Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
218/08.8TBBRG.G1
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
AUTO-ESTRADA
ÓNUS DA PROVA
CONCESSIONÁRIO
LEI INTERPRETATIVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/23/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - Após a aprovação da Lei n.º 24/2007 de 18 de Julho, e tendo presente o disposto no respectivo artº 12º, passou a estar claro que, em caso de acidente rodoviário ocorrido em auto-estradas e provocado pelo atravessamento de animais, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança passou a impender sobre a concessionária.
II - A referida norma, porque tem natureza interpretativa, é de aplicação imediata, nada obstando, portanto, que um sinistro ocorrido em Dezembro de 2004, venha a ser apreciado/solucionado em função da respectiva estatuição normativa.
III - Não tendo a concessionária da auto-estrada logrado provar que a intromissão do animal/javali na via, não lhe é, de todo, imputável, não pode ela eximir-se à obrigação do pagamento dos danos patrimoniais causados a terceiro e utente do troço em operação e por si explorado.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães
1.Relatório.
O Município de.., intentou acção ordinária contra A....– Auto Estradas..,SA, e I..,SA, pedindo a condenação solidária das RR no pagamento da quantia de € 22.082,20, acrescida de juros desde a citação.
Para tanto , alegou, em síntese, que :
- No dia 14 de Dezembro de 2004 , na Auto-Estrada A11,ocorreu um acidente de viação, o qual se consubstanciou no embate entre o seu veículo automóvel de matrícula ..PV e um javali, tendo tal acidente ficado a dever-se a falta ou insuficiência de vedação no local do embate ( que não impediu a entrada do animal na via ), circunstância que é da inteira responsabilidade da A..-Auto Estradas..,SA, ré que porém havia transferido para a Ré Seguradora a sua responsabilidade por danos causados a terceiros;
- Em consequência do referido acidente, sofreu o autor diversos danos patrimoniais, designadamente os decorrentes do valor que teve que despender com a reparação do automóvel que ascendeu a € 8.125,90, a que acresce o valor da desvalorização do veículo que ascende a € 2.870,00 e do valor correspondente ao aluguer de veículo de substituição que ascendeu a € 11.086,30.
1.1.- Após citação, a Ré A..-Auto Estradas..,SA contestou, no essencial por impugnação, tendo do mesmo modo a Ré Seguradora apresentado contestação, por excepção (invocando a ilegitimidade passiva) e impugnação, e , proferido no final dos articulados o competente despacho saneador (tendo nele a primeira instância julgado a Ré Seguradora parte legítima) , fixando-se a matéria de facto assente e organizando-se a base instrutória da causa, procedeu-se finalmente à audiência de discussão e julgamento.
1.2.- No final da respectiva discussão, foi a matéria de facto decidida (sem reclamações), após o que proferiu o tribunal a quo sentença, sendo o respectivo excerto decisório do seguinte teor:
“Pelo exposto,
julga-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, decide-se:
a) Absolver a R I..,SA do pedido;
b) Condenar a R A.. - Auto Estradas.., SA a pagar ao A Município de.. a quantia de 21.212,20€ (vinte e um mil, duzentos e doze euros e vinte cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação e até integral pagamento.
Custas por autor e ré A.. na proporção do decaimento.”
1.3. - Inconformada com tal Decisão, da mesma apelou então a ré A.. – Auto Estradas.., SA, apresentando a recorrente na respectiva peça recursória as seguintes conclusões:
I. Entende a R., ora apelante, que o Tribunal a quo não analisou correctamente a prova produzida pelas partes, incorrendo em erro de apreciação da prova no que se refere à matéria dos artigos 4º, 5º, 6º, 7º, 9º, 12º, 19º, 20º, 21º, 22º e 23º, todos da douta b.i.;
II. Na verdade, resulta de modo bem evidente da transcrição efectuada no corpo destas alegações que a testemunha D.. (Sr. agente da BT) não assistiu ao acidente (aliás, mais ninguém assistiu), sendo o seu depoimento puramente especulativo, não servindo de forma alguma para provar o que constava dos artigos 4º, 5º, 6º, 7º e 9º, artigos esses que deviam ter sido dados como não provados ou, no máximo (e apenas quanto aos artigos 5º e 7º - e este último sendo em parte conclusivo,além do mais, quanto à impossibilidade para o condutor de evitar a colisão), que ocorreu um embate da parte da frente do veículo com um javali e que esse embate provocou a morte do animal;
III. Quanto ao artigo 12º da b. i., e para além de ser visível que a sua formulação é nitidamente conclusiva, temos que não foi feita qualquer prova pelo A. (e em sentido contrário foi claramente feita pela R. – vide respostas aos artigos 24º e 25ºda b. i.) que autorizasse a conclusão que o animal acedeu à via através da vedação ou logrando ultrapassá-la, motivo pelo qual devia igualmente ter merecido resposta negativa (não provado);
IV. Depois, e no que respeita ao artigo 19º da b. i., sendo rigoroso na apreciação dos dados existentes nos autos (i. e., ouvindo os depoimentos transcritos de P.. e de L.., consultando os documentos juntos aos autos pelo A. e considerando ainda a alínea B) da matéria assente – que o carro foi registado a favor do A. em Setembro de 2003), o Tribunal apenas podia ter dado como provado que o PV é da marca Volkswagen, modelo Passat, e que na data do embate tinha percorrido 89.959 Kms;
V. No que concerne aos artigos 20º e 21º da b. i., nada resulta do depoimento das citadas testemunhas (uma delas um mero aficionado, outra um profissional dos automóveis que, no entanto, não soube dizer em concreto – até porque não podia – em que estado se encontrava o automóvel à data do acidente) que consinta que se dê como provado o que constava perguntado naqueles itens da b. i., o que vale por dizer que a resposta a tais artigos devia (e deve) ser negativa;
VI. Finalmente, quanto aos artigos 22º e 23º da b. i., e pelas mesmas razões, mas também porque é evidente (apesar das aparentes coincidências) que nenhuma dessas testemunhas sabia (ou sabe) com um mínimo de rigor qual o valor venal do veículo à data do acidente (e quanto valia este novo) e qual – a ter havido – teria sido o valor da sua desvalorização, além de que não se explica a diferença de 3 anos entre a data da alegada compra e a do seu registo (ainda para mais, tratando-se de uma autarquia), entende igualmente a R./apelante que o A. não logrou provar o que destes itens constava e se propôs;
Isto posto,
VII. Certamente por mero lapso, a douta sentença cita erradamente legislação respeitante a uma outra concessionária de AE - que não relativa à R./apelante,portanto – e alude a Bases (nº XXXVI nº 2 e XLVII do DL nº 294/97, de 24/10) que não têm qualquer correspondência com o diploma legal que instituiu e aprovou as Bases da concessão da R./apelante (DL nº 248-A/99, de 6 de Julho);
VIII. Acresce que não se vislumbra (contrariamente ao que se diz na douta sentença) onde está previsto no diploma legal que respeita à R. ou então no artigo 12º nº3 da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho que esta R. só afastará a sua eventual responsabilidade se provar que ocorreu um caso de força maior, bastando para tal ler aquele DL nº 248-A/99, de 6 de Julho, mas também o nº 3 do artigo 12º citado (e este necessariamente em conjunto com o nº 2 do mesmo preceito legal);
Segue-se que,
IX. No que concerne à solução de Direito adoptada (Lei nº 24/2007, de 18 de Julho), temos que falece a razão à douta sentença do Tribunal a quo, desde logo porque inaplicável ao sinistro sub judice que, aliás, ocorreu em data bem anterior ao seu início de vigência (cfr. artigo 12º do Cód. Civil e ac. RP de 29 de Janeiro de 2008, in www.dgsi.pt, procurado pelos descritores “acidente de viação and auto-estrada”);
X. De resto, nada naquela Lei nos diz que é interpretativa de uma Lei anterior, diversamente do que sustenta a douta decisão, devendo designadamente presumir-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e exprimiu o seu pensamento adequadamente (vide Cód. Civil, artigo 9º nº 3);
XI. Segue-se que para que uma lei nova possa ser interpretativa é necessário que a solução do direito anterior seja controvertida e que a solução da lei nova se fique dentro dos quadros da controvérsia e de tal modo que a ela se poderia chegar sem ultrapassar os limites impostos à interpretação e aplicação da lei. Será antes inovadora se, em face de textos antigos, nem o julgador, nem o intérprete se podiam sentir autorizados a adoptar a solução que a lei nova consagra (Prof. Baptista Machado, ob. eloc. citados);
XII. Por isso, e com muito mais propriedade, estamos antes diante de uma lei inovadora (e que supre aquilo que foi considerado uma lacuna), exclusiva deste tipo de sinistros em AE, que não pode ter aplicação retroactiva (por não respeitar pelo menos um dos dois requisitos indicados pelo Prof. Baptista Machado – ultrapassa claramente os limites impostos à interpretação, integração e aplicação da lei, tanto na letra, como no espírito) e que, também por essa razão, afasta a solução assumida pela douta sentença de aplicar a Lei referida ao sinistro dos autos;
XIII. Recorde-se que aquela Lei nº 24/2007, de 18 de Julho teve origem no Decreto nº 122/X da Assembleia da República e este por sua vez nos projectos de lei nºs. 145/X do PCP e 164/X do BE, sendo que o elemento histórico a ter em conta na interpretação neste caso (e que se retira, de resto, daqueles projectos de lei, particularmente daquele do BE) nos indica que a preocupação foi a de inovar, de suprir uma lacuna do sistema, mantendo-se esta questão da responsabilidade das concessionárias no âmbito da responsabilidade delitual, mas inovando-se com a inversão do ónus da prova, antes a cargo do lesado;
XIV. Aliás, estava em vigor à data do sinistro (e ainda hoje está, lembre-se) a norma contida na Base LXXIII do Decreto-Lei nº 248-A/99, de 6 de Julho que, sem margem para qualquer dúvida (até pela própria epígrafe), situa no campo da responsabilidade extracontratual esta problemática;
XV. De forma que não se vê que a Lei tenha vindo interpretar (ou sequer de que forma o poderia ter feito) quer aquela Base LXXIII quer os artigos 483º e 487º do Cód. Civil;
XVI. Por outro lado, também não se vislumbra que esta Lei tenha vindo estabelecer uma presunção sobre as concessionárias de AE, seja ela de culpa ou de ilicitude (e mais uma vez o elemento histórico aí está para o demonstrar, como se vê da exposição de motivos do projecto de lei nº 164/X do BE), mas apenas operou uma inversão do ónus da prova, o que, aliás, também se alcança da leitura do artigo 12º nº 1 da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho que forçosamente teria então uma redacção diferente e parecida, pelo menos, com a do artigo 493º nº 1 do Cód. Civil como defendia p. e. o Prof. Sinde Monteiro – cfr. ac. desta RG de 23-9-2010;
XVII. Não é, por isso, aplicável a estes autos a Lei nº 24/2007, de 18 de Julho (e concretamente o seu artigo 12º nº 1) e também não é caso de inversão do ónus da prova, posto que o acidente dos autos eclodiu em data bem anterior à sua entrada em vigor;
XVIII. Nessa medida, e de harmonia, de resto, com o disposto na Base LXXIII citada, o sinistro dos autos só poderia ter sido enquadrado no âmbito da responsabilidade extracontratual, sendo certo que nesse caso, e como é evidente, impor-se-ia a absolvição da apelante;
XIX. Efectivamente, vale neste caso tanto o princípio basilar da responsabilidade civil extracontratual (Cód. Civil, artigo 483º nº 1), como o disposto nos nºs. 1 e 2 do artigo 487º do Cód. Civil, sendo que a aplicação deste último artigo (e concretamente do seu nº 1) não está de modo algum excluída, uma vez que não havia (ou há) presunção legal de culpa;
XX. De modo que, enquadrando-se (como tem de ser, face designadamente ao que consta da Base LXXIII) este sinistro no âmbito da responsabilidade delitual, incumbia ao apelado provar a culpa da concessionária neste sinistro – e este não a fez –, sob pena de esta última dever ser absolvida (como devia, aliás, ter acontecido);
Não obstante,
XXI. Ainda que se entenda – o que se faz apenas para efeito deste raciocínio – que a Lei referida é interpretativa e que, portanto, se aplica retroactivamente nesta hipótese, nem assim, e salvo o devido respeito, andou bem a douta sentença;
XXII. De resto, não sendo possível à apelante/concessionária (como a qualquer outra concessionária, aliás) evitar em absoluto que os animais ingressem na AE e, face ao que ficou provado, nada mais lhe devendo ser exigível em termos de conduta e de prova, parece claro que se impunha a sua absolvição, já que esta, muito mais que indiciariamente, de resto, demonstrou que cumpriu com as suas obrigações, concretamente com aquelas de segurança e mormente no que concerne ao bom estado da vedação;
XXIII. Incumbia assim ao apelado, nos termos previstos nos artigos 342º, 483º e 487º do Cód. Civil (e também de harmonia com a citada Base LXXIII), fazer a prova dos factos constitutivos do seu direito e bem assim a prova da eventual culpa da apelante/concessionária, de modo que só devia lograr obter a condenação desta se tivesse provado que as vedações da AE se apresentavam com deficiências à data do acidente e que o animal tinha ingressado na via mercê dessas deficiências ou então, e pelo menos, que a concessionária/apelante sabia da existência de um animal nas vias e nada fez para o remover e/ou sinalizar. Ora, sendo patente que o apelante não logrou provar nada disso, impunha-se a absolvição da R./apelante;
XXIV. Assim, no entendimento da apelante, a douta sentença violou o nº 1,alínea b) do artigo 12º da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho, os artigos 12º, 13º, 342º, 483º e 487º, todos do Cód. Civil e ainda a Base LXXIII do Decreto-Lei nº 248-A/99, de 6 de Julho;
XXV. Mas violou também o disposto nos artigos 570º do Cód. Civil e 14º do Cód. da Estrada, pois que nem sequer ponderou por que razão circulava o automóvel na ocasião na via central das três ali existentes (local onde aconteceu o acidente),quando não havia qualquer motivo válido para que não rodasse então na via da direita,pelo que por tudo isso deve a douta sentença ser revogada em conformidade com o aqui expendido e absolvendo-se a recorrente do pedido
Ainda sem prescindir,
XXVI. Caso não se entenda que a apelante deve ser absolvida – o que se faz apenas para efeito deste raciocínio -, parece-nos claro que a indemnização a atribuir ao apelado deve ser diminuída em € 2.000,00, uma vez que o A. não fez prova da alegada desvalorização do automóvel;
Finalmente,
XXVII. Também não assiste qualquer razão à douta sentença do Tribunal a quo na parte em que absolveu a co-R. seguradora, sendo manifesto pelo que decorre das Bases XXVI e LXIX nº 1 do DL 248-A/99, de 6 de Julho, das cláusulas 2ª e 5ª nº 1 das condições gerais da apólice de seguro, 8.1 das condições particulares da apólice de seguro e 7ª das condições especiais e particulares, que a co-R. seguradora é responsável (ainda que solidariamente) por todas as quantias que ultrapassem a franquia de € 5.000,00.
Termos em que se deve dar provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão de que se recorre, e por via disso, substituindo-se por uma outra que reaprecie e decida a prova sobre os artigos 4º, 5º, 6º, 7º, 9º, 12º, 19º, 20º, 21º, 22º e 23º da b. i. nos moldes defendidos nestas linhas pela apelante e que julgue totalmente improcedente a presente acção, bem como absolva a apelante do pedido, tudo com as necessárias consequências legais e como é de inteira JUSTIÇA.
1.4.- Tendo ambos apresentado contra-alegações, quer o Município de.., quer o I..,SA, defendem o acerto da sentença apelada, impetrando portanto que à apelação da Ré A..- Auto Estradas..,SA, seja negado provimento.
*
Thema decidendum
Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória , delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem ] da alegação da recorrente (cfr. artºs. 684º nº 3 e 690º, nº 1, do Código de Processo Civil ), sem prejuízo do disposto na última parte do n.º 2 do art.º 660º do mesmo Código, as questões a decidir resumem-se às seguintes :
I- Se devem ser modificadas as respostas que o tribunal a quo atribuiu aos artigos da base instrutória da causa com os nºs 4º, 5º, 6º, 7º , 9º, 12º, 19º, 20º, 21º, 22º e 23º ;
II- Se na sequência das alterações – na decisão de facto – pretendidas, se impõe a alteração do julgado, pois que, ao invés do entendimento do tribunal a quo, a responsabilidade do apelante só poderia assentar em ilícito extracontratual, estando o apelado autor obrigado à prova da culpa do apelante - o que não fez - , não existindo de resto qualquer presunção de culpa;
III- Aferir se a indemnização atribuída pela desvalorização do automóvel sinistrado peca por ser exagerada, devendo a mesma, quando muito, situar-se em 2000,00 €;
IV- Aferir se, a considerarem-se verificados os pressupostos da obrigação de indemnizar sobre a apelante, deve a apelada I..Companhia Seguradora responder, ainda que solidariamente, juntamente com a apelante.
***
2.Motivação de Facto.
Mostra-se fixada pelo tribunal a quo a seguinte factualidade :
2.1.- Entre a primeira e segunda rés foi celebrado um acordo através do qual a segunda declarou assumir a responsabilidade pelo pagamento de danos ocasionados a terceiros em virtude da exploração de vários lanços de auto-estrada da “Concessão Norte”, acordo esse em vigor no dia 14 de Dezembro de 2004 e titulado pela apólice nº .. com as condições gerais e particulares que constam de fls. 81 a 95 – al. A dos Factos Assentes (FA).
2.2.- A aquisição do veículo de matrícula ..PV encontra-se registada, desde 24.09.2003, a favor do autor – al. B dos FA.
2.3.- No dia 14 de Dezembro de 2004, cerca da 1.30 horas, na Auto-Estrada A11, cerca do Km 35, em Moreira, Braga, no sentido Braga/Guimarães, ocorreu um embate em que foi interveniente o veículo automóvel de matrícula ..PV, conduzido pelo Vereador do Pelouro.... do autor que conduzia a indicada viatura seguindo instruções do autor e no âmbito das funções que para aquele exerce – rezo. 1º e 2º da Base Instrutória (BI).
2.4.- Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 3º, o condutor do PV seguia no sentido Braga/Guimarães e pela faixa central da via direita, atento o mesmo sentido, a uma velocidade não superior a 100 Km/h, altura em que lhe surgiu a correr, vindo da esquerda para a direita, atento o seu sentido de marcha, um javali que lhe obstruiu a passagem – resp. 3º a 6º da BI.
2.5. - O condutor do PV não logrou evitar a colisão, embateu no javali com a parte da frente do PV e provocou a morte do animal – resp. 7º da BI.
2.6.- Destruiu parcialmente a frente da viatura, partindo o para-brisas e fazendo accionar os airbags – resp. 8º da BI.
2.7.- O condutor do PV, antes do embate, não podia visualizar o javali a tempo de evitar o choque, configurando-se a via, no local, como uma recta sem iluminação – resp. 9º e 10º da BI.
2.8.- No local do embate, a via tem cerca de 10,50 metros de largura, sendo o piso betuminoso e sem irregularidade e encontrando-se, na ocasião, o tempo seco – resp. 11º da BI.
2.9.- No local onde ocorreu a colisão a vedação da auto-estrada não era suficiente para impedir a entrada de javalis na via – resp. 12º da BI.
2.10.- Em consequência do choque, o PV ficou impossibilitado de circular, tendo sido rebocado para uma oficina que elaborou o orçamento de reparação e procedeu à mesma que custou a quantia de €8.125,90, que o autor pagou – resp. 13º e 14º da BI.
2.11.- Em virtude do embate, o PV esteve impossibilitado de circular desde 14.12.2004 e até à data da reparação por até esta última não lhe ter sido comunicada a resposta das rés subsequente à reclamação que lhe havia sido feita logo após o sinistro – resp. 15º da BI.
2.12.- Nesse período o autor esteve impossibilitado de utilizar a viatura, tendo de recorrer ao aluguer de outra pois o PV era utilizado nas deslocações dos três vereadores e, algumas vezes, da presidência – resp. 16º e 17º da BI.
2.13.- O autor despendeu com o referido aluguer, a quantia de € 11.086,30 – resp. 18º da BI.
2.14.- O PV é da marca Volkswagen, modelo Passat 1.9 TDI Trendline TIP, do ano 2000 e, na data do embate, tinha percorrido 89.959 kms, funcionando sem qualquer problema o seu motor e todos os demais órgãos mecânicos, não tendo a sua carroçaria quaisquer riscos, ferrugem ou amolgadelas e estando os estofos e tabelier novos, valendo, na mencionada data, o montante de €18.000,00, valor este que, face ao embate e não obstante a reparação, ficou reduzido a €16.000,00 – resp. 19º a 23º da BI.
2.15.- A auto-estrada, nas imediações do local onde ocorreu o embate, tinha vedações que se encontravam seguras e sem buracos no espaço de 1 Km antes e depois do local do embate, considerando ambos os sentidos de trânsito – resp. 24º e 25º da BI.
2.16.- No dia da colisão em causa nos autos, os colaboradores da primeira ré efectuaram mais do que um patrulhamento em toda a extensão da auto-estrada e passaram no local onde ocorreu o embate, uma vez entre as 0h23m e as 0h45m e outra vez após a 1h30m, ficando retidos no local devido à colisão em causa nos autos até às 4h,não tendo ali detectado a existência de outro animal para além do javali no qual embateu o PV – resp. 26º e 27º da BI.
2.17.- Aquando da deslocação ao local do embate da Brigada de Trânsito da GNR, não foi detectado nas imediações do local qualquer animal para além do javali no qual embateu o PV – resp. 28º da BI.
2.18.- No local onde se verificou a colisão, o sentido em que seguia o PV tem três vias de trânsito – resp. 29º da BI.
2.19.- De acordo com o Manual de Circulação e Segurança aprovado pelo Estado Português, esta comprometeu-se a efectuar passagens de vigilância no mesmo local com um intervalo máximo de três horas – resp. 30º da BI.
*
3.- Da impugnação da decisão proferida pelo tribunal a quo e relativa à matéria de facto, e no tocante às respostas conferidas ao perguntado nos artºs 4º, 5º, 6º, 7º , 9º, 12º, 19º, 20º, 21º, 22º e 23º, todos da Base instrutória da causa .
In casu mostram-se observadas (para que a modificação da matéria de facto seja possível) pela impugnante A..- Auto Estradas..,SA , as regras processuais a que alude o artº 685-B,nº1, alíneas a) e b), do CPC, tendo designadamente a recorrente especificado os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e indicado quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo de gravação nele realizada, que , no seu entender, impõem decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida , e , outrossim, verifica-se um dos pressupostos previstos no artº 712º, nº1, alínea a), do CPC, a saber, constam do processo todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa, a que acresce que, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, foi a factualidade impugnada “ atacada”, nos termos do artigo 685.º-A, do CPC.
Destarte , considerando o disposto no nº 2, in fine, do artº 712º, do CPC e, bem assim, os poderes oficiosos de que dispõe este Tribunal da Relação para alterar a matéria de facto com base no disposto no artº 646º, nº 4, do CPC, urge pois esmiuçar da pertinência da requerida modificabilidade da decisão de facto.
3.1.- Se devem ser alteradas as respostas dadas ao perguntado nos artºs 4º, 5º, 6º, 7º , 9º, 12º, 19º, 20º, 21º, 22º e 23º, todos da Base instrutória da causa.
A propósito, recorda-se que, nos apontados pontos de facto perguntava e respondeu o tribunal a quo, respectivamente , nos termos seguintes :
4 - (O PV seguia ) …a uma velocidade não superior a 100 Km/h…?
Resposta : Provado.
5.- ..altura em que lhe surgiu a correr, vindo da esquerda para a direita, atento o seu sentido de marcha, um javali…?
6.- … do qual só se apercebeu quando este se encontrava a cerca de dois metros da viatura e lhe obstruía a passagem?
Respostas : Provados com o esclarecimento que lhe surgiu a correr, vindo da esquerda para a direita, atento o seu sentido de marcha, um javali que lhe obstruiu a passagem.
7.- Apesar de tentar evitar a colisão, o condutor do PV não o logrou, embatendo no javali com a parte da frente do PV, provocando a morte imediata do animal…?
Resposta - Provado com o esclarecimento que o condutor do PV não logrou evitar a colisão, embateu no javali com a parte da frente do PV e provocou a morte do animal.
9 - O condutor do PV, antes do embate, não podia visualizar o javali a tempo de evitar o choque…?
Resposta : Provado
12.- No local onde ocorreu a colisão a vedação da auto-estrada não era suficiente para impedir a entrada de javalis na via?
Resposta : Provado
19.- O PV é da marca Volkswagen, modelo Passat 1.9 TDI Trendline TIP, do ano 2000 e, na data do embate, tinha percorrido 89.959 kms…?
Resposta : Provado
20.… funcionando sem qualquer problema o seu motor e todos os demais órgãos mecânicos…?
Resposta : Provado.
21.… não tendo a sua carroçaria quaisquer riscos, ferrugem ou amolgadelas e estando os estofos e tabelier novos…?
Resposta : Provado.
22.… valendo, na mencionada data, o montante de € 18.870…?
Resposta : Provado apenas que valia, na mencionada data, o montante de €18.000,00.
23….… valor este que, face ao embate e não obstante a reparação, ficou reduzido a €16.000?
Resposta : Provado.
Para tanto e no âmbito das respostas conferidas pela primeira instância , teceu o Exmº julgador, no tocante às respostas dadas aos artºs 4º a 9º da BI e formação da respectiva convicção , as seguintes considerações:
“ (…)
…… do auto de participação de acidente de viação de fls. 12 e 13 confirmado pelo depoimento da testemunha D.., cabo da GNR que procedeu à sua elaboração na sequência de se ter deslocado, após a sua ocorrência, ao local do embate que descreveu como uma recta sem iluminação, tendo o embate ocorrido na via da direita por ser local onde se encontrava o javali já morto.
Mais referiu que, caso o condutor do veículo circulasse a velocidade superior a 120 Km/h, não teria seguido em frente, como sucedeu, mas antes teria capotado e perdido a noção da estrada.
Considerando o exposto, a ausência de danos físicos para o condutor e os danos sofridos pelo veículo (cfr. fls. 15 a 17 confirmadas pela testemunha D..), o tribunal concluiu que o PV circulava a velocidade não superior a 100 Km/h.
Uma vez que o monte se situa do lado esquerdo da estrada, atento o sentido de marcha do veículo; o embate ocorreu numa recta sem iluminação; era de noite; a cor do javali era castanho escuro e a inexistência de rastos de travagem, o tribunal conclui, em conformidade com as regras da experiência e normalidade do acontecer, que o javali surgiu a correr vindo do monte, obstruiu a passagem ao PV, cujo condutor não o podia visualizar e por isso não logrou evitar embater no javali com a parte da frente do PV.”
Ex adverso, entende porém o apelante que ao perguntado nos artºs 4º, 5º ,6º, 7º e 9º, se impunha que o tribunal a quo tivesse respondido de uma forma negativa.
Vejamos, se lhe assiste razão.
A) Das respostas do quo ao perguntado nos artºs 4º, 5º, 6º, 7º e 9º.
Porque conveniente para a exacta compreensão pelas partes do nível de exigência que deve estar presente em sede de valoração dos meios de prova produzidos, quando na presença de acidentes de viação, importa desde logo precisar que no respectivo campo assumem particular senão decisiva importância o uso de presunções judiciais e/ou de regras da experiência, sabido que, por regra, nas subjacentes acções de responsabilidade civil a prova testemunhal produzida é escassa e não é directa (difícil é existirem testemunhas presenciais/oculares – que não os condutores dos veículos – que tenham apreendido todas as circunstâncias do acidente de viação), razão porque , desde logo, não se nos afigura pertinente elevar a fasquia da exigência de aprova a um nível tal que dificulte a tarefa do lesado.
Depois, recaindo é verdade sobre o lesado (quando se trate da responsabilidade extracontratual) o ónus da prova dos factos directamente relacionados com a culpa do agente, importa não olvidar que ao julgador é conferido um papel primordial em sede de apreciação da prova, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (cfr. artº 655º,nº1,do Código de Processo Civil), o que é o mesmo que dizer que em sede de apreciação/ponderação da prova produzida há-de o julgador socorrer-se da sua experiência e prudência, agindo sempre com inteira liberdade e com vista a chegar à solução/decisão que lhe parecer justa sobre cada facto quesitado (1).
E, para tanto, sendo certo que a prova tem por função a demonstração da realidade dos factos (cfr. artº 341º, do CC), tal demonstração não exige de todo uma convicção assente num juízo de certeza lógica, absoluta, sob pena de o direito falhar clamorosamente na sua função essencial de instrumento de paz social e de realização da justiça entre os homens .(2)
O que importa e se exige é que (3), em função de critérios de razoabilidade essenciais à aplicação do Direito, o julgador forme uma convicção assente na certeza relativa do facto , ou, dito de outro modo, psicologicamente adquira a convicção traduzida numa certeza subjectiva da realidade de um facto, existindo assim um alto grau de probabilidade (mas suficiente em razão das necessidades práticas da vida) da sua verificação.
De resto, como refere Castro Mendes (4), quer em sede de processo civil como no penal, o que se obtém, em última análise, é tão só uma verdade meramente formal (obtida dentro do processo), a qual pode porém não corresponder à realidade, ou à verdade simples e pura.
Concluindo, como o refere Othmar Jauernig (5), em sede de prova não se exige que o tribunal fique plenamente convencido da veracidade ou falsidade da alegação, bastando para formar a convicção judicial um tão alto grau de verosimilhança que não permita o surgimento de uma dúvida razoável, sendo que, em face da limitação das possibilidades humanas de conhecimento, mais não se pode exigir [não faz sentido exigir-se uma certeza absoluta, ou seja, matemática , sendo que, a propósito desta última, Gottfried Wilhelm Von Leibniz - Leipzig, 1 de Julho de 1646, Hanôver, 14 de Novembro de 1716 - , no seu debate com Isaac Newton acerca da natureza do tempo e do espaço, demonstrou que nem sequer na matemática existem certezas absolutas, mas apenas e tão só certezas probabilísticas ].
Dito isto, e iniciando a nossa análise relativamente à resposta conferida ao artº 4º da BI, é nossa convicção que , sendo verdade como o alude o apelante (e o “confessa” o a quo), que no essencial assenta ela apenas no depoimento da testemunha D.., cabo da GNR da Brigada de Trânsito e participante do acidente (que elaborou o documento/participação de acidente junto a fls. 12 e 13), o certo é que de testemunha idónea, credível e experiente (com experiência profissional acrescida no âmbito dos acidentes de viação), se trata, estando ela perfeitamente habilitada para atestar e conjecturar sobre as circunstâncias do acidente.
Recorda-se v.g. que, no tocante à velocidade do veículo, e socorrendo-se da sua experiência profissional, e , partindo da análise dos danos presenciados no veículo, da verificação do local de imobilização do veículo após o embate, do peso e corpulência do animal atropelado e do local da estrada onde ficou prostrado após a colisão, foi a testemunha peremptória e elucidativa no sentido de que dificilmente poderia o veículo PV circular a uma velocidade superior a 120 km/hora.
Ora, em face do exposto, considerando a segurança, isenção (é suposto tratar-se de cidadão zeloso e ciente dos deveres de colaboração com a justiça no sentido da descoberta da verdade, beneficiando o respectivo depoimento de leverage em face dos demais), e experiência do testemunho de D.., a razão de ciência invocada (examinou o local, a posição da viatura, o animal e os danos causados) a razoabilidade do juízo formulado, tudo obriga a concluir que a prova indicada pelo impugnante não permite sustentar exactamente a resposta do tribunal a quo quando nela se alude a uma velocidade de 100 Km/hora, que não a uma velocidade de 120 km/hora.
Destarte, procedendo em parte a impugnação do apelante, deve ao perguntado no artº 4º da BI responder-se :
“ Provado apenas que o PV seguia a uma velocidade não concretamente apurada, mas que não era superior a 120 Km/h.”
Incidindo agora a nossa atenção sobre as respostas ao perguntado nos artº 5º e 6º, da BI, assentam também elas no depoimento de D.., o qual precisou que, considerando as especificidades do local e os danos causados no veículo , tudo apontava/indicava que o animal era proveniente da mata/monte , que não do local contrario (porque mais movimentado, existindo um caminho público que vai para uma carreira de tiro, com muito público), razão porque terá ele, certamente, atravessado a estrada da esquerda para a direita - minutos 8.00 e segs.
Ora,tendo o tribunal a quo baseado a sua convicção no apontado depoimento, e não olvidando ainda as razões supra indicadas que aconselham a atribuir credibilidade a mesmo, nada obriga a alterar a resposta do a quo no tocante ao perguntado nos artºs 5º e 6º, da BI, que assim prima facie se devia manter.
Porém, porque a resposta da primeira instância é de alguma forma equívoca, dando a entender que se provou o perguntado in totum ( Provados com o esclarecimento) , acrescido de concreto esclarecimento, quando a verdade é que em rigor pretendeu o julgador responder ao perguntado de uma forma restritiva (retirando a alusão a “ do qual só se apercebeu quando este se encontrava a cerca de dois metros da viatura , e relativamente à qual de resto nenhuma prova foi produzida, pois que não foi ouvido o condutor do PV) , afigura-se-nos conveniente modificar tal resposta, passando a ter ela a seguinte redacção :
“ Provado apenas que ao PV, quando circulava, surgiu a correr, vindo da esquerda para a direita, atento o seu sentido de marcha, um javali que lhe obstruiu a passagem”.
Passando agora às respostas conferidas ao perguntado nos artºs 7º e 9º, e tal como se verificou com a resposta ao perguntado nos artºs 5º e 6º, importa antes de mais alterar a redacção da decisão de facto conferida ao artº 7º ( Provado com o esclarecimento ), pois que, em rigor, a resposta do a quo foi restritiva (o que melhor se apercebe em sede de factualidade provada vertida da sentença apelada), sendo considerado como não provada a referência a “ Apesar de tentar evitar a colisão “, e sobre a qual nenhuma prova foi produzida, não existindo de resto quaisquer sinais de travagem no local da colisão e que tenham sido indicados na participação do acidente.
Quando ao mais, deve a impugnação proceder, nomeadamente no que à resposta ao perguntado no artº 9º diz respeito, pois que, como bem refere a apelante, o perguntado mais não encerra do que um mero e manifesto juízo conclusivo e, como tal, nos termos do artº 646º,nº4, do CPC, importa considerá-la como não escrita .
B) Da resposta do quo ao perguntado no artº 12º da BI
Analisando agora a resposta positiva da primeira instância ao perguntado no artº 12º da BI ( perguntava-se : No local onde ocorreu a colisão a vedação da auto-estrada não era suficiente para impedir a entrada de javalis na via? ), importa desde logo reconhecer, como bem o refere a apelante, que estamos na presente de quesito ostensivamente conclusivo, pressupondo ele, por um lado a existência de uma vedação no local e, por outro, a insuficiência ou inutilidade ( v.g. porque de rede frágil; porque de metal com aberturas de dimensão y; porque de metal não fixado no solo e com uma altura x , permitindo assim que fosse transporto por animais de pequeno porte; etc, etc, ) da mesma vedação para responder à finalidade gizada com a sua colocação (impedir a passagem de animais para a via).
Ora, porque em rigor toda a supra apontada factualidade não foi pelas partes alegada nos respectivos articulados , e, ademais, porque carece o depoimento testemunhal de incidir sobre matéria de facto concreta , pois que, se o quesito contivesse a conclusão, em vez de conter os silogismos primários de que ela deriva ( factos positivos, materiais e concretos ) , as testemunhas viriam a ser interrogadas, não a respeito de factos susceptíveis de ser captados pelos sentidos, mas a respeito de juízos de valor formados sobre aqueles factos , não se descortina outra saída que não seja a de considerar a resposta do a quo ora em apreço.
Destarte, procedendo nesta parte a impugnação do apelante, e ao abrigo do disposto no artº 646º,nº4, do CPC, considera-se como não escrita a resposta do a quo.
C) Dos artºs 19º, 20º, 21º, 22º e 23º, todos da Base instrutória da causa.
Relativamente a todos os artºs da BI ora em análise, “explicou“ a primeira instância que as respectivas respostas (acima transcritas) “decorreram do depoimento da testemunha L.., sócio-gerente da Garagem.. que procedeu à elaboração do orçamento de reparação e procedeu à mesma, que referiu que o PV, na sequência do acidente, deixou de circular pelo que foi rebocado para a oficina, confirmou o valor do orçamento e da reparação paga pelo A, os quais constam do teor dos documentos de fls. 18 a 24, bem como o estado em que se encontrava o veículo antes do embate, o seu valor antes do embate e a desvalorização dele decorrente.”
Ex adverso, considerando o apelante que a convicção da primeira instância formou-se/ancorou-se em depoimentos genéricos de duas testemunhas ( o P.. e L..) , é seu entendimento que não poderia o a quo, no tocante aos supra apontados quesitos, ter respondido de forma positiva.
Ouvidos porem ambos de depoimentos, na íntegra, não se descortina porém fundamento bastante para as “reticências” apontadas pelo apelante à “credibilidade “ e/ou consistência de ambas as testemunhas, recordando-se v.g. que o P.. revelou idoneidade e conhecimento dos factos (à data do acidente era o Chefe de Gabinete do Presidente da Câmara), tendo sido convincente e peremptório em afirmar o bom estado do veículo, sendo o Passat de 2000 e tendo sido sempre assistido por regra na marca Volkswagen .
Do mesmo modo, também a testemunha L.., porque trabalhava na empresa que vendeu o Passat à Câmara, revelou conhecer o ano da sua venda, o seu nº de Kms aproximado, dizendo tratando-se de uma viatura que era utilizada por vereadores e pelo Presidente, sendo portanto bem “estimada e tratada”, e como tal, estava em bom estado ( minutos 9 e segs da gravação ).
Qualquer das apontadas testemunhas, portanto, com conhecimento dos factos, e tendo prestado depoimentos isentos, precisos e “distanciados” no tocante a quaisquer das partes, devem como tal ser valorados, ou seja, sem preconceitos.
Destarte, improcede in totum a impugnação do apelante, apenas merecendo a resposta ao perguntado no artº um pequeno “ corte”, pois que, em rigor, da prova produzida não resultou se o Passat era um 1.9 TDI Trendline TIP.
Em consequência, altera-se a resposta ao perguntado no artº 19, passando a ser ela do seguinte teor, mas mantendo-se inalteradas todos as restantes:
19.- Provado apenas que o PV é da marca Volkswagen, modelo Passat, do ano 2000 e, na data do embate, tinha percorrido 89.959 kms.
*
4-Motivação de Direito.
4.1.- Se na sequência das alterações – na decisão de facto – pretendidas, se impõe a alteração do julgado, pois que, ao invés do entendimento do a quo, a responsabilidade do apelante só poderia assentar em ilícito extracontratual, estando o apelado autor obrigado à prova da culpa do apelante - o que não fez - , não existindo de resto qualquer presunção de culpa.
Iniciando agora a nossa análise do julgado, importa recordar, em traços gerais, quais as razões aduzidas pelo tribunal a quo para, a final, concluir pela responsabilização da apelada no que à verificação do acidente concerne.
Diz-se na sentença apelada, designadamente que :
“(…)
No caso sub judice está em causa a responsabilidade das concessionárias de auto-estradas por acidentes nelas ocorrido em razão de animais que aí se introduzem.
As decisões proferidas nos tribunais nem sempre têm sido coincidentes.
(…)
Igualmente a doutrina se pronunciou sobre a questão debatida, da natureza jurídica da responsabilidade cível das concessionárias de auto-estradas, sustentando uns ocorrer a responsabilidade extracontratual (v.g. os Profs. Meneses Cordeiro - in Igualdade Rodoviária e Acidentes de Viação nas Auto-Estradas, Estudo do Direito Civil Português, 2004, pág. 56 e Carneiro da Frada in parecer apresentado na Revista deste STJ nº 650/07) e outros a responsabilidade contratual (v.g. Prof. Sinde Monteiro in Revista de Legislação e Jurisprudência anos 131- 41 e segs., 132º 29 e segs. e 133º 27 e segs.).
No entanto, a Lei 24/2007 de 18/7 veio estabelecer no seu art. 12º:
“1- Nas auto-estradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respectiva causa diga respeito a:
Objectos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem;
b) Atravessamento de animais;
c) Líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais”.
Perante esta disposição é hoje claro que em caso de acidente rodoviário em auto-estradas, em razão do atravessamento de animais, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança pertence à concessionária.
Na verdade, este dispositivo pôs fim à polémica relativa ao ónus da prova, remetendo a discussão sobre a natureza jurídica da responsabilidade civil das concessionárias de auto-estradas para fundamentos meramente teórico/académicos.
Porém, antes discutia-se o ónus da prova da culpa e hoje a lei fala em ónus da prova do cumprimento, o que se revela irrelevante na medida em que também na responsabilidade contratual, como decorre do disposto no art. 799º nº 1 do CCivil, incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua. Resulta desta presunção que ela abrange não só a culpa como também a ilicitude do devedor. Na origem do não cumprimento existe uma conduta ilícita do devedor e que essa conduta é também culposa (vide Prof. Carneiro da Frada in Contrato e Deveres de Protecção, Coimbra 1994, págs. 92 e segs. referido no dito parecer).
Nos termos do art. 12º nº 1 do CCivil as normas, em regra, não têm aplicação retroactiva, razão porque não de deveria aplicar, em princípio, à situação em causa, já que ocorreu antes da entrada em vigor do dito preceito.
Todavia as leis interpretativas devem integrar-se na lei interpretada e consequentemente têm aplicação imediata. A lei interpretativa deve considerar-se como remontando à data da lei interpretada. Assim o entende a doutrina dominante, não só nacional, mas também estrangeira (vide a este propósito “Da Aplicação das Leis no Tempo, Emídio Pires da Cruz, Lisboa, 1940). A retroactividade neste âmbito resulta de as leis interpretativas fazerem corpo com a lei interpretada, constituindo uma única lei. Não contêm nenhum princípio novo de direito. Consequentemente, os tribunais aplicando as leis interpretativas, estão, no fundo, a empregar a lei interpretada.
Por conseguinte e uma vez que a disposição referenciada consagra uma das soluções controvertidas pela doutrina e jurisprudência e resolveu um problema, cuja solução constituía até ali matéria de debate, dando-lhe uma solução dentro dos quadros de controvérsia anteriormente estabelecida, entende-se que a mesma configura uma norma interpretativa e, por ter aplicação imediata (retroactiva), terá aplicação ao caso vertente.
Assim, face à disposição referenciada, tendo um javali entrado na auto-estrada e determinado o acidente, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança pertence à concessionária, isto é, à R. A...
(…)
Conhecidas as razões da primeira instância para concluir pela responsabilização da apelante, adianta-se desde já que com elas se concorda, mostrando-se o entendimento do tribunal a quo devidamente amparado pela mais recente jurisprudência do nosso mais alto Tribunal, permitindo-nos destacar, de entre várias outros, v.g., os Ac.s de 9/9/2008 (Relator Garcia Calejo), de 2/11/2010 (Relator Fonseca Ramos) , de 8/2/2011 (Relator Paulo Sá ) e de 15/11/2011 (Nuno Cameira) (6), todos eles apontando para a natureza interpretativa e de aplicação retroactiva da Lei n.º 24/2007, de 18.7, isto por um lado e, por outro, para o entendimento de que, em face do disposto no art. 12.º da referida Lei, é hoje claro que, em caso de acidente rodoviário em auto-estradas, em razão do atravessamento de animais, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança pertence à concessionária.
Tal equivale a dizer, v.g., diz-se no Ac. citado de 9/9/2008, “A Concessionária só afastará essa presunção, se demonstrar que a intromissão do animal na via, não lhe é, de todo, imputável, sendo atribuível a outrem. Terá de estabelecer positivamente qual o evento concreto alheio ao mundo da sua imputabilidade moral, que lhe não deixou realizar o cumprimento.”, em suma, dir-se-á que , ao colocar a cargo da concessionária o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança, ocorrendo claro está os factos que prevê no seu art. 12º, nº1, tal equivale a dizer que o legislador “ (…) acaba por abrir caminho por um dos termos da equação da responsabilidade civil contratual, por contraponto à responsabilidade civil extracontratual”, optando assim pelo instituto da responsabilidade contratual.(7)
Ora, subscrevendo-se na íntegra o apontado entendimento, relativamente ao qual não descortinamos de resto que existam razões pertinentes e suficientemente fortes que “obriguem“ a dele divergir (8), é assim nossa convicção que o tribunal a quo decidiu com acerto, sendo que, após a Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho, como que deixou de fazer sentido a vexata quaestio que até então vinha ocupando/entretido doutrina e jurisprudência no tocante à natureza responsabilidade da concessionária perante o lesado, designadamente se tinha ela natureza contratual, arrastando consequentemente a presunção de culpa da concessionária, e obrigando esta a provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procedia de culpa sua ( cfr. artº 799º, nº 1, do CC), ou , ao invés, tinha natureza extra-contratual, fazendo recair sobre o lesado o ónus da prova da culpa do autor da lesão, nos termos gerais (artº 487º, nº 2, do Cód.Civil ).
Não se olvida que, in casu , logrou a apelante provar que ( item 2.15) “ a auto-estrada, nas imediações do local onde ocorreu o embate, tinha vedações que se encontravam seguras e sem buracos no espaço de 1 Km antes e depois do local do embate, considerando ambos os sentidos de trânsito “ e que, “ no dia da colisão em causa nos autos, os colaboradores da primeira ré efectuaram mais do que um patrulhamento em toda a extensão da auto-estrada e passaram no local onde ocorreu o embate, uma vez entre as 0h23m e as 0h45m e outra vez após a 1h30m, ficando retidos no local devido à colisão em causa nos autos até às 4h, não tendo ali detectado a existência de outro animal para além do javali no qual embateu o PV “.
Porém, para nós, está-se ainda assim perante factualidade escassa e insuficiente para, por si só, e como o pretende, poder a concessionária eximir-se à responsabilidade que para si emerge do comando do artº 12º, nº1, alínea b), da Lei 24/2007 de 18/7, mais não provando ela do que o cumprimento ( e ainda parcialmente, no tocante a parte do local da auto-estrada, ainda que próxima do local do embate do veículo no animal) da sua obrigação de segurança e vigilância , decorrentes do contrato de concessão.
Do mesmo modo, não se esquecendo que em sede de impugnação da decisão do a quo sobre a matéria de facto ( cfr. item 3.1.-B, do presente Ac. ), se impôs a eliminação da resposta ao perguntado no artº 12º da BI da causa, ( respondeu-se provado que “ No local onde ocorreu a colisão a vedação da auto-estrada não era suficiente para impedir a entrada de javalis na via”), não é outrossim tal desfecho susceptível de alterar o julgado pela primeira instância, maxime considerando as regras do ónus da prova aplicáveis, pois que, como vimos já, não incide sobre a apelada o ónus da prova do incumprimento das obrigações de segurança da concessionária, antes é a apelante que incumbia o ónus da prova de que não deixou de realizar o cumprimento das suas obrigações.
Por fim, importa tão só adiantar que, no âmbito de toda a factualidade assente, não é de todo a matéria vertida nos itens 2.4. e 2.18 da motivação de facto ( circulando o PV na faixa central) minimamente causal do acidente/atropelamento do javali, razão porque não pode ela , manifestamente, servir de causa de exclusão da responsabilidade da apelante.
E, sendo assim como é, e em conclusão, porque mais não se justifica adiantar (cfr. artº 713º,nº5, do CPC), pois que de matéria/questão que foi já ex abundantis analisada/apreciada, considerando-se não ter a apelante logrado afastar a presunção de incumprimento que sobre si impende, a apelação improcede no tocante às conclusões vertidas nos itens VII a XXV .
4.2.- Se a indemnização atribuída pela desvalorização do automóvel sinistrado peca por ser exagerada, devendo a mesma , quando muito, situar-se em 2000,00 €.
Relativamente à questão ora em apreço, considerando o decaimento da apelante na parte referente à impugnação da decisão do a quo sobre a matéria de acto (respostas ao perguntado nos artºs 22º e 23º, da BI), impõe-se inquestionavelmente a improcedência da conclusão XXVI da apelação, pois que, da referida factualidade emerge ,sem dificuldades, em resultado do acidente, um dano da apelada, existindo entre ambos o necessário nexo de causalidade ( adequada) a que alude o artº 563º, do CC.
Improcede, portanto, a apelação nesta parte.
4.3.- Se a apelada I..Companhia Seguradora deve responder, ainda que solidariamente, juntamente com a apelante.
Recorda-se que, na sentença apelada, foi a “responsabilidade” da I..-Companhia Seguradora afastada com o argumento de que, considerando o teor do art. 5º, nº 1, al. f) das Condições Gerais “ concluímos não se verificarem as condições de cobertura do contrato seguro pois a situação em causa nestes autos está consagrada na mencionada alínea das exclusões “.
Ex adverso, para a apelante é porém manifesto que decorre das Bases XXVI e LXIX nº 1 do DL 248-A/99, de 6 de Julho, das cláusulas 2ª e 5ª nº 1 das condições gerais da apólice de seguro, 8.1 das condições particulares da apólice de seguro e 7ª das condições especiais e particulares, que a co-R. seguradora é responsável (ainda que solidariamente) por todas as quantias que ultrapassem a franquia de € 5.000,00.
Vejamos .
É ponto assente que entre a apelante a Ré Seguradora foi celebrado um acordo através do qual a segunda declarou assumir a responsabilidade pelo pagamento de danos ocasionados a terceiros em virtude da exploração de vários lanços de auto-estrada da “Concessão Norte”, acordo esse em vigor no dia 14 de Dezembro de 2004 e titulado pela apólice nº.. (Apólice de Seguro de Responsabilidade Civil de Exploração) com as condições gerais e particulares que constam de fls. 81 a 95 dos autos.
Analisado o clausulado da apólice referida, no âmbito das respectivas condições e no respectivo Artº 2º, consta que “ O presente contrato tem por objecto a garantia da responsabilidade extracontratual que, ao abrigo da lei civil, seja imputável ao Segurado, através do pagamento das indemnizações que legalmente lhe sejam exigíveis pelos danos patrimoniais e/ou não patrimoniais resultantes de lesões corporais e/ou materiais por este causadas a terceiros, enquanto na qualidade ou no exercício da actividade expressamente referida nas Condições Especiais e Particulares deste contrato” .
Ainda no âmbito das condições Gerais do contrato titulado pela apólice.., reza o respectivo Artº 5º , nº1, alínea f), que “ O presente contrato não cobre a responsabilidade pelos danos resultantes de acidente de viação e ainda os acidentes provocados por aeronaves, embarcações marítimas, lacustres e fluviais”.
Por sua vez, no âmbito das condições particulares da apólice em análise, e com referência ao respectivo âmbito da cobertura, reza o respectivo ponto/cláusula 8.1., que “ (…) a seguradora obriga-se, pelo presente contrato e até aos limites de responsabilidade fixados nas condições particulares, a proceder à reparação/ou indemnização dos danos patrimoniais e/ou não patrimoniais, exclusivamente decorrentes de lesões corporais e/ou materiais, causados a terceiros, pelo quais seja civilmente responsável, extracontratualmente, o segurado, em consequência de factos ocorridos durante a vigência do contrato, resultantes da sua actividade de exploração de troços em operação”, sendo que, exemplifica-se logo a seguir no ponto 8.1.1., consideram-se garantidos, nomeadamente, no âmbito da responsabilidade civil emergente do exercício da actividade do segurado os danos causados por actos ou omissões do segurado ou seus comissários.
Finalmente, importa precisar que, em sede de Definições , resulta do Artº 1º das Condições Gerais do contrato , que para os efeitos do mesmo – contrato - , entende-se por :
Terceiro : Aquele que, em consequência de um sinistro coberto por este contrato, sofra uma lesão que origine danos susceptíveis de, nos termos da Lei civil e desta apólice, serem reparados ou indemnizados.
Sinistro : O evento susceptível de fazer funcionar as garantias do contrato .
Dano Patrimonial: Prejuízo que, sendo susceptível de avaliação pecuniária, deve ser reparado ou indemnizado.
Franquia: Importância que, em caso de sinistro, fica a cargo do Segurado e cujo montante se encontra estipulado nas Condições Particulares.
Com interesse para a apreciação da questão ora em “ discussão” , resta por último atentar que, do Decreto-Lei n.º 248-A/99, de 6 de Julho ( diploma que aprova as bases da concessão da concepção, projecto, construção, financiamento, exploração e conservação de lanços de auto-estrada e conjuntos viários associados na zona norte de Portugal, sendo a concessão atribuída ao consórcio A..- Auto-Estradas.., S.A. - Concessões Rodoviárias de Portugal S.A.) , designadamente da respectiva Base LXIX, consta que :
1 - A Concessionária deverá assegurar a existência e manutenção em vigor das apólices de seguro necessárias para garantir uma efectiva e compreensiva cobertura dos riscos inerentes ao desenvolvimento das actividades integradas na Concessão, por seguradoras aceitáveis para o Concedente, de acordo com critérios de razoabilidade.
2 - As apólices de seguro respeitantes à construção e à exploração e conservação da Concessão e os respectivos termos e condições constarão de anexo ao Contrato de Concessão.
3 - Nenhum projecto será aprovado, nem poderão ter início quaisquer obras ou trabalhos no Empreendimento Concessionado, sem que a Concessionária apresente ao Concedente comprovativo de que as apólices de seguro aplicáveis se encontram em vigor.
Chegados aqui, e compulsada toda a factualidade provada, obrigatório é desde logo concluir que in casu está em causa concreto facto/sinistro ocorrido durante a vigência do contrato de seguro, sendo ele inquestionavelmente resultante da actividade ( do Tomador de Seguro - A..) de exploração de troços em operação, e do qual – sinistro – resultaram lesões materiais causadas a terceiros ( A apelada Município de..).
Secundo, dúvidas também não se colocam de que, sendo em consequência da verificação do referido sinistro que sobre o Tomador de Seguro - A.. incide a obrigação de indemnizar o terceiro/lesado dos danos patrimoniais sofridos , mostra-se portanto ele coberto/garantido pelo contrato de seguro titulado pela apólice nº ...
De resto, considerando o disposto na Base LXIX do Decreto-Lei n.º 248-A/99, de 6 de Julho , lícito é concluir que a apólice nº.. mais não traduz do que o cumprimento, pela A.., como concessionária, da sua obrigação de assegurar a existência e manutenção em vigor das apólices de seguro necessárias para garantir uma efectiva e compreensiva cobertura dos riscos inerentes ao desenvolvimento das actividades integradas na Concessão.
E, sendo assim como todo aponta que seja, incompreensível seria (para um qualquer declaratário normal, colocado na posição do real declaratário- cfr. artº 236º,1,do CC), desde logo, que na âmbito da exclusão a que alude o artº 5º,nº1, alínea f), das condições Gerais da apólice, se pudesse incluir um sinistro cuja cobertura está precisamente na génese da obrigação que incide sobre o concessionário de assegurar a existência e manutenção em vigor de pertinente apólice de seguro ( cfr. base LXIX).
Dir-se-á, assim, como bem nota a apelante, que a alusão ( na alínea f) , do nº1, do artº 5º das condições gerais) , mais não visa do que, o que é compreensível de resto, do que excluir do âmbito da cobertura da apólice em apreço os acidentes de viação ocorridos nos troços explorados pela concessionária tomadora de Seguro, sendo que, relativamente a tais veículos intervenientes em acidentes, existe o seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel.
Por fim, importa tão só menosprezar a alusão na apólice, quer em sede das condições gerais , quer das condições particulares dos veículos, de que o contrato de seguro que ela tutela tem por objecto a garantia da responsabilidade extracontratual que, ao abrigo da lei civil, seja imputável ao Segurado, através do pagamento das indemnizações exigível em resultado de danos patrimoniais causados a terceiros.
É que, sendo in casu, como vimos supra, e após a Lei nº 24/2007, de 18 de Julho, irrelevante aferir qual a natureza da responsabilidade da concessionária perante o lesado (se tem ela natureza contratual ou, ao invés extra-contratual ),nos termos e para efeitos de despoletar a obrigação do segurado no pagamento de indemnizações devidas a terceiros, pelos danos patrimoniais a eles causados em consequência de eventos/factos ocorridos na vigência do contrato e resultantes da actividade de exploração da concessionária/segurada, não pode tal qualificação efectuada pelas partes eximir a apelada Seguradora da sua obrigação perante o sinistro em apreço nos presentes autos.
Em suma e em conclusão, a apelação, nesta parte, procede, impondo-se portanto a condenação - solidariamente com a apelante - da apelada Seguradora I..,SA no pagamento ao terceiro apelado Município de.., dos danos causados, apenas sendo de atentar à franquia estabelecida nas condições particulares da apólice Nº.., e que , in casu, corresponde a 5 000 € (por convenção expressa, ficou estipulado ficar a cargo do Segurado uma parte da indemnização devida a terceiros, sendo o seu montante , para sinistros até 250.000 €, correspondente a 10% do valor do sinistro, com o mínimo de 5.000 € ).
*
5.- Sumariando ( cfr. nº7, do artº 713º, do CPC).
I - Após a aprovação da Lei n.º 24/2007 de 18 de Julho, e tendo presente o disposto no respectivo artº 12º, passou a estar claro que, em caso de acidente rodoviário ocorrido em auto-estradas e provocado pelo atravessamento de animais, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança passou a impender sobre a concessionária.
II - A referida norma, porque tem natureza interpretativa, é de aplicação imediata, nada obstando, portanto, que um sinistro ocorrido em Dezembro de 2004, venha a ser apreciado/solucionado em função da respectiva estatuição normativa.
III - Não tendo a concessionária da auto-estrada logrado provar que a intromissão do animal/javali na via, não lhe é, de todo, imputável, não pode ela eximir-se à obrigação do pagamento dos danos patrimoniais causados a terceiro e utente do troço em operação e por si explorado.
***
6. Decisão.
Termos em que,
acordam os Juízes na 2dª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães, em , julgando a apelação parcialmente procedente:
5.1.- Revogar a sentença recorrida, na parte em que absolveu a Ré I.., SA, do pedido;
5.2.- Condenar a Ré A..-Auto Estradas .., SA e a Ré I.., SA, solidariamente, a pagar ao Autor Município de.. , a quantia de 16.212,20 € , acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento.
5.3.- Condenar a Ré A..-Auto Estradas.., SA , a pagar ao Autor Município de.. , a quantia de 5.000,00 €, acrescida de juros de mora à taxa legal vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento.
Custas da apelação pelo apelante A..- Auto Estradas.. e apelada Companhia Seguradora , e na proporção , respectivamente, de 76,5 % e de 23,5 % .
***
(1) Cfr. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil, 1987, Vol. IV, pág. 570 e segs..
(2) Cfr. Antunes Varela e outros, in Manual de Processo Civil, 1984, págs. 420 e segs.
(3) Antunes Varela, ibidem.
(4) In “ Do Conceito de Prova em Processo Civil “ , 1961, pág.s 400 e segs..
(5) In Direito Processual Civil, Almedina ,2002, pág. 263.
(6) Todos disponíveis in www.dgsi.pt
(7) Cfr. Ac. do STJ citado , de 2/11/2010.
(8) Como lucidamente se observa no Ac. do STJ citado, de 9/9/2008, em causa está a solução/posição “mais equilibrada e justa, já que, de contrário, considerando-se suficiente a prova genérica de que a R. cumpriu as obrigações decorrentes do contrato de concessão, acabaria por se colocar nos ombros do lesado a produção de uma prova que se revelaria de todo difícil, ou até impossível, de fazer.
Nos acidentes com animais (ou com outros objectos) em auto-estradas quem mais facilmente pode provar a proveniência do animal (ou objectos) é a concessionária. Só ela tem, pode ou deve ter, os meios idóneos à monitorização do tráfego, da circulação viária e da segurança, meios que lhe devem permitir detectar a introdução na via de animais ou de objectos nocivos à circulação automóvel. O utilizador da via depara-se com a óbvia e notória dificuldade natural em recolher meios ou elementos de prova. Não pode, como é notório, permanecer na auto-estrada com vista a determinar a causa da introdução do animal aí, nem sequer tem, normalmente, equipamentos técnicas de recolha de prova.”
***
Guimarães, 23/10/2012
António Manuel Fernandes dos Santos ( O Relator)
António Manuel Figueiredo de Almeida ( 1º Adjunto)
Ana Cristina Oliveira Duarte ( 2º Adjunto)