveitos ilegítimos de uma atuação no mínimo negligente da sua parte porque faltaram à verdade no procedimento administrativo de dissolução e liquidação da “EMP01... - …”
12.ª - Subsidiariamente, se não se entender dar sem efeito o encerramento da liquidação da “EMP01... -..”, deve sempre reconhecer-se que esta situação específica não encontra qualquer previsão legal na qual se possa subsumir e, seguindo a jurisprudência do STJ, deve reconhecer-se o acesso dos credores à via judicial para promoverem a liquidação da extinta sociedade numa aplicação por analogia do disposto no art. 165.º, n.º 2 do CSC e, por tal efeito, o reconhecimento de que a recorrente tem legitimidade para requerer a liquidação do património da “EMP01... - …”
- vd. Acs. STJ, de 18.01.2018, proc. n.º 2153/13.9TYLSB.L1.S2 e de 30.05.2017, proc. 593/14.5TBTNV.E1.S1
13.ª - Por fim, mesmo que assim não venha a ser entendido, deve reconhecer-se que recai sobre as sócias da “EMP01... -..” o dever de, mesmo em fase de liquidação da sociedade, cumprir todas obrigações por esta assumidas (designadamente cobrar os seus créditos e propor a partilha dos seus haveres sociais) e por isso o Tribunal a quo sempre deveria ter julgado procedentes as als. b) e c) do pedido subsidiário III do petitório da petição inicial porque não são mais do que a aplicação ao caso do que se mostra conjuntamente consagrado no regime legal geral.

Não consta que tenham sido apresentadas contra-alegações.

2. Questões a apreciar

O objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC), pelas conclusões (art.ºs 608º n.º 2, 609º, 635º n.º 4, 637º n.º 2 e 639º n.ºs 1 e 2 do CPC), pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso, cuja apreciação ainda não se mostre precludida.

O Tribunal ad quem não pode conhecer de questões novas (isto é, questões que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que “os recursos constituem mecanismo destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis” (cfr. António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª edição, Almedina, p. 139).

Pela sua própria natureza, os recursos destinam-se à reapreciação de decisões judiciais prévias e à consequente alteração e/ou revogação, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida.

Muito embora nos recursos também vigore o principio do dispositivo, a apreciação das questões do mesmo não está sujeita à ordem com que as mesmas são colocadas pelas partes mas à precedência lógico-jurídica por que as questões devem ser apreciadas, o que resulta quer do disposto na 1ª parte do n.º 2 do art. 608º, nº 2 do CPC, aplicável ex vi art. 663º, n.º 2 também do CPC, ao dispor que o “juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”, quer do principio da utilidade processual, plasmado no art. 130º do CPC .

A questão que cumpre apreciar é a de saber se os pedidos deduzidos pela A. devem ser julgados procedentes.

3. Fundamentação de facto

O tribunal a quo considerou:

A) Da matéria de facto provada
Os factos provados, com interesse para a decisão da causa, são os seguintes:-
3.1. Em 31.05.2011, a Autora, a solicitação da “EMP01..., Lda.”, concedeu-lhe um empréstimo, ao qual foi atribuído o n.º ...85, no montante de € 305.000,00.---
3.2. De acordo com o contrato outorgado entre as referidas partes: o prazo de empréstimo era de 120 meses, sendo amortizado em 120 prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira em 30.06.2011; o capital mutuado vencia juros postecipados, vencidos dia a dia, e pagos em períodos mensais; em caso de mora no pagamento de qualquer prestação de capital, de juros ou de outra obrigação, acresceria a sobretaxa de 4 pontos percentuais sobre as quantias em dívida e pelo tempo da mora; o não cumprimento das obrigações pela mutuária acarretaria o imediato vencimento e a exigibilidade de todas as demais obrigações.---
3.3. Para garantia do cumprimento de todas as obrigações decorrentes do referido empréstimo, a “EMP01..., Lda.” entregou à autora uma livrança por si subscrita.---
3.4. A “EMP01..., Lda.” não pagou a prestação do empréstimo que se venceu em 28.02.2013 e, por tal efeito, venceram-se as demais prestações e encargos relativos ao mesmo, estando em dívida, até à data da entrada da petição inicial nos presentes autos, o total de € 432.467,35.---
3.5. Em 05.01.2009, a Autora, a solicitação da “EMP01..., Lda.”, concedeu-lhe um empréstimo, ao qual foi atribuído o n.º ...41, no montante de € 50.000,00.---
3.6. De acordo com o contrato outorgado entre as referidas partes: o prazo de empréstimo era de 60 meses, sendo o empréstimo seria amortizado em 60 prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira em 05.02.2009; o capital mutuado vencia juros postecipados, vencidos dia a dia, e pagos em períodos mensais; em caso de mora no pagamento de qualquer prestação de capital, de juros ou de outra obrigação, acresceria a sobretaxa de 4 pontos percentuais sobre as quantias em dívida e pelo tempo da mora; o não cumprimento das obrigações pela mutuária acarretaria o imediato vencimento e a exigibilidade de todas as demais obrigações.--   
3.7. Para garantia do cumprimento de todas as obrigações decorrentes do referido empréstimo, a “EMP01..., Lda.” entregou à autora uma livrança por si subscrita.---
3.8. A “EMP01..., Lda.” não pagou a prestação do empréstimo que se venceu em 05.03.2013 e, por tal efeito, venceram-se as demais prestações e encargos relativos ao mesmo, estando em dívida, até à data da entrada da petição inicial nos presentes autos, o total de € 14.503,01.---
3.9. Em 31.03.2011, a “EMP01..., Lda.” solicitou à Autora um crédito na modalidade de descoberto em conta, ao qual foi atribuído o n.º ...96.---
3.10. Entre a autora e a “EMP01..., Lda.” ficou acordado, em síntese, o seguinte: a “EMP01..., Lda.” assumia a obrigação de pagar os valores que fossem sendo disponibilizados pela autora, assim como os respetivos juros, impostos, encargos e despesas; em qualquer altura a autora poderia exigir o saldo devedor nessa conta c - o saldo devedor vencia em cada momento juros à taxa de 18,000%; no caso de mora na amortização do saldo devedor, incidiria sobre as quantias em dívida, e pelo tempo da mora, a taxa de juros referida acrescida da sobretaxa de 4 pontos percentuais, a título de cláusula penal; no caso de incumprimento pela “EMP01..., Lda.” de qualquer uma das obrigações, vencer-se-ia imediatamente toda a dívida, tornando-se exigível e em mora tudo o que constituísse crédito da exequente; a “EMP01..., Lda.” fazia entrega à autora de uma livrança por si subscrita.---
3.11. Em 27.07.2013 o saldo devedor nessa conta ascendia a € 14.806,27.---
3.12. A “EMP01..., Lda.” não pagou esse valor, mesmo quando instada para o efeito, estando em dívida, até à data da entrada da petição inicial nos presentes autos, o montante de € 14.901,97.---
3.13. A “EMP01..., Lda.” interpôs acção contra, entre outros, o Conselho Nacional de Reserva Agrícola (CNRA), reclamando uma indemnização no montante de € 588.596,29, a qual correu termos sob o n.º ...95/03 no Tribunal Administrativo e Fiscal ....---
3.14. Naquela acção foi proferida sentença, aos 31.12.2013, a qual se não encontra ainda transitada em julgado por força de recurso pendente no STA, resultando a mesma julgada parcialmente procedente com a consequente condenação do citado réu a pagar à Autora, a título de lucros cessantes e despesas com honorários, a quantia que venha a liquidar-se em execução de sentença.---
3.15. Com data de 31.07.2017, por referência à “EMP01..., Lda.”, foi publicado no Portal da Justiça aviso pela Conservatória do Registo Comercial ..., nos termos do qual “ficam notificados os credores, a sociedade supra identificada, bem como os seus sócios e gerentes, de que teve início o procedimento administrativo de dissolução, pelo facto de, durante dois anos consecutivos, a sociedade não proceder ao registo da prestação de contas, nos termos do disposto na alínea a) do artigo 5.º do RJPADLEC, procedimento que corre termos sob o n.º ...70/2017, encontrando-se os documentos disponíveis para consulta nesta Conservatória”.---
3.16. Mais se publicitou que “se resultar dos elementos do processo a inexistência de activo e passivo, ou se não for comunicado no prazo estipulado a sua existência, a Conservatória declara simultaneamente a dissolução e o encerramento da liquidação; se dos elementos do processo resultar a existência de activo e passivo a liquidar, depois da dissolução segue a liquidação sem qualquer outra notificação”.--  3.17. No decurso do referido procedimento, as Rés, na qualidade de sócias não se pronunciaram quanto à existência de qualquer activo/passivo da sociedade, pese embora tivessem conhecimento quer dos contratos supra ids. celebrados com a Autora quer da decisão proferida no processo administrativo acima referido.---
3.18. Em 13.03.2018, não tendo obtido qualquer pronúncia por parte de qualquer dos interessados, a mesma Conservatória notificou a sociedade, os sócios, gerentes, credores e demais interessados de que, no âmbito do procedimento supra identificado, havia sido proferido o despacho final com a decisão de dissolução e encerramento da liquidação da sociedade comercial e o consequente cancelamento da sua matrícula, advertindo-os de que dispunham do prazo de dez dias a contar da mesma para impugnar judicialmente, querendo, a mencionada decisão, nos termos do artigo 12.º do RJPADLEC.---
3.19. Não tendo a mencionada decisão sido impugnada por qualquer dos interessados, a “EMP01..., Lda.” foi declarada extinta e encerrada, no seguimento do referido procedimento oficioso de liquidação, mediante a Insc. 5 – AP. ...09.---
3.20. À data da extinção da sociedade “EMP01..., Lda.”, ambas as rés eram sócias daquela, sendo a gerência exercida por AA desde ../../2012.---
3.21. Em 11.06.2018, no âmbito do processo n.º 1451/18...., que correu termos pelo Juízo Central Cível ..., desta Comarca, por sentença  transitada em julgado foi declarada a insolvência da sociedade “EMP01..., Lda.”.---
3.22. No âmbito do referido processo de insolvência, a ora Autora reclamou créditos no montante de € 472.859,58.---
3.23. Com data de 12.07.2018, a Conservatória ... recusou o registo da insolvência “em virtude da sociedade se encontrar com a matrícula cancelada, resultante da sua dissolução e encerramento da liquidação, feita oficiosamente, pela Conservatória do Registo Comercial ..., pela Ap. ...9”.---
3.24. Em face dessa informação, por despacho datado de 20.08.2018, foi declarada a extinção da instância referente ao processo n.º 1451/18...., por impossibilidade superveniente da lide.---
3.25. Subsequentemente, por despacho datado de 18.01.2019, veio aquele Tribunal a ordenar o arquivamento do apenso de reclamação de créditos, considerando não haver lugar à verificação e graduação daqueles, decisão esta que veio a ser confirmada pelo Tribunal da Relação de Guimarães.---

B) Da matéria de facto não provada

Inexistem factos não provados, com interesse para a decisão da causa.
           
4. Fundamentação de direito
4.1. Enquadramento jurídico – Dissolução e liquidação das sociedades comerciais

Os autos convocam a matéria da dissolução e liquidação das sociedades comerciais, cujo regime jurídico está distribuído pelos art.ºs 141º a 145º (dissolução) e 146º a 165º (liquidação) e pelo Anexo III ao DL 76-A/2006, de 29 de março, onde está plasmado o Regime jurídico dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação de entidades comerciais (doravante RJPADLEC) (cfr. art.º 144º do CSC, o qual dispõe que o ”regime do procedimento administrativo de dissolução é regulado em diploma próprio.”).

A dissolução constitui o efeito jurídico de determinados factos ou causas de dissolução e opera a modificação da situação ou do estatuto da sociedade dotada de personalidade jurídica (cfr. Ricardo Costa, in Código das Sociedade Comerciais em Comentário, II, 3ª edição, anotação ao art.º 143º, pág. 693-696 e 727-733) e que seguiremos de perto).

A dissolução não é o ato responsável pela extinção dessa personalidade, mas a primeira fase do processo, complexo, que conduz a essa extinção e, desse modo, à cessação do conjunto de direitos e deveres imputáveis à esfera jurídica do ente societário.

Na realidade, salvo quando a lei disponha de forma diversa, a dissolução tem como efeito a entrada da sociedade em liquidação (art.º 146º, n.º 1 do CSC), mantendo a mesma a personalidade jurídica e, salvo quando outra coisa resulte da lei ou da modalidade da liquidação, continuam a ser-lhe aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições que regem as sociedades não dissolvidas. (art.º 146º, n.º 2 do CSC), liquidação que constitui a segunda fase do referido processo de extinção.

A dissolução desencadeia a entrada da sociedade em liquidação, cujas finalidades são, “pelo que respeita aos sócios, evitar que as relações sociais, quer activas, quer passivas, passem a constituir relações pessoais de cada um dos sócios, ou em contitularidade com outros ou individualmente; definir e extinguir as relações mútuas dos sócios. No que toca aos credores, pretende-se (…) a satisfação dos seus créditos enquanto permanece o ente que juridicamente é devedor (ou o património deste).” (cfr. Raul Ventura, Dissolução e liquidação de sociedades, pág. 216).

Mas o “interesse dos credores só reclama a liquidação desde que exista um património autónomo.” (cfr. Raul Ventura, Dissolução e liquidação de sociedades, pág. 217).

“Em termos práticos a liquidação implica o levantamento de todas as situações jurídicas relativas á sociedade em liquidação, a resolução de todos os problemas pendentes que a possam envolver, a realização pecuniária (se for o caso) dos seus bens, o pagamento de todas as dívidas e o apuramento do saldo final, a distribuir pelos sócios. “  (cfr. António Menezes Cordeiro, in Direito das Sociedades, I, 5ª edição, pág. 1035).

No entanto há situações em que não se verifica a referida fase de liquidação, como sucede nos casos previstos nos art.ºs 11º, n.º 4 e 27º do Regime jurídico dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação de entidades comerciais, como veremos melhor adiante.

A sociedade considera-se extinta pelo registo do encerramento da liquidação (art.º 160º n.º 2 do CSC).

Quanto às causas da dissolução, tendo em consideração o objecto do recurso, apenas relevam as causas de dissolução administrativa oficiosa, que constam do art.º 143º do CSC e do art.º 5º do RJPADLEC.

Dispõe-se no art.º 143º do CSC, cuja epígrafe é “Causas de dissolução oficiosa”:
 “O serviço de registo competente deve instaurar oficiosamente o procedimento administrativo de dissolução, caso não tenha sido ainda iniciado pelos interessados, quando:
a) Durante dois anos consecutivos, a sociedade não tenha procedido ao depósito dos documentos de prestação de contas e a administração tributária tenha comunicado ao serviço de registo competente a omissão de entrega da declaração fiscal de rendimentos pelo mesmo período;
(…)”

E dispõe-se no art.º 5º do RJPADLEC, cuja epígrafe é “Início oficioso do procedimento”:
“O procedimento administrativo de dissolução é instaurado oficiosamente pelo conservador, mediante auto que especifique as circunstâncias que determinaram a instauração do procedimento e que identifique a entidade e a causa de dissolução, quando resulte da lei e ainda quando:
a) Durante dois anos consecutivos, a sociedade não tenha procedido ao registo da prestação de contas;
(…)”

Ricardo Costa, in ob. cit. pág. 728 entende que a alínea a) do art.º 143º, que não foi objecto de alteração em função do DL 318/2007, deve ser objecto de interpretação correctiva em função da especialidade do RJPADLEC.

O dever de apresentar contas consta dos art.ºs 65º a 66º- A do CSC e o dever de as registar está plasmado nos art.ºs 70º e 70ºA do CSC e 3º, n.º 1, alínea n), 15º, n.º1, 17º, 42º, e 53º-A, n.º 5, alínea a), do C Registo Comercial.

As causas de dissolução constantes dos normativos citados constituem “causas autónomas de dissolução das sociedades comerciais” (cfr. Paula Costa e Silva, Rui Pinto e Maria Leonor Ruivo, in DLA (Dissolução e liquidação administrativas) – Regime jurídico dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação de entidades comerciais”, Código das Sociedades Comerciais Anotado (coord. De António Menezes Cordeiro), 3ª edição, 2020, pág. 1773), ou seja, “bastam[-se] a si próprias, enquanto expressão de uma valoração legislativa conducente à extinção ágil da sociedade em circunstâncias particularmente censuráveis de subsistência da sociedade, tipicamente elencadas pela lei” (Ricardo Costa, ob. cit. pág. 733).

Face ao objecto do recurso, impõe-se uma análise sucinta do procedimento administrativo de dissolução iniciado oficiosamente e que está regulado no RJPADLEC.

Como já ficou referido, dispõe o artigo 5.º que o procedimento administrativo de dissolução é instaurado oficiosamente pelo conservador, mediante auto que especifique as circunstâncias que determinaram a instauração do procedimento e que identifique a entidade e a causa de dissolução, quando resulte da lei.

E nos termos do art.º 6º, n.º 1, iniciado o procedimento, o conservador lavra oficiosamente averbamento da pendência da dissolução, reportando-se a este momento os efeitos dos registos que venham a ser lavrados na sequência do procedimento.

Quando o procedimento seja instaurado oficiosamente são notificados a sociedade e os sócios, ou os respectivos sucessores, e um dos seus gerentes ou administradores (art.º 8º, n.º 1), devendo essa notificação dar conta do início dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação e conter os seguintes elementos:
- Cópia do auto e da documentação apresentada;
- Ordem de comunicação ao serviço de registo competente, no prazo de 10 dias a contar da notificação, do activo e do passivo da entidade comercial e de envio dos respectivos documentos comprovativos, caso esses elementos ainda não constem do processo;
- Solicitação da apresentação de documentos que se mostrem úteis para a decisão;
- Concessão de um prazo de 30 dias, a contar da notificação, para a regularização da situação ou para a demonstração de que a regularização já se encontra efectuada (prazo que pode ser prorrogado até 90 dias, a pedido dos interessados, nos termos do n.º 2 do art.º 9º);
- Aviso de que, se dos elementos do processo não for apurada a existência de qualquer activo ou passivo a liquidar ou se os notificados não comunicarem ao serviço de registo competente o activo e o passivo da entidade comercial, o conservador declara simultaneamente a dissolução e o encerramento da liquidação da entidade comercial;
- Advertência de que, se dos elementos do processo resultar a existência de activo e passivo a liquidar, após a declaração da dissolução da entidade comercial pelo conservador, se segue o procedimento administrativo de liquidação, sem que ocorra qualquer outra notificação (cfr. art.º 8º, n.ºs 1 e 2 art.º 9º n.º 1).

A notificação realiza-se através da publicação de aviso nos termos do n.º 1 do artigo 167.º do Código das Sociedades Comerciais, dando conta de que os documentos estão disponíveis para consulta no serviço de registo competente (art.º 8º, n.º 4).

O n.º 1 do art.º 167º do CSC dispõe que as publicações obrigatórias devem ser feitas, a expensas da sociedade, em sítio na Internet de acesso público, regulado por portaria do Ministro da Justiça, no qual a informação objecto de publicidade possa ser acedida, designadamente por ordem cronológica.

O sítio na Internet de acesso público é o identificado na Portaria 590-A/2005, de 14 de Julho, e cujo art.º 1º, n.º 1 se dispõe que as publicações obrigatórias referidas no artigo 167.º do Código das Sociedades Comerciais e no n.º 2 do artigo 70.º do Código do Registo Comercial fazem-se através do sítio da Internet de acesso público com o endereço electrónico www.mj.gov.pt/publicacoes, mantido pela Direcção-Geral dos Registos e do Notariado.

Nos termos do n.º 5 do art.º 8º, a realização da publicação prevista no número 4 é comunicada à entidade comercial e aos respectivos membros que constem do registo, por carta registada.

Deve ser igualmente publicado um aviso, nos termos do n.º 1 do artigo 167.º do Código das Sociedades Comerciais, dirigido aos credores da entidade comercial, comunicando que:
- Tiveram início os procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação;
- Devem informar, no prazo de 10 dias, os créditos e direitos que detenham sobre a entidade comercial em causa, bem como o conhecimento que tenham dos bens e direitos de que esta seja titular.
- O aviso de que, se dos elementos do processo não for apurada a existência de qualquer activo ou passivo a liquidar ou se os notificados não comunicarem ao serviço de registo competente o activo e o passivo da entidade comercial, o conservador declara simultaneamente a dissolução e o encerramento da liquidação da entidade comercial;
- A advertência de que, se dos elementos do processo resultar a existência de activo e passivo a liquidar, após a declaração da dissolução da entidade comercial pelo conservador, se segue o procedimento administrativo de liquidação, sem que ocorra qualquer outra notificação.
-  Informação de que a comunicação da existência de créditos e direitos que detenham sobre a entidade comercial em causa, bem como da existência de bens e direitos de que esta seja titular, determina a sua responsabilidade pelo pagamento dos encargos com os liquidatários e peritos nomeados pelo conservador, sem prejuízo os interessados podem exigir da entidade comercial o reembolso dos encargos pagos (cfr. art.º 9º, n.º 6, 8º n.º 1 e 4º, n.º 6).

Se do auto elaborado pelo conservador ou dos demais elementos constantes do processo não for apurada a existência de qualquer activo ou passivo a liquidar, o conservador declara simultaneamente a dissolução e o encerramento da liquidação da entidade comercial (cfr. art.º 11º, n.º 4) e os interessados são imediatamente notificados da decisão pela forma prevista nos n.os 4, 5 e 7 do artigo 8.º

Qualquer interessado pode impugnar judicialmente a decisão do conservador, com efeito suspensivo, no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão.  art.º 12º, n.º 1).

A acção judicial considera-se proposta com a sua apresentação no serviço de registo competente em que decorreu o procedimento, sendo de seguida o processo remetido ao tribunal judicial competente. (art.º 12º, n.º 2).

Após o trânsito em julgado da decisão judicial proferida, o tribunal comunica-a ao serviço de registo competente e devolve a este os documentos constantes do procedimento administrativo (art.º 12º, n.º 3)

Finalmente e no que releva, tornando-se a decisão definitiva, o conservador lavra oficiosamente o registo da dissolução e, nos casos a que se refere o n.º 4 do artigo 11.º, lavra simultaneamente o registo do encerramento da liquidação.

Mas coloca-se a uma questão de saber de que forma podem os credores obter pagamento dos seus créditos pelo activo existente, quando: foi tendo sido instaurado oficiosamente procedimento administrativo de dissolução de uma sociedade e, apesar de haver activo e passivo, não tendo o  processo administrativo não foi sido informado da existência dos mesmos; tendo o Sr. Conservador proferiudo decisão de dissolução e encerramento da liquidação da sociedade comercial, nos termos do n.º 4 do art.º 11º do RJPADLEC, não tendo essa decisão sido impugnada e tendo, em função disso, sido inscrita a dissolução e encerramento da liquidação da sociedade., de que forma podem os credores obter pagamento dos seus créditos pelo activo existente.

A questão foi apreciada pelo STJ, no Acórdão de 18/01/2018, proc. 2153/13.9TYLSB.L1.S2, consultável in www.dgsi.pt/jstj e citado pela recorrente.

Vejamos, em primeiro lugar, a situação ali apreciada e decidida e que se sintetiza no seguinte:
- foi instaurado oficiosamente procedimento administrativo de dissolução de uma sociedade;
- apesar de haver activo e passivo, ninguém informou o processo administrativo da existência dos mesmos;
- o Sr. Conservador proferiu decisão de dissolução e encerramento da liquidação da sociedade comercial, consignando que “do procedimento resulta a inexistência de activo e passivo a liquidar conforme dispõe o n.º 4 do art.º 11º do RJPADLEC”;
- a decisão não foi impugnada;
- em função disso foi inscrita a dissolução e encerramento da liquidação da sociedade e cancelada a matrícula;
- um credor interpôs no Juízo de Comércio acção comum contra os sócios da extinta sociedade, pedindo a liquidação da sociedade;
- a 1ª instância entendeu que se verificava a excepção dilatória de impossibilidade da lide e absolveu os RR. da instância;
- foi interposto recurso de apelação;
- a Relação confirmou a decisão recorrida, tendo considerado inaplicável o disposto no art.º 165º do CSC por o mesmo se reportar apenas e tão só à situação em que é declarada a nulidade ou anulação do contrato de sociedade e, assim, ser inaplicável à situação em que por força do procedimento administrativo de dissolução, a sociedade se mostra extinta, considerando ser aplicável àá situação o disposto no art.º 163º (consultada a base de dados da DGSI verifica-se que o Ac. da RL em referência, foi proferido a 04/05/2017, no processo 2153/13.9TYLSB.L1-8 e é consultável in www.dgsi.pt/jtrl).
- foi interposto recurso de revista excepcional, tendo o STJ julgado procedente o recurso, revogado o Acórdão recorrido e determinado o prosseguimento da acção em 1ª instância.

Para tanto o STJ ponderou, em primeiro lugar, a aplicabilidade do disposto nos artigos 163º e 164º do CSC, os quais dispõem:

Artigo 163.º
Passivo superveniente
1 - Encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada.
(…)

 Artigo 164.º
(Activo superveniente)
1 - Verificando-se, depois de encerrada a liquidação e extinta a sociedade, a existência de bens não partilhados, compete aos liquidatários propor a partilha adicional pelos antigos sócios, reduzindo os bens a dinheiro, se não for acordada unanimemente a partilha em espécie.
(…)

O STJ afastou a aplicabilidade de tais normativos por considerar, em primeiro lugar, que os mesmos “pressupõem que tenha existido liquidação”, o que não se tinha verificado na situação sub judice e, em segundo lugar, quanto ao n.º 1 do art.º 163º, por ter considerado que “dado que os antigos sócios nada receberam da extinta sociedade (porque não existiu partilha), demandá-los para que procedam ao pagamento das dívidas (…) será uma pretensão, muito provavelmente, improcedente” e, quanto ao n.º 1 do art.º 164º, considerou que “não prevê (…), a hipótese de não ter existido liquidação; tal como não prevê, em tais circunstâncias, a hipótese de os credores da sociedade promoverem a liquidação de bens não partilhados.”

Considerou também que “no RJPADLEC não se encontram normas que prevejam a hipótese de partilha superveniente, a requerimento dos credores, quando uma sociedade é dissolvida por via administrativa, sem uma efetiva fase de liquidação, por ter sido pressuposta a inexistência de passivo ou ativo.”

E neste contexto afirmou:
“Constata-se, pois, nesta matéria, a existência de uma incompletude do sistema normativo positivado (uma lacuna legal). Esta insuficiência legal não deve, porém, constituir um obstáculo ao aplicador do direito para encontrar a solução teleologicamente adequada ao caso concreto.

Não podendo o tribunal abster-se de julgar, invocando a falta de lei, como determina o art.8º, n.1 do Código Civil; estabelecendo a Constituição da República Portuguesa, no seu art.20º, n.1, que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos e, no seu art.202º, n.2, que na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos; determinando o art.2º, n.2 do Código de Processo Civil que a todo o direito corresponde a ação adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, impõe-se, no caso concreto, suprir a incompletude normativa da letra da lei.”

E afirmou a seguir:
“Demonstrada a existência de uma lacuna legal [Uma “lacuna de previsão”, nas palavras de José Oliveira Ascensão; O Direito – Introdução e Teoria Geral (13º ed.), pág.435] (nos termos supra referidos), cabe indagar, no quadro metodológico do art.10º do CC, se na previsão normativa do art.165º do CSC se encontra uma solução teleologicamente adaptável à necessidade de solução do caso decidendo.

O art.165º, n.1 do CSC prevê a hipótese de o contrato de sociedade ser declarado nulo ou anulado e impõe aos sócios a obrigação de procederem à liquidação do ente societário que, assim, fica sem personalidade jurídica e judiciária.

Esta obrigação de liquidação, a cargo dos sócios, é, em certa medida, equivalente à obrigação que o art.146º do CSC impõe aos sócios de procederem à liquidação quando a sociedade é dissolvida.

Todavia, caso a sociedade seja dissolvida, sem que os sócios procedam à respetiva liquidação, o art.146º não prevê expressamente a possibilidade de os credores requererem a liquidação judicial. [Apenas o n.º 6 do art.146º dispõe: “Nos casos em que tenha ocorrido dissolução administrativa promovida por via oficiosa, a liquidação é igualmente promovida oficiosamente pelo serviço de registo competente”.]

Esta possibilidade é, porém, prevista pelo n. 2 do art.165º do CSC (caso o contrato de sociedade seja declarado nulo ou anulado). Dispõe esta norma:
“Nos casos previstos o número anterior qualquer sócio, credor da sociedade ou credor de sócio de responsabilidade ilimitada pode requerer a liquidação judicial, antes de ter sido iniciada a liquidação pelos sócios, ou a continuação judicial da liquidação iniciada, se esta não tiver terminado no prazo legal”.

10. Existirá alguma razão para que aos credores de uma sociedade nula ou anulada seja conferido o direito de requerer a liquidação judicial dessa sociedade e idêntico direito não ser conferido aos credores de uma sociedade dissolvida?

Vejamos qual a finalidade da fase da liquidação, tanto após a dissolução da sociedade como após a declaração de nulidade ou anulação do contrato de sociedade.

Nas palavras de Raúl Ventura: “a fase da liquidação e o respetivo processo não são exclusivos da dissolução da sociedade, ou, por outras palavras, a dissolução da sociedade não é necessariamente o único facto que justifica o seguimento de uma fase de liquidação. A liquidação pretende atingir determinados fins: assegurar a satisfação dos credores antes de o ativo social ser partilhado pelos sócios; preparar a partilha pela redução do ativo a bens o mais possível partilháveis em condições de igualdade para os sócios. Sempre que tais fins existam, a liquidação deve ser ordenada pelo legislador e esse é o caso das sociedades nulas ou anuladas”[ Dissolução e liquidação de sociedades – Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, (reimpressão, 1999), pág. 496]

Não seria razoável pressupor que o legislador tivesse querido trata de forma diferente credores da sociedade que apresentam interesses essencialmente idênticos, no que respeita à promoção da fase da liquidação.

Ao prever que a liquidação seja promovida oficiosamente pelo serviço de registo competente (art.146º, n.6 do CSC), quando a dissolução da sociedade ocorre por via oficiosa, o legislador terá, certamente, pressuposto que por essa via (mais expedita do que a via judicial [Como afirma Paulo Olavo Cunha: “A intenção do legislador, ao introduzir o regime de dissolução e liquidação administrativas, na linha da desjudicialização do Direito Societário, é perfeitamente compreensível, uma vez que, como regra, não se pode dizer que os sócios beneficiem da liquidação judicial, nem sequer os credores – desde que o ativo seja suficiente para satisfazer o passivo – porque a liquidação judicial é sempre naturalmente mais demorada do que a extrajudicial”; Direito das Sociedades Comerciais, 6ª ed. (2016), pág 1051]) se encontrariam as soluções adequadas à satisfação dos legítimos interesses dos credores da sociedade dissolvida.

Concluindo-se que a via administrativa (o RJPADLEC) não permite acautelar cabalmente legítimos interesses dos credores da sociedade dissolvida, não pode o aplicador do direito resignar-se à conclusão de que o sistema não confere legitimidade aos credores para promoverem a partilha por via judicial [Pode, a este propósito, convocar-se a afirmação de Paula Costa Silva/Rui Pinto, segundo os quais: “o regime judicial permanece com aptidão para ser usado residualmente sempre que se trate de um caso não expressamente reservado à via administrativa ou quando expressamente o legislador assim o determine”, op. cit. pág. 1389].

Constatando-se a abertura do sistema à via judicial, feita pelo n. 2 do art.165º do CSC, deverá concluir-se que essa via se manterá igualmente aberta quando esteja em causa a reclamada tutela de interesses materialmente idênticos, como se verifica no caso concreto.

A identidade problemático-valorativa entre a hipótese prevista no art.165º, n.2 do CSC e a questão decidenda autoriza, no quadro do art.10º do CC, a analogia legis ou “judicativo-decisória” (nas palavras de António Castanheira Neves [16]) que permite eleger esse dispositivo legal como critério de realização material do direito do caso concreto.

Efetivamente, as hipóteses previstas no art. 165º do CSC (respeitantes ao destino dos bens das sociedades inválidas) e a hipótese do caso sub judice (insuficiência normativa do procedimento administrativo de dissolução) respeitam a problemas valorativamente equiparáveis, pelo que se justifica a convocação da solução jurídica que conduza aos mesmos efeitos práticos [Metodologia Jurídica – Problemas Fundamentais; Coimbra Editora (1993), pág. 245].”

O STJ analisa ainda três outras questões: qual o processo próprio; se a acção pode correr no Juízo de Comércio e a legitimidade activa e passiva.

E concluiu que:
- aplica-se o processo comum, observando-se a pertinente adequação formal;
- é competente o Juízo de Comércio, à luz do n.º 1 do art.º 128º da LOSJ;
- tem legitimidade activa quem for credor da sociedade extinta e tem legitimidade passiva os sócios.

Destarte, cremos poder extrair deste Acórdão - que, diga-se, acompanhamos –ao seguinteconclusão que os credores poderão intentar acção comum contra os sócios da extinta sociedade, no Juízo de Comércio competente, pedindo a liquidação, por aplicação analógica do n.º 2 do art.º 165º do CSC quando: foi tendo sido instaurado oficiosamente procedimento administrativo de dissolução de uma sociedade e, apesar de haver activo e passivo, não tendo o  processo administrativo não foi sido informado da existência dos mesmos; tendo o Sr. Conservador proferiudo decisão de dissolução e encerramento da liquidação da sociedade comercial, nos termos do n.º 4 do art.º 11º do RJPADLEC, não tendo essa decisão sido impugnada e tendo, em função disso, sido inscrita a dissolução e encerramento da liquidação da sociedade, por aplicação analógica do n.º 2 do art.º 165º do CSC, havendo activo e passivo., os credores poderão intentar acção comum contra os sócios da extinta sociedade, no Juízo de Comércio competente, pedindo a liquidação.

Sublinhamos a expressão “havendo activo e passivo” para significar que a possibilidade de aplicação analógica do n.º 2 do art.º 165º pressupõe a existência de activo por liquidar, pois só mediante a liquidação de tal activodo mesmo será possível dar pagamento aos credores.

Como deixámos referido supra, citando Raul Ventura, o “interesse dos credores só reclama a liquidação desde que exista um património autónomo.” (cfr. Raul Ventura, Dissolução e liquidação de sociedades, pág. 217).

Neste contexto, a existência de activo da sociedade, não liquidado, constitui um verdadeiro pressuposto da aplicação analógica do n.º 2 do art.º 165º do CSC e a sua inverificação determina a improcedência da acção.

4.2. Em concreto

Resulta do ponto 3.15. que com data de 31.07.2017 e por referência à “EMP01..., Lda.”, foi publicado no Portal da Justiça aviso pela Conservatória do Registo Comercial ..., nos termos do qual “ficam notificados os credores, a sociedade supra identificada, bem como os seus sócios e gerentes, de que teve início o procedimento administrativo de dissolução, pelo facto de, durante dois anos consecutivos, a sociedade não proceder ao registo da prestação de contas, nos termos do disposto na alínea a) do artigo 5.º do RJPADLEC, procedimento que corre termos sob o n.º ...70/2017, encontrando-se os documentos disponíveis para consulta nesta Conservatória”.---

E, como resulta do ponto 3.16., mais se publicitou que “se resultar dos elementos do processo a inexistência de activo e passivo, ou se não for comunicado no prazo estipulado a sua existência, a Conservatória declara simultaneamente a dissolução e o encerramento da liquidação; se dos elementos do processo resultar a existência de activo e passivo a liquidar, depois da dissolução segue a liquidação sem qualquer outra notificação”.--

Mais consta do ponto 3.17. que, no decurso do referido procedimento, as Rés, na qualidade de sócias não se pronunciaram quanto à existência de qualquer activo/passivo da sociedade, pese embora tivessem conhecimento quer dos contratos supra identificados celebrados com a Autora quer da decisão proferida no processo administrativo acima referido.---

Importa explicitar

Como consta do ponto 3.20., à data da extinção da sociedade “EMP01..., Lda.”, ambas as rés eram sócias daquela, sendo a gerência exercida por AA desde ../../2012.---

Por outro lado, resulta dos pontos 3.1. a 3.8., que a aqui A. concedeu à “EMP01..., Lda.” dois empréstimos, os quais foram incumpridos, estando em dívida, à data da entrada da petição inicial nos presentes autos quanto a um, a quantia de € 432.467,35 e quanto a outro a quantia de € 14.503,01.

Resulta ainda dos pontos 3.9 a 3.12 que a aqui A. concedeu à “EMP01..., Lda.” um crédito na modalidade de descoberto em conta; a 27.07.2013 o saldo devedor na conta ascendia a € 14.806,27, que aquela EMP01... não pagou, mesmo quando instada para o efeito, estando em dívida, à data da entrada da petição inicial nos presentes autos, o montante de € 14.901,97.

Neste contexto, podemos afirmar que a “EMP01..., Lda.” tinha o referido passivo, no total de € 461 872,33, sendo credora a aqui A..

A A. pede o reconhecimento da existência de um crédito da mesma sobre a “EMP01..., Lda.” no montante de € 461 872,33.

A sentença recorrida julgou a acção improcedente, tendo considerado, quanto a este pedido, estar “impossibilitado de o conhecer uma vez que a sociedade se encontra extinta. Deveria a Autora ter peticionado o reconhecimento de tal crédito sobre as rés individualmente na qualidade de ex-sócias.”

As RR. foram demandadas na qualidade de ex-sócias, pelo que não se compreende nem alcança o fundamento invocado.

Destarte o referido pedido deve ser julgado procedente.

Prosseguindo a análise, a A. invoca que anos antes da extinção no âmbito no procedimento administrativo de dissolução, a “EMP01...” havia interposto uma acção no Tribunal Administrativo e Fiscal ..., contra, entre outros, o Conselho Nacional de Reserva Agrícola reclamando uma indemnização no montante de € 588.596,29; a acção foi julgada procedente, estando pendente recurso; está judicialmente reconhecido um crédito, o qual não foi considerado no procedimento administrativo de dissolução; a referida acção não se extinguiu com a extinção da EMP01..., prosseguindo os  seu termos.

Vejamos se é assim.
Resulta dos pontos 3.13. e 3.14 que a “EMP01..., Lda.” intentou uma acção contra, entre outros, o Conselho Nacional de Reserva Agrícola (CNRA), reclamando uma indemnização no montante de € 588.596,29, a qual correu termos sob o n.º ...95/03 no Tribunal Administrativo e Fiscal ... (em rigor e como consta da cópia da sentença proferida pelo TAF ... e junta com a petição inicial, Réu era o Estado Português).

A 31.12.2013 foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente tendo condenado o Estado a pagar à ali Autora, “EMP01...”, a título de lucros cessantes e despesas com honorários, a quantia que venha a liquidar-se em execução de sentença.

Da referida sentença foi interposto recurso para o STA.

Desconhece-se qual o efeito atribuído ao recurso.

Mas dispõe o art.º 143º, n.º 1 do CPTA que, em regra, os recursos têm efeito suspensivo.

E, como decorre do art.º 160º do CPTA, a sentença só é exequível a partir do trânsito em julgado.

Diz-se que a sentença faz caso julgado quando a decisão nela contida se torna imodificável, visando garantir aos particulares o mínimo de certeza do Direito ou de segurança jurídica indispensável à vida de relação.

Não tendo aquela decisão transitado em julgado, por ter sido interposto recurso, o qual, tem no CPTA, em regra, efeito suspensivo, a mesma ainda pode ser modificada, pelo que não é certo nem seguro que exista na esfera jurídica da “EMP01...” aquele crédito.

Mas sendo assim, o que existe na esfera jurídica da EMP01... é um crédito litigioso, que o art.º 579º, n.º 3 do CC define como sendo “o direito que tiver sido contestado em juízo contencioso, ainda que arbitral, por qualquer interessado.”

Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos (art.º 405º do CC).

Por outro lado, a celebração de negócios jurídicos, tendo por objecto (mediato) créditos litigiosos, não só não é contrária à lei (cfr. art.º 280º do CC), como, aliás, está subjacente ao disposto nos art.ºs 263.º, n.º 1 (legitimidade do transmitente – substituição pelo adquirente) e 356.º (habilitação de adquirente ou cessionário), ambos do CPC.

Além disso, os mesmos podem, ainda, ser objecto de adjudicação ou transmissão na acção executiva (cfr. art.º 775.º, n.º 2, do CPC).

Neste contexto, existindo aquele direito litigioso (que emerge da decisão proferida no processo 1195/03, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal ..., que condenou o Estado Português a pagar à “EMP01..., Lda.” EMP01..., a título de lucros cessantes e despesas com honorários, a quantia que venha a liquidar-se em execução de sentença), não é possível deixar de considerar que existe na esfera jurídica da EMP01... um activo, na medida em que pode ser objecto de negócios jurídicos, que consiste num direito litigioso
           
Prosseguindo a análise, resulta do ponto 3.18. que a 13.03.2018, não tendo obtido qualquer pronúncia por parte de qualquer dos interessados, a Conservatória notificou a sociedade, os sócios, gerentes, credores e demais interessados de que, no âmbito do procedimento supra identificado, havia sido proferido o despacho final com a decisão de dissolução e encerramento da liquidação da sociedade comercial e o consequente cancelamento da sua matrícula, advertindo-os de que dispunham do prazo de dez dias a contar da mesma para impugnar judicialmente, querendo, a mencionada decisão, nos termos do artigo 12.º do RJPADLEC.---

De referir que a citada decisão não foi impugnada por qualquer dos interessados, pelo que mediante a Insc. 5 – AP. ...09, foi inscrita a dissolução e encerramento da liquidação da “EMP01..., Lda.” (cfr. ponto 3.19.).

No entanto e como se viu supra, a “EMP01...” tem passivo, sendo credora a aqui A. e tem activo, o direito litigioso acima referido.

A A. peticiona o reconhecimento de que no procedimento administrativo de dissolução e liquidação da “EMP01..., Lda.” não foi considerada a existência de património - ativo e passivo - da sociedade.

Face ao exposto, este pedido deve ser julgado procedente.

A A. pede, ainda, a título principal a A. pede seja considerada sem efeito, a decisão de encerramento da liquidação da “EMP01..., Lda.”, e ordenar-se a reabertura do procedimento para efeitos de liquidação do património da sociedade extinta.

E na petição inicial e agora no recurso cita para sustentar tal pedido dois Acórdãos:
- o Ac. da RL de 30/10/2014, proc. 2880/13.TBOER.L1-6, consultável in www.dgsi.pt/jtrl, no qual estava em causa a seguinte situação: a A. intentou uma acção contra a única sócia, gerente e liquidatária de uma sociedade, invocando que esta lhe devia determinada quantia e pedindo a condenação da ré a pagar a quantia em dívida; a ré, nas referidas qualidades, requereu a dissolução e liquidação da sociedade, declarando que a mesma não tinha activo nem passivo; foi registada a dissolução e liquidação da sociedade; aquelas declarações eram falsas porquanto a sociedade tinha uma divida para com a A. e tinha bens que ficaram no espaço que antes ocupava nas instalações da A.; a RL considerou que da leitura dos artigos 162º, 163º e 164º resulta que “depois de extinta a sociedade, os sócios sucedem-lhe na titularidade das respectivas relações jurídicas” e ainda que para “a efectivação desta responsabilidade dos sócios, posterior á extinção da sociedade, cabe ao credor o ónus de provar que, apesar da referida extinção, existe passivo não pago e, por haver responsabilidade limitada, também lhe cabe o ónus de provar a existência de activo social.”

- o Ac. da RP de 15/10/2015, proc. 1132/13.0TYVNG.P1, consultável in www.dgsi.pt/jtrp, em que estava em causa a seguinte situação: foi proferida sentença de declaração de insolvência de uma sociedade; posteriormente vem a verificar-se que em momento anterior à declaração da insolvência, em procedimento administrativo de dissolução da mesma sociedade, por não ser conhecido activo ou passivo, foi inscrita a dissolução e encerramento da liquidação; a sociedade tinha activo e passivo.
A RP confirmou a decisão da 1ª instância proferido nos autos de insolvência de que indeferiu a extinção da instância por impossibilidade da lide e considerou sem efeito o encerramento da liquidação da sociedade, o seu registo e o cancelamento da matrícula, determinando o prosseguimento do processo de insolvência, como consta do ponto III do sumário, que tem o seguinte teor:
Baseando-se a dissolução/liquidação de uma sociedade comercial em factos errados, no caso a falta de activo e de passivo, deve considerar-se que não têm efeito quer o encerramento da mesma dissolução/liquidação quer os actos de registo a este subsequentes, devendo sim prosseguir os seus ulteriores termos o processo onde posteriormente foi decretada a sua insolvência.

Em primeiro lugar impõe-se referir que, ao contrário do que a recorrente alega no seu recurso, o primeiro dos Acórdãos citados não concluiu que “seguindo o procedimento os seus trâmites com pressupostos de facto que não existiam, para tanto tendo contribuído os sócios da empresa que não informaram o IRN da existência de enorme passivo da empresa e ainda da existência de ativo desta, deve ser considerado sem efeito o encerramento da liquidação da sociedade.”

Tal apenas foi considerado no segundo dos citados Acórdãos, mas num contexto que o torna inaplicável nos autos, porquanto a situação que está subjacente é bem diferente da dos autos – ali estava em causa uma insolvência e o seu prosseguimento; aqui está em causa uma acção comum, em que o objectivo final é obter a liquidação do activo para dar pagamento ao crédito da A..

É certo que a factualidade provada faz referência ao facto de, em outro processo, que não este, ter sido requerida e declarada a insolvência da EMP01... e de posteriormente, face à recusa da Conservatória, de inscrição da insolvência, ter sido declarada extinta a instância (cfr. pontos 3.21 a 3.25 dos factos provados).

Mas precisamente porque este processo não é o processo de insolvência, aquela factualidade não tem aqui qualquer relevância, nem o Acórdão em referência, tem aqui aplicação.

E, como já vimos em sede de enquadramento jurídico o caminho a seguir é outro: tendo sido instaurado oficiosamente procedimento administrativo de dissolução de uma sociedade e, apesar de haver activo e passivo, não tendo o  processo administrativo sido informado da existência dos mesmos; tendo o Sr. Conservador proferido decisão de dissolução e encerramento da liquidação da sociedade comercial, nos termos do n.º 4 do art.º 11º do RJPADLEC, não tendo essa decisão sido impugnada e tendo, em função disso, sido inscrita a dissolução e encerramento da liquidação da sociedade, por aplicação analógica do n.º 2 do art.º 165º do CSC, havendo activo e passivo, os credores poderão intentar acção comum contra os sócios da extinta sociedade, no Juízo de Comércio competente, pedindo a liquidação, sem necessidade – acrescentamos agora -, de que seja considerada sem efeito, a decisão de encerramento da liquidação sociedade e ordenada a reabertura do procedimento para efeitos de liquidação do património da sociedade extinta

Destarte, este pedido não tem cabimento, devendo ser julgado improcedente.

A A. pede, ainda e a titulo subsidiário, que lhe seja reconhecida a legitimidade para requerer a liquidação do património da sociedade extinta, “EMP01..., Lda.”

Já vimos que é este o caminho adequado.

Uma vez que, como acima ficou referido, a “EMP01...” tem passivo, sendo credora a aqui A. e tem também activo, concretamente o direito litigioso acima referido, este pedido deve ser julgado procedente.

E, sendo assim, fica prejudicada a apreciação dos restantes pedidos subsidiários, constantes do ponto III. b. e c.

4.3. Dispensa do remanescente e custas
O n.º 7 do art.º 6º do RCP dispõe que nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente á complexidade da causa e à conduta processual das partes dispensar o pagamento.
Permite a lei que, numa acção de valor superior a € 275,000,00, o juiz dispense o pagamento da taxa de justiça correspondente à diferença ( por excesso ) entre o valor de € 275.000,00 e o valor da causa para efeito de custas.
Por outro lado, permite-se que o juiz o faça “de forma fundamentada”, atendendo, designadamente, á complexidade da causa e á conduta processual das partes.
A este respeito refere o Ac. do STJ de 14.02.2017., proferido no processo 1105/13.3T2SNT.L1.S1:
“Como é sabido, o Tribunal Constitucional afirmou recentemente “a ideia central de que a taxa de justiça assume, como todas as taxas, natureza bilateral ou correspectiva, constituindo contrapartida devida pela utilização do serviço público da justiça por parte do respectivo sujeito passivo”, afirmação esta que, aliás, constitui, em rigor, uma reafirmação do que já fora dito em Acórdãos anteriores. Em conformidade, muito embora o Tribunal Constitucional tenha reconhecido não existir propriamente uma equivalência rigorosa de valor económico entre o custo e o serviço, destacou também que é necessário que “a causa e justificação do tributo possa ainda encontrar-se, materialmente, no serviço recebido pelo utente, pelo que uma desproporção manifesta ou flagrante com o custo do serviço e com a sua utilidade para tal utente afecta claramente uma tal relação sinalagmática que a taxa pressupõe”. O Tribunal Constitucional sublinhou ser esta matéria, dos critérios do cálculo da taxa de justiça, uma “zona constitucionalmente sensível, sujeita, por isso, a parâmetros de conformação material que garantam um mínimo de proporcionalidade entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema público de administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efectivamente lhe foi prestado (arts. 2.º e 18.º n.º2 da mesma Lei Fundamental), de modo a impedir a adopção de soluções de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efectivo exercício de tal direito”.
É a esta luz que deve interpretar-se o n.º 7 do artigo 6.º do RCP: o mesmo consagra uma intervenção oficiosa do Juiz para salvaguardar aquele equilíbrio ou mínimo de proporcionalidade a que o Tribunal Constitucional se refere, entre a taxa de justiça cobrada ao cidadão e o serviço que, através dos Tribunais, o Estado lhe proporciona. Esta intervenção não deve ser concebida como uma mera faculdade ou um poder discricionário. Do mesmo modo que, a outro nível, o Código do Processo Civil consagra hoje, no seu artigo 6.º, um dever de gestão processual para tentar conseguir “a justa composição do litígio em prazo razoável”, o Juiz deve aqui ponderar a complexidade da causa (ou falta dela) e a conduta processual das partes para garantir a adequação entre a taxa cobrada e o serviço prestado.”
*
Nada há a assinalar à conduta processual das partes.
Relativamente à complexidade da causa, a mesma não tem expressão, apresenta-se a causa dentro dos padrões de normalidade.
Em face de tudo o exposto, impõe-se dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça em ambas as instâncias.
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As custas da acção e da apelação devem ficar a cargo da A. e das RR. na proporção do decaimento – art.º 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC - o qual, em função dos pedidos julgados procedentes e dos pedidos julgados improcedentes se fixa em, respectivamente, 25% e 75%.

5. Decisão

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da 1ª Secção da Relação de Guimarães em revogar parcialmente a decisão recorrida e, assim, julgar parcialmente procedente o recurso, e em consequência:
- reconhece-se que a A. tem um crédito sobre a “EMP01..., Lda.” no montante de € 461 872,33;
- reconhece-se que no procedimento administrativo de dissolução e liquidação da “EMP01..., Lda.” não foi considerada a existência de passivo (o referido crédito da A.) e activo (o direito litigioso - decisão proferida no processo 1195/03, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal ..., que condenou o Estado Português a pagar à “EMP01..., Lda.” EMP01..., a título de lucros cessantes e despesas com honorários, a quantia que venha a liquidar-se em execução de sentença);
- reconhece-se legitimidade à autora para requerer a liquidação do património da sociedade extinta, “EMP01..., Lda.”;
- considera-se prejudicada a apreciação dos pedidos constantes do ponto III. b. e c.
           
Custas da acção e da apelação por A. e RR. que se fixam na proporção de, respectivamente, 25% e 75%, dispensando-se o pagamento do remanescente.

Notifique-se
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Guimarães, 15/02/2024
(O presente acórdão é assinado electronicamente)

Relator: José Carlos Pereira Duarte
1º Adjunto: Alexandra Maria Viana Parente Lopes
2º Adjunto: Maria Gorete Morais