Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1478/22.7T8VCT.G1
Relator: MARIA AMÁLIA SANTOS
Descritores: RECONVENÇÃO
NULIDADE DA PARTILHA.
HOMOLOGAÇÃO DE PARTILHA JUDICIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/15/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO DO RÉU IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Com o transito em julgado da sentença homologatória da partilha fixa-se o direito dos interessados no processo de inventário, apenas podendo haver lugar à alteração da mesma, se verificados os pressupostos de emenda ou anulação da partilha nos termos previstos nos artºs 1386º a 1388º do anterior CPC.
II - Só à partilha extrajudicial são aplicáveis as regras jurídicas de impugnação dos contratos, como dispõe o art.º 2121º do CC, e só a esta forma de partilha são aplicáveis as regras de nulidade e anulabilidade dos negócios jurídicos, nos termos dos arts. 285º e ss do CC.
III- A ação declarativa comum não é o meio processual adequado para o R (por via reconvencional) obter a nulidade da partilha judicial, realizada num processo de inventário, homologada por sentença transitada em julgado.
Decisão Texto Integral:
Relatora: Maria Amália Santos
1ª Adjunta: Paula Ribas
2ª Adjunta: Sandra Maria Melo
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AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, e JJ, todos melhor identificados nos autos, demandam nesta ação declarativa com processo comum, o Réu, KK, também melhor identificado nos autos, formulando contra o mesmo os seguintes pedidos:

a) Declarar-se a nulidade do registo, nos termos da alínea b) do artigo 16.º do CRP, efectuado a favor do R. e sua finada mãe, a coberto da AP. n.º ...04 de 2019/12/18, relativo aos prédios com a descrição ...77/...26, na CRP de ....
b) Condenar-se o R. a entregar aos AA., nas proporções constantes do mapa de partilha constante do Inventário n.º ...4..., a ½ dos prédios referenciados na descrição ...26, livres de ónus ou encargos.
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Para tanto alegam, em suma, que por sentença transitada em julgado, proferida em 04/12/2017, no âmbito do processo de Inventário n.º ...4..., que correu termos no Juízo Local Cível ..., por morte de LL, foram adjudicados aos Requerentes, ao Requerido, e à sua finada Mãe, MM, nas proporções dos respetivos quinhões, os seguintes prédios:

a) ½ indiviso do prédio urbano composto por uma casa de habitação sito na freguesia ..., no concelho ..., inscrito na respetiva matriz predial da freguesia ... (...) sob o artigo ...66... e descrito na conservatória do registo predial sob o nº ...67; e
b) ½ de rústico, sito na freguesia ..., no concelho ..., inscrito na respetiva matriz, sob o artigo ...95... e descrito na conservatória do registo predial sob o nº ...68.
Mais alegam que o réu inscreveu, a seu favor e da sua finada Mãe, tal metade indivisa dos prédios acima identificados, sem que para tal dispusesse de qualquer título que lhe permitisse efetuar esse registo de aquisição.
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O réu, na contestação, alegou em suma, que:
- O referido LL veio a falecer no dia 10 de fevereiro de 1945, mas em data muito anterior à sua morte, no dia ../../1943, por escritura pública celebrada no extinto Cartório Notarial ..., vendeu a NN a respetiva metade indivisa de que era proprietário nos imóveis em causa nos autos, pelo que tal metade indivisa jamais integrou o seu acervo hereditário.
Por isso, a partilha efetuada no âmbito do mencionado processo de inventário (a que se procedeu por óbito de LL - Processo número 1765/14....), recaiu sobre bens que não pertenciam à herança desse finado, sendo nula, nos termos do nº 1 do artigo 2123º do Código Civil.
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E formulou contra os AA o seguinte pedido reconvencional:
- Declarar-se nula a partilha realizada no âmbito do processo de inventário a que se procedeu por óbito de LL, que correu termos pelo Juízo Local Cível ..., Juiz ..., Tribunal Judicial da Comarca ..., ... o número 1765/14...., com todas as legais consequências;
- Declarar-se que o Réu é o único dono e legítimo proprietário dos prédios indicados no artigo 1º da PI (isto é, da metade indivisa registada nos termos da inscrição AP ...04, de 18.12.2019, no prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...77/... (...));
- Declarar-se que o Réu efetuou legitimamente a seu favor e da sua finada mãe, MM, a aquisição de metade indivisa do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...77/... (...), nos exatos termos da respetiva inscrição AP ...04, de 18.12.2019;
- Condenar-se os Autores a reconhecerem o direito de propriedade do Réu sobre o aludido imóvel; e
- Condenar-se os Autores a absterem-se da prática de qualquer ato que perturbe, impeça ou diminua o gozo e o normal exercício do direito de propriedade do Réu sobre o aludido prédio.
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O Tribunal, ponderando a hipótese de absolver os AA./reconvindos da instância reconvencional, ao abrigo do disposto no artigo 193.º do CPC, com os fundamentos sumariamente enunciados no despacho proferido em 2.12.2022, ordenou a notificação das partes para exercerem o contraditório, tendo todas elas ficado silentes.
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Foi então proferido o seguinte Despacho Saneador (do qual se recorre):
“Compulsada a certidão judicial extraída dos autos de inventário instaurados por óbito de LL (no qual exerceu as funções de cabeça-de-casal o aqui R…), que correram termos pelo ... Juízo ... (…) sob o n.º 1765/14...., verificamos que as metades indivisas dos prédios em discussão nestes autos foram ali relacionadas sob as verbas n.ºs 1 e 2.
Apesar de o R. não ter apresentado com a contestação a competente certidão judicial, os AA./reconvindos aceitam na réplica o alegado no artigo 13.º daquele articulado, ou seja, que o(s) prédio(s) a que os autos se referem foram adjudicados no processo de inventário orfanológico n.º 137/1941 instaurado por óbito de OO, que correu termos pela extinta ... Secção do Tribunal Judicial ..., nos seguintes termos: a) LL, na proporção de 6/12 (ou ½), marido da inventariada (…).
O R. entende que a metade indivisa dos prédios relacionados no processo de Inventário n.º ...4... (por óbito de LL…) não deveria ter sido aí partilhada, uma vez que em ../../1943, aquele vendeu essas quotas a NN, como de facto se atesta pela análise do teor da primeira certidão de escritura de compra e venda junta com a contestação.
Ou seja, aquelas quotas-partes dos bens em causa (6/12) já não fariam parte do acervo hereditário ali relacionado e partilhado, e é por esse motivo que pede que se decrete a nulidade da partilha efetuada naqueles autos (…).
A questão controvertida consiste essencialmente em saber se a reconvenção deduzida pelo R. na acção de processo comum instaurada pelos AA. constitui ou não o meio próprio para obter a declaração de nulidade da partilha judicial realizada no processo de Inventário n.º ...4....
Está assente que a reconvenção tem por objecto uma partilha judicial homologada por sentença já transitada em julgado. Aplica-se a esses autos o regime jurídico de processo de inventário anterior ao que foi introduzido pela Lei n.º 23/2013, de 5 de Março (por força do disposto no artigo 7.º dessa Lei, e considerando também que o processo em causa foi instaurado durante o ano de 2009), designadamente o disposto nos artigos 1386.º a 1388.º do CPC velho, que versam, respectivamente, sobre as possibilidades de emenda ou anulação da partilha judicial (…).
O R./reconvinte, em bom rigor, não assenta a sua pretensão em qualquer uma das normas supra transcritas, o que bem se percebe dado que as mesmas tratam da emenda e da anulação da partilha. Pede, como vimos, a declaração de nulidade da partilha nos termos acima expostos.
Existe jurisprudência que perfilha o entendimento de que para obter a declaração de nulidade da partilha judicial, a ação declarativa de simples apreciação, na forma comum, é a forma de processo adequada, em função da aplicação, por analogia, do disposto no artigo 2121.º do Código Civil, uma vez que “incidindo a sentença homologatória da partilha sobre um encontro de vontades decorrente da conferência de interessados, releva e prevalece o acordo sobre a partilha entre todos os herdeiros, e não a autoridade do caso julgado (tal acordo deve ser considerado, juntamente com a sentença transitada, homologatória de tal partilha, elemento estruturante do acto da partilha), sendo assim defensável a aplicação das regras de ineficácia e de invalidade próprias dos negócios jurídicos (v. g., as dos artºs 240º e seguintes, do CC), senão diretamente, pelo menos por analogia com o art.º 2121º, do CC” (neste sentido, veja-se o Ac. do TRC de 8.03.2016 (…), acessível em www.dgsi.pt).
Todavia, na senda do decidido nos Acs. do STJ de 19.06.2018, e do TRC de 26.11.2019 (…), respectivamente, ambos acessíveis no referido sítio da Internet, entendemos que tal visão jurídica da questão não pode ser sufragada.
Com efeito, há que distinguir entre a partilha judicial (homologada por sentença transitada em julgado) e a que foi outorgada extrajudicialmente. Esta última, reconduzindo-se a um mero negócio jurídico entre os interessados, é impugnável nos casos em que o sejam os contratos, conforme expressamente dispõe o artigo 2121º do Código Civil, que remete para as regras da nulidade e anulabilidade do negócio jurídico constantes dos artigos 285.º e ss. do mesmo diploma legal. A primeira, por sua vez, só pode ser impugnada nos casos previstos no artigo 1388.º do CPC velho.
Como se refere no citado aresto do STJ, “A acentuação desta diferença faz com que os casos de anulação da partilha extrajudicial não sejam aplicáveis à anulação da partilha judicial, nem que os pertinentes a esta relevem para aquela [7], refutando-se a possibilidade de aplicação analógica do artigo 2121º aos casos de anulação de partilha judicial. Na realidade, o chancelamento de uma partilha mediante sentença passada em julgado, com tudo o que isso representa, não pode estar no mesmo patamar de impugnabilidade de uma partilha amigável realizada pelos interessados através de instrumento notarial. Daí que o caminho processual para a impugnação da partilha judicial tenha de ser mais estreito ou mesmo excecional, em nome da certeza e segurança jurídicas que dimanam da força e autoridade do caso julgado” (sublinhado nosso). “Por outro lado, não estando os interessados conformados com o modo como se fez a partilha judicial homologada por sentença, têm sempre eles ao seu dispor um instrumento legal poderoso para conseguirem a modificação do decidido: o recurso.
Mas, se deixarem transitar em julgado a decisão homologatória da partilha, só lhes restará a possibilidade de pedirem a anulação da partilha, nos apertados casos acima descritos”.
Está em causa, como se destaca no Ac. do TRC citado, o “efeito da autoridade do caso julgado formado pela sentença homologatória da partilha – cujos efeitos, incluindo o preclusivo… só podem ser atacados pelos meios processuais” supra mencionados.
Em face do exposto, ocorre um erro na forma do processo, importando por isso anular os actos que não possam ser aproveitados, e praticar os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei – artigo 193.º do CPC.
No caso em apreço não é possível aproveitar nenhum dos actos praticados, dadas as especificidades dos meios à disposição do R./reconvinte para obter a emenda ou a anulação da partilha, insusceptíveis de servirem de base a uma acção comum.
A anulação de todo o processo constitui excepção dilatória insuprível e determina a absolvição da instância, no caso dos AA./reconvindos, uma vez que a reconvenção se consubstancia numa contra-acção ou acção cruzada.
Pelo exposto e ao abrigo do disposto nos artigos 193.º, 278.º, n.º 1, alínea b), 576, n.ºs 1 e 2, 577.º, alínea b), e 578.º, todos do CPC, decide-se absolver os AA./reconvindos (…) da instância reconvencional. Custas pelo R./reconvinte…”.
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Não se conformando com o despacho proferido, dele veio o R/reconvinte interpor o presente recurso de Apelação, apresentando Alegações e formulando as seguintes Conclusões:

“1º - Vem o presente recurso interposto do Douto Despacho Saneador proferido em 25.01.2023, na parte em que absolveu os Autores/reconvindos, da instância reconvencional.
2º - Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo não podia ter absolvido os Autores/reconvindos da instância reconvencional nos termos e com os fundamentos aduzidos na Decisão recorrida.
3º - Os Autores/Recorridos instauraram a presente acção declarativa contra o réu/recorrente peticionando o seguinte:
a) Declarar-se a nulidade do registo, nos termos da al. b) do artigo 16º do CRP, efetuado a favor do R. e sua finada mãe, a coberto da AP. n.º ...04 de 2019/12/18, relativo aos prédios com a descrição ...77/...26, na CRP de ....
b) Condenar-se o R. a entregar aos A.A., nas proporções constantes do mapa de partilha do inventário ...4..., o ½ dos prédios referenciados na descrição ...26, livres de ónus ou encargos.
4º - Para o efeito, alegam no artigo 1º da Petição Inicial que por sentença, transitada em julgado, proferida em 04/12/2017, no âmbito do processo de Inventário n.º ...4..., que correu termos no Juízo Local Cível ... do Tribunal Judicial da Comarca ..., por morte de LL, ficaram adjudicados aos Requerentes, Requerido e à sua finada Mãe, MM, nas proporções dos respetivos quinhões, os seguintes prédios:
a) ½ indiviso do prédio urbano composto por uma casa de habitação sito na freguesia ..., no concelho ..., inscrito na respetiva matriz predial da freguesia ... (...) sob o artigo ...66... e descrito na conservatória do registo predial sob o nº ...67;
b) ½ e rústico sito na freguesia ..., no concelho ..., inscrito na respetiva matriz, sob o artigo ...95... e descrito na conservatória do registo predial sob o nº ...68.
5º - Mais alegam que o réu inscreveu, a seu favor e da sua finada Mãe, tal metade indivisa dos prédios acima identificados, sem que para tal dispusesse de qualquer título que lhe permitisse efectuar esse registo de aquisição.
6º - Por seu lado, o réu, na contestação, alega e prova documentalmente, em suma, que: - o referido LL veio a falecer no dia 10 de fevereiro de 1945, e que, em data muito anterior à sua morte, no dia ../../1943, por escritura pública celebrada no extinto Cartório Notarial ..., Notário PP, exarada de folhas 62, verso, a folhas 64, do livro de notas para escrituras diversas número ...83, vendeu a NN a respectiva metade indivisa de que era proprietário no imóvel em causa nos autos;
- tal metade indivisa jamais integrou, por isso, o acervo hereditário do finado LL;
- a partilha efetuada no âmbito do mencionado processo de inventário a que se procedeu por óbito de LL (Processo número 1765/14....), recaiu sobre bens que não pertenciam à herança deste finado;
- Tal partilha é nula, nos termos do nº 1 do artigo 2123º do Código Civil, que dispõe que “Se tiver recaído sobre bens não pertencentes à herança, a partilha é nula nessa parte, sendo-lhe aplicável, com as necessárias adaptações e sem prejuízo do disposto no número seguinte, o preceituado acerca da venda de bens alheios”.
7º - Nos artigos 12.º a 30.º da contestação, estão alegados e comprovados documentalmente os factos que permitem configurar a aquisição originária e derivada do réu relativamente à metade indivisa de que os Autores/Reconvindos se arrogam titulares.
8º - E, em conformidade, o réu/recorrente formulou o seguinte pedido reconvencional:
- declarar-se nula a partilha realizada no âmbito do processo de inventário a que se procedeu por óbito de LL, que correu termos pelo Juízo Local Cível ..., Juiz ..., Tribunal Judicial da Comarca ..., ... o número 1765/14...., com todas as legais consequências;
- declarar-se que o Réu é o único dono e legítimo proprietário dos prédios indicados no artigo 1º da PI (isto é, da metade indivisa registada nos termos da inscrição AP ...04, de 18.12.2019, no prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...77/... (...));
- declarar-se que o Réu efectuou legitimamente a seu favor e da sua finada mãe, MM, a aquisição de metade indivisa do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...77/... (...), nos exatos termos da respectiva inscrição AP ...04, de 18.12.2019;
- Condenar-se os Autores a reconhecerem o direito de propriedade do Réu sobre o imóvel aludido em d.2);
- Condenar-se os Autores a absterem-se da prática de qualquer acto que perturbe, impeça ou diminua o gozo e o normal exercício do direito de propriedade do Réu sobre o prédio aludido em d.2).
9º - Veio a ser proferido Despacho Saneador que absolveu os Autores/reconvindos da instância reconvencional.
10º - A questão controvertida que motiva a apresentação do presente recurso resume-se em saber se a reconvenção apresentada pelo aqui Recorrente, peticionando pela declaração de nulidade da Partilha Judicial, já homologada por Sentença transitada em julgado, realizada no processo de inventário nº ...4..., é o meio processual adequado para o efeito.
11º - O Douto Tribunal a quo, entendeu que não, e salvo o devido respeito, que é muito, crê-se que a argumentação expendida pelo Meritíssimo Juiz a quo, que a levou a concluir pela absolvição dos Autores da instância reconvencional, não merece acolhimento.
12º - Pois, e atendendo aos factos já dados como assentes nos presentes autos, o aqui Recorrente entende que a ação declarativa comum, que no caso foi deduzida em reconvenção, é o meio processual adequado para o efeito da declaração de nulidade da partilha realizada no âmbito do citado processo de inventário nº ...4....
13º - Ora, conforme resulta dos factos não controvertidos nos presentes autos e do documento junto a fls., a partilha cuja declaração de nulidade foi pedida em reconvenção resulta de ACORDO obtido em conferência de interessados efectuada nos mesmos autos de inventário.
14º - Acordo esse que, depois de alcançado entre as partes nesses autos, é posteriormente homologado por sentença.
15º - No entanto, conforme já alegado supra, a vontade do aqui recorrente que alicerçou o acordo alcançado estava inquinada, e, portanto, o negócio jurídico, no caso a partilha dos bens inventariados, que se serviu dessa vontade, é NULO!
16º - A única fundamentação do Douto Tribunal a quo, assente também em alguma Jurisprudência, para a absolvição dos Autores da instância reconvencional, conclui, em suma, que a anulação de uma partilha judicial não pode ter o mesmo tratamento da anulação de uma partilha extrajudicial.
17º - Isto porque estar-se-ia a colocar no mesmo patamar um acordo realizado entre as partes e uma Sentença proferida por um Tribunal, colocando em causa a segurança e a certeza jurídicas.
18º - No entanto, e salvo o devido respeito, o Recorrente não pode concordar com essa corrente de pensamento.
19º - Atendendo desde logo às especificidades do caso nos presentes autos, que se trata de uma partilha alcançada por ACORDO entre as partes que apenas foi posteriormente homologado por Sentença.
20º - E nem a Lei, nem a Jurisprudência COLOCAM no mesmo patamar os acordos homologados por Sentenças e as demais Sentenças judiciais.
21º - Nomeadamente, nos casos em que é invocada a excepção do Caso Julgado.
22º - É assente na Doutrina e na Jurisprudência que uma Sentença que tão só se limitou a homologar um acordo está num patamar distinto das restantes sentenças.
23º - “A transacção exarada no processo que põe termo ao litígio entre as partes constitui um contrato processual, consubstanciando um negócio jurídico efectivamente celebrado pelas partes intervenientes na acção correspondente àquilo que estas quiseram e conforme o conteúdo da declaração feita. Ao homologar tal acordo o Juiz, nos termos do disposto no art.º 300.º, n.º 3 e 4 do C.P.Civil, limita-se a fiscalizar a legalidade e a verificar a qualidade do objecto desse contrato e a averiguar a qualidade das pessoas que contrataram. A sua exigida presença faz com que se atribua ao negócio celebrado uma função jurisdicional, dando-lhe força executiva. Não toma, porém, o Juiz posição acerca do negócio acordado, ficando de fora do sentido e alcance do pacto celebrado.
Ora, se é assim, a decisão judicial corporizada na homologação do acordo afirmado pelas partes na acção, constituindo um acto jurídico exclusivamente das partes, exprime a regra de que a real e efectiva fonte da resolução do litígio é o acto de vontade das partes e não a sentença homologatória proferida pelo Juiz.
A transacção judicial, havendo de ser considerada como um contrato, está sujeita à disciplina do regime jurídico tipificada nos artigos 405.º e segs. do C.Civil e, ainda, do que este mesmo diploma legal estatui relativamente ao regime geral do negócio jurídico descrito nos preceitos dos artigos 217.º e seguintes.” Conforme foi decidido no Douto Acórdão da Relação de Guimarães, de 15.03.2007, processo 413/07-1, in www.dgsi.pt
24º - Ou seja, daqui resulta que Sentenças que se limitam a homologar um acordo não podem ser tratadas e apreciadas da mesma forma que as demais Sentenças.
25º - Desta feita, o Douto Tribunal a quo errou ao não seguir na senda do Douto Acórdão da Relação de Coimbra, processo 1419/15.8T8FIG.C1, também citado na Douta Decisão agora recorrida: “Incidindo a sentença homologatória (da partilha) sobre um encontro de vontades decorrente da conferência de interessados - como é o caso (cf., v. g., os documentos de fls. 18, 22 e 24) -, será de fazer relevar e prevalecer este acordo (acordo sobre a partilha entre todos os herdeiros), e não a autoridade do caso julgado (“tal acordo deve ser considerado, juntamente com a sentença transitada homologatória de tal partilha, elemento estruturante do acto da partilha”), sendo assim defensável a aplicação das regras de ineficácia e de invalidade próprias dos negócios jurídicos (v. g., as dos art.ºs 240º e seguintes, do CC), senão directamente, pelo menos por analogia com o art.º 2121º, do CC.”
26º - Assim, e conforme concluiu o Douto Acórdão referido: “(…) em matéria de declaração da ineficácia da partilha, aplicam-se as regras gerais dos negócios jurídicos (art.ºs 286º e seguintes, do CC), sendo que a declaração de ineficácia global tem como consequência fazer extinguir, retroactivamente ao momento da abertura da sucessão (cf. os art.ºs 289º e 2119º, do CC), os efeitos próprios da partilha hereditária, repondo a situação de indivisão hereditária (“que só poderá ser superada com nova partilha, face à ineficácia global da primitiva”).”
27º - Portanto, a partilha em causa nos presentes autos, não obstante ter sido homologada por Sentença, pode e deve ser alvo de um pedido de nulidade interposto através de acção declarativa com processo comum.
28º - Isto porque, tendo a partilha sido alcançada por ACORDO entre as partes na conferência de interessados e sendo tal acordo um acto jurídico obtido exclusivamente entre as partes, o Douto Juiz que homologou tal partilha por Sentença ficou fora do alcance e sentido desse pacto logrado entre as partes.
29º - Devendo, por isso, a Douta Decisão agora recorrida ser substituída por outra que admita a reconvenção e a presente acção prossiga os seus termos para apreciação do mérito da reconvenção.
30º - A Douta Decisão agora recorrida violou entre outros, o artigo 2123º do Código Civil e os artigos 278º, nº 1, al. b), 576º nº 1 e 2, 577º al. b) e 578º todos do CPC.
Termos em que, deve dar-se provimento ao presente recurso, anulando-se e revogando-se o Douto Despacho Saneador de 25.01.2023, na parte em que absolveu os Autores da instância reconvencional, e determinando-se que os autos prossigam os ulteriores termos para apreciação do mérito da reconvenção formulada pelo recorrente, com as legais consequências…”.
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Os AA/Reconvindos vieram apresentar Resposta ao recurso, pugnando pela sua improcedência, com a manutenção da decisão recorrida.
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Tendo o tribunal recorrido tomado conhecimento de que a A. HH havia falecido (em .../.../2022), foi declarada suspensa a instância (em 21.9.2023) e proferida sentença nos autos de Habilitação de Herdeiros apensos (em .../.../2023), a julgar habilitados sucessores da falecida os seus filhos, QQ e JJ – que já figuravam nos autos como AA –, para prosseguirem os autos em substituição da sua falecida mãe.
Transitada em julgada a sentença de habilitação de herdeiros, foram os autos devolvidos a esta Relação para prolação do respetivo Acórdão.
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Objeto do Recurso

Levando em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso (artigos 635º e 639º do CPC), a questão a decidir na presente Apelação é apenas a de saber se deveria ter sido admitida a Reconvenção deduzida nos autos pelo R, questão que pressupõe a de saber se à  partilha judicial -homologada por sentença transitada em julgado em processo de inventário -, é oponível a nulidade, por vício da vontade de algum dos interessados, intervenientes na partilha.
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Os factos a considerar para a decisão da questão colocada são os mencionados no relatório deste acórdão – resultantes da tramitação dos autos -, assim como os constantes da decisão recorrida, que não são postos em causa por nenhuma das partes.
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Da admissibilidade da Reconvenção:

Segundo a decisão recorrida, a pretensão deduzida nos autos pelo R, por via reconvencional - de declaração de nulidade da partilha efetuada nos autos nº1419/15.8T8FIG.C1, homologada por sentença transitada em julgado -, não pode ser atendida, por erro na forma do processo (inadequação do meio processual utilizado), pelo que se determinou a absolvição dos AA/reconvindos da instância reconvencional.
E baseou a sua argumentação essencialmente no facto de que o (único) caminho processual para a impugnação da partilha judicial objeto de sentença transitada em julgado, tem de ser o caminho mais estreito ou mesmo excecional previsto nos artºs 1386º a 1388º do anterior CPC, aplicáveis à emenda e à anulação da partilha no processo de inventário. Daí que, se as partes deixarem transitar em julgado a decisão homologatória da partilha, só lhes restará a possibilidade de pedirem a sua emenda ou anulação, nos apertados casos descritos na lei, em nome da certeza e segurança jurídicas que dimanam da força e autoridade do caso julgado inerentes à sentença homologatória da partilha.
E é contra esse entendimento que se insurge o recorrente, afirmando que o que está em causa nos autos é “uma partilha alcançada por ACORDO entre as partes que apenas foi posteriormente homologado por Sentença”, e que nem a Lei nem a Jurisprudência colocam no mesmo patamar os acordos homologados por Sentenças e as demais Sentenças judiciais, nomeadamente, nos casos em que é invocada a exceção do Caso Julgado.
Defende, por isso, que uma Sentença que tão só se limitou a homologar um acordo está num patamar distinto das restantes sentenças, citando em abono da sua tese dois acórdãos (um da Relação de Coimbra e outro desta Relação de Guimarães), e concluindo que a partilha em causa nos autos, não obstante ter sido homologada por Sentença, pode e deve ser alvo de um pedido de nulidade interposto através de ação declarativa com processo comum. Isto porque, tendo a partilha sido alcançada por ACORDO entre as partes na conferência de interessados, e sendo tal acordo um ato jurídico obtido exclusivamente entre as partes, o Juiz que homologou tal partilha por Sentença ficou fora do alcance e sentido desse pacto logrado entre as partes.
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Mas salvo o devido respeito, não podemos concordar com o recorrente, aderindo, pelo contrário, ao que foi decidido na primeira instância.
Começamos por dizer que aderimos integralmente ao enquadramento jurídico que é feito na decisão recorrida, de que tendo a reconvenção por objeto uma partilha judicial homologada por sentença transitada em julgado proferida em processo de inventário instaurado em 2009, são-lhe aplicáveis as normas referentes ao processo de Inventário previstas no CPC de 1961, ou seja, o regime jurídico do Inventário anterior ao instaurado pela Lei n.º 23/2013, de 5 de Março (considerando o disposto no artigo 7.º daquela Lei), sendo ainda relevante para a questão, a data do transito em julgado da decisão homologatória da partilha (e não a data da instauração da ação de impugnação daquela partilha).
Ora, sobre o efeito do trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha efetuada naquele processo de Inventário (n.º ...4...), temos como adquirido que com aquela sentença se fixou o direito dos interessados naquele processo.
Ou seja, a decisão anteriormente proferida produziu todos os efeitos preclusivos do caso julgado no que respeita à relação material que dela foi objecto, caso julgado esse não meramente formal, mas vinculativo fora daquele processo especial e no que respeita a tal relação (cfr., entre outros, Acs. do STJ de 05.11.2002 e de 19.11.1992, ambos disponíveis em www.dgsi.pt; Ac. R.C. de 11.07.2000: CJ 2000, 4º, pág. 5; e Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, Vol. II, Almedina, pag. 530).
Como refere José Alberto dos Reis (Revista de Legislação e Jurisprudência nº 74, pag.267), se fosse sufragado outro entendimento, que não atribuísse força de caso julgado a uma sentença homologatória da partilha,“a sentença de partilha teria reduzido valor”, já que sempre se poderia voltar a colocar em discussão, com ações autónomas, o que anteriormente se havia apreciado no inventário, reconduzindo-se, em casos extremos, à infindabilidade do processo.
No seguimento do exposto, e seguindo Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto (“Código de Processo Civil” anotado, vol. 2º, 2ª ed., pág. 354), retirando das decisões proferidas no processo de inventário as necessárias consequências, importa fazer funcionar quanto às mesmas a exceção de caso julgado - no tocante ao efeito negativo da inadmissibilidade de uma segunda ação, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito.
Será de chamar aqui à colação, de resto, o que dispunha o nº1 do art.º 1336º do CPC (na redação vigente à data da instauração do processo de inventário), que “Consideram-se definitivamente resolvidas as questões que, no inventário, sejam decididas no confronto do cabeça-de-casal ou dos demais interessados a que alude o artigo 1327.º, desde que tenham sido regularmente admitidos a intervir no procedimento que precede a decisão, salvo se for expressamente ressalvado o direito às acções competentes” -, tendo presente a respetiva ratio legis de salvaguarda da segurança e certeza jurídicas na aplicação do Direito em sede de decisão judicial, importando e impondo ambas que a lei atribua força vinculante ao ato de vontade do juiz nela refletido (Anselmo de Castro, “Direito Processual Civil Declaratório”, Almedina, Coimbra, 1982, vol. III, pág. 384).
Pensamento que se harmoniza com a solução legal consagrada nos artºs 1386º, 1387º, e 1388º do CPC (vigentes à data da instauração do processo), isto é, de que transitada em julgado a sentença homologatória da partilha, não é possível a quem interveio como parte no inventário onde a mesma foi proferida, atacar o ato processual, fora das situações legalmente tipificadas como de emenda à partilha (art.º 1386º e 1387º) ou sob os pressupostos e condicionantes da sua anulação, estabelecidos no artigo 1388º do CPC.
Efetivamente, nos termos do art.º 1386º,“1 - A partilha, ainda depois de passar em julgado a sentença, pode ser emendada no mesmo inventário por acordo de todos os interessados ou dos seus representantes, se tiver havido erro de facto na descrição ou qualificação dos bens ou qualquer outro erro susceptível de viciar a vontade das partes. 2 - O disposto neste artigo não obsta à aplicação do artigo 667.º” (no que toca à retificação de meros erros materiais).
E nos termos do art.º 1387.º, intitulado “Emenda na falta de acordo”, “Quando se verifique algum dos casos previstos no artigo anterior e os interessados não estejam de acordo quanto à emenda, pode esta ser pedida em acção proposta dentro de um ano, a contar do conhecimento do erro, contanto que este conhecimento seja posterior à sentença (nº1). A acção destinada a obter a emenda segue processo ordinário ou sumário, conforme o valor, e é dependência do processo de inventário (nº...)”.
Sobre a anulação da partilha dispunha finalmente o art.º 1388º que “1 - Salvos os casos de recurso extraordinário, a anulação da partilha judicial confirmada por sentença passada em julgado só pode ser decretada quando tenha havido preterição ou falta de intervenção de algum dos co-herdeiros e se mostre que os outros interessados procederam com dolo ou má fé, seja quanto à preterição, seja quanto ao modo como a partilha foi preparada. 2 - A anulação deve ser pedida por meio de ação à qual é aplicável o disposto no n.º 2 do artigo anterior”.
A partilha judicial, como refere Lopes Cardoso (“Partilhas Judiciais”, vol. II, pág. 544), porque “revestida da autoridade que dimana do caso julgado, só em casos muito restritos poderá anular-se”.
E sobre o alcance e natureza da sentença homologatória da partilha judicial no processo de inventário, lê-se também no Ac. do STJ de 13-12-2007 (Sumários do STJ de 2007 a 2012 - O Processo Judicial de Inventário na jurisprudência das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça) que “I- Uma partilha homologada por sentença judicial (…) não pode ser invalidada através da celebração de um negócio processual - transação - posterior (…). II- Com efeito, uma das regras injuntivas que a transação não pode violar é a do trânsito em julgado (art. 677.º do CPC)” (cfr. no mesmo sentido, o Ac. STJ de 07-03-2017 disponível em www.dgsi.pt.).
Resulta assim do exposto, que homologada a partilha judicial, por sentença transitada em julgado, salvo na situação de revisão de sentença, e das situações contempladas nos artigos 1386º a 1388º do CPC, não é possível obter a sua nulidade, em aplicação das regras de ineficácia e de invalidade próprias dos negócios jurídicos em geral, previstas nos artigos 285º e ss do Código Civil (como é pretensão do recorrente) (.
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Destarte, o recorrente, pretendendo fazer valer o seu direito, apenas tinha ao seu dispor algum dos meios que a lei lhe faculta, e que são os acima mencionados (para pedir a emenda ou a anulação da partilha, nos casos expressamente consagrados naquelas disposições legais), não sendo aplicável à situação dos autos, nem por analogia (como ele pretende), as disposições legais previstas para a “Impugnação da partilha” nos artºs 2121º e ss. do CC, normas expressamente previstas (apenas) para a partilha extrajudicial.
Efetivamente, a exclusão da impugnação da partilha judicial, com base em vícios e formação da vontade, ancora-se na valoração da certeza e segurança da autoridade do caso julgado da sentença homologatória - que a partilha extrajudicial, enquanto mero negócio jurídico entre os interessados, não detém -, o que significa que será de refutar a aplicação analógica à partilha judicial do disposto no artigo 2121º do Código Civil, que diz respeito à impugnação da partilha extrajudicial, em coerência com a sua natureza estritamente contratual, que a distancia em substância e na forma da partilha judicial.
Como se decidiu no Ac. do STJ de 11-10-2022 (também disponível em www.dgsi.pt), o processo de inventário é uma forma especial de processo, com regulamentação própria e específica, apenas sendo aplicáveis ao mesmo as normas gerais do direito substantivo, ou do processo comum quando expressamente previsto.
Os meios processuais previstos nos artigos 1386º a 1388º do CPC visam corrigir situações processuais inadequadas ou irregulares no processo de inventário, suscetíveis de afrontarem a justa composição dos interesses, expressa em partilha judicial sobre que incidiu decisão homologatória transitada em julgado.
Com efeito, como a doutrina vem afirmando, cremos que a uma só voz, a partilha judicial, sujeita ao escrutínio e chancela do tribunal, enquanto ato de jurisdição afirmada, está excluída da impugnação dos negócios jurídicos em geral, admitindo o legislador poucas e excecionais situações que justificam a sua alteração, que são as elencadas nos mencionados artºs 1386º a 1388º do CPC (atualmente artºs 1126º e 1127º).
Ou seja, a anulação da partilha apenas terá lugar em caso de erro de facto na descrição ou qualificação dos bens ou qualquer outro erro suscetível de viciar a vontade das partes,  que deve ser pedida por meio de ação judicial, só podendo ser decretada quando tenha havido preterição ou falta de intervenção de algum dos co-herdeiros e se mostre que os outros interessados procederam com dolo ou má fé, seja quanto à preterição, seja quanto ao modo como a partilha foi preparada; ou quando se verificam os requisitos de revisão de sentença (Lopes Cardoso in Partilhas Judiciais, Vol. II, 4ª edição, págs. 547 e 567 ss.).
Rabindranath Capelo de Sousa (em “Lições de Direito das Sucessões”, Volume II, 2ª edição, página 367, nota 1182) explicita tais situações excecionais com clareza: “Porque não existe um acordo entre todos os herdeiros estruturante da partilha, a sentença homologatória da partilha (…), quando transitada em julgado, exprime a decisão judicial reguladora dos conflitos de interesses, subjacentes no inventário entre os partilhantes. Nestes termos, só ela contém e estrutura a partilha. Simplesmente, tal sentença teve uma certa história e supõe determinados pressupostos substanciais e processuais, susceptíveis de vícios. Alguns deverão considerar-se sanados ou esgotados pelas necessidades de certeza e segurança atribuíveis ao caso julgado (…). Outros, a lei fá-los relevar pela sua influência em actos preparatórios fundamentais da partilha, admitindo a emenda ou a anulação judicial da partilha (arts. 1386º a 1388º do CPC) (…); já no que se refere à partilha extrajudicial (…) exigindo-se o acordo unânime de todos os interessados para se proceder à partilha extrajudicial, como decorre do estipulado pelo artigo 2102º, nº 1, do CC, estes poderão atacar o acto, nomeadamente, impugnando-o, nos termos do disposto pelo artigo 2121º, ambos do CC, quando tenham sido derrogadas normas imperativas”.
Daí que na pretensão de anulação da partilha, haja que distinguir a situação de partilha amigável (por escritura pública) da ocorrida em processo de inventário (homologada por sentença com trânsito em julgado).
Ora, só à partilha amigável (extrajudicial) são aplicáveis as regras jurídicas de impugnação dos contratos, como dispõe expressamente o art.º 2121º do Cód. Civil e só a esta forma de partilha são aplicáveis as regras de nulidade e anulabilidade dos negócios jurídicos, nos termos dos arts. 285º e ss. do CC. Sendo a partilha extrajudicial um verdadeiro contrato, que representa a confluência das vontades declaradas, ela “…é impugnável nos casos em que o sejam os contratos…” (Cunha Gonçalves, “Tratado de Direito Civil, XI, pág.104).
Donde, não dispondo a lei dessa faculdade e efeitos no que concerne à impugnação da partilha judicial, não pode o intérprete veicular um âmbito extra declarado ao pretendido segundo a ratio da lei, como decorre dos postulados hermenêuticos do artigo 9º do CC (Ac. RL de 22.3.2022, disponível em www.dgsi.pt).
Como se refere também no Ac. do STJ de 19-06-2018 (Revista excecional, versando sobre oposição de Acórdãos - e divergindo do entendimento seguido pelo Acórdão da RC de 8/3/2016 -, disponível em www.dgsi.pt., e citado na decisão recorrida), “A partilha judicial, dependendo do trânsito em julgado da sentença que a homologar, só pode ser impugnada nos casos previstos no artigo 1388º do CPC”. E acrescenta: “Na realidade, o chancelamento de uma partilha mediante sentença passada em julgado, com tudo o que isso representa, não pode estar no mesmo patamar de impugnabilidade de uma partilha amigável realizada pelos interessados através de instrumento notarial. Daí que o caminho processual para a impugnação da partilha judicial tenha de ser mais estreito ou mesmo excepcional, em nome da certeza e segurança jurídicas que dimanam da força e autoridade do caso julgado (…). Se deixarem transitar em julgado a decisão homologatória da partilha, só lhes restará a possibilidade de pedirem a anulação da partilha, nos apertados casos acima descritos…” (cfr. no mesmo sentido o já citado Ac. do STJ de 11/10/2022; o Ac. RC de 26-11-2019; os Acs. desta RG de 17-09-2013 e de 22/6/2017; o Ac. RL de 22-03-2022; e o Ac. RP de 07-03-2022, todos disponíveis em www.dgsi.pt.).
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Ora, como é bom de ver, o R./reconvinte não baseia a sua pretensão em nenhuma das situações previstas nas normas legais transcritas, nem a elas alude tão pouco, o que é por demais evidente, dado que as mesmas tratam da emenda e da anulação da partilha, nos casos expressamente ali previstos, pretendendo o reconvinte, pelo contrário, a declaração de nulidade da partilha realizada no processo de inventário nº ...4..., baseada no facto de a mesma ter recaído sobre bens que não pertenciam à herança do falecido.
Mas tal pretensão, como deixamos dito, não é admissível fora dos casos previstos naquelas disposições legais, e muito menos nesta ação de processo comum (por via reconvencional), dadas as especificidades dos meios legais postos à disposição do R./reconvinte para impugnar, em termos gerais, a partilha judicial realizada nos referidos autos de inventário, não podendo ademais o recorrente socorrer-se, como se disse, por via da analogia, do disposto no art.º 2121º do Cód. Civil.
Muito sugestivo é o sumariado no Ac. do STJ de 11/1/2001 (também disponível em www.dgsi.pt) de que “I Proferida sentença homologatória da partilha, não é admissível a alegação de que determinados bens partilhados não pertenciam, afinal, à herança. II - O interessado pode, neste caso, requerer a emenda da partilha, desde que obtido o acordo de todos os demais - art.º 1386, n.º 1, do CPC - ou, não obtido este acordo, propor acção comum dentro de um ano, nos termos do art.º 1387º do mesmo código”.
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Em síntese, transitada em jugado a sentença homologatória da partilha e atuante o efeito preclusivo do caso julgado, está o recorrente impedido de impugnar a sua validade e eficácia, à margem dos pressupostos estipulados nos artigos 1386 a 1388º do CPC, pelo que a sua pretensão, à luz daqueles normativos (assim como do art.º 2121º do CC), revela-se manifestamente improcedente, sendo desde logo este processo o meio processual inadequado para a sua pretensão (erro na forma de processo), como bem se decidiu na decisão recorrida.
Improcedem, assim, todas as conclusões da Apelação do recorrente.
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V- DECISÃO:

Pelo exposto, julga-se improcedente a Apelação, e mantém-se a decisão recorrida.
Custas (da Apelação) pelo recorrente.
Notifique e D.N.
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Sumário do acórdão:
I - Com o transito em julgado da sentença homologatória da partilha fixa-se o direito dos interessados no processo de inventário, apenas podendo haver lugar à alteração da mesma, se verificados os pressupostos de emenda ou anulação da partilha nos termos previstos nos artºs 1386º a 1388º do anterior CPC.
II - Só à partilha extrajudicial são aplicáveis as regras jurídicas de impugnação dos contratos, como dispõe o art.º 2121º do CC, e só a esta forma de partilha são aplicáveis as regras de nulidade e anulabilidade dos negócios jurídicos, nos termos dos arts. 285º e ss do CC.
III- A ação declarativa comum não é o meio processual adequado para o R (por via reconvencional) obter a nulidade da partilha judicial, realizada num processo de inventário, homologada por sentença transitada em julgado.
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Guimarães, 15.2.2024.