Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
144/11.3TAPVL-F.G1
Relator: ARMANDO AZEVEDO
Descritores: REABERTURA DA AUDIÊNCIA
APLICAÇÃO LEI MAIS FAVORÁVEL AO ARGUIDO
ENTRADA EM VIGOR DA LEI Nº 94/2017
DE 23.08
ARTºS 371-A
DO CPP E 43º
Nº 1
A)
50º E 58º DO CP
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I) Os pressupostos da aplicação do artº 371º-A, do CPP são: a existência de uma sentença condenatória transitada em julgado, a existência de uma pena em execução, e o impulso processual do condenado.

II) Não dispondo o arguido de um espaço processual próprio e adequado para suscitar a possibilidade de aplicação da lei nova, deverá ser possível o recurso à abertura da audiência em conformidade com o disposto no aludido preceito.

III) No caso dos autos, o arguido encontra-se condenado por decisão transitada em julgado, na pena de 18 meses de prisão. O tribunal da condenação ponderou a substituição de pena de prisão pelas penas de substituição de trabalho a favor da comunidade (artº 58º do CP) e de suspensão da sua execução (artº 50º do CP), mas afastou a aplicação de ambas, decidindo-se pela aplicação da pena de prisão efectiva.

IV) Ora, face à dimensão da pena de 18 meses de prisão, aquando da decisão condenatória, mostravam-se esgotadas as possibilidades de substituição da pena de prisão.

V) Acontece que posteriormente entrou em vigor a Lei nº 94/2017, de 23.08, a qual além do mais, prevê a possibilidade de a pena de prisão efectiva não superior a 2 anos (este limite era anteriormente de 1 ano) seja executada em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância (artº 43º, nº 1, al) a, do CP).

VI) Assim, a menos que existam outras penas de prisão em que o arguido tenha sido condenado e que importe englobar através da realização de cúmulo jurídico em que o limite dos dois anos de prisão seja ultrapassado, importa ponderar sobre a possibilidade daquela pena de 18 meses de prisão efectiva ser executada em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância de acordo com o previsto no artº 43º, nº 1, a) do CP, na redacção decorrente da entrada em vigor da Lei nº 94/97, de 23.08, através da abertura da audiência, nos termos do disposto no artº 371-A, do CPP.
Essa possibilidade não fica arredada pelo facto de o trânsito em julgado da decisão condenatória ter ocorrido depois da entrada em vigor da lei nova em consequência da pendência de recurso dessa decisão, no qual nada foi referido sobre a aplicação da lei penal mais favorável ao arguido.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I- RELATÓRIO

1. No processo comum, com intervenção de tribunal colectivo nº. 144/11.3TAPVL, do Tribunal Judicial a Comarca de Braga, Juízo de Central Criminal de Guimarães, Juiz 4, em que são arguidos F. G., com os demais sinais nos autos, e outros, foi este identificado arguido condenado, por acórdão de 30.05.2017, confirmado pelo acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 04.12.2017, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão efectiva.

2. Uma vez remetidos os autos ao tribunal de primeira instância, o identificado arguido, ao abrigo do disposto no artigo 371º-A do CPP, requereu a abertura da audiência para aplicação da lei mais favorável – Lei nº 94/2017 de 23.08, a qual entrou em vigor 90 dias após a sua publicação – o que foi indeferido.

3. Não se conformando com tal decisão de indeferimento, dela interpôs recurso o arguido, extraindo da respectiva motivação, as seguintes conclusões [transcrição]:

1. O Recorrente, vem, pelo presente recurso interposto do Douto Despacho, proferido a 05-03-2018, nos autos de processo comum com intervenção do Tribunal Coletivo acima identificados que incide pois no indeferimento do Requerimento do Recorrente a Requerer a Reabertura da Audiência para Aplicação da Lei Penal Mais Favorável ao Arguido, nos termos do disposto no art. 371º- A, do C.P.P., sendo aqui impugnada a resposta dada à matéria de direito, requerendo-se a sua reapreciação em virtude da defesa do aqui Recorrente considerar que o Tribunal “a quo” incorreu numa violação dos direitos constitucionalmente consagrados, mais precisamente, do disposto no n.º 4 do art. 29º da Constituição da República Portuguesa, incorrendo em erro quanto ao direito aplicável.
2. Em 30-05-2017, o Recorrente, mediante sentença já transitada em julgado, foi condenado pela prática em autoria material de dois crimes de burla na forma tentada e de dois crimes de falsificação de documento, em 18 meses de prisão efectiva.
3. Em 30-01-2018, o Recorrente requereu ao Tribunal a quo a Reabertura da Audiência para Aplicação da Lei Penal Mais Favorável ao Arguido nos termos do art. 371º-A do C.P.P., visto que, foi publicada a Lei n.º 94/2017, de 23 de Agosto, a qual entrou em vigor a 23 de Novembro de 2017, que procedeu á alteração do art. 43º, n.º 1, a) do C.P.,

Que passou a prever que “Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância a pena de prisão efetiva não superior a dois anos”, ficando, deste modo, o Recorrente abrangido pela referida alteração á legislação, sendo-lhe mais favorável.

4.Sucede que, o Tribunal a quo indeferiu o peticionado pelo Recorrente, emitindo despacho desfavorável a 05-03-2018, no qual consta que “ …na data em que foi proferido o Acórdão do Tribunal da Relação de fls. 1495 e ss. E, por maioria de razão, transitou em julgado a decisão final, já estava em vigor a Lei n.º 94/2017, de 23.08, não estando deste modo reunidos os requisitos a que alude o art. 371º- A do C.P.P. para que seja reaberta a audiência com vista á aplicação da lei mais favorável.”

5. Discorda, o Recorrente do despacho anteriormente descrito, salvo melhor opinião, a conjugação do art. 371º-A do C.P.P. com o Art. 29º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa que prevê que “Ninguém pode sofrer pena ou medida de segurança mais graves do que as previstas no momento da correspondente conduta ou da verificação dos respectivos pressupostos, aplicando-se retroactivamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido.”, ou seja, uma vez que o Recorrente ainda não se encontra a cumprir pena de prisão, cumprindo o segundo requisito do art. 371º-A do C.P.P., deveria ser aplicada, retroativamente a alteração efetuada com a entrada em vigor da Lei n.º 94/2017, de 23 de Agosto, cuja alteração produzida no art. 43º do C.P., tem um conteúdo mais favorável ao arguido, devendo portanto ser declarada a Reabertura da Audiência para Aplicação da Lei Penal Mais Favorável.

6.No entanto, o Tribunal a quo desvalorizou os direitos do Arguido/Recorrente vedando-lhe a aplicação da lei mais favorável no caso em apreço, e pela análise do despacho, supra melhor descrito, salvo melhor opinião, cuja resposta deverá ser alterada pelo douto Tribunal “ad quem”, sendo anulado o despacho proferido em Primeira Instância e proferido novo despacho que proceda á Reabertura da Audiência para Aplicação da Lei Penal Mais Favorável ao Recorrente, pois, no caso em apreço, estamos perante uma violação de um princípio basilar da justiça portuguesa, não sendo aplicada em conformidade a Lei Criminal ao caso sub judice.

DECIDINDO-SE EM CONFORMIDADE COM AS PRECEDENTES ALEGAÇÕES E CONCLUSÕES, REVOGANDO-SE O DESPACHO RECORRIDO E RETIRANDO-SE DAS MESMAS AS INERENTES E NECESSÁRIAS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, SERÁ APLICADO O DIREITO E FEITA A ACOSTUMADA E NECESSÁRIA JUSTIÇA!!!

4. O M.P., na primeira instância, respondeu ao recurso interposto pelo arguido, tendo concluído nos seguintes termos [transcrição]:

Para aplicação do regime mais favorável ao condenado, torna-se necessário, nos termos do disposto no art. 371.º-A do Cód. Processo Penal, a verificação dos requisitos nele exigidos: 1a entrada em vigor de um regime com tal conteúdo, 2a não cessação da execução da pena e 3o trânsito em julgado da decisão condenatória, à data da entrada em vigor de tal regime.
Ora, no caso dos autos, aquando da entrada em vigor da supra referida Lei n.º 94/2017, a decisão condenatória proferida nos autos não havia ainda transitado em julgado.

Assim, não se verifica o condicionalismo exigido pelo indicado art. 371.º-A do CPP, pelo que não pode ser reaberta a audiência.
E tal conformidade, deverá ser negado provimento ao recurso, assim se fazendo: JUSTIÇA!

5. Nesta instância, o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu o parecer constante de fls. 76/78 no sentido da procedência do recurso.
Foi cumprido que foi o disposto no artigo 417º nº2 do CPP e não foi apresentada resposta.

6. Após ter sido efectuado exame preliminar, foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.
Cumpre apreciar e decidir.

II- FUNDAMENTAÇÃO

1- Objecto do recurso

O âmbito do recurso, conforme jurisprudência corrente, é delimitado pelas suas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo naturalmente das questões de conhecimento oficioso(1) do tribunal.

O nº 1 do artigo 412º do C.P.P. estabelece que “A motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”.
Nas conclusões do recurso, o recorrente deverá, pois, fazer uma síntese das razões da sua discordância relativamente à decisão recorrida, tal como se encontram delineadas na respectiva motivação.

Assim, a questão a decidir consiste em saber se a anterior pendência, neste Tribunal da Relação, de recurso visando exclusivamente a impugnação ampla da matéria de facto, relativa à condenação do arguido, aqui recorrente, na pena única de 18 meses de prisão efectiva, constitui ou não obstáculo à abertura da audiência, em conformidade com o disposto no artigo 371º-A do CPP, com vista à aplicação do regime concretamente mais favorável ao arguido decorrente da entrada em vigor, na pendência daquele recurso, da Lei nº 94/2017, de 23.08, em que nada foi referido sobre a aplicação de tal regime.

2. A decisão recorrida

2.1- O despacho recorrido, datado de 05.03.2018, tem o seguinte teor [transcrição]:

“PIs. 1694 e ss.:
Por requerimento de fls. 1694 e ss., veio o condenado F. G. requerer "a reabertura da audiência para aplicação da lei penal mais favorável", nos termos do disposto no art.° 371°-A do CPP.
Tendo sido condenado numa pena de 18 meses de prisão, pretende ver aplicada a disposição prevista 43° do CP, na redação da Lei n.º 94/2017, de 23.08, de modo a poder cumprir em regime de permanência na habitação a pena que lhe foi imposta.

Vejamos.

O art.° 371°-A do CPP, sob a epígrafe "Abertura da audiência para aplicação retroactiva de lei penal mais favorável", dispõe que "Se, após o trânsito em julgado da condenação mas antes de ter cessado a execução da pena, entrar em vigor lei penal mais favorável, o condenado pode requerer a reabertura da audiência para que lhe seja aplicado o novo regime.".
Supõe, portanto, como requisito de reabertura da audiência, que a lei penal mais favorável tenha entrado em vigor depois do trânsito em julgado da condenação.
No caso concreto, o requerente foi condenado, em primeira instância, por decisão de 30.05.2017 (cfr. fls. 1206 e ss.).
Tendo interposto recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, viu a decisão confirmada por Acórdão de 04.12.2017 (cfr. fls. 1495 e ss.).
A Lei n.º 94/2017, de 23.08 - resulta do seu art.° 14° - entrou em vigor 90 dias após a sua publicação (ou seja, 90 dias após 23 de agosto de 2017).
Conclui-se, deste modo, que na data em que foi proferido o Acórdão do Tribunal da Relação de fls. 1495 e ss. e, por maioria de razão, transitou em julgado a decisão final, já estava em vigor a Lei n.º 94/2017, de 23.08, não estando deste modo reunidos os requisitos a que alude o art.° 371º-A do CPP para que seja reaberta a audiência com vista à aplicação de lei penal mais favorável.
*
Neste contexto, vai indeferido o requerimento de fls. 1694 e ss ...”

2.2- Com relevância para a decisão do objecto do presente recurso, importa ter presente, para além do mais, os seguintes elementos do processo (cfr. fls. 4 a 32).
2.2.1- No processo do qual foi extraído o presente recurso, o arguido, aqui recorrente, por acórdão de 30.05.2017, foi condenado, em cúmulo jurídico, na pena única de 18 meses de prisão efectiva (cfr. 33 a 46).
2.2.2- O arguido, aqui recorrente, interpôs recurso do aludido acórdão condenatório, invocando com único fundamento a ocorrência de erro de julgamento da matéria de facto. Este recurso foi admitido e decidido por acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 04.12.2017, tendo sido negado provimento ao recuso e confirmado o acórdão recorrido, nele não fazendo qualquer alusão sobre a aplicação da Lei nº 94/2017 de 23.08.

3- Apreciação do recurso

3.1- Vejamos então a questão colocada no presente recurso.

O recorrente centra o objecto do recurso na violação do disposto no artigo 29º, nº 4 da CRP, o qual estatui que “Ninguém pode sofrer pena ou medida de segurança mais graves do que as previstas no momento da correspondente conduta ou da verificação dos respectivos pressupostos, aplicando-se retroactivamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido”.
A propósito da referida norma, segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira (2), “Se é proibida a aplicação retroactiva da lei penal desfavorável, já é obrigatória a aplicação retroactiva da lei penal mais favorável (n.º 4, 2.ª parte). Se o legislador deixa de considerar criminalmente censurável uma determinada conduta, ou passa a puni-la menos severamente, então essa nova valoração legislativa deve aproveitar a todos, mesmo aos que já tinham cometido tal crime. Este princípio compreende também duas vertentes: (a) que deixa de ser considerado crime o facto que lei posterior venha despenalizar; e (b) que um crime passa a ser menos severamente punido do que era no momento da sua prática, se lei posterior o sancionar com pena mais leve.
Não estabelecendo a Constituição qualquer excepção, a aplicação retroactiva da lei penal mais favorável (despenalização, penalização menor, etc.) há-de valer, ao menos ao princípio, mesmo para os casos julgados, com a consequente reapreciação da questão (…)”.
Em concretização do referido princípio da aplicação retroactiva da lei penal de conteúdo mais favorável ao arguido (lex mellior), o artigo 2º, nº 4 do CP estabelece que “Quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente; se tiver havido condenação, ainda que transitada em julgado, cessam a execução e os seus efeitos penais logo que a parte da pena que se encontrar cumprida atinja o limite máximo da pena prevista na lei posterior.”

No caso vertente, aquando da prolação do acórdão pelo tribunal de primeira instância ainda não havia entrado em vigor a Lei nº 94/2017, de 23.08. Por isso, o aludido tribunal não a considerou, nem naturalmente a poderia ter considerado na sua decisão.

Porém, o referido diploma legal entretanto entrou em vigor numa altura em que se encontrava pendente o recurso interposto pelo arguido do referido acórdão. Apesar disso, certamente porque o mencionado diploma em nada contendia com o objecto do recurso – restrito à impugnação da matéria de facto - o tribunal de recurso nada disse sobre a aplicação em concreto da lei nova.

É no sobredito contexto que o arguido, aqui recorrente, após o acórdão deste Tribunal da Relação, ao abrigo do disposto no artigo 371º- A do CPP, requereu, perante o tribunal de 1ª instância, a aplicação da lei nova – a indicada Lei nº 94/2017, de 23.08, o que foi indeferido, sendo este o objecto do presente recurso.

Segundo o artigo 371º-A do CPP “Se, após o trânsito em julgado da condenação mas antes de ter cessado a execução da pena, entrar em vigor lei penal mais favorável, o condenado pode requerer a reabertura da audiência para que lhe seja aplicado o novo regime.”.

No entender do tribunal recorrido, o invocado artigo 371º - A do CPP não tem aplicação porque a Lei nº 94/2017, de 23.08, entrou em vigor antes do trânsito em julgado da decisão condenatória, ou seja, nesse momento encontrava-se pendente recurso do aludido acórdão neste Tribunal da Relação.
Ora, desde já adiantamos não poder concordar com tal posição, a qual se baseia numa interpretação puramente literal da mencionada norma.

Na verdade, o objecto do referido recurso, como se disse, limitava-se à impugnação da matéria de facto, não tendo sido questionada a pena aplicada de 18 meses de prisão efectiva, designadamente a sua medida ou a forma da sua execução, aspectos a que se reporta a lei nova que o arguido pretende ver agora aplicada.

Por isso, o tribunal de recurso estava impedido de se pronunciar sobre tal matéria, sem prejuízo naturalmente do dever de retirar da procedência do recurso as consequências legalmente impostas a toda a decisão recorrida, cfr. artigos 403º e 412º, nº 1 do CPP. O que não foi o caso, uma vez que o recurso foi julgado totalmente improcedente e, consequentemente, mantida a decisão recorrida.
É claro que não se olvida, quanto estejam em causa decisões não transitadas em julgado, o dever de aplicar, oficiosamente e imediatamente, o regime concretamente mais favorável ao arguido, em conformidade com o disposto nos artigos 13º e 29º, nº 4 da CRP e do artigo 2º, nº 4 do C.Penal.

Explicadas e contextualizadas as circunstâncias que conduziram à não ponderação da aplicação do regime da lei nova, o facto de ter ocorrido o transito em julgado não é disso impeditivo.

De facto, o artigo 371º - A do CPP, como é sabido, visou apenas eliminar a inconstitucionalidade decorrente de anteriormente o caso julgado impedir a aplicação retroactiva da lei penal mais favorável ao arguido (3).

Na Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 109/X, que deu origem à Lei nº 48/2007, de 29.08, que posteriormente aditou ao Código de Processo Penal o artigo 371º-A pode ler-se «Por fim prescreve-se a abertura de audiência para aplicar novo regime mais favorável ao condenado sempre que a lei penal mais favorável não tenha determinado a cessação da execução da pena (art. 271º-A). Esta solução é preferível à utilização espúria do recurso extraordinário de revisão ou à subversão dos critérios de competência funcional (que resultaria da atribuição de competência para julgar segundo a nova lei ao tribunal de execução de penas).».

Os pressupostos de aplicação do artigo 371º-A do CPP são:

- A existência de uma sentença condenatória transitada em julgado;
- A existência de uma pena em execução; e o
- O impulso processual do condenado.

De forma que, tal como o referido pelo Exmo Senhor Procurador - Geral Adjunto, no seu parecer, nos casos em que o arguido, como o dos presentes autos, não dispôs de um espaço processual próprio e adequado para suscitar a possibilidade de aplicação da lei nova, deverá ser possível a recurso à abertura da audiência em conformidade com o disposto no aludido preceito do CPP.

O arguido encontra-se condenado, por decisão transitada em julgado, na pena de 18 meses de prisão efectiva. O tribunal da condenação ponderou a substituição da pena de prisão pelas penas de substituição de trabalho a favor da comunidade (artigo 58º do C.P.) e de suspensão da sua execução (artigo 50º do C.P.), mas afastou a aplicação de ambas, decidindo-se pela aplicação da pena de prisão efectiva.
Ora, face à dimensão da pena de 18 meses de prisão, aquando da decisão condenatória, mostravam-se esgotadas todas as possibilidades de substituição da pena de prisão.

Acontece que posteriormente entrou em vigor a Lei nº 94/2017, de 23.08, a qual além do mais, prevê a possibilidade de a pena de prisão efectiva não superior a 2 anos (este limite anteriormente era de 1 ano) seja executada em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, cfr. artigo 43º, nº 1 al. a) do CP.

Assim, a menos que existam outras penas de prisão em que o arguido tenha sido condenado e que importe englobar através da realização de cúmulo jurídico em que o limite dos 2 anos de prisão seja ultrapassado, importa ponderar sobre a possibilidade daquela pena de 18 meses de prisão efectiva ser executada em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, de acordo com o previsto no artigo 43º, nº 1 al. a) do CP, na redacção decorrente da entrada em vigor da Lei nº 94/97, de 23.08, através da abertura da audiência, nos termos do disposto no artigo 371º - A do CPP.

Essa possibilidade não fica arredada pelo facto de o transito em julgado da decisão condenatória ter ocorrido depois da entrada em vigor da lei nova em consequência da pendência de recurso dessa decisão, no qual nada foi referido sobre a aplicação da lei penal mais favorável ao arguido.

III – DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que constituem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente o recurso interposto pelo arguido, revogando-se o despacho recorrido, devendo o tribunal de primeira instância proceder à abertura da audiência, em conformidade com o disposto no artigo 371º- A do CPP, com vista a ponderar sobre a aplicação do regime decorrente do artigo 43º, nº 1 al. a) do C. Penal, na redacção da Lei nº 94/2017, de 23.08, sem prejuízo do apuramento de outras penas em que o arguido tenha sido condenado e em que importe proceder à realização de cúmulo jurídico com a pena dos presentes autos.
Sem custas.
Notifique.
Guimarães, 24.09.2018
(Texto integralmente elaborado pelo relator e revisto por ambos os signatários (artigo 94º, nº 2 do C. P. Penal).

(Armando da Rocha Azevedo)
(Clarisse Machado S. Gonçalves)



1. Entre as questões de conhecimento oficioso do tribunal estão os vícios da sentença do nº 2 do artigo 410º do C.P.P., cfr. Ac. do STJ nº 7/95, de 19.10, in DR, I-A, de 28.12.1995, as nulidades da sentença do artigo 379º, nº 1 e nº 2 do CPP, irregularidades no caso no nº 2 do artigo 123º do CPP e as nulidades insanáveis do artigo 119º do C.P.P..
2. In Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2007, pág. 496.
3. Assim, vide Taipa de Carvalho, in Direito Penal, Parte Geral, Universidade Católica Editora, Porto, 3ª edição, pág. 203 e 204, que, como bem salienta, a alteração da parte final do nº4 do artigo 2º do CP, operada pela Lei nº 59/2007 “não eliminava a inconstitucionalidade do obstáculo do caso julgado à redeterminação da pena principal (nomeadamente, a pena de prisão) com base na L.N. mais favorável”