Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2462/22.6T8GMR.G1
Relator: PAULA RIBAS
Descritores: LEGITIMIDADE PROCESSUAL
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
CLÁUSULA PENAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/01/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO DOS AUTORES IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 – Não há que estender a condenação resultante da desconsideração da personalidade jurídica de uma sociedade ao seu legal representante quando se demonstra que essa sociedade foi criada pelo pai deste, gerente de facto daquela sociedade, que praticou os atos de confusão de patrimónios que permitiram a condenação deste gerente de facto com fundamento naquela desconsideração.
2 – Não é devida cláusula penal moratória prevista no contrato quando a situação verificada e em discussão é de recusa categórica de não cumprimento daquele mesmo contrato.
3 – A autora, que vive em união de facto com o autor, não é credora dos montantes indemnizatórios devidos pelo incumprimento do contrato de empreitada quando apenas o autor o celebra, por escrito, e ainda que todos os atos praticados tenham a sua concordância.
Decisão Texto Integral:
Relator: Paula Ribas
1ª Adjunto: Jorge dos Santos
2ª Adjunta: Fernanda Proença Fernandes

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório (elaborado tendo por base o da sentença da 1.ª instância):

AA e BB intentaram contra:
1.º- EMP01... – UNIPESSOAL, LDª;
2.º- CC,
3.º- DD, e
4.º- EE,
a presente ação declarativa sob a forma comum, tendo pedido a condenação dos réus no pagamento:
a) a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, de quantia nunca inferior a 78.252,06 euros, decorrentes direta e necessariamente da falta de execução pelos réus das obras acordadas com os autores no prédio urbano aqui em causa, acrescida dos juros moratórios correspondentes à taxa supletiva anual de 8% [prevista para os créditos de que sejam titulares empresas comerciais (nos termos do § 3º do artigo 102.º, do Código Comercial, e, sucessivamente, das diversas Portarias)], vencidos desde a data da citação até efetivo e integral pagamento até efetivo e integral pagamento;
b) no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, de montante não inferior a uma UC, por cada dia de atraso no cumprimento da decisão em que venham a ser condenados e notificados pelo Tribunal, de forma a assegurar a efetividade da mesma, dividindo-se o montante desta sanção em partes iguais entre o Estado e os autores.
Para tanto, alegaram, em síntese, que:
- Os autores vivem em união de facto há mais de 10 anos;
- A 1.ª ré é uma sociedade unipessoal cujo sócio é o 2.º réu, que dela também é gerente de direito, e que se dedica, entre outras, à atividade de construção civil;
- O 3.º réu é o pai do 2.º réu e é gerente de facto da sociedade 1.ª ré;
- A 4.ª ré é mãe do 2.º réu, vive em união de facto com o 3.º réu, de quem se encontra divorciada, e reside no local onde se situa a sede da 1.ª ré;
- Em meados de 2016, o autor contactou o 3.º réu (que exercia, segundo informações então obtidas, a atividade de empresário da construção civil) com vista à execução de obras de remodelação da casa de habitação correspondente ao prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial ...31/...;
- Após negociações, no dia 16/04/2018, o 3.º réu apresentou aos autores um documento escrito, que apelidou de “contrato de empreitada”, que foi por estes aceite e subscrito pelo autor, no qual aquele interveio na qualidade de gerente da 1.ª ré;
- Nesse acordo escrito, foi convencionado que as obras seriam realizadas no prazo de seis meses, com início a 16/04/2018 e termo a 16/10/2018, pelo preço de 63.800,00 euros, acrescido de IVA, a pagar 40% no início da obra, 40% a meio da obra e 20% no final da obra;
- No decurso da execução das obras, entre 16/04/2018 e 23/05/2018, os autores efetuaram pagamentos que totalizaram 25.500,00 euros, com vista à satisfação da prestação inicial de 40%;
- A partir de 16/04/2018, o 2.º e o 3.º réu deram início à realização das obras, até que, a partir do mês de junho de 2018, abrandaram o ritmo da sua execução, com o que os autores confrontaram aqueles réus;
- Entretanto, o 2.º e o 3.º réus pediram mais dinheiro, por conta da segunda prestação, tendo os autores realizado transferências que totalizaram 25.500,00 euros, entre os dias .../.../2018 e 19/07/2018, que tiveram como destino a conta particular do 2.º réu;
- A partir do último dos pagamentos – 19/07/2018 –, a 1.ª ré, o 2.º e 3.º réus pararam as obras, sendo que, interpelados pelos autores quanto a esse facto, disseram que o seu prosseguimento estava dependente do pagamento a mais de 2.500,00 euros, o que recusaram;
- Posto isso, os 2.º e 3.º réus deram ordens, em 10/09/2018, aos trabalhadores para fazerem arrumações na obra e, perante isso, os autores tentaram contactá-los, tendo aqueles referido, em resposta, que a continuação da obra dependeria da realização de mais pagamentos, o que recusaram, porque, atento o estado da obra, seria impossível acabá-la com o montante que faltava pagar em relação ao preço;
- A partir desta altura, a obra foi totalmente abandonada e os diálogos entre as partes cessaram, por completo, no dia 11/10/2018;
- Os 2.º e 3.º réus adotaram este comportamento com a intenção de enganar os autores, obtendo a realização de parte de pagamento da empreitada (para conta particular) e deixando após de a prosseguir, sob a chantagem de ser entregue mais dinheiro, tendo acabado por a abandonar, procedimento que observaram em relação a outras pessoas;
- A 1.ª ré, os 2.º e 3.º réus tinham conhecimento da necessidade que os autores tinham de passar a habitar a casa de habitação a partir de outubro de 2018 e que os mesmos, para pagar o preço da empreitada, tiveram de vender o prédio onde residiam e alugar um apartamento, o qual, depois, devido ao atraso das obras, tiveram de entregar e passar a morar na morada dos pais do autor;
- A 4.ª ré, por continuar a viver em união de facto com o 3.º réu, sabia dos propósitos da 1.ª ré e dos 2.º e 3.º réus, de conseguir dos autores montantes em dinheiro, tendo também consciência de que a obra não seria terminada;
- Na medida do exposto, todos os réus praticaram um crime de burla, razão pela qual os autores participaram criminalmente dos mesmos, mas tendo sido proferido despacho de arquivamento, por ter sido considerado que a questão tinha cariz civil;
- Não obstante, por força de perícia realizada nesse processo-crime, apurou-se que os réus receberam, a mais, por obras que não executaram, a quantia de 23.800,06 euros, a qual reclamam a título de danos patrimoniais;
- Por outro lado, em razão do abandono da obra, têm direito à sanção prevista na cláusula 7.ª, ponto 4, do contrato de empreitada, que perfaz, à data de entrada da petição, o montante de 34.452,00 euros;
- Por outro lado ainda, os autores sofreram ainda prejuízos de natureza emocional, em virtude das “atitudes chantagistas dos réus” e por se ter frustrado o investimento por eles realizado;
Terminaram a sua petição inicial a concluir que todos os réus devem ser solidariamente responsabilizados pelo pagamento da indemnização reclamada, uma vez que atuaram com o objetivo de extorquir dinheiro aos autores e que a constituição da sociedade 1.ª ré configura um embuste e, por isso, traduz-se num abuso da personalidade coletiva, que pretendem que seja desconsiderada.
Regularmente citados, os réus apresentaram contestação conjunta com a ref.ª: ...23 (fls. 103 a 112), na qual, em uníssono, alegaram a exceção de caducidade, por, no seu entender, encontrar-se decorrido, à data da propositura da presente ação, o prazo previsto no artigo 1224.º, do Código Civil (C. Civil), sobre a data do termo do contrato de empreitada (tenha este ocorrido a 10/09/2018 ou a 11/10/2018).
A título de impugnação, os réus deduziram defesas diferenciadas, tendo alegado, em súmula, o seguinte:
- A 1.ª ré e o 2.º réu, com exceção do recebimento dos pagamentos efetuados por transferência, afirmaram desconhecer a factualidade relativa à negociação, celebração e execução do contrato de empreitada (salvo a subscrição da declaração de responsabilidade apresentada perante a Câmara Municipal), pormenorizando que o 2.º réu acedeu a um pedido de seu pai no sentido de figurar como sócio-gerente da 1.ª ré, mas que esta foi sempre gerida pelo 3.º réu;
- O 3.º réu admitiu que teve negociações com os autores, que desembocaram na celebração do contrato de empreitada aludido na petição inicial, assumindo que o fazia enquanto gerente de facto da 1.ª ré; sustentou que, já no decurso da obra, foi surpreendido com o pedido daqueles no sentido de alterar a configuração que resulta da planta junta com a petição inicial (sob o n.º 16), logo os tendo alertado da necessidade de lhe pagar a mais a quantia de 20.000,00 euros, com o que o concordaram; não obstante, mais tarde, os autores, quando a obra se encontrava executada pela metade, recusaram o pagamento daquela importância, mas também o montante de 10.000,00 euros, que se encontrava em falta (e era relativo à 1.ª prestação), tendo sido por causa dessa permanente e obstinada recusa do pagamento prometido que deu ordens aos seus trabalhadores para retirarem da obra todo o material e máquinas do local de execução da obra; negou, por fim, que mantenha a vida em comum com a 4.ª ré;
- A 4.ª ré afirmou ser alheia a tudo quanto se relacione com o contrato de empreitada em questão nos presentes autos, tendo referido que se encontra divorciada do 3.º réu desde o ano 2006; que habita com o seu filho, aqui 2.º réu; que não teve participação em quaisquer negócios celebrados pelo seu ex-marido e/ou pelo seu filho; e que os rendimentos para a sua subsistência advêm de pequenos trabalhos de estética que executa.
Os autores apresentaram o articulado de resposta com a ref.ª ...50 (fls. 118 a 122), na qual, em resumo, sustentaram a não verificação da exceção de caducidade.
Dispensada a realização de audiência prévia, proferiu-se despacho saneador, em 28/11/2022, no qual se afirmou a validade e regularidade da instância, relegando-se, para final, a apreciação da exceção de caducidade (cfr. fls. 135).
Realizou-se a audiência de julgamento e, concluído este, foi proferida sentença nos seguintes termos:
A- Julga-se improcedente a exceção de caducidade arguida pelos Réus;
B- Julga-se parcialmente procedente a presente ação e, em consequência:
i) Condena-se a 1.ª Ré EMP01... – UNIPESSOAL, L.DA, e o 3.º Réu DD:
- Na restituição ao Autor AA do montante de € 23.799,06 (vinte e três mil setecentos e noventa e nove euros e seis cêntimos), sobre o qual acrescem os juros vencidos e vincendos, desde a citação até integral pagamento, às taxas legais de juros aplicáveis às transações comerciais;
- No pagamento da compensação de € 2.000,00 (dois mil euros), a título de danos não patrimoniais, sobre a qual acrescem os juros vencidos e vincendos, desde a presente data até integral pagamento, às taxas legais de juros aplicáveis às transações comerciais;
ii) Absolve-se os Réus do demais peticionado.
As custas da presente ação são da responsabilidade dos Autores, da 1.ª Ré e do 3.º Réu, na proporção do respetivo decaimento (cfr. artigo 527.º/1/2, do CPCiv)”.
**
Inconformados vieram os autores interpor recurso de apelação, apresentando as seguintes conclusões:

(a alegação anterior não é relevante)
“- DA QUESTÃO PRÉVIA
S)- Desde já se dá conta da seguinte NULIDADE DA SENTENÇA aqui em crise, ao abrigo do disposto no Artº. 615, nº 1, al. c) do CPC, que diz que “é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão, ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.”
T)- Ora, na decisão final o Mº. Juiz “a quo” incluiu este segmento:
- (…)
- Na restituição ao Autor AA do montante de € 23.799,06 (vinte e três mil setecentos e noventa e nove euros e seis cêntimos) sobre o qual acrescem os juros vencidos e vincendos, desde a citação até integral pagamento, às taxas legais de juros aplicáveis às transações comerciais;
- No pagamento da compensação de € 2.000,00 (dois mil euros), a título de danos não patrimoniais, sobre a qual acrescem os juros vencidos e vincendos, desde a presente data até integral pagamento, às taxas legais de juros aplicáveis às transações comerciais;
U)- E fê-lo no seguimento da conclusão por si proferida no parágrafo 4ª da pág. 40, da douta sentença, nos termos seguintes:
(…)
- “Em primeiro lugar, cabe dizer que, a haver resposta positiva, da indemnização será apenas credor o Autor, isto porque foi o único que se vinculou através do contrato de empreitada. Embora os Autores refiram na petição inicial que estiveram juntos na data de celebração desse negócio, que leram o texto escrito que, nessa data, lhes foi entregue pelo 3º Réu e que aceitaram o seu conteúdo, foi apenas o Autor que se vinculou contratualmente, do que resulta que apenas para ele emergiram as obrigações nele convencionadas, assim como o feixe de direitos decorrente da posição de dono da obra.”.
V)- Porém, esta mesma afirmação está em manifesta contradição com toda a argumentação e fundamentação apresentada pelo Mº. Juiz “a quo” em toda a sua sentença, a qual sempre fala no plural de Autores, o que revela que o mesmo também nunca colocou em causa esta mesma legitimidade plural dos Autores.
W)- Por outro lado, esta legitimidade plural dos Autores também foi sempre alegada pelos Autores na sua petição inicial, porque assente em bens imóveis (prédio) e móveis (dinheiro) que são de ambos os Autores, assim como dizem respeito a contratos também por ambos os Autores decididos e celebrados, ou seja, quer a causa de pedir, quer o pedido de condenação objeto destes autos assentam em factos praticados por ambos os Autores, porque o imóvel aqui em causa e sobre o qual foram contratadas as obras aqui em causa com os Réus é propriedade de ambos, e o dinheiro pago por conta destas mesmas obras também pertence a ambos os Autores, a que acresce que as obras objeto destes autos foram acordadas também entre ambos os Autores e os 1ª. 2º e 3º Réus.
X)- Dai que o facto de o documento aqui designado por “contrato de empreitada” ter sido assinado apenas pelo Autor marido, de forma alguma pode destruir esta legitimidade plural dos Autores como credores dos direitos por si aqui reclamados, tanto mais que esta mesma legitimidade plural também nunca foi impugnada pelos próprios Réus, quer na sua contestação, quer em audiência de julgamento, sempre aceitando e reconhecendo que ambos os Autores foram parte integrante em todas as fases de negociação da contratualização com eles para execução das obras aqui em causa, assim como os pagadores dos valores recebidos por conta deste mesmo contrato de empreitada.
Y)- A tudo isto acresce o seguinte facto: após a apresentação dos articulados, foi proferido DESPACHO SANEADOR, já transitado em julgado, no qual ficou decidido, no que ao “SANEAMENTO” diz respeito, o seguinte:
- (…)

II – SANEAMENTO
- O tribunal é competente em razão da nacionalidade, da hierarquia, da matéria e do território. Inexistem nulidades que invalidem todo o processado.
As partes são legitimas, encontrando-se devidamente patrocinadas. - (…)”.
- E esta decisão está em perfeita harmonia com o que foi alegado pelos Autores na sua petição inicial, quer com o que foi alegado e aceite pelos Réus na sua contestação, no que a este ponto diz respeito, atendendo a que esta legitimidade plural dos Autores foi sempre consensual de todas as partes de Autores e Réus, como supra se indicou.
Z)- Pelo que, o Tribunal “a quo” ao decidir da forma que o fez, quanto a este segmento, violou a norma jurídica contida no Artº. 615, nº 1, al. c) do CPC.
AA)- Posto isto, e tendo em consideração tudo quanto agora se acaba de mencionar, outra não poderá ser a conclusão que não vá no sentido de o Tribunal “a quo” considerar como credores das indemnizações peticionadas ambos os Autores, porque em manifesta contradição quer com o alegado pelos Autores na sua petição inicial, o alegado e aceite pelos Réus na sua contestação, e, acima de tudo, com o já decidido em sede de despacho saneador, no que diz respeito à legitimidade das partes, o qual também já transitou em julgado, pelo que se deverá considerar nula a sentença, quanto a este segmento, nos termos do Artº. 615, nº 1, al. c) do CPC.
AB)- Assim sendo, o segmento da decisão final que decide que credor das indemnizações peticionadas com base no incumprimento contratual objeto destes autos é apenas o Autor marido é nula, pelo que deve ser substituída por outra em que reconheça que credores das indemnizações peticionadas e objeito destes autos são ambos os Autores, e não apenas o Autor marido.

PORÉM, E SEM CONCEDER:
AC)- Porém, caso seja de entendimento que não existe contradição entre a fundamentação e a decisão, no que a este ponto diz respeito, o certo é que esta fundamentação proferida no parágrafo 4ª da pág. 40 da douta sentença, está em manifesta contradição com os factos provados, pelas razões ou fundamentos elencados supra, mas acima de tudo, em manifesta violação do decidido no DESPACHO SANEADOR, no que diz respeito à decisão sobre o pressuposto da legitimidade das partes, a qual transitou em julgado.
AD)- Por esta razão deverá a decisão aqui em crise ser alterada e substituída por outra que reconheça e declare que credores das indemnizações peticionadas são ambos os Autores AA e BB, porque em manifesta contradição com uma decisão já transitada em julgado quanto a esta matéria da legitimidade das partes, e que é a proferida em sede de DESPACHO SANEADOR.

PROSSEGUINDO:
III
DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
AE)- Da sentença proferida resulta que foram julgados PROVADOS todos os factos por si indicados no “Ponto IV – Fundamentação de facto”, da douta sentença, que vão do Ponto 1 ao Ponto 60, aos quais se adere, porque, no entendimento dos Autores, tal decisão não merece qualquer censura, pelo que para os mesmos se remete e aqui se dão integralmente por reproduzidos para todos os efeitos legais.
AF)- Porém, no que diz respeito aos “FACTOS NÃO PROVADOS”, os Autores não aceitam que o Tribunal “a quo” tenha dado como “NÃO PROVADOS” os factos constantes dos Pontos d), f), h), t), a saber:
- (…)
d)- O 2º Réu praticou quaisquer atos conducentes à celebração do acordo mencionado em 25 dos factos provados (salvo a subscrição da declaração referida em 20 dos factos provados) ou de execução do mesmo;
f)- No dia 11/10/2018 o 2º Réu CC (filho), com o número de telemóvel ...64, teve a seguinte conversa telefónica com o Autor marido:
“-– AA - Como estão as coisas?
- CC – Você é quem tem de me dizer? Olhe, o erro foi nosso e também foi vosso, que não quiseram assumir aquele aumento…. Eu é que decido o que faço e o que quero fazer… Eu é que sou o dono da empresa….
(….).
h)- Os 2º e 3º Réus exercem em conjunto e de forma voluntária a atividade de construção civil, sendo que se dedicam a apresentar e a celebrar contratos de empreitada nos mesmos termos, moldes e condições do referido em 25, através dos quais vão recebendo avultadas quantias em dinheiro, a titulo de 1ª prestação/tranche, orçamentos de obra, trabalhadores como sendo da empresa deles, a tomar posse das respetivas obras e iniciando as obras, mas que depois abandonam após terem recebido novos pagamentos por conta das mesmas, mas sem executarem as obras devidas e correspondentes ou na proporção desses mesmos recebimentos.
t)- O 2º Réu e a 4ª Ré foram beneficiários diretos dos pagamento aludidos em 27 e 32 dos factos provados.
AG)- Efetivamente, estes autos comportam prova mais que suficiente que obriga que estes mesmos factos tenham de ser considerados como FACTOS PROVADOS, prova esta feita quer por confissão, através de depoimento de parte dos Réus, quer por prova documental, quer com fundamento na desconsideração da personalidade jurídica da pessoa coletiva, aqui 1ª Ré para com o 2º Réu CC (filho), para responsabilizar o seu único sócio e gerente, o aqui 2º Réu CC (filho), pelas indemnizações a que os Autores tenham direito no âmbito destes autos, como se passa a demonstrar.
AH)- QUANTO AOS FACTOS RESPEITANTES AO 2º RÉU CC, ENQUANTO PESSOA SINGULAR, e a ele imputados nestas alíneas d), f), h) e t):
i)- PROVA POR CONFISSÃO DOS REÚS
- Em primeiro lugar, dir-se-á que, quanto ao 2º Réu, CC (filho), o mesmo tem sempre de ser co-responsabilizado com o 3º Réu DD (pai), em comum e em nome singular e solidariamente, pelas seguintes razões:
a)- porque, de acordo com o facto dado como provado da al. 57 dos Factos Provados, o aqui 2º Réu também beneficiou da atividade prosseguida pela 1º Ré, porque seu único sócio e gerente, pois ele mesmo admitiu em declarações prestadas em depoimento de parte, que as suas despesas pessoais e profissionais de estudante (andava a estudar no Instituto Superior ...) eram suportadas pelo 3º Réu, seu pai, o qual tinha como única fonte de rendimentos a atividade de construção civil que exercia através da empresa de que era o único socio e gerente o 2º Réu;
b)- porque, antes de ser assinado o mencionado “contrato de empreitada” - 16/04/2018 -, este mesmo 2º Réu já tinha preenchido, assumido e assinado a Declaração de Responsabilidade do Empreiteiro entregue na Câmara Municipal ... em 20/12/2017 para efeitos de licenciamento das obras a realizar no prédio urbano aqui em causa e supra indicado, conforme Doc. ...3 junto com a PI e aceite por todos os Réus na sua contestação, e que o mesmo também sabia que antes desta obra começar, antes desta obra ser adjudicada aos 1º e 2º e 3º Réus, ele sabia que o seu pai (3º Réu) tinha feito acordo com ambos os Autores, que estiveram presentes nestas reuniões, como pelo mesmo (2º Réu) foi dito em depoimento de parte, conforme transcrição que infra se junta;
c)- porque estes factos comprovam que todos os acordos necessários para tal foram estabelecidos entre a entidade empreiteira e os donos da obra, neste caso Autores e Réus já em 2017, pois o Alvará de Licenciamento de Obras nº ...17, foi emitido em .../.../2017, tendo sido concedido um prazo de conclusão destas obras de 365 dias, com início em 21/12/2017 e fim a 21/12/2018, com forme o documento Doc. ...5 junto com a PI e que foi confirmado e aceite pelos Réus na sua contestação;
d)- porque todos os pagamentos feitos pelos Autores por conta das obras aqui em causa, foram feitos diretamente para uma conta bancária pessoal deste 2º Réu, enquanto pessoa singular.
AI)- Este DEPOIMENTO DE PARTE deste 2º Réu CC, encontra-se gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo Central Cível ..., Juiz ... -, que agora se junta como Doc. ..., e se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, tendo este 2º Réu dito, quando instado sobre esta questão, o seguinte (não se reproduz, porque será referido em sede de impugnação da matéria de facto):
- Como prova documental, temos a certidão do registo comercial de fls. 25/verso e fls. 26/verso, e Pontos 3 a 6, 1ª parte, dos FACTOS PROVADOS, que comprovam que o 2º Réu é o seu único sócio e gerente desde a sua constituição – 29/09/2016 - até à presente data – 22/03/2023 (data do ínscio do julgamento destes auto) -, e, por isso, desde o inico das negociações das obras objeto destes autos (2016), e depois à data do contrato de empreitada destes autos (2018).
- A tudo isto acresce que, de acordo com as regras da experiência comum, não faz qualquer sentido este mesmo 2º Réu dizer que “não sabia nada da empresa da qual é o único sócio e gerente, nem dos negócios do pai, que alegadamente eram feitos em nome desta sua empresa”, porque à data dos mesmos tinha apenas 22 anos de idade, pelo seguinte:
a)- o 2º Réu nasceu a .../.../1993, conforme certidão de nascimento junta aos autos com a PI como Doc. ..., tendo a empresa 1ª Ré sido constituída em .../.../2016, pelo que nesta data o 2º Réu já tinha 23 anos de idade;
b)- Depois, à data em que o contrato de empreitada dos autos foi assinado – 16/04/2028 -, este 2º Réu já tinha 24 anos de idade;
c)- Ora, o 2º Réu passou à maioridade aos 18 anos, e partir daqui já podia tirar carta de condução, já podia celebrar contrato de casamento, já podia votar, e já podia celebrar contratos de toda a espécie, era uma pessoa com nível de instrução superior, e já andava a estudar no ensino superior (Instituto Superior ... e ... -instituição do ensino superior público português), razões pelas quais não pode de todo dizer que, à data destes factos – 2016, 2017 e 2018 -, não sabia nada de contratos nem de negócios, quando até o mesmo confessou que ajudava o pai nesta atividade de construção civil, e que era com rendimentos desta atividade que o mesmo se sustentava e o ajudava no pagamento dos estudos.
- Aliás, ele mesmo confessou, em sede de depoimento de parte o seguinte (não se reproduz porque será referido em sede de impugnação da decisão sobre a matéria de facto):
(…)
- A tudo isto acresce que o próprio Tribunal de 1ª Instância afirma que ficou apurado que o 2º Réu auxiliava o pai (3º Réu) na atividade de construção civil e que era conhecedor que este prosseguia de facto a gestão da sociedade 1ª Ré, conforme é afirmado no 7º parágrafo, pág. 31, da decisão aqui em crise.
- Por último, há aqui também responsabilização pessoal do 2º Réu CC (filho) no pagamento  das  indemnizações peticionadas pelos   Autores, com fundamento na desconsideração da personalidade jurídica da pessoa coletiva, aqui 1ª Ré, pelas razões ou motivos a seguir indicados.
- Como resulta destes autos, em primeiro lugar, o sócio e gerente de direito da empresa 1ª Ré é apenas o 2º Réu CC (filho), conforme se pode ver da certidão comercial junta aos autos com o Doc. ... junto com a PI, e que não foi de forma alguma posta em causa, até pelos próprios Réus – PONTOS 5 E 6 DOS FACTOS PROVADOS.
- Por outro lado, está devidamente dado como PROVADO que foi este 2º Réu também, em representação da 1ª Ré, quem preencheu, assumiu e assinou a Declaração de Responsabilidade do Empreiteiro entregue na Câmara Municipal ... em 20.12.2017 para efeitos de licenciamento das obras a realizar no prédio dos Autores, declaração esta junta a estes autos como Doc. ...3 da PI, que também foi aceite pelos próprios Réus - PONTO 20 DOS FACTOS PROVADOS.
- A isto acresce o facto de o Tribunal “a quo” ter também reconhecido que “este 2º Réu, como ÚNICO GERENTE DE DIREITO da 1ª Ré, teve conhecimento da celebração do negócio, tendo inclusive participado em reuniões havida entre o seu pai, gerente de facto, e o Autor, na fase posterior à cessação da execução da obra, não tendo sido invocado que, nessa altura, tenha arguido a ineficácia do mesmo” - Pág. 38, último parágrafo, e pág. 39)
E prossegue:
- Deste modo, a inação do gerente de direto traduz um implícito consentimento e aceitação da atuação do 3º Réu, administrador de facto, sendo legítimo que, com base na violação das regras de representação, a Ré sociedade se viesse a desvincular das obrigações que em seu nome foram assumidas” – Parágrafo 1º da pág, 39).
AJ)- Impõe-se, assim, a alteração da matéria de facto no sentido de a referida factualidade aqui indicada ser julgada como PROVADA, para responsabilizar o seu único sócio e gerente, o aqui 2º Réu CC (filho), pelas indemnizações a que os Autores tenham direito no âmbito destes autos.

POSTO ISTO:
IV
- DA FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
AK)- Como supra se refere, o Tribunal “a quo” entendeu que, nestes autos, está em causa apreciar a seguinte questão:
“- Determinar se aos Autores assiste o direito de obter a condenação dos Réus no pagamento do montante indemnizatório por si reclamado, e, em caso afirmativo, a que título: a)- se por via da nulidade do contrato,
b)- se por via do incumprimento contratual, e/ou
c)- se por via da responsabilidade civil extracontratual.”
AL)- De facto, no âmbito da presente ação, os Autores pretendem ver os Réus condenados, solidariamente, no pagamento, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais aqui invocados, na quantia nunca inferior a € 78.252,06 (Setenta e Oito Mil, Duzentos e Cinquenta e Dois Euros e Seis Cêntimos), decorrentes direta e necessariamente da falta de execução pelos Réus das obras acordadas com os Autores no prédio urbano aqui em causa, acrescido dos juros moratórios correspondentes à taxa supletiva anual de 8% (prevista para os créditos de que sejam titulares empresas comerciais, nos termos do § 3º do Artº. 102 do Código Comercial, e sucessivamente, das diversas Portarias), vencidos desde a data da citação até efetivo e integral pagamento, e ainda no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, de montante não inferior a uma UC (Unidade de Conta Processual), por cada dia de atraso no cumprimento da decisão em que venham a ser condenados e notificados pelo Tribunal.
AM)- Para fundamentar esta sua pretensão, os Autores invocaram as seguintes causas:
i)- Na nulidade do contrato de empreitada, por ter sido celebrado por quem não tinha poderes de representação para o efeito – Ponto 88 da PI;
ii)- No facto de os Réus terem atuado, agido, de forma conluiada, no sentido de provocar um prejuízo patrimonial aos Autores, como efetivamente causaram – Pontos 73, 109 e 113 da PI,
iii)- No facto de, com esse seu comportamento, ou seja, face ao quadro factual alegado na sua PI, assiste sempre ao Autores o direito de exigirem, como exigem dos Réus, o pagamento de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais aqui indicados, resultantes direta e necessariamente dos comportamentos praticados por estes mesmos Réus contra os Autores, por força do princípio do enriquecimento sem causa, previso no Artº. 473 do Código Civil - Ponto 160 da PI.
AN)- Quanto à 1ª causa – Nulidade do contrato -, seja qual for a figura jurídica que se possa atribuir a este documento denominado “contrato de empreitada”, o certo é que os Autores sempre acreditaram neste documento, os Autores levaram muito a sério este acordo, tendo sido sempre sua preocupação e cuidado no cumprimento das suas obrigações nos prazos e valores acordados, como eles comprovaram nestes autos, pois cumpriram rigorosamente as suas obrigações ou deveres, atendendo a que encontra-se devidamente provado nestes autos que, por conta do preço destas mesmas obras, os Autores pagaram aos Réus a quantia de € 51.040,00, a saber:
- 50% em 37 dias – de 16/04/2018 a 25/05/2018 (25.520,00),
- 50% em 41 dias – de 08/06/2018 a 19/07/2018 (25.520,00)
- Por seu lado, os Réus não se comportaram de forma igual, no que diz respeito ao cumprimento das suas obrigações.
- Estas obras foram entregues aos Réus, e por estes aceites, sendo que as obras começaram a ser executadas por eles a partir de 16/04/2018, pelo que, a partir do momento em que os Réus recebem a obra e a começam a executar, têm a sua posse e guarda, pelo que são os Réus quem, a partir deste momento, imprimem a sua dinâmica às obras aqui em causa, nomeadamente com vista à sua conclusão, são os Réus quem tem o poder de decisão da sua dinâmica, evolução, condições de execução, exigências do pagamento do respetivo preço, e decisão da sua conclusão, cabendo apenas ao dono da obra cumprir com as suas obrigações de pagamento dos valores e nos prazos acordados, podendo, no entanto, acompanhar a sua execução, nomeadamente exercendo poderes de fiscalização da atividade do empreiteiro.
- No caso destes autos, ocorreu que os Réus entram na posse desta obra a partir de 16/04/2018, aqui permanecendo apenas cerca de 4 meses, sendo que depois entre setembro e outubro de 2018 ABANDONAM ESTA OBRA, porque tomam a decisão de daqui retirarem os seus trabalhadores, material e as suas máquinas, e não mais aqui retornarem, assim como não apresentaram junto dos Autores qualquer explicação, desculpa ou justificação para tal comportamento, nada.
- Ora, nos contratos de empreitada o empreiteiro está obrigado a entregar uma obra feita, concluída, um resultado, e não uma obra inacabada.
- Por outro lado, devem os negociadores agirem de boa fé, expressamente previsto no art. 227º, nº 1 do Código Civil, pelo que viola esse imperativo da lei a conduta que traduza uma reprovável falta de consideração pelos legítimos interesses da outra parte.
- Dai que, quanto mais não fosse, os Autores teriam sempre direito a serem indemnizados pelos danos sofridos em resultado da má-fé com que os Réus agiram na execução deste contrato, e que os Autores justificaram, quantificaram e comprovaram nestes autos.
- Aliás, ficou provado que este mesmo documento “contrato de empreitada” foi elaborado exclusivamente pelos Réus, não tendo tido os Autores qualquer participação e responsabilidade na sua preparação e redação, pelo que não podem os Autores depois serem prejudicados pelos seus vícios, tanto mais que estes cumpriram com todas as suas obrigações resultantes deste mesmo acordo, o qual foi por ele celebrado de boa fé e sempre com a convicção de que não continha vícios, sob pena de serem os mesmos vítimas de uma enorme injustiça, que a Lei não quer nem permite que seja praticada.
AO)- Quanto à 2ª causa - no facto de os Réus terem atuado, agido, de forma conluiada, no sentido de provocar um prejuízo patrimonial aos Autores, como efetivamente causaram –, embora os Autores ainda hoje defendam que o comportamento dos Réus comporta um verdadeiro crime de burla, o certo é que tal entendimento não foi seguido pelo MP, razão pela qual arquivou a queixa crime apresentada pelos Autores.
- Daí os Autores intentarem a presente ação civil contra os Réus.
AP)- Quanto à 3ª causa – no facto de, com esse seu comportamento, ou seja, face ao quadro factual alegado na sua PI, assiste sempre ao Autores o direito de exigirem, como exigem dos Réus, o pagamento de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais aqui indicados, resultantes direta e necessariamente dos comportamentos praticados por estes mesmos Réus contra os Autores, por força do princípio do enriquecimento sem causa, previso no Artº. 473 do Código Civil – o tribunal “a quo” entendeu que, de facto, estamos perante um caso de INCUMPRIMENTO CONTRATUAL, a ser devidamente indemnizado, embora tenha entendido que credor deste seria apenas o Autor AA.
- Quanto a esta causa para fundamentar o seu pedido indemnizatório, os Autores nada têm a opor, atendendo a que os mesmos defendem que na base, na génese do seu pedido está um pleno e verdadeiro incumprimento contratual, porque assente no acordo celebrado com os aqui 1ª, 2º e 3º Réus, através do contrato de empreitada objeto destes autos, tendo por objeto as obras a executar no seu prédio urbano aqui também indicado.
AQ)- Porém, e antes de mais considerações, os Autores não aceitam a decisão do tribunal “a quo”, de ter reconhecido apenas o Autor AA como credor desta mesma indemnização, pelas razões ou fundamentos aqui já supra indicadas, para as quais se remete e aqui se dão integralmente por reproduzidos para todos os efeitos legais.
- Assim como não aceitam que o Tribunal “a quo” tenha excluído desta mesma responsabilidade o 2º Réu CC (filho), também pelas razões ou fundamentos aqui já supra indicadas, para as quais se remete e aqui se dão integralmente por reproduzidos para todos os efeitos legais.

- POSTO ISTO:
AR)- Os Autores devem ser indemnizados na quantia por si peticionada, no valor de € 78.252,06, a saber:
- A quantia de € 23.800,06 é relativa à parte do preço pago a mais em relação às obras executadas.
- A quantia de € 34.452,00, corresponde à penalização contratual prevista clausula 7ª do contrato de empreitada (Ponto 103 da PI);
- A quantia de € 20.000,00, corresponde a compensação pelos danos não patrimoniais sofridos (Ponto 111 da PI), porque os Autores ficaram com uma obra em condições muito piores do que aquela que tinham entregue aos Réus empreiteiros, pois agora nem sequer podiam morar lá dentro, e com fundamento nos factos dados como provados, e que são os seguintes:
- Ponto 1 - Os Autores vivem em união de facto há mais de 10 anos e têm uma filha em comum.
- Ponto 2 – Ambos trabalham por conta de outrem
- Ponto 10 – A aquisição do prédio urbano destinado a habitação, composto por casa de ... e junto quintal, com a .... de 84 m2 e quintal com 516 m2, sito na Rua ..., ..., ou Lugar ..., da freguesia ..., do concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o nº ...75 da União das Freguesias ... e ..., e descrito sob o nº ...31/... foi inscrita a favor dos Autores pela AP ...51 de 11/04/2018
- Ponto 11 – Por título de com pra e venda celebrado em 02/07/2021 os Autores declararam vender a FF e GG, o prédio identificado na al. anterior, pelo preço de € 115.000,00
- Ponto 12 – Os Autores negociaram a aquisição do prédio urbano identificado em 10., desde 2016, a familiares do Autor, com a finalidade de o destinar à sua habitação própria e permanente, sendo que apenas celebraram a respetiva escritura pública de compra em 11/04/2018, por motivo de vicissitudes burocráticas
- Ponto 13 – No prédio identificado em 10. encontrava-se edificada uma habitação, de construção muito antiga e de reduzidas dimensões.
- Ponto 27 – Para efeitos de cumprimento desse acordo, nomeadamente para a aquisição de materiais necessários, a partir da data desta assinatura, os Autores fizeram os seguintes pagamentos:
- 1ª PRESTAÇÃO/TRANCHE:
- 16/04/2018 - € 5.000,00 em numerário entregue ao 3º Réu DD (pai)
- 16/04/2018 - € 5.000,00 em transferência bancária
- 17/04/2018 - € 5.000,00 em transferência bancária
- 18/04/2018 - € 5.000,00 em transferência bancária,
- Todos para o  ...36, do Banco 1...;
- 18/04/2018 - € 5.000,00 em numerário entregue ao 3º Réu DD (pai)
- 23/05/2018 - € 520,00 em cheque, num total de € 25.520,00
- Ponto 32 – Entretanto, o 3º Réu pediu mais dinheiro adiantado por conta da 2ª prestação aos Autores, tendo estes feito novos pagamentos das seguintes quantias e nas seguintes datas:
- 2ª PRESTAÇÃO/TRANCHE:
- 08/06/2018 - € 2.700,00 em cheque;
- 26/06/2018 - € 5.000,00 em transferência bancária
- 29/06/2018 - € 5.000,00 em transferência bancária,
- 03/07/2018 - € 5.000,00 em transferência bancária
- 09/07/2018 - € 5.000,00 em transferência bancária
- Todos para o  ...36, do Banco 1...;
- 19/07/2018 - € 2.820,00 em cheque, num total de € 25.520,00.
- Ponto 37 – Os Autores responderam que não podiam fazer mais pagamentos, por não terem mais dinheiro para lhes entregar, e por o montante já pago (correspondente a 80% do orçamento) não se traduzir nas obras realizadas.
- Ponto 49 – Em 13.09.2018, com referência ao acordo mencionado em 25, encontravam-se executadas as demolições, as escavações, estrutura em betão, paredes exteriores e interiores, as tubagens das redes de abastecimento de água, esgotos e eletricidade uma parte do revestimento exterior (designado por “capoto”), encontrando-se o prédio no estado correspondente ao documentado nas fotografias de fls. 78 e 78/verso;
- Ponto 52 -     Os Autores pagaram a mais pelas obras que a 1ª Ré não executou no prédio a quantia de € 23.799,06.
- Ponto 53 – A 1ª Ré e o 3º Réu sabiam que os Autores estavam a construir/remodelar esta casa de habitação que destinavam a sua habitação própria permanente, investimento este que estava associado a um empréstimo bancário
- Ponto 54 – a 1ª e o 3º Réus sabiam que os Autores contavam poder começar a habitar esta casa de habitação em outubro de 2018, e que os seus rendimentos eram apenas os provenientes dos seus trabalhos por conta de outrem, e que até à entrega desta casa, os Autores estavam a viver num apartamento arrendado
- Ponto 55 – Os Autores foram obrigados a vender o prédio urbano identificado em 10., dado que não tinham condições financeiras de o concluir, o que lhe causou desgosto, dado que o sonho deles era fazerem aqui a sua casa de habitação de sonho para o resto das suas vidas, o que não puderam concretizar, e viram-se ainda obrigados a irem viver com a sua família para casa dos pais da Autora, por causa de não terem mais rendimentos para suportar duas prestações.
- Aliás, o caso destes autos é muito mais grave do que uma simples mora na entrega de obra acordada, pois aqui os Autores receberam da empreiteira uma obra em pior estado do aquele que lhe tinham entregue, pois agora esta mesma casa de habitação ficou em total falta de condições de habitabilidade, pois ficou sem janelas, ficou sem portas, ficou sem loiças de casa de banho e sem loiças da cozinha, ficou sem instalação elétrica, ficou sem piso de chão e sem revestimentos das paredes, nada….
PROSSEGUINDO:
AS)- Tendo em conta tudo quanto aqui supra se alegou, não restam dúvidas que responsáveis pelo pagamento destas indemnizações são a 1ª Ré empresa, mas também e solidariamente, o 2º Réu, seu sócio e gerente únicos, com fundamento precisamente na desconsideração da personalidade jurídica, já que ficou claramente provado ter havido aqui uma mistura de patrimónios deste 2º Réu entre o que é da empresa e o que próprio dele, enquanto pessoa singular, já que todos os pagamentos feitos pelos Autores por conta deste contrato foram feitos para uma conta pessoal deste 2º Réu, como está bem demonstrado e provado nestes autos – Ponto 3 dos FACTOS PROVADOS – Estes pagamentos foram feitos para a conta particular do 2º Réu.
- De facto, um dos fundamentos para ser aplicada a desconsideração da personalidade jurídica ao comportamento do seu sócio e gerente único, o aqui 2º Réu CC (filho), reside no facto de este ter praticados atos de mistura de patrimónios, mais concretamente, todos os pagamentos feitos pelos Autores por conta deste contrato foram feitos para uma conta pessoal deste 2º Réu, como está bem demonstrado e provado nestes autos.
- E se o 3º Réu HH (pai) foi atingido em resultado desta prática, como gerente de facto que foi reconhecido e declarado nesta sentença, e, por isso, condenado no pagamento das indemnizações aqui em causa, por maioria de razão tem de ser atingido o seu gerente de direito, neste caso, o 2º Réu CC (filho), porque até foi em nome da 1ª Ré, que todas estas obrigações contratuais também foram assumidas, quer porque foi ele, enquanto pessoa singular, quem recebeu todas as quantias pagas pelos Autores por conta deste mesmo contrato.
- A tudo isto acresce também o facto de este mesmo 2º Réu CC (filho) ter sido beneficiado, em nome pessoal, singular e particular destes dinheiros, pois aumentou o seu património pessoal através dos montantes em dinheiro recebidos dos Autores e destinados a aplicar nesta obra, e os aplicou em proveito próprio e pessoal, e, por isso, particular.
AT)- Assim sendo, o Tribunal “a quo” ao decidir julgar parcialmente procedente a presente ação e, em consequência, condena-se apenas a           1ª RÉ EMP01... – UNIPESSOAL, LDª e o 3º Réu DD, na restituição ao Autor AA do montante de € 23.799,06 (vinte e três mil setecentos e noventa e nove euros e seis cêntimos), sobre o qual acrescem os juros vencidos e vincendos, desde a citação até integral pagamento, às taxas legais de juros aplicáveis às transações comerciais, e no pagamento da compensação de € 2.000,00 (dois mil euros), a título de danos não patrimoniais, sobre a qual acrescem os juros vencidos e vincendos, desde a presente data até integral pagamento, à taxas legais de juros aplicáveis às transações comerciais, e absolver os Réus do demais peticionado, violou, por erro de interpretação e aplicação as seguintes disposições legais:- Artº. 615, nº 1, al c) do CPC, - Artº. 227, nº 1 do CC, - Artº. 236 do CC, - Artº. 238 do CC, - Artº. 473 do CC, - Artº. 483 do CC, - Artº. 496 do CC, - Artº. 494 do CC, - Artº. 801 do CC, - Artº. 802 do CC, - Lei nº 24/96, de 31/07, - DL 67/2003, de 08/04, com as alterações do DL 84/2008, de 21/05.
AU)- Posto isto, deverá a douta sentença ser alterada, e substituída por outra, em que julgue totalmente procedente, provada, a ação, nos seguintes termos:
- O segmento da decisão final que decide que credor das indemnizações peticionadas com base no incumprimento contratual objeto destes autos é apenas o Autor marido é nula, substituída por outra em que reconheça que credores das indemnizações peticionadas e objeito destes autos são ambos os Autores, e não apenas o Autor marido;
- Condenar também o único sócio e gerente da 1ª Ré, o aqui 2º Réu CC (filho), no pagamento das indemnizações a que os Autores tenham direito no âmbito destes autos, solidariamente com a 1ª e o 3º Réus.
- Condenar estes mesmos Réus no pagamento da indemnização peticionada pelos Autores, solidariamente, no valor de € 78.252,06, a saber:
- A quantia de € 23.800,06 é relativa à parte do preço pago a mais em relação às obras executadas.
- A quantia de € 34.452,00, corresponde à penalização contratual prevista clausula 7ª do contrato de empreitada;
- A quantia de € 20.000,00, corresponde a compensação pelos danos não patrimoniais sofridos, com fundamento nos factos dados como provados e supra indicados”.
**
Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - Questões a decidir:

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes – arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por C. P. Civil) -, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em saber:

1 - Da invocada questão prévia relacionada com a legitimidade da autora, arguindo os recorrentes a nulidade da sentença pela circunstância de os seus fundamentos estarem em oposição com a decisão.
2 - Da impugnação da matéria de facto suscitada pelos autores.
3 – Se, alterada ou não a decisão sobre a matéria de facto, deve ser alterada a decisão de direito quanto:
- à condenação do 2.º réu que foi absolvido;
- ao valor fixado pelo Tribunal a título de indemnização por danos não patrimoniais;
- aos demais valores peticionados pelos autores que não foram considerados pelo Tribunal de 1.ª Instância
*
III - Fundamentação de facto:

Os factos que foram dados como provados na decisão proferida são os seguintes:
“1. Os Autores vivem em união de facto há mais de 10 anos, e têm em comum uma filha.
2. Ambos trabalham por conta de outrem.
3. A 1.ª Ré é uma sociedade comercial por quotas, unipessoal, com sede na travessa ..., ..., da União de Freguesias ... e ..., do concelho ..., distrito ... (... ...).
4. A 1.ª Ré foi constituída em 29.09.2016 e tem o seguinte objeto social:
- Indústria de construção civil e obras públicas; construção e reparação de edifícios, moradias, escolas, pavilhões industriais, igrejas, estradas e jardins; elaboração de estudos e projetos de arquitetura e engenharia civil, execução de trabalhos e prestação de quaisquer serviços de engenharia civil; representação e comércio por grosso ou a retalho, importação e exportação de material de construção; promoção e gestão imobiliária; compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim.
5. A 1.ª Ré tem um capital social de € 10.000,00, composto apenas de uma quota, cujo titular é o 2.º Réu.
6. O 2.º Réu é o gerente da sociedade 1.ª Ré, assim como é filho do 3.º Réu e da 4.ª Ré, e com estes residente.
7. O 3.º Réu reside na travessa ..., ..., ... ..., e é gerente de facto da 1.ª Ré, e reside com o 2.º Réu e a 4.ª Ré.
8. A 4.ª Ré é divorciada e é residente na travessa ..., ..., ... ... (que corresponde à sede da 1.ª Ré).
9. A 4.ª Ré reside com o 2.º e 3.º Réus, tendo sido casada com este até 06.03.2006.
10. A aquisição do prédio urbano destinado a habitação, composto por casa de ... e quintal, situado em ..., na rua ..., ..., da freguesia ..., do concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o nº ...75 da União das Freguesias ... e ..., e descrito sob o nº ...31/... foi inscrita a favor dos Autores pela AP. ...51 de 11.04.2018.
11. Por título de compra e venda celebrado em 02.07.2021, os Autores declararam vender a FF e GG, o prédio identificado na al. anterior, pelo preço de € 115.000,00.
12. Os Autores negociaram a aquisição do prédio urbano identificado em 10., desde 2016, a familiares do Autor, com a finalidade de o destinar à sua habitação própria e permanente, sendo que apenas celebraram a respetiva escritura pública de compra em 11.04.2018, por motivo de vicissitudes burocráticas.
13. No prédio identificado em 10., encontrava-se edificada uma habitação, de construção antiga e de reduzidas dimensões.
14. Em meados do ano de 2016, o Autor contactou o 3.º Réu, que, segundo informações por si obtidas, exercia a atividade de empresário da construção civil, para lhe executar obras de remodelação e ampliação na casa de habitação supra indicada.
15. Para este efeito, entre os Autores e o 3.º Réu começaram, então, a ser desenvolvidas reuniões/negociações para efeitos de orçamentação das obras pretendidas.
16. Nesta mesma data, o 3.º Réu apresentou ao Autor o Eng.º II, como o responsável pelo respetivo projeto, tendo este elaborado e apresentado em 02.09.2016 o seu orçamento pelos serviços a prestar a este título.
17. Em 15.09.2016 o 3.º Réu apresentou ao Autor um primeiro orçamento, no valor de € 63.800,00 (acrescido de IVA), tendo depois sido apresentado outro em 02.08.2017 no valor de € 62.300,00 (a que acrescia IVA).
18. As negociações prosseguiram entre os Autores e o 3.º Réu, tendo os Autores aceitado entregar-lhe a execução das obras pretendidas pelo valor de € 63.800,00.
19. Para este efeito, começaram a ser elaborados os respetivos projetos para entrega na Câmara Municipal ....
20. Foi o 2.º Réu CC, em representação da 1.ª Ré, quem preencheu, assumiu e assinou a Declaração de Responsabilidade do Empreiteiro entregue na Câmara Municipal ... em 20.12.2017 para efeitos de licenciamento das obras a realizar no prédio indicado em 10.
21. Na data de 20.12.2017, a 1.ª Ré era detentora de um alvará de empreiteiros de obras públicas com o n.º ...90, classe 2, válido entre 18.12.2017 e 04.07.2018.
22. Concluídos estes projetos, foi emitido o competente alvará de licenciamento de obras n.º ...17, tendo sido concedido um prazo de conclusão destas obras de 365 dias, com início em 21.12.2017 e fim a 21.12.2018.
23. Depois de concluídos outros procedimentos, nomeadamente o acerto final do orçamento das obras pretendidas executar neste prédio urbano, no início do mês de abril de 2018, o 3.º Réu contactou os Autores, informando-os de que tinha um documento escrito para ser assinado.
24. Combinou, então, um encontro com o Autor, para o dia 16.04.2018, tendo ambos comparecido, estando aquele acompanhado pela Autora.
25. Nessa altura, o 3.º Réu apresentou um documento escrito, já totalmente redigido e pronto a assinar, apelidado de “contrato de empreitada” aos Autores, o qual depois de lido por estes, foi o mesmo aceite sem qualquer alteração ao documento apresentado, tendo também naquele momento sido rubricado e assinado pelo Autor (ali identificado por “PRIMEIRA OUTORGANTE”) e pelo 3.º Réu, o que este fez, e como do mesmo consta, na qualidade de gerente da 1.ª Ré (ali identificada por “SEGUNDA OUTORGANTE”).
26. De acordo com o escrito referido na al. Anterior:
a) O prazo de execução das obras era de 6 (seis) meses a contar do auto de consignação da obra (dia 16.04.2018), devendo estar terminada até ao dia 16.10.2018;
 b) O preço acordado foi de € 63.800,00, acrescido de IVA à taxa legal em vigor;
c) O pagamento do preço deveria ser realizado do seguinte modo: 40% na assinatura do contrato; 40% a meio da obra; e 20% com o final da obra.
27.Para efeitos de cumprimento desse acordo, nomeadamente para de aquisição de materiais necessários, a partir da data desta assinatura, os Autores fizeram os seguintes pagamentos, por conta da 1.ª prestação e por instruções do 3.º Réu:
- 16.04.2018: € 5.000,00 em numerário entregue ao 3.º Réu;
- 16.04.2018: € 5.000,00 em transferência bancária, para o NIB  ...36, do Banco 1...;
- 17.04.2018: € 5.000,00 em transferência bancária, para o NIB  ...36, do Banco 1...;
- 18.04.2018: € 5.000,00 em transferência bancária, para o NIB  ...36, do Banco 1...;
- 18.04.2018: € 5.000,00 em numerário entregue ao 3.º Réu; - 23.04.2018: € 520,00 em cheque, num total de € 25.520,00.
28. A partir de 16.04.2018, o 3.º Réu começou a executar as obras pretendidas, nomeadamente procedendo à limpeza do terreno, a demolições várias, tendo feito deslocar para este prédio trabalhadores e máquinas.
29. Durante as primeiras três semanas, o 3.º Réu implementou a estas obras um ritmo normal, além de que sempre acompanhou as mesmas, inteirando-se das mesmas, e dando ordens sempre que tal se revelasse necessário, sendo sempre aquele quem falava com os Autores sempre que tal fosse também necessário, no âmbito e para efeitos destas mesmas obras.
30. Porém, a partir do mês de junho de 2018, o 3.º Réu começou a abrandar o ritmo dos trabalhos.
31. Os Autores confrontaram o 3.º Réu com esta situação.
32. Entretanto, o 3.º Réu pediu mais dinheiro adiantado por conta da 2.ª prestação aos Autores, tendo estes feito novos pagamentos das seguintes quantias e nas seguintes datas:
- 08.06.2018: € 2.700,00 em cheque;
- 26.06.2018: € 5.000,00 em transferência bancária, para o NIB  ...36, do Banco 1...;
- 29.06.2018: € 5.000,00 em transferência bancária, para o NIB  ...36, do Banco 1...;
- 03.07.2018: € 5.000,00 em transferência bancária, para o NIB  ...36, do Banco 1...;
- 09.07.2018: € 5.000,00 em transferência bancária, para o NIB  ...36, do Banco 1...;
- 19.07.2018: € 2.820,00 em cheque, num total de € 25.520,00.
33. Estes pagamentos foram feitos para a conta particular no do 2.º Réu.
34. Acontece que a partir do último desses pagamentos, as obras foram paradas.
35. Verificada esta situação, em sensivelmente agosto de 2018, os Autores contactaram o 3.º Réu para perguntarem a razão de tal paragem.
36. Pelo 3.º Réu foi-lhes então dito que precisava de mais dinheiro para prosseguir com as obras, pois o que tinha recebido já tinha sido todo gasto na obra.
37. Os Autores responderam que não podiam fazer mais pagamentos, por não ter mais dinheiro para lhes entregar, e por o montante já pago (correspondente a 80% do orçamento) não se traduzir nas obras realizadas.
38. Perante isto, o 3.º Réu, no dia 10.09.2018, deu ordens aos seus trabalhadores para fazerem arrumações nesta obra, sendo que, no final deste dia, levaram todo o material e máquinas que ali tinham, para local que se desconhece.
39. Logo que tiveram conhecimento deste facto, os Autores tentaram contactar o 3.º Réu para saber o que se estava a passar.
40. No dia 11.09.2018 o Autor recebeu uma mensagem no seu telemóvel do telemóvel do 3.º Réu, a dizer o seguinte: “Parei a obra tão cedo não poderei acabar o valor que falta dá para o Sr. JJ acabar não me oponho a tal procedimento já meti muito dinheiro além do que me deu não aguento mais. Atenciosamente CC”.
41. Em 13.09.2018, o 3.º Réu enviou uma mensagem do seu telemóvel com o número ...90, para o telemóvel do Autor a dizer-lhe o seguinte: “Bom dia se me arranjar 2500.00 euros até [a]manhã começo com a obra de imediato (…)”.
42. Os Autores não fizeram o pagamento referido na al. anterior.
43. O Autor ainda conseguiu falar com o 3.º Réu, tendo trocado as mensagens que estão transcritas a fls. 151 a 151/verso, e tendo reunido com o mesmo.
44. Entre setembro e outubro de 2018, o Autor tentou por várias vezes falar com o 3.º Réu, e quando o conseguiu, o 2.º e o 3.º Réu começaram a vir sempre juntos, pai e filho, aludindo a que apenas podiam recomeçar a obra com novos pagamentos.
45. A partir de 11.10.2018, os diálogos entre os Autores e os 2º e 3º Réus terminaram por completo.
46. O 3.º Réu fez-se passar por representante da 1.ª Ré.
47. Quando, em 16.04.2018, o 3.º Réu se encontrou com os Autores e lhes apresentou o acordo referido em 26. e o assinou à sua frente, os Autores ficaram convencidos que ele seria o dono da 1.ª Ré.
48. Após 04.07.2018, não foi apresentado outro alvará de empreiteiros de obras públicas.
49. Em 13.09.2018, com referência ao acordo mencionado em 25., encontravam-se executadas as demolições, as escavações, estrutura em betão, paredes exteriores e interiores, as tubagens das redes de abastecimento de água, esgotos e eletricidade e uma parte do revestimento exterior (designado por “capoto”), encontrando-se o prédio no estado correspondente ao documentado nas fotografias de fls. 78 e 78/verso.
50. O Autor apresentou a queixa-crime contra todos os Réus, pela prática do crime de burla contra si, a qual correu termos sob o nº 87/19...., na Procuradoria da República da Comarca ..., Ministério Público, DIAP ..., ... Secção.
51. Por decisão de 06.08.2021, este processo-crime foi arquivado, nos termos e com os fundamentos que constam de fls. 69 a 72.
52. Os Autores pagaram, a mais, pelas obras que a 1.ª Ré não executou no prédio a quantia de € 23.799,06.
53. A 1.ª Ré e o 3.º Réu sabiam que os Autores estavam a construir/remodelar esta casa de habitação que destinavam a sua habitação própria permanente, investimento este que estava associado a um empréstimo bancário.
54. A 1.ª Ré e o 3.º Réus sabiam que os Autores contavam poder começar a habitar esta casa de habitação em outubro de 2018, e que os seus rendimentos eram apenas os provenientes dos seus trabalhos por conta de outrem, e que até à entrega desta casa, os Autores estavam a viver num apartamento arrendado.
55. Os Autores foram obrigados a vender o prédio identificado em 10. dado que não tinham condições financeiras de o concluir, o que lhes causou desgosto, dado que o sonho deles era fazerem aqui a sua casa de habitação de sonho para o resto das suas vidas, o que não puderam concretizar, e viram-se ainda viram-se obrigados a irem viver com a sua família para casa dos pais da Autora, por causa de não terem mais rendimentos para suportar duas prestações.
56. O 3.º Réu sabia que era o gerente de facto da 1.ª Ré.
57. Os rendimentos advindos da atividade da 1.ª Ré são utilizados, pelo menos em parte, das despesas da vida familiar do 2.º Réu, 3.º Réu e 4.ª Ré.
58. A aquisição da fração autónoma inscrita na matriz sob o artigo ...4.../União de Freguesias ... e ..., e descrita na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...37...-Vila Nova de Famalicão está inscrita a favor da 4.ª Ré.
59.O 3.º Réu já foi sócio de outras sociedades com a atividade da construção civil.
60. No acordo mencionado na al. 25., consta, na cláusula 7.ª., n.º 4, o seguinte: “Se os trabalhos não se iniciarem na data acordada ou não se concluírem, dentro do prazo previsto no n.º1desta cláusula, a segunda outorgante pagará à primeira outorgante, à multa diária de 0,5% do valor da empreitada, sem prejuízo da faculdade que assiste ao dono da obra, de declarar rescindido o contrato a partir do trigésimo dia da mora, cessando na data de tal declaração o pagamento da multa.
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Por sua vez resultou não provado que:
“a) A 4.ª Ré reside com o 3.º Réu em condições análogas às dos cônjuges desde o divórcio (ocorrido em 2006) até hoje.
b) O 2.º Réu assinou a declaração de responsabilidade de empreiteiro, a que se alude em 20., dos factos provados, em nome próprio.
c) O 2.º Réu deu instruções/ordens aos Autores para a realização dos pagamentos a que se alude em 27. e 32., dos factos provados.
d) O 2.º Réu praticou quaisquer atos conducentes à celebração do acordo mencionado em 25., dos factos provados [salvo a subscrição da declaração referida em 20., dos factos provados] ou de execução do mesmo.
e) O 3.º Réu disse aos Aurores, em tom ameaçador, que “caso eles não lhes entregassem mais € 2.500,00, iriam abandonar as obras de forma definitiva”.
f) No dia 11.10.2018, o 2.º Réu, teve a seguinte conversa telefónica com o Autor: “- AA - Como estão as coisas? - CC – Você é quem tem de me dizer? Olhe, o erro foi nosso e também foi vosso, que não quiseram assumir aquele aumento…. Eu é que decido o que faço e o que quero fazer… Eu é que sou o dono da empresa…. (….).”
g) Após a mensagem referida em 40., o Autor marido começou a fazer vários contactos telefónicos ao 3.º Réu, mas sem conseguir, pois eles pura e simplesmente não atendem os telemóveis, assim como tentou falar com eles pessoalmente, mas também os mesmos deixaram de ser vistos nas proximidades da sua residência, e nos outros locais que eram por eles normalmente frequentados.
h) O 2.º e 3.º Réus exercem em conjunto e de forma voluntária a atividade de construção civil, sendo que se dedicam a apresentar e a celebrar contratos de empreitada nos mesmos termos, moldes e condições do referido em 25., através dos quais vão recebendo avultadas quantias em dinheiro, a titulo de primeira prestação/tranche, encenando mesmo a apresentação de contratos de empreitada já redigidos unilateralmente por eles e prontos a assinar, de orçamentos de obra, de apresentação de trabalhadores como sendo da empresa deles, chegando depois a assinar estes mesmos contratos, a tomar posse das respetivas obras e aqui encenando um início das obras, mas que depois abandonam após terem recebido novos pagamentos por conta das mesmas, mas sem executarem as obras devidas e correspondentes ou na proporção desses mesmos recebimentos.
i) Até 16.04.2018, os 2.º e 3.º Réus sempre agiram junto dos Autores como pessoas singulares, sendo que os Autores apenas ouviram falar do nome da empresa 1.ª Ré na fase da execução das obras aqui em causa.
j) Os 2.º e 3.º Réus adotam este tipo de comportamento de forma voluntária e consciente, e com a intenção e o propósito conseguido de enganarem as pessoas e as convencerem de que são pessoas sérias e de bem no sector da construção civil.
k) Passado pouco tempo e depois de receberem os primeiros pagamentos, e muitas vezes depois de receberem a quase totalidade do pagamento das mesmas obras sem as executarem, os mesmos começam a parar os respetivos trabalhos, e depois começam a chantagear os donos das obras dizendo que se eles não lhe dão mais dinheiro que abandonam as mesmas obras.
l) Tem acontecido também que os donos das obras por vezes vão entregando mais algum dinheiro, com medo de que os 2.º e 3.º Réus abandonem as obras em curso e com esperança de que estes retomem os trabalhos e os concluam, precisamente para atenuarem os prejuízos que dai forçosamente resultam.
m) Mas muitas vezes sem sucesso, pois os 2.º e 3.º Réus já não mais retomam as obras para as concluírem, abandonando sucessivamente as mesmas muito inacabadas.
n) Ainda hoje os 2º e 3º Réus (filho e pai) continuam com esta forma de comportamento.
o) Os 2.º e 3.º Réus já têm um historial de abertura de empresas no setor da atividade de
construção civil, as quais não duram mais de 1 a 2 anos.
p) Para os Autores, estes contrataram com o 2.º e o 3.º Réus enquanto pessoas singulares.
q) Os 2.º e 3.º Réus, quando se apresentaram a pretender celebrar o acordo mencionado em 25., dos factos provados, sabiam claramente que nunca iriam concluir estas obras contratadas.
r) Os Réus atuaram com o único objetivo de extorquirem dinheiro aos Autores.
s) Todos os Réus agiram de forma concertada e em conluio uns com os outros para enganarem os Autores.
t) O 2.º Réu e a 4.ª Ré foram beneficiários diretos dos pagamentos aludidos em 27. e 32., dos factos provados.
u) Os Réus souberam que os Autores deixaram de viver no apartamento arrendado e tiveram que ir morar na casa dos pais da Autora.
v) O orçamento apresentado pelo 3.º Réu foi com referência à planta de fls. 112/verso.
w) Cerca de uma semana após o início da obra, feitas já as demolições, o 3.º Réu foi surpreendido com o pedido dos Autores no sentido de a mesma ser alterada para a nova configuração que mostra a planta incorporada no documento com o n.º ...6 junto com a contestação.
x) O 3.º Réu logo manifestou aos Autores que o preço acordado não contemplava o acréscimo de obra resultante da referida planta e que lhe teriam de pagar, a mais, a importância de € 20.000,00, com o que os Autores concordaram.
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IV - Do objeto do recurso:

1 – Da alegada questão prévia relacionada com a legitimidade da autora e a sua não consideração como credora do valor fixado, que determinaria a nulidade da sentença, estando os seus fundamentos em oposição com a decisão.
Está em causa a alínea c) do n.º1 do art. 615.º do C. P. Civil.
A alegação da recorrente confunde a legitimidade como pressuposto processual com o mérito da ação.
A autora alegava ter celebrado o contrato de empreitada em causa nos autos (arts. º 15.º e 18.º da petição inicial), sendo por isso, ambos os autores, partes legítimas para esta ação que tinha como fundamento material, precisamente, a alegada celebração desse contrato de empreitada.
Nos termos do n.º1 do art.º 30.º do C. P. Civil, o “autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar”, exprimindo-se esse interesse, por força do n.º2 daquele preceito, pela utilidade derivada da procedência da ação. No seu n.º3 esclarece-se que “na falta de indicação em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação material controvertida, tal como é configurada pelo autor”.
Constituindo a legitimidade um pressuposto processual, nos termos dos arts.º 278.º, n.º1, alínea d), 576.º, n.º2, 577.º, alínea e) e 578.º, do C. P. Civil, cuja falta obsta a que o julgador se debruce sobre o mérito da causa, aquela é aferida sem que se conheça da real relação jurídica controvertida, mas apenas analisando a ação tal como é configurada pelos autores.
Perante a forma como a ação foi configurada pelos autores, não podia, pois, ser diferente a decisão que afirmou a legitimidade das partes, nomeadamente da autora.
Daqui não decorre que esteja demonstrado que a autora seja credora do valor peticionado, nem impede que, apreciando-se o mérito da ação, se conclua ser apenas o autor o credor de parte dos valores reclamados. 
É precisamente aqui que reside a diferença entre a legitimidade como pressuposto processual e a legitimidade substantiva, que se aprecia em sede de mérito da ação.
Como referido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/10/2018, processo 5297/12.0T8BMTS.P1.S2, do Juiz Conselheiro Bernardo Domingos, in www.dgsi.pt, a “legitimidade processual, constituindo uma posição do autor e do réu em relação ao objeto do processo, afere-se em face da relação jurídica controvertida, tal como o autor a desenhou. A legitimidade material, substantiva ou “ad atum” consiste num complexo de qualidades que representam pressupostos da titularidade, por um sujeito, de certo direito que o mesmo invoque ou que lhe seja atribuído, respeitando, portanto, ao mérito da causa.”
Não existe assim qualquer oposição entre os fundamentos e a decisão proferida, ainda que os recorrentes possam questionar o seu mérito, defendendo que a autora é, também ela, credora da indemnização, apreciando-se esta matéria aquando da reapreciação de direito da decisão recorrida, julgando-se, em consequência, improcedente a nulidade invocada. 

2 - Da impugnação da matéria de facto:

2.1. Em sede de recurso, os apelantes impugnam a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância.
Dispõe o art.º 640.º do C. P. Civil que:
1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo, de poder proceder à transcrição do excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636º.”.
A jurisprudência tem entendido que desta norma resulta um conjunto de ónus para o recorrente que visa impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto.
Nas palavras do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01/10/2015, da Juiz Conselheira Ana Luísa Geraldes, proc. 824/11.3TTLRS.L1.S1 in www.dgsi.pt, das normas aplicáveis resulta que “recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus:
Primo: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
Secundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Tertio: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa-fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão”.
Estes ónus exigem que a impugnação da matéria de facto seja precisa, visando o regime vigente dois objetivos: “sanar dúvidas que o anterior preceito ainda suscitava e reforçar o ónus de alegação imposto ao recorrente, prevendo que deixe expressa a decisão alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova” (cfr. Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, pág. 198).
Recai assim sobre o recorrente o ónus de, sob pena de rejeição do recurso, determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretendem questionar (delimitar o objeto do recurso), motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação (fundamentação) que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre cada um dos factos que impugnam e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação.
No âmbito da impugnação da matéria de facto não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento da alegação, ao contrário do que se verifica quanto às alegações de direito (vide, por todos, Abrantes Geraldes, no livro já citado, pág. 199).
Analisadas as alegações apresentadas, os recorrentes indicam de forma correta os factos que pretendem sejam decididos de forma diversa, fundamentando a sua alegação em concretos meios probatórios que entendem permitir concluir no sentido por si proposto, fazendo menção aos específicos momentos da gravação que estão a considerar, nada obstando assim à reapreciação da matéria de facto da decisão recorrida.
Veja-se, por todos, a jurisprudência citada no Acórdão recente do Supremo Tribunal de Justiça de 12/10/2023, da Juiz Conselheira Maria da Graça Trigo, proc. 1/20.2T8AVR.P1.S1, e em particular o Acórdão do mesmo Tribunal de 10/12/2020 (proc. n.º 274/17.8T8AVR.P1.S1), nele citado, que estabelece que “na verificação do cumprimento dos ónus de alegação previstos no art. 640.º do CPC, os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, dando-se prevalência à dimensão substancial sobre a estritamente formal”.
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1.3. Nos termos do art.º 662.º, n.º 1, do C. P. Civil, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12/10/2023, da Juiz Desembargadora Margarida Gomes, proc. 2199/18.3T8BRG.G1, in www.dgsi.pt, “a reapreciação da prova pela 2ª Instância, não visa obter uma nova e diferente convicção, mas antes apreciar se a convicção do Tribunal a quo tem suporte razoável, à luz das regras da experiência comum e da lógica, atendendo aos elementos de prova que constam dos autos, aferindo-se, assim, se houve erro de julgamento na apreciação da prova e na decisão da matéria de facto.
De todo o modo, necessário se torna que os elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo recorrente, impondo, pois, decisão diversa da proferida pelo tribunal recorrido, conforme a parte final da al. a) do nº 1 do artº 640º, do Código de Processo Civil.
Competirá assim, ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, atendendo ao conteúdo das alegações do recorrente, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados”.
Estão em causa os factos não provados nas alíneas d), f), h) e t).
“d) O 2.º Réu praticou quaisquer atos conducentes à celebração do acordo mencionado em 25., dos factos provados [salvo a subscrição da declaração referida em 20., dos factos provados] ou de execução do mesmo.
e) O 3.º Réu disse aos Aurores, em tom ameaçador, que “caso eles não lhes entregassem mais € 2.500,00, iriam abandonar as obras de forma definitiva”.
f) No dia 11.10.2018, o 2.º Réu, teve a seguinte conversa telefónica com o Autor: “- AA - Como estão as coisas? - CC – Você é quem tem de me dizer? Olhe, o erro foi nosso e também foi vosso, que não quiseram assumir aquele aumento…. Eu é que decido o que faço e o que quero fazer… Eu é que sou o dono da empresa…. (….).”
h) O 2.º e 3.º Réus exercem em conjunto e de forma voluntária a atividade de construção civil, sendo que se dedicam a apresentar e a celebrar contratos de empreitada nos mesmos termos, moldes e condições do referido em 25., através dos quais vão recebendo avultadas quantias em dinheiro, a titulo de primeira prestação/tranche, encenando mesmo a apresentação de contratos de empreitada já redigidos unilateralmente por eles e prontos a assinar, de orçamentos de obra, de apresentação de trabalhadores como sendo da empresa deles, chegando depois a assinar estes mesmos contratos, a tomar posse das respetivas obras e aqui encenando um início das obras, mas que depois abandonam após terem recebido novos pagamentos por conta das mesmas, mas sem executarem as obras devidas e correspondentes ou na proporção desses mesmos recebimentos.
t) O 2.º Réu e a 4.ª Ré foram beneficiários diretos dos pagamentos aludidos em 27. e 32., dos factos provados”.
Na sentença proferida, sobre esta factualidade, escreveu-se que “em primeiro lugar, deu-se como não provado que dela tenha sido partícipe a 4.ª Ré.
Embora se tenha apurado que a 4.ª Ré resida no local onde a sede da 1.ª Ré se situe, que a 4.ª Ré é mãe do 2.º Réu e que a 4.ª Ré continue a residir na mesma morada que o 3.º Réu, não se provou que ela tivesse conhecimento e/ou fosse conivente com a atuação profissional e negocial da parte do 3.º Réu.
Com exceção desta questão da residência, acima já abordada, não foi obtido nenhum elemento de prova a permitir conexionar a 4.ª Ré com o comportamento do 3.º Réu ou da 1.ª Ré, designadamente não se apurou que aquela fosse funcionária ou prestasse qualquer tipo de serviço nesta sociedade ou que estivesse ao corrente das suas vinculações (por ter intervindo, p.ex., em processos de concessão de financiamento).
Do mesmo passo, e no que se refere ao 2.º Réu, embora se tenha apurado que o mesmo auxiliasse o pai na atividade de construção civil e que era conhecedor que aquele prosseguia de facto a gestão da sociedade 1.ª Ré (cuja constituição foi realizada em seu nome), não se demonstrou que ele tenha tido intervenção na negociação e cumprimento do acordo de empreitada.
Veja-se que o 2.º Réu, à data da constituição da sociedade 1.ª Ré, tinha apenas 22 anos de idade, nada se tendo apurado que tivesse algum tipo de experiência profissional no ramo.
Ao invés, quer ele, quer a mãe referiram que o mesmo ainda se encontrava a estudar. Embora o 2.º Réu não tenha apresentado qualquer prova a respeito da sua frequência escolar nos anos 2016 e ss. (ano da constituição da sociedade e de prossecução do objeto social), da audição do próprio Autor resultou que a presença do mesmo na obra foi meramente esporádica, o que está de acorde com o auxílio meramente pontual ao pai.
Por outro lado, do conteúdo das comunicações telefónicas a respeito da execução das obras (cfr. fls. 146/verso a 151), não há registo que ele tenha tido intervenção, com exceção da conversa que o próprio admitiu, já na fase final, em defesa do pai.
Salvo o devido respeito, não surpreende que o 2.º Réu tenha acompanhado o pai na fase em que se instalou o conflito, dadas as relações familiares que existiam.
A respeito disso, o 2.º Réu disse e o Autor, numa das reuniões, estava nervoso, ao ponto de o querer agredir, e que, por sua vez, o pai estava tenso.
Sem embargo não se ter apurado da efetiva verificação destas situações, é certo que a testemunha KK (primo do Autor e que indicou o 3.º Réu enquanto empreiteiro da construção civil), mencionou que uma das vezes que falou com o 2.º Réu, já após o litígio existente, este disse-lhe que não admitia que tratasse o pai daquela forma.
Daqui retira-se que é crível que o 2.º Réu, ante o conflito instalado, tenha acompanhado a posição do pai, independentemente das razões deste, atentos os vínculos familiares, como a experiência em geral mostra que, muitas vezes, sucede.
Esse acompanhamento da posição do pai – e inclusive a intervenção nas reuniões destinadas à resolução do litígio – não significa que o mesmo tenha tido participação no decurso da formação e desenvolvimento da relação contratual.
Ao invés, o que resultou da audição dos Autores é que tudo foi tratado com o 3.º Réu, tendo o 2.º Réu aparecido apenas num momento patológico das relações, mas essa presença, salvo melhor opinião, deveu-se ao vínculo filial existente, continuando a liderança das questões a ser assumida pelo 3.º Réu, tanto assim que são sempre da sua autoria as mensagens trocadas com o Autor, e que se mostram transcritas a fls. 146/verso a 151/verso, nas quais, em nenhuma delas, se diz que precisa de consultar o seu filho para tomar qualquer decisão”.
E ainda, “é verdade que se apurou que o 3.º Réu, não sendo gerente de direito, administrava a 1.ª Ré como se o fosse, como pelo próprio admitido [o que se relevou na resposta à al. 56., dos factos provados], e ainda que as transferências bancárias efetuadas para pagamentos da primeira e da segunda prestações da obra tiveram como destino uma conta particular do 2.º Réu (que, depois, e segundo o mesmo, levantava e entregava ao pai).
No entanto, esse comportamento revela a instrumentalização da pessoa coletiva ao serviço de interesses pessoais, e a existência de uma confusão de patrimónios entre as esferas individual e coletiva, mas dele não se pode extrair, salvo melhor opinião, a existência de uma intenção da parte do 3.º Réu, por meio de engano e de uma encenação orientada finalisticamente, de obter uma vantagem patrimonial”.
Sobre a alínea t) dos factos não provados, escreveu-se “para prova de que os Réus, pessoas singulares, beneficiam da atividade prosseguida pela 1.ª Ré [al. 57., dos factos provados], teve-se em conta as regras da experiência comum: é que, se todos vivem na mesma casa, de acordo com as regras da normalidade, haverá divisão das despesas, sendo que, de certo modo, isso foi admitido pelo 2.º Réu, o qual, embora negando que o pai tivesse residência comum com a mãe e com ele, admitiu que, por vezes, pelo que recebe em serviços que efetua a pedido do 3.º Réu ajuda a 4.ª Ré a pagar as contas e as propinas da faculdade.
Não está em contradição com a prova do facto enunciado na al. 57., dos factos provados, a inverificação do que consta da al. t), dado que esta pressupunha uma adesão do 2.º Réu e da 4.ª Ré à atuação do 3.º Réu, que se entendeu ser autónoma dos demais, como adiante será referido”.
Fundamentam os recorrentes a sua impugnação nas declarações de parte do 2.º réu CC, que refere os termos em que, a pedido do pai, a sociedade foi constituída “em seu nome” e que as quantias recebidas eram entregues ao pai, reportando-se a dois momentos relativos à obra em causa nos autos: um quando a situação já se tinha complicado e o pai e o autor estavam já em conflito e um outro em que teria ido à obra por causa de um assalto, para fazer a participação às autoridades.
Resulta ainda das suas declarações, transcritas pelos recorrentes, que este negócio teria sido falado antes mesmo da constituição desta sociedade, “em nome” do 2.º réu (reportando-se à existência de um orçamento da anterior sociedade do pai), bem como à necessidade de constituição desta “por causa” de um problema que o pai teve e que sabia que esta obra existia. Referiu também que o pai lhe dava algum dinheiro e que os seus estudos eram pagos pelos pais.
Por último, referiu um momento em que confrontou os autores com a existência de dois projetos distintos, admitindo ter então procurado defender o pai que tinha feito uma asneira, considerando que fez o orçamento para um projeto e que havia sido outro a ser apresentado para o licenciamento.
Os recorrentes fazem ainda apelo à descrição comercial da sociedade demandada - de onde se retira que o 2.º réu é o sócio e legal representante da sociedade -, alegando ser contrário às regras da experiência comum entender que este nada sabia sobre a atividade da sociedade.
Analisada a prova indicada pelos recorrentes facilmente se percebe que nenhum dos meios de prova indicados permitem afirmar a factualidade das alíneas f) e t) da matéria de facto não provada.
Nenhum. Nem a prova documental, nem o depoimento do 2.º réu e muito menos as regras da experiência comum se reportam à factualidade considerada não provada nas referidas alíneas, de forma a permitir que tais factos sejam considerados provados.
Quanto aos factos das alíneas d) e h) da matéria de facto não provada, a análise da prova produzida, e nomeadamente aquela que foi referida pelos recorrentes, referindo-se já ao que está em causa naquelas alíneas, não permite, de todo, que se conclua que o 2.º réu exercia com o pai a atividade da construção civil, dedicando-se, ambos, ao que quer que seja, ou que o 2.º réu tenha praticado qualquer outro ato para além do que consta da declaração referida no facto 20 dos factos provados.
Aliás, o facto de esta declaração ter sido preenchida e assinada pelo 2.º réu resulta da circunstância de este ser o legal representante da sociedade que assumiu as funções de empreiteira e, como tal, a mesma ter de ser preenchida por quem assumia tais funções.
O que resulta da descrição comercial da sociedade é que o 2.º réu é o sócio e legal representante da sociedade. Que era o pai quem tudo decidia, resulta das suas declarações mas também das do autor, sem prejuízo de o 2.º réu saber da existência do negócio, embora não dos seus contornos exatos.
O mesmo acontece com o dinheiro recebido. O que o 2.º réu admitiu é que era sustentado pelos pais e que os rendimentos do pai advinham da atividade profissional que este exercia. Admitiu também que as quantias que eram recebidas por esta sociedade eram depositadas em conta que estava em seu nome (facto 33.), dizendo que não ficava com estas quantias, entregando-as ao pai.
Ora, estas declarações não constituem confissão da matéria de facto considerada não provada nas alíneas d) e h).
Improcede assim a impugnação da matéria de facto provada apresentada pelas recorrentes.
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V -  Reapreciação de direito:

1. Os factos a considerar são, assim, os que foram considerados provados pela 1.ª Instância que, aqui, nos abstemos de reproduzir.
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2. Nas suas alegações de recurso começam os autores por repisar os fundamentos que invocaram para obter a condenação dos réus, sem que, em momento algum, coloquem em causa a apreciação que, sobre cada um deles, foi efetuada na sentença proferida.
Assim, sobre a alegada nulidade do contrato de empreitada, nenhum erro imputam à decisão proferida, limitando-se a concluir que confiaram no contrato celebrado, confiando que o mesmo não continha vícios.
Não existe, assim, qualquer fundamento para que seja reapreciada a forma como, na sentença proferida, foi apreciada a questão da nulidade invocada.
Quanto à atuação dolosa imputada aos réus, os recorrentes expressamente aceitam a fundamentação da decisão que foi proferida.
 Invocaram ainda o enriquecimento sem causa, mas sobre este, aceitam que a situação descrita nos factos provados tenha enquadramento em sede de incumprimento contratual – e, assim, que tem como causa o contrato -, pelo que também este fundamento não implica a alteração da decisão proferida, no que à aplicação do direito diz respeito.
Ou seja, o recurso interposto aceita que o incumprimento do contrato é o fundamento jurídico que lhes permite demandar os réus.
Assim, vejamos as concretas questões por si suscitadas:

2.1. Começam os recorrentes por defender que deve ser também condenado o 2.º réu que foi absolvido.
Não existe qualquer fundamento de facto ou de direito que permita a condenação deste réu, dependendo a sua responsabilização da prova dos factos que foram objeto de impugnação e que, como vimos, se mantêm não provados. O 2.º réu nada acordou com qualquer dos autores, não existindo factos que permitam a sua responsabilização por outra via.
Como resulta das alegações de recurso, o que é invocado pelos recorrentes, em relação ao 2.º réu, é a sua responsabilização por desconsideração da personalidade jurídica.
Na sentença proferida, depois de se considerar que o 3.º réu poderia ser responsabilizado pelas quantias devidas ao autor, com fundamento na desconsideração da personalidade jurídica, referiu-se que “quanto ao 2.º réu, sem embargo o mesmo ser gerente de direito da sociedade 1.ª ré, considera-se que o mesmo não deverá ser afetado pela desconsideração da personalidade jurídica daquela. Isto porque não foi por atuação do próprio que se verificou a mistura de patrimónios que é fundamento da instrumentalização da pessoa coletiva e do abuso da sua personalidade. Isso deveu-se à conduta do 3.º réu, que foi quem negociou o contrato de empreitada, quem o celebrou e quem o executou” e ainda “o facto de o 2.º Réu e de a 4.ª Ré beneficiarem dos proventos gerados pela 1.ª Ré para a satisfação dos encargos da vida familiar [al. 57., dos factos provados], não os transforma em autores dos factos praticados pelo 3.º Réu”.
Citando o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 11/05/2023, da Juiz Desembargadora Fernanda Proença Fernandes, aqui 2.ª Adjunta, proc. 7292.2T8BRG.G1, in www.dgsi.pt, “a desconsideração da personalidade jurídica é uma solução jurídica para o problema do abuso da personalidade jurídica.
Como afirma Ana Perestrelo de Oliveira, in “A insolvência nos grupos de sociedades: notas sobre a consolidação patrimonial…”, Revista de Direito da Sociedades, nº. 4, 2009, Almedina, pág. 105, trata-se “de via para controlar o uso das sociedades pelos sócios para (objetiva ou subjetivamente) alcançarem fins ilícitos e repudiados pela ordem jurídica, na ausência de previsão legal adequada”. Ou, José A. Engrácia Antunes, in “Os grupos de sociedades, Estrutura e organização jurídica da empresa plurissocietária”, 2ª edição, Almedina, Maio 2002, pág. 599, de “um instituto através do qual o julgador, sem norma legal que o suporte, mas por exigência do sistema jurídico, afasta a personalidade jurídica ou moral de um ente coletivo com vista a imputar um determinado efeito jurídico à realidade a ela subjacente”.
Os recorrentes não alegam qualquer circunstância que coloque em causa o entendimento exposto na decisão de 1.ª Instância, deturpando os fundamentos da decisão quando referem que o 3.º réu foi condenado sendo apenas gerente facto da sociedade demandada e, assim por maioria de razão, deveria o ser condenado o 2.º réu que era efetivamente o sócio e gerente da mesma.
Com efeito, sobre o 3.º réu referiu-se “a falta de rigor na separação das esferas patrimoniais da sociedade do seu administrador de facto constitui uma situação de mistura de patrimónios. Também a constituição da sociedade através do filho indicia a intenção da parte do 3.º Réu uma intenção de provocar desfasamento entre a realidade efetiva e a realidade jurídica. Pelo que, salvo melhor opinião, está-se perante uma situação em que existe instrumentalização da pessoa coletiva em função dos interesses individuais do 3.º Réu, que subtraiu ao património da sociedade as entregas de dinheiro efetuadas, evitando que os credores, numa eventual ação executiva, se pudessem valer das mesmas para a cobrança de direitos de crédito sobre aquela”.
O 3.º réu foi condenado porque praticou atos que revelam uma mistura de patrimónios, atuando como administrador de facto daquela sociedade, atos esses que não podem ser imputados à autoria do 2.º réu, embora deles tivesse em parte conhecimento.
Improcede assim o recurso na parte em que defende que também o 2.º réu deveria ser afetado pela desconsideração da personalidade jurídica da sociedade demandada. 
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 2.2. Quanto aos valores indemnizatórios fixados pelo Tribunal, entendem os recorrentes que a indemnização por danos não patrimoniais – que foi fixada em 2.000,00 euros – deve ser fixada no montante peticionado de 20.000,00 euros.
Fundamentam esta pretensão, fazendo apelo aos factos provados em 1, 2, 10, 11, 12, 13, 27, 32, 37, 49, 53, 54 e 55.
Quanto a danos não patrimoniais, preceitua o art.º 496.º, nº1, do C. Civil que na fixação da indemnização devem atender-se aos que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito.
De notar que, nos presentes autos, estão em causa danos não patrimoniais peticionados no âmbito da responsabilidade contratual, partilhando este Tribunal o entendimento expresso no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26/10/2010, do Juiz Desembargador António Santos, in www.dgsi.pt, que se reporta ao alinhamento com “a jurisprudência praticamente unânime do STJ, no sentido de que nada justifica excluir do âmbito da responsabilidade contratual a possibilidade de nele se fazer vingar a responsabilidade por danos não patrimoniais, apenas se exigindo, tal como no âmbito da responsabilidade extracontratual, que se esteja perante um dano que seja de tal modo grave que mereça a tutela do direito, e se verifiquem os requisitos da obrigação de indemnizar vertidos nos arts. 483º e 496º, ambos do C. Civil (cfr. v.g. os Acs. do STJ de 21/5/2009, 26/11/2009 e de 24/6/2010, todos in www.dgsi.pt e demais arestos neles citados).
Como se refere no ultimo Acórdão citado, “cabe, portanto, ao tribunal, caso a caso, distinguir os danos merecedores ou não de tutela jurídica, devendo o montante da respetiva indemnização ser sempre calculado segundo critérios de equidade (que nada tem que ver com arbitrariedade), conforme o disposto no art. 496º, nº3, do C. Civil, e atendendo designadamente ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e a do lesado, e ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida”. Apenas o “dano moral concreto, merecedor de tutela jurídica, deverá emergir com evidência de factualidade concreta que o revele de uma forma clara e consistente, designadamente que o demonstre em termos de gravidade, dimensão e repercussão”.
A indemnização deste tipo de danos não visa propriamente ressarcir, tornar indemne o lesado, mas antes oferecer-lhe uma compensação que contrabalance o mal sofrido - cfr. A. Varela, in Das Obrigações em Geral, I.º Vol., p. 560; Rui Alarcão, in Direito da Obrigações, p. 270.
No Código Civil Anotado de Pires Lima e Antunes Varela, I.º Volume, pág. 499, pode ler-se: “a gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objetivo, e não à luz de fatores subjetivos - de uma sensibilidade particularmente embotado ou especialmente requintada”.
Nenhum fundamento específico foi alegado que permita perceber que factos – relativamente aos danos sofridos –, não considerados pelo Tribunal de 1.ª Instância, permite considerar uma indemnização como a peticionada de 20.000,00 euros. Em rigor, temos apenas demonstrado, quanto a danos não patrimoniais, o que resulta provado no facto 55.
Situando-se o juízo prudencial e casuístico feito na sentença recorrida dentro da margem de discricionariedade que legitima o recurso à equidade e encontra conforto nos padrões jurisprudenciais adotados pelos Tribunais Superiores em casos análogos ou similares, não há razões para dele discordar, julgando-se assim improcedente o recurso interposto.

2.3. Questionam ainda os recorrentes o facto de a sentença proferida não considerar o valor peticionado de 34.452,00 euros e que está reclamado a título de penalização na cláusula 7.ª do contrato celebrado.
E, aqui, o que defendem os autores é que a sanção estabelecida seja devida numa situação diferente daquela para a qual foi acordada, alegando que esta situação “é muito mais grave do que a simples mora na entrega da obra acordada”.
Ou seja, da alegação dos recorrentes resulta com clareza que aceitam que a cláusula foi definida para as situações de mora, pretendendo aplica-la também a uma situação de incumprimento definitivo.
O n.º4 da cláusula 7.ª do contrato prevê que “se os trabalhos não se iniciarem na data acordada ou não se concluírem, dentro do prazo previsto no n.º1 desta cláusula, a segunda outorgante pagará à primeira outorgante, à multa diária de 0,5% do valor da empreitada, sem prejuízo da faculdade que assiste ao dono da obra, de declarar rescindido o contrato a partir do trigésimo dia da mora, cessando na data de tal declaração o pagamento da multa”.
Sobre esta cláusula referiu-se na decisão recorrida “esta convenção conforma a estipulação de uma cláusula penal, que é definida, nos termos do artigo 810.º, do CCiv, como o acordo mediante o qual as partes estabelecem o montante da indemnização exigível.
Conforme escreve Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª edição, pp. 139 e 140: “A cláusula penal é normalmente chamada a exercer uma dupla função, no sistema da relação obrigacional./ Por um lado, a cláusula penal visa constituir em regra um reforço (um agravamento) da indemnização devida pelo obrigado faltoso, uma sanção calculadamente superior à que resultaria da lei, para estimular de modo especial o devedor ao cumprimento. Por isso mesmo se lhe chama penal – cláusula penal – ou pena – pena convencional. (…) Por outro lado, a cláusula penal visa amiudadas vezes facilitar ao mesmo tempo o cálculo da indemnização exigível”.
A cláusula penal pode ser estabelecida para qualquer das modalidades de não cumprimento: mora, incumprimento definitivo, cumprimento defeituoso (cfr., neste sentido, António Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, pp. 683 a 696). Segundo uma fórmula consagrada, se estipulada para o caso de não cumprimento, denomina-se de cláusula penal compensatória; se estipulada para o caso de atraso no cumprimento, designa-se por cláusula penal moratória.
No presente processo, a cláusula penal foi concebida para o caso da mora. Com efeito, tendo presentes as regras de interpretação das declarações negociais previstas nos artigos 236.º e 238.º, do CCiv, entende-se que a estipulação de uma “multa diária” pelo atraso no começo ou na conclusão da obra visou constituir um meio de compelir ao cumprimento e evitar o retardamento pontual no cumprimento da obrigação.
Essa cláusula não tem, contudo, aplicação no caso concreto, porquanto não se verifica o substrato factual em que ela assenta: com efeito, no caso, a empreiteira não atrasou o início da obra, nem foi o caso de ter terminado a obra para além do prazo acordado. O que, ao invés, sucedeu é que paralisou o curso da execução e recusou o seu prosseguimento, retirando do respetivo local os trabalhadores e materiais [al. 38.. dos factos provados], situação que equivale a uma situação de recusa categórica de não cumprimento do contrato.
Só poderia haver uma multa diária durante o período de atraso até à verificação do incumprimento definitivo; contudo, na situação em apreço, perante a matéria de facto apurada, a total indisponibilidade para continuar a execução evidenciou da parte da empreiteira o seu propósito firme e definitivo de não cumprir, dispensando a conversão da mora em incumprimento (cfr., a este respeito, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 09.12.2008, proferido no processo n.º 08A965, e de 12.03.2009, proferido no processo n.º 09A0362; Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 30.09.2021, proferido no processo n.º 1184/19.0T8VRL.G1, disponíveis em www.dgsi.pt; cfr. ainda Pedro Romano Martinez, ob. cit., p. 122).
Pelo que, salvo o devido respeito, não faz sentido contabilizar uma indemnização com base na cláusula penal acima transcrita baseada no tempo decorrido desde o abandono da obra e a apresentação de queixa criminal, dado que, nesse período, já não existia mora, mas incumprimento definitivo (para além de que a denúncia penal mostra-se desprovida de efeitos no quadro da relação contratual, como acima abordado)”.
Este Tribunal de recurso não só concorda na íntegra com esta acertada fundamentação, como não vê nas alegações de recurso qualquer fundamento jurídico que a possa colocar em causa.

2.4. Por último, embora erradamente indicado como fundamento para a reforma da decisão, certo é que os recorrentes questionam o acerto da decisão quando considerou que apenas o autor era credor dos montantes indemnizatórios resultantes do incumprimento do contrato de empreitada, pois que apenas ele o teria celebrado.
Perante os factos dados como provados, entendem os recorrentes que também a autora é credora dos montantes indemnizatórios fixados.
Não existe qualquer dúvida que toda a situação decorrente da aquisição do imóvel, celebração e incumprimento do contrato de empreitada foi vivida por ambos os autores, que vivem em união de facto.
É o que decorre dos factos provados, nomeadamente nos pontos 10, 12, 15, 18, 24 e 25.
Mas decorre também do facto 25 que apenas a 1.ª ré se obrigou perante o autor, por escrito, nos termos do contrato celebrado (e qualificado como sendo de empreitada, sem que tal natureza possa ser colocada em causa), sendo certo que é com base neste contrato escrito - e a forma escrita era, na situação em apreço, obrigatória, como consta da sentença proferida e decorre do art.º 26.º, n.º1, da Lei 41/2015, de 03/06 -, que os autores fundamentam, ambos, as suas pretensões.
Ora, perante os factos provados, o contrato escrito celebrado entre o autor e a 1.ª ré, se teve a concordância clara da autora, não obriga a 1.ª ré perante aquela e, assim, a desconsideração da personalidade jurídica desta sociedade, que legitimou a condenação do 3.º réu, também não permite considera-lo vinculado perante aquela autora.
Não existe assim o fundamento invocado – incumprimento do contrato celebrado com a autora – que permita a condenação da 1.ª e 3.º réus a indemnizar a autora, mantendo-se assim a afirmação de que apenas o autor é credor dos valores indemnizatórios fixados.
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Decorre do exposto que não há fundamento para alterar a decisão proferida, sendo o recurso apresentado pelos autores julgado totalmente improcedente.
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Sumário (ao abrigo do disposto no art.º 663º, n.º 7, do C. P. Civil):

1 – Não há que estender a condenação resultante da desconsideração da personalidade jurídica de uma sociedade ao seu legal representante quando se demonstra que essa sociedade foi criada pelo pai deste, gerente de facto daquela sociedade, que praticou os atos de confusão de patrimónios que permitiram a condenação deste gerente de facto com fundamento naquela desconsideração.
 2 – Não é devida cláusula penal moratória prevista no contrato quando a situação verificada e em discussão é de recusa categórica de não cumprimento daquele mesmo contrato.
3 – A autora, que vive em união de facto com o autor, não é credora dos montantes indemnizatórios devidos pelo incumprimento do contrato de empreitada quando apenas o autor o celebra, por escrito, e ainda que todos os atos praticados tenham a sua concordância.
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VI – Decisão:

Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação apresentada pelos autores, confirmando-se na íntegra a decisão recorrida.
Os autores são responsáveis pelas custas do recurso, nos termos do art.º 527.º do C. P. Civil.
Guimarães, 01 de fevereiro de 2024
(elaborado, revisto e assinado eletronicamente)