Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2218/18.0T8CHV-A.G1
Relator: ALEXANDRA VIANA LOPES
Descritores: LOCAÇÃO FINANCEIRA
PRESCRIÇÃO DAS RENDAS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/27/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. Deve ser rejeitada a apreciação da impugnação da matéria de facto, instrumental à decisão a proferir, quando a mesma seja irrelevante para a decisão do recurso, em qualquer uma das soluções plausíveis das questões de direito (art.130º do C.P. Civil).
2. Prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos da al. e) do art.310º do C. Civil, as rendas da locação financeira, por corresponderem substancialmente a verdadeiras quotas de amortização do capital (previamente investido pela locadora para financiar o bem locado e a futura e possível compra final pelo locatário, caso o locatário exerça esse direito e mediante o pagamento, após as rendas, do valor residual), pagáveis com juros remuneratórios integrados nas mesmas.
Decisão Texto Integral:
As Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam no seguinte
ACÓRDÃO

I. Relatório:

Por apenso aos autos de execução comum n.º2218/18.0T8CHV, movidos pelo Banco 1..., S.A contra a Executada SOCIEDADE I... S.A., esta deduziu embargos de executado, nos quais:

1. A embargante, no seu requerimento inicial, invocou, em síntese:
a) O erro na forma de processo, uma vez que não foi interpelada para pagamento antes da citação para a execução, razão pela qual entende que cabia a esta a forma ordinária e não a forma sumária, nos termos do art.550º/2-c) do C. P. Civil.
b) A falta de título executivo, por entender que a escritura da hipoteca, sem o contrato que a mesma garante, não é título executivo, nos termos dos arts.703º e 707º do C.P. Civil.
c) A prescrição das rendas e dos respetivos juros de mora, nos termos do art.310º/b) e e) do C. Civil, uma vez que, ainda que tenha sido celebrado o contrato de locação financeira, tendo ocorrido o incumprimento a 10.11.2005, não tendo ocorrido qualquer causa de interrupção e de suspensão da prescrição, a mesma decorreu a 10.11.2010, muito antes da instauração da ação executiva a 12.12.2018.
d) A prescrição de juros, nos termos do art.310º/d) do C. Civil.

2. O Banco embargado, na sua contestação:
2.1. Pugnou pela improcedência da oposição à execução, alegando e defendendo, em síntese:
a) Em relação ao erro na forma de processo, que este não ocorre uma vez: que, não sendo a executada devedora originária mas proprietária do bem hipotecado que garante a dívida do devedor originário, não lhe era exigível interpelar a mesma para pagar, nem comunicar a resolução do contrato; que a execução sumária não retirou quaisquer direitos à executada.   
b) Em relação à falta de título executivo:
_ Que quando os títulos executivos são complexos, a jurisprudência entende que a falta de um deles pode ser objeto de suprimento em despacho de aperfeiçoamento e não deve determinar o indeferimento do requerimento inicial.
- Que, no requerimento executivo, o Banco exequente expressamente alegou que o prédio em causa foi dado de hipoteca para garantia do bom cumprimento do contrato de leasing mobiliário n.º ...36 (a celebrar entre Exequente e a sociedade Garagem ... – Comércio de Automóveis Lda., até ao valor máximo de € 236.250,00 e dos correspondentes juros remuneratórios à taxa de 5,25%, acrescida de 4% a título de cláusula penal, ascendendo o montante máximo de capital e acessórios à quantia de € 311.259,38); que este contrato de locação financeira mobiliária nº ...36 teve por objeto diverso equipamento, conforme fatura proforma de 09.09.2003, o qual foi adquirido pelo Banco à sociedade M... Lda. com o intuito de o dar de locação à sociedade Locatária, sendo certo que o referido equipamento foi entregue à Locatária; que, nos termos daquele contrato, o prazo de duração foi fixado em 60 meses, o número de rendas acordado foi de 60, a pagar mensalmente, vencendo-se ao dia 1 de cada mês, que todas as rendas estavam indexadas à Euribor a 1 mês, estando a renda inicial e subsequentes à data do início do contrato fixadas em, respetivamente, € 26 249,83 + IVA e €4 474,07 + IVA; que o valor residual acordado foi de € 5 249,97; que o tal contrato de leasing mobiliário foi incumprido pela Locatária, tendo o exequente indicado a data do incumprimento, o montante que ficou em dívida e a taxa de juro moratório aplicável.
- Que em virtude do incumprimento do contrato por parte da Locatária: o Banco resolveu o contrato de leasing nos termos dos documentos que junta; procedeu ao preenchimento da livrança caução pelo valor em dívida de € 58 094,49, tendo-lhe aposto como data de vencimento o dia 10.11.2005, livrança esta que, apresentada a livrança a pagamento, não foi paga então nem posteriormente, constituindo ela mesma um título executivo, nos termos do art.703º/c) do C. P. Civil.
- Que a sociedade devedora foi declarada insolvente e, posteriormente, foi liquidada, o que impediria que a mesma pudesse ser demandada judicialmente.
c) Em relação à prescrição das rendas:
_ Que não se aplica o prazo de prescrição de 5 anos do art.310º/b) do C. Civil, face à diferença de regime das rendas do contrato de locação dos arts. 1022º ss do C. Civil e das rendas do contrato de locação financeira, conforme jurisprudência unânime.
- Que não se aplica o prazo de prescrição de 5 anos do art.310º/e) do C. Civil, uma vez que este se refere ao contrato de mútuo, que é muito diferente do contrato de locação financeira.
- Que o prazo ordinário de prescrição de 20 anos, previsto no artigo 309.º do C. Civil, ainda não se encontra decorrido, quer se conte o prazo desde 10.11.2005, data aposta na livrança, quer se conte o prazo desde 01.07.2005, quando a locatária não pagou a 18ª renda devida e que veio a originar a resolução do contrato e posterior preenchimento da livrança caução.
- Que, de qualquer forma, o Banco Exequente manifestou judicialmente a sua intenção de exercer os seus direitos antes de intentar a presente execução, nomeadamente tendo intentado a providência cautelar para restituição dos bens locados e apresentado reclamação de créditos no processo de insolvência da Garagem ....
d) Quanto à prescrição dos juros:
- Que o prazo de prescrição aplicável às rendas do contrato de locação e respetivos juros não é de 5 anos mas é de 20 anos.
- Que a hipoteca assegura o crédito e os acessórios registados – juros, despesas e cláusula penal; que, como a Embargante não é devedora originária, os juros de mais de três anos estão excluídos da garantia hipotecária pelo que, no que à Embargante diz respeito, devem ser calculados os juros relativos a 3 anos, decorridos desde 10.11.2005 (data aposta na livrança) até 10.11.2008; que, no que se refere à taxa de juro, a mesma é calculada nos termos acordados pelas partes na escritura (5,25% acrescida da cláusula penal, legalmente fixada em 3%).
3. Findos os articulados, foi proferido despacho saneador, onde foi decidida a regularidade da instância executiva.
4. Realizou-se a audiência final com observância do legal formalismo.
5. Foi proferida sentença, na qual:
5.1. Foi considerado inexistir nulidade por erro na forma de processo.
5.2. Foram julgados parcialmente procedentes os embargos, nos seguintes termos:
«Pelo exposto, decide-se:
a) Julgar parcialmente procedentes, por parcialmente provados, os presentes embargos de executado na medida em que, no que concerne aos juros, os mesmos devem ser calculados relativos a 3 anos, decorridos desde 10.11.2005 (data aposta na livrança) até 10.11.2008, sendo certo que a taxa de juro é calculada nos termos acordados pelas partes na escritura, ou seja, 5,25% acrescida da cláusula penal (legalmente fixada em 3%).
b) Julgar improcedente a Oposição à Penhora.».
6. A embargante interpôs recurso da sentença referida em I-5 supra, no qual apresentou as seguintes conclusões:

«PRIMEIRA CONCLUSÃO
No presente recurso estão os recorrentes a impugnar matéria de facto (artigo 640.º, do 5 CPC) e matéria de direito, como o artigo 639.º, do mesmo CPC, possibilita também.
SEGUNDA CONCLUSÃO
Posto isto especifica-se, em cumprimento do artigo 640.º, do CPC, o seguinte:
A) O concreto ponto de facto, que a recorrente considera que foi parcialmente incorretamente julgado, na sentença sob recurso (artigo 640.º-1-a), do CPC), foi, o constante da alínea I), sob a epigrafe FACTOS PROVADOS, de tal sentença.
Sendo tal facto, esclareça-se, desde já, aquele que, de seguida, vai ser indicado.
Estando, esclareça-se também, a referir-nos apenas a factos essenciais, que são até principais ou nucleares, e não meramente complementadores ou concretizadores, e não já a quaisquer factos instrumentais, factos instrumentais esses que, muito embora o Juiz tenha que os tomar em consideração, na sentença que profere, não precisam de, na mesma sentença, ser dados como provados, principalmente quando a prova dos mesmos é totalmente documental, maxime se se tratar de documentos autênticos.
Facto 1
Aquele que consta da alínea I), dos FACTOS PROVADOS, na parte de tal alínea, em que se diz que a livrança, no mesmo facto referida, foi apresentada a pagamento.
B) Os concretos meios probatórios, constantes do processo, ou de registo ou gravação, nele processo realizada, que impunham decisão, sobre o ponto da matéria de facto impugnado, diversa da recorrida (artigo 640.º-1-b), do CPC), isto é, que impunham, que o facto constante da alínea I), da sentença apelada, não devesse ter sido dado, em tal sentença, como totalmente provado, são, naturalmente, e porque se trata de fazer uma prova negativa, todas as provas produzidas nos autos, ou seja, a prova documental e a prova testemunhal, meios probatórios esses que, quando a sentença agora sob recurso, foi, em 02 de maio de 2022, proferida, se encontravam já todos nos autos.
C) A decisão que, no entender da recorrente, deveria ter sido proferida, sobre a questão de facto impugnada (artigo 640.º-1-c), do CPC), isto é, sobre o facto 1, constante da alínea A) anterior, era, e é, ser, e ao contrário daquilo que sucedeu, esse facto passar a ser, e nos termos atrás expostos, considerado parcialmente como não provado, passando pois ele a ter a seguinte redação:
Facto 1
Em virtude do incumprimento do contrato por parte da Locatária e ao abrigo dos poderes que lhe tinham sido conferidos pelo pacto de preenchimento, o Banco Exequente procedeu ao preenchimento da livrança caução pelo valor em dívida- 58.094,49 euros - tendo-lhe aposto como data de vencimento o dia 10.11.2005 e a mesma não foi paga, nem então, nem posteriormente, até à presente data.
TERCEIRA CONCLUSÃO
Por fim, e para finalizar esta temática da impugnação da matéria de facto, mencione-se, como se menciona, e atrás se referiu já, que, havendo, como há, meios probatórios invocados, como fundamento do erro na apreciação das provas, que foram gravados, em CD, através do sistema de gravação digital, do Juízo de Execução ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., por intermédio do programa Habilus, meios probatórios esses que consistem no depoimento da única testemunha que depôs, a Exma. Senhora AA (Vide a referência ...65 (Ata), do dia 04 de abril de 2022, do histórico de atos processuais deste processo, no sistema Citius), indicam-se, com exatidão, em cumprimento do comandado no artigo 640.º-2-a), do CPC, as passagens da gravação em que se funda, quanto à alteração da matéria de facto pretendida, o presente recurso, passagens essas que, e porque se trata de demonstrar que um determinado facto não ocorreu, terão que corresponder à totalidade da gravação em causa, as quais, e tomando como referência a ata da sessão de audiência de discussão e julgamento em questão, sessão essa que teve lugar no dia 04 de abril 17 de 2022, vão 
Dia 04 de abril de 2022
Depoimento da testemunha – AA • desde as 10 horas, 13 minutos e 52 segundos até às 10 horas, 31 minutos e 55 23 segundos. 24
QUARTA CONCLUSÃO
As rendas dos contratos de locação financeira prescrevem, tal como, as rendas e alugueres devidos pelo locatário (artigo 310.º-b), do CC) e as quotas de amortização de capital, pagadas com os juros (artigo 310.º-e), do CC), no prazo de cinco anos.
QUINTA CONCLUSÃO
Prazo de cinco anos esse, que começa a correr quando o direito poder ser exercido, o que, no caso em análise ocorreu a partir de 10 de novembro de 2005, que foi quando, nos próprios termos do requerimento executivo, a locatária financeira GARAGEM ..., entrou em incumprimento, no pagamento das rendas, do contrato de locação financeira em análise, tendo pois a prescrição em causa ocorrido em 10 de novembro de 2010.
SEXTA CONCLUSÃO
Ou seja, muito antes do dia 12 de dezembro de 2018 que foi quando o requerimento inicial da execução correspondente ao processo principal, foi, através de transmissão eletrónica de dados, via sistema Citius, apresentado em Tribunal.
SÉTIMA CONCLUSÃO
Data esta (12 de dezembro de 2018), em que se encontrava pois à muito prescrita a 20 obrigação da SOCIEDADE I... S.A, pagar, com atinência ao contrato de locação financeira mobiliária em causa, fosse o que fosse, nomeada e principalmente as rendas e correlativos juros.
OITAVA CONCLUSÃO
Tanto mais que, antes disso, ou seja, antes de 12 de dezembro de 2018, não ouve qualquer interrupção da prescrição, promovida pelo eventual titular do direito em causa, nem mesmo qualquer interpelação, ainda que não judicial.
NONA CONCLUSÃO
Nem qualquer compromisso arbitral, ou qualquer reconhecimento do direito, efetuado perante o respetivo titular, por parte da SOCIEDADE I... S.A.
DÉCIMA CONCLUSÃO
Isto é, não se tendo verificado, anteriormente à decorrente da citação para a presente execução, nenhuma das causas da interrupção da prescrição, a que aludem os artigos 12 323.º, 324.º e 325.º, todos do CC.
DÉCIMA PRIMEIRA CONCLUSÃO
Sem que tivesse ocorrido também nenhuma causa de suspensão da prescrição, nomeadamente as previstas nos artigos 318.º a 322.º, todos do CC.
DÉCIMA SEGUNDA CONCLUSÃO
Encontrando-se assim, relativamente à SOCIEDADE I... S.A., prescritas todas as rendas e respetivos juros, com atinência ao contrato de locação financeira mobiliária em questão.
DÉCIMA TERCEIRA CONCLUSÃO
Prescrição essa que é uma prescrição extintiva, e não apenas meramente presuntiva, e que, em cumprimento do estatuído no artigo 303.º, do CC, foi tempestivamente invocada nos embargos de executado, invocação essa que aqui se reitera.
DÉCIMA QUARTA CONCLUSÃO
Violou pois a douta sentença apelada, os artigos 10.º e 310.º-b) e e), ambos do CC.
DÉCIMA QUINTA CONCLUSÃO
Devendo, por isso, ou seja, por erros, quanto ao julgamento, quer da matéria de facto, quer da matéria de direito, traduzidos estes na violação, nomeadamente, dos atrás referidos artigos 10.º e 310.º-b) e e), ambos do CC, e muito embora sem que isso possa constituir, nem constitua, qualquer demérito, por pequeno, ou mínimo até que seja, para com a Distinta Senhora Doutora Juíza que a proferiu, até porque, e como é por demais sabido, alli quando dormitat Homerus, Homerus qui Homerus erat , ser, a sentença em causa, posto que mui douta, anulada (artigo 639.º-1, in fine, do CPC).
DÉCIMA SEXTA CONCLUSÃO
Prolatando-se, para isso, não menos douto acórdão, que considere que a sentença recorrida incorreu em erros no julgamento da matéria de facto e no da matéria de direito, traduzidos estes na violação, nomeadamente, nos artigos 10.º e 310.º-b) e e), os dois do CC, e que, consequentemente, utilizando a vertente cassatória do nosso sistema de recursos, anule tal sentença (artigos 639.º-1-in fine, do CPC), e, lançando mão da vertente de substituição, do mesmo sistema revulsório, vertente essa prevista aliás, nomeadamente, no artigo 652.º, do mesmo CPC, julgue totalmente procedentes os embargos de executado, oportunamente deduzidos pela aqui recorrente, com a consequente completa extinção da execução, correspondente ao processo principal, o 1 que tudo se peticiona a V. Exas.
Assim decidindo, como, temos disso a mais firme e completa certeza, não poderá, nem irá, deixar de suceder, farão V. Exas., Exmos(as). Senhores(as) Doutores(as) Juízes(as) Desembargadores(as) do Tribunal da Relação de Guimarães, a melhor e mais justa justiça, que aliás soem sempre fazer, pelo que a ela nos têm, e de uma forma sistemática, habituados.».
7. Não foi apresentada resposta ao recurso.
8. Foi admitido o recurso na 1ª e na 2ª instância, com subida imediata, nos próprios autos e com efeitos devolutivos.
9. Colhidos os vistos, realizou-se a conferência.    

II. Questões a decidir:

As conclusões das alegações do recurso delimitam o seu objeto, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso não decididas por decisão transitada em julgado e da livre qualificação jurídica dos factos pelo Tribunal, conforme decorre das disposições conjugadas dos artigos 608º/ 2, ex vi do art. 663º/2, 635º/4, 639º/1 e 2, 641º/2- b) e 5º/ 3 do C. P. Civil.

Definem-se como questões a decidir:
1. Quanto à impugnação da matéria de facto: se interessa apreciar a impugnação parcial à matéria de facto provada na al. I (quanto à menção «apresentada a livrança a pagamento», que a recorrente pretende que se elimine dos factos provados); caso interesse, se deve ser eliminada a menção de apresentação a pagamento.
2. Quanto à invocação de erro de direito: se é aplicável às rendas da locação financeira o prazo de prescrição de 5 anos, nos termos do art.310º/b) e/ou e) do C. Civil, pretendido pelo recorrente, ou o prazo ordinário de 20 anos, nos termos do art.309º do C. Civil, aplicado na sentença recorrida.

III. Fundamentação:
1. Matéria de facto provada na sentença recorrida (reordenada e aditada nesta Relação, nos termos do art.662º/2-c) do C.P. Civil):
1.1. O Banco Exequente exerce a atividade bancária (facto A) da sentença recorrida).
1.2. No exercício da sua atividade e a pedido da sociedade Garagem ... - Comércio de Automóveis, Ldª, no dia 08.01.2004, o exequente celebrou com ela uma ESCRITURA DE HIPOTECA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais. Através de tal escritura, a sociedade referida:
_ Declarou ser a dona e legítima possuidora do prédio urbano composto por casa de cave, ... e andar, com a superfície coberta de cento e três metros quadrados, sito na Avenida ... e Rua ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz sob o artigo ...63 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...48.
- Dar de hipoteca ao exequente o prédio urbano em causa, para garantia do bom cumprimento do contrato de leasing mobiliário n.º ...36 a celebrar entre ambas as partes (a sociedade na qualidade de locatária e o exequente na qualidade de locador) e até ao montante máximo de € 236.250,00 e dos correspondentes juros remuneratórios à taxa de 5,25%, acrescida de 4% a título de cláusula penal, ascendo o montante máximo de capital e acessórios à quantia de € 311.259,38. (factos provados em B), C) e D) da sentença recorrida).
1.3. O contrato de leasing mobiliário foi celebrado entre as partes e a referida hipoteca foi constituída a favor do exequente e registada na respetiva informação predial, pela Ap. ...7 de 2004/09/02 e garantido por essa hipoteca (facto provado em E) da sentença recorrida).
1.4. O contrato de locação financeira mobiliária nº ...36 em causa nos autos, tem por objeto diversos equipamentos, o qual foi adquirido pelo Banco à sociedade M... Lda. com o intuito de o dar de locação à sociedade Locatária, sendo certo que o referido equipamento foi entregue à Locatária. Nos termos do aludido contrato:
1.4.1. Ficou acordado que:
− o prazo de duração foi fixado em 60 meses;
− o número de rendas acordado foi de 60, a pagar mensalmente, vencendo-se ao dia 1 de cada mês;
− todas as rendas estavam indexadas à Euribor a 1 mês, estando a renda inicial e subsequentes à data do início do contrato fixadas em, respetivamente, 26.249,83€ +IVA e 4.474,07 +IVA;
− o valor residual acordado foi de 5.249,97 € (factos provados nas als. G) e H) da sentença recorrida).
1.4.2. Definiu-se, ainda, nomeadamente:
a) Nas condições particulares:
_ Nas cláusulas 4 e 6 que o preço dos bens e o valor global da locação correspondiam ao valor de € 262 498, 30.
_ Na cláusula 8.1. que «As rendas são calculadas com base na Taxa de Juro Nominal e nas condições determinadas na cláusula seguinte.»
b) No art.11º das condições gerais sobre o incumprimento e a resolução do contrato definiu-se:
«1. Para além dos demais casos de resolução decorrentes da lei e do presente contrato, este poderá ser resolvido em caso de incumprimento de qualquer uma das obrigações do Locatário se este, interpelado para o efeito, por carta registada, não suprir a sua falta no prazo de dez dias a contar da data de emissão daquela notificação. (…)
5. A resolução do Contrato não exonera o Locatário do dever de cumprimento de todas as obrigações que à data se encontram vencidas, e confere ao Locador, para além de conservar as rendas vencidas e pagas, o direito de receber do Locatário, a título de indemnização por perdas e danos, uma importância igual a 20% da soma das rendas vincendas com o valor residual, sempre sem prejuízo, porém, do direito à reparação integral do maior dano.» (factos aditados por esta Relação nos termos do art.662º/2-c) do C. P. Civil, com base documento nº... junto com a contestação).
1.5. Tal contrato de leasing mobiliário foi incumprido pela Locatária em 01/07/2005, quando esta deixou de proceder ao pagamento das rendas contratadas, mais concretamente a renda 18.º e as subsequentes (facto provado na al. F) da sentença recorrida).
1.6. Em virtude do incumprimento do contrato por parte da Locatária e ao abrigo dos poderes que lhe tinham sido conferidos pelo pacto de preenchimento, o Banco Exequente:
a) Declarou, por carta registada recebida pela locatária a 07.11.2005, resolver o contrato de locação financeira, ter preenchido a livrança pelo valor da dívida global de € 58 094, 49, advertindo-a para pagamento no prazo de 8 dias, sob pena de instauração de ação judicial, nos seguintes termos:
[Imagem]
b) Procedeu ao preenchimento da livrança caução pelo valor em dívida – 58.094,49 € - tendo-lhe aposto como data de vencimento o dia 10.11.2005 e, apresentada a livrança a pagamento a mesma não foi paga, nem então nem posteriormente até à presente data (facto provado em I) da sentença recorrida quanto ao corpo do texto de 1.5. e quanto à al. b); facto oficiosamente por esta Relação em a), em referência ao art.48º da contestação e ao teor do documento nº... junto com a mesma, julgado reproduzido na contestação e não impugnado pela parte contrária).
1.7. O Banco Exequente manifestou judicialmente a sua intenção de exercer os seus direitos antes de intentar a presente execução, nomeadamente tendo intentado a providência cautelar para restituição dos bens locados e apresentou reclamação de créditos no processo de insolvência da Garagem ... (facto provado em J) da sentença recorrida).
1.8. O imóvel em questão foi adquirido por um terceiro - a Sociedade I..., S.A. (cfr. Ap. ... de 2005/05/24), ora Embargante (facto provado em K) da sentença recorrida).
1.9. Os autos executivos foram instaurados em 15/12/2018 (facto provado em L) da sentença recorrida).

2. Apreciação jurídica:
2.1. Da impugnação à matéria de facto:
2.1.1. Enquadramento jurídico:

A seleção de factos sujeitos a prova depende da aferição da sua relevância para apreciar a questão a decidir, de acordo com as soluções plausíveis das questões de direito (arts.5º e 410º ss do C. P. Civil). 
A conexão entre os factos a considerar e a decisão a proferir, leva também, assim, a que a impugnação dos mesmos no tribunal superior, nos termos do art.640º do C. P. Civil, seja instrumental à decisão a proferir no recurso, delimitado pelo seu objeto (art.639º do C. P. Civil).
Esta conexão e o princípio da utilidade dos atos processuais (art.130º do C.P. Civil) têm levado a jurisprudência a entender que não se deve apreciar a matéria impugnada (ou não se deve aceitar a ampliação da matéria de facto), ainda que a impugnação observe os ónus do art.640º do C. P. Civil, quando a mesma seja irrelevante para a decisão do recurso, em qualquer uma das soluções plausíveis das questões de direito.
A este propósito, Tomé Soares Gomes refere: «Mas o tribunal só deve atender aos factos que, tendo sido oportunamente alegados ou licitamente introduzidos durante a instrução, forem relevantes para a resolução do pleito, não cabendo pronunciar-se sobre factos que se mostrem inequivocamente desnecessários para tal efeito.»[i]
E, no sentido que a jurisprudência tem vindo a adotar nesta matéria, o acórdão da Relação de Guimarães de 22.10.2020, proferido no processo nº5397/18...., relatado por BB, defendeu também e sumariou «V. Por força dos princípios da utilidade, da economia e da celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objecto da impugnação for(em) insusceptível(eis) de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter(em) relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil»[ii].

2.1.2. Situação em análise:
Importa apreciar se o facto que a recorrente pretendeu expurgar da matéria de facto provada na inicial al. i) (que a livrança foi apresentada a pagamento) releva para a decisão do objeto do recurso.
Examinando o objeto do recurso de direito, verifica-se que a recorrente: não suscitou a discussão sobre o vencimento dos juros de mora ou sobre a data desde a qual foram contados na sentença recorrida; invocou apenas sumariamente a sua prescrição na sequência da defesa que a obrigação de capital estava prescrita, nos termos dos arts.304º e 310º/b) e e) do C. Civil.
Desta forma, é irrelevante a apreciação se a livrança foi ou não apresentada a pagamento à devedora para apreciar a questão de direito suscitada no recurso.
Ainda que assim não fosse e se discutisse a data de vencimento da obrigação de capital pedida na execução, verificar-se-ia que a prova da prévia comunicação de resolução do contrato de leasing à devedora, com interpelação para pagamento de valor de dívida pela qual veio a ser preenchida a livrança, demonstraria o vencimento do valor pedido antes da data de vencimento aposta no título de crédito (arts.804º, 805º/1 e 806º do C. Civil).
Pelo exposto, rejeita-se a apreciação da impugnação da matéria de facto por inutilidade.

2.2. Do recurso de direito:
2.2.1. Enquadramento (do regime legal e das posições da doutrina e da jurisprudência):
2.2.1.1. A prescrição em geral:
Estão sujeitos à prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição (art.298º/1 do C. Civil).
O prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; se, porém, o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo prazo sobre a interpelação, só findo esse tempo se inicia o prazo da prescrição (art.306º/1 do C. Civil).
Completada a prescrição, o beneficiário tem a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito (art.304º/1 do C. Civil), embora a prestação realizada espontaneamente em cumprimento de uma obrigação prescrita, ainda que com ignorância quanto à mesma, não possa ser repetida (art.304º/2 do C. Civil).
Esta prescrição, quanto à sua eficácia: para uns corresponde a uma causa extintiva da obrigação, sem prejuízo do nº2 do art.304º do C. Civil (v.g, Brandão Proença[iii] e Luís Carvalho Fernandes, referidos por Júlio Gomes, considerando-a este extintiva de direitos sem prejuízo de se dever o seu cumprimento como dever de justiça[iv];); para outros não é uma causa de extinção das obrigações rigorosa mas confere a faculdade de recusar o exercício do direito (v.g. Menezes Cordeiro considera que «A eficácia da prescrição não é extintiva. Ela transforma, quando invocada, a obrigação prescrita numa obrigação natural»[v]; Júlio Gomes, com referência também a Jacinto Rodrigues Basto, a Heinrich Horster e Pedro Pais de Vasconcelos, consideram que é uma exceção que atribui apenas ao devedor que a invoque a “faculdade de se recusar a cumprir ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito”[vi]).
Independentemente desta discussão, a prescrição é uma exceção perentória que, pelo menos, torna inexigível o cumprimento civil da obrigação, nos termos dos arts.576º/3 e 579º do C. P. Civil[vii] .
2.2.1.2. Prazos de prescrição:
A. Em geral:
A prescrição pode ocorrer: no prazo ordinário de 20 anos (art.309º do C. Civil), quando não estiver previsto prazo especial; nalgum dos prazos especiais previstos nos diferentes regimes de curtos prazos de prescrição (nomeadamente o prazo de 5 anos nas situações do art.310º do C. Civil).
Almeida Costa sublinha, nomeadamente quanto à definição e aplicação do prazo, que «Não havendo um prazo especial, derivado da lei ou da vontade das partes, vigoram as normas da prescrição, designadamente no que respeita ao período ordinário de vinte anos (art.309.º), excepto se o direito em causa for insusceptível de extinção pelo não exercício, mercê da sua indisponibilidade ou imprescritibilidade (art.298.º, n.º1).»[viii].
B. Prazos de prescrição de 5 anos:
No Código Civil de Seabra de 1867 já se previa, no seu art.543º, que prescreviam no prazo especial de 5 anos:
«1º (…) pensões enphyteuticas, sub-enphyteuticas (…), rendas, alugueres, juros e quaisquer prestações vencidas que se costumam pagar em certos e determinados tempos;
2ºAs pensões alimentícias vencidas;
3º A obrigação de reparar prejuízos resultantes de delictos correcionais.».
No Anteprojeto do Código Civil de 1966 Vaz Serra propôs o seguinte art.13º do articulado, sob a epígrafe «Prescrição de cinco anos»:
«Prescrevem em cinco anos:
1.º- As anuidades de rendas perpétuas ou vitalícias, as rendas e alugueres locatícios, ainda que pagos de uma só vez, com os seus acessórios, as pensões enfitêuticas ou subenfitêuticas, as prestações de frutos devidas pelo parceiro, os juros, convencionais ou legais, correspectivos ou moratórios, ainda que ilíquidos, as quotas de amortização de capital pagáveis com os juros, e, de um modo geral, quaisquer prestações periódicas derivadas de uma relação jurídica.
2.º- As pensões alimentícias vencidas.»[ix].
No Código Civil de 1966 (aprovado pelo DL nº47344, de 25 de novembro), o art.310º passou a prever:
«Prescrevem no prazo de cinco anos:
a) As anuidades de rendas perpétuas ou vitalícias;
b) As rendas e alugueres devidos pelo locatário, ainda que pagos por uma só vez;
c) Os foros;
d) Os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, e os dividendos das sociedades;
e) As quotas de amortização do capital pagáveis com os juros;
f) As pensões alimentícias vencidas;
g) Quaisquer outras prestações periodicamente renováveis.».
Manuel de Andrade, em referência a estes curtos prazo de prescrição de 5 anos do parágrafo 1º do art.543º do Código Seabra, referia que «Pelo que respeita ao prazo do art.543.º, n.º1, a lei funda-se no intuito de evitar que o credor deixe de acumular os seus créditos a ponto de ser mais tarde ao devedor excessivamente oneroso pagar.»[x].
Vaz Serra, por sua vez, refere em relação a previsões do curto prazo de prescrição de 5 anos (do art.543º do Código Civil de 1867 e das que vieram a constar do Anteprojeto do Código Civil de 1966):
«Esta prescrição destina-se a evitar a ruína do devedor, pela acumulação de pensões, rendas, alugueres, juros ou outras prestações periódicas. (…).
Os créditos, a que o art.º 543.º, n.º1, do nosso Código, e as citadas disposições de outros, se referem, resultam de uma relação unitária duradoura (v.g., renda perpétua, enfiteuse, locação), a qual não é atingida pela prescrição de tais créditos, únicos que são declarados prescritíveis por cinco anos. (…)
Menciona (…) as rendas.
Se se tratar de rendas devidas como restituição ou indemnização, não lhes é aplicável o art.543.º, pois, sendo elas devidas por efeito de uma sentença judicial, prescrevem apenas nos termos gerais; acontecendo o mesmo sempre que o devedor não é o arrendatário (v.g., as rendas são cobradas por um mandatário, ou por um depositário judicial), pois então o devedor deve por título diferente do arrendatário e a sua dívida não é periódica e não pode, portanto, aumentar com o tempo. (…)
Fala, depois, o art.º543.º, n.º1, em alugueres, que têm natureza análoga à das rendas: são as rendas da locação de bens mobiliários.
Indica, a seguir, os juros, que constituem a prestação que mais fortemente levou os legisladores a criar a prescrição de cinco anos. Trata-se de quaisquer juros (não apenas de somas emprestadas, como diz o art.º 2277.º do Código francês), convencionais ou legais, moratórios ou correspectivos (…)
Com os juros parece deverem prescrever as quotas de amortização, se deverem ser pagas com a adjunção de juros (Código alemão, [Imagem]197.º), pois, se assim não fosse, poderia dar-se uma acumulação de quotas ruinosa para o devedor, apesar de, com a estipulação de quotas de amortização, se ter pretendido  suavizar o reembolso do capital e tratá-lo como juros.
Se, diversamente, um certo montante independente do capital dever ser restituído em partes, não é aplicável a prescrição de curto prazo (…)
O art.º 543.º, n.º1, refere, depois dos juros, «quaisquer prestações vencidas, que se costumam pagar em certos e determinados tempos» (…)
Desde que a prescrição quinquenal se destina a evitar que, pela acumulação de prestações periódicas, se produza a ruína do devedor, deve ela ser aplicável sempre que se trate de prestações periódicas derivadas de uma determinada relação jurídica. (…)[xi]» (bold aposto nesta Relação).   
A doutrina e a jurisprudência posterior têm mantido o entendimento que a ratio desta norma especial reside na necessidade de combater a inércia do credor na cobrança destes créditos específicos e evitar uma situação de excessiva onerosidade para o devedor.
Júlio Gomes, citando também Ana Filipa Morais, refere, em relação ao art.310º do C. Civil de 1966, «A ratio normalmente apontada para a existência destes prazos mais curtos de prescrição consiste em evitar que a inércia do credor conduza a um acumular de prestações, normalmente pecuniárias, cuja exigência poderia revelar-se extremamente onerosa para o devedor. Nas palavras sugestivas de ANA FILIPA MORAIS ANTUNES (2008:79), trata-se de “evitar a ruína do devedor pela acumulação das pensões, rendas, alugueres, juros ou outras prestações periódicas” (p. 79)»[xii].
C. Consensos e controvérsias sobre os prazos de prescrição de 5 anos previstos nas als. b) e e) do art.310º do C. Civil:
O curto prazo de prescrição da al. b) do art.310º do C. Civil tem sido aplicado sem controvérsias às rendas e alugueres dos contratos civis de locação, previsto nos arts.1022º ss do C. Civil.
O curto prazo de prescrição da al. e) do art.310º do C. Civil tem sido aplicado às prestações de reembolso de contratos de mútuo, remunerado com juros integrados nas suas parcelas (Ac. STJ de 27.03.2014, proferido no processo nº189/12...., relatado por Silva Gonçalves e Ac. STJ de 29.09.2016, proferido no processo nº201/13...., relatado por Lopes do Rego- disponíveis in dgsi.pt), ainda que as prestações sejam declaradas antecipadamente vencidas, nos termos do art.781º do C. Civil (Ac. STJ de 18.10.2018, proferido no processo nº 2483/15...., relatado por Olindo Geraldes; Ac. STJ de 10.09.2020, proferido no processo nº805/18...., relatado por Rijo Ferreira; Ac. do STJ de 03.11.2020, proferido no processo nº8563/15..... S1, relatado por Fátima Gomes; Ac. do STJ de 12.11.2020, proferido no processo nº7214/18...., relatado por Maria do Rosário Morgado; Ac. STJ de 09.02.2021, proferido no processo nº15273/18...., relatado por Fernando Samões; Ac. STJ de 28.04.2021, proferido no processo nº 1736/19...., relatado por Graça Amaral; Ac. STJ de 04.05.2021, proferido no processo nº3522/18...., relatado por Pedro Lima Gonçalves; AUJ STJ n.º 6/2022, proferido no processo nº  1736/19...., publicado no DR I Série de 22.09.2022) ou, ainda que o crédito decorra de resolução do contrato (Ac. STJ de 23.01.2020, proferido no processo nº 4518.17...., relatado por Nuno Pinto de Oliveira[xiii]).
Todavia, tem sido objeto de discussão jurisprudencial a aplicação de qualquer destes curtos prazos de prescrição ao direito de crédito decorrente da locação financeira, conforme se refere em III- 2.2.1.3. infra.
2.2.1.3. Prazos de prescrição das rendas da locação financeira:
O regime da locação financeira encontra-se regulado no DL nº149/95, de 24 de junho, que revogou o regime original do DL nº171/79, de 6 de junho. Este diploma de 1995, como refere o seu preâmbulo, foi aprovado no contexto da atualização de regimes que regulam instituições de crédito e sociedades financeiras, que gerou a necessidade de atualização de diplomas que regulam contratos financeiros que são objeto dessas sociedades («A entrada em vigor do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, regulando os aspectos fundamentais comuns às instituições do mercado financeiro, deixou em aberto a actualização das leis especiais reguladoras de vários tipos de instituições de crédito e dos diplomas que disciplinam contratos que constituam o objecto da actividade dessas sociedades, nomeadamente o contrato de locação financeira.»).
A locação financeira, ao abrigo deste regime normativo, é «o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados.» (art.1º) e tem como objeto «quaisquer bens susceptíveis de serem dados em locação» (art.2º). Este contrato: gera para o locador as obrigações gerais de «a) Adquirir ou mandar construir o bem a locar; b) Conceder o gozo do bem para os fins a que se destina; c) Vender o bem ao locatário, caso este queira, findo o contrato» (art.9º/1-a), b) e c) do diploma), acompanhadas dos direitos de «a) Defender a integridade do bem, nos termos gerais de direito; b) Examinar o bem, sem prejuízo da actividade normal do locatário; c) Fazer suas, sem compensações, as peças ou outros elementos acessórios incorporados no bem pelo locatário.» (art.9º/2-a), b) e c) do diploma); gera para o locatário as obrigações gerais de «a) Pagar as rendas; b) Pagar, em caso de locação de fracção autónoma, as despesas correntes necessárias à fruição das partes comuns de edifício e aos serviços de interesse comum; c) Facultar ao locador o exame do bem locado; d) Não aplicar o bem a fim diverso daquele a que ele se destina ou movê-lo para local diferente do contratualmente previsto, salvo autorização do locador; e) Assegurar a conservação do bem e não fazer dele uma utilização imprudente; f) Realizar as reparações, urgentes ou necessárias, bem como quaisquer obras ordenadas pela autoridade pública; g) Não proporcionar a outrem o gozo total ou parcial do bem por meio da cessão onerosa ou gratuita da sua posição jurídica, sublocação ou comodato, excepto se a lei o permitir ou o locador a autorizar; h) Comunicar ao locador, dentro de 15 dias, a cedência do gozo do bem, quando permitida ou autorizada nos termos da alínea anterior; i) Avisar imediatamente o locador, sempre que tenha conhecimento de vícios no bem ou saiba que o ameaça algum perigo ou que terceiros se arrogam direitos em relação a ele, desde que o facto seja ignorado pelo locador; j) Efectuar o seguro do bem locado, contra o risco da sua perda ou deterioração e dos danos por ela provocados; k) Restituir o bem locado, findo o contrato, em bom estado, salvo as deteriorações inerentes a uma utilização normal, quando não opte pela sua aquisição.» (art.10º/1-a) a k), acompanhadas dos direitos de «a) Usar e fruir o bem locado; b) Defender a integridade do bem e o seu gozo, nos termos do seu direito; c) Usar das acções possessórias, mesmo contra o locador; d) Onerar, total ou parcialmente, o seu direito, mediante autorização expressa do locador; e) Exercer, na locação de fracção autónoma, os direitos próprios do locador, com excepção dos que, pela sua natureza, somente por aquele possam ser exercidos; f) Adquirir o bem locado, findo o contrato, pelo preço estipulado.» (art.10º/2-a) a f) do diploma).
Perante os conflitos suscitados sobre o prazo de prescrição aplicável às rendas da locação financeira, encontram-se as seguintes posições mais relevantes.
Por um lado, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça a partir, pelo menos, de 2003 tem decidido unanimemente que este crédito prescreve no prazo de prescrição ordinário de 20 anos, por entender não se poder aplicar o curto prazo de prescrição de 5 anos do Código Civil de 1966 previsto na al. b) do art.310º do C. Civil para «As rendas e alugueres devidos pelo locatário, ainda que pagos por uma só vez;», face à diversidade da natureza: do contrato de locação civil dos arts.1022º ss do C. Civil (existente na altura da aprovação do Código Civil de 1966 e à qual se reportou a historicidade da norma), no qual a renda corresponde a uma obrigação periódica e de trato sucessivo; do contrato de locação financeira, regulado pelo DL nº149/95, de 24 de junho, no qual a renda respeita a uma única prestação pré-fixada e fracionada no tempo, composta por capital, juros e despesas e aproxima-se do regime de amortização de um financiamento. Assim, neste sentido, podem encontrar-se:
_ O Ac. STJ de 11.12.2003, com referência ..., proferido no processo nº1572/03, relatado por Oliveira Barros (e com referência a Ac. STJ de 4/10/2000, CJSTJ, VIII, 3º, 59 ss), que sumariou: «I - Diversamente do que acontece no contrato de locação financeira, as rendas não representam apenas a contrapartida da utilização do bem locado, relevando, pelo contrário, na sua composição, o valor correspondente à amortização do capital investido, isto é, do custo do bem, os custos de gestão e os riscos próprios da locação financeira. II - Enquanto, assim sendo, as rendas do contrato de locação constituem obrigações periódicas, reiteradas ou com trato sucessivo, as rendas da locação financeira integram, por sua vez, obrigação de prestação, em si mesma, unitária, na medida em que o seu objecto se encontra pré-fixado, e tão só dividida ou fraccionada quanto ao seu cumprimento. III - As rendas da locação financeira não podem, por conseguinte, equiparar-se às rendas locatícias comuns para o efeito da aplicação do art. 310, al. b), C. Civ., valendo, antes, no que se lhes refere, o disposto no art. 309, isto é, o prazo ordinário da prescrição.» (disponível in dgsi.pt).
- O Ac. STJ de 17.03.2005, com referência ..., proferido no processo nº4059/04, relatado por Neves Ribeiro: que considerou que a renda da locação financeira, ao contrário da locação civil, corresponde à amortização de um financiamento- «A locação financeira envolve: A obrigação a cargo do locador (ceder ao locatário o gozo da coisa), por certo prazo; a retribuição do gozo; a amortização do financiamento; e, finalmente, a opção de compra. (artigos 1º a 7º do DL 149/95). Logo, neste contrato típico, as rendas não correspondem a mera retribuição do gozo da coisa, mas correspondem principalmente à amortização do financiamento.  É esta a estrutura lógica e de funcionalidade social do contrato de locação financeira.»; que sumariou que «1. O contrato de locação definido pelo artigo 1.022º do Código Civil e o contrato de locação financeira definido pelo artigo 1º Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho, não têm natureza jurídica idêntica. 2. As "rendas" relativas ao contrato de locação financeira são todos os encargos - custos, juros, riscos do crédito, margem de lucro do locador e outras despesas - que representam uma obrigação única, embora possa ser paga por forma repartida por tempo certo. 3. Logo, à obrigação de as pagar, não se aplica o regime de prescrição quinquenal previsto pelo artigo 310º, alíneas b) e d), do Código Civil, mas o regime do prazo geral de prescrição, na falta de lei especial que disponha de forma diferente.» (disponível in dgsi.pt).
_ O Ac. STJ de 12.01.2010, proferido no processo nº2843/06.2TVLSB.S1, relatado por Cardoso de Albuquerque, que sumariou, sublinhando também o caráter misto das rendas (de contrapartida do gozo do bem e de amortização de capital): «I - É aplicável à prescrição das rendas do contrato de locação financeira ou leasing o prazo geral de 20 anos (art. 309.º do CC) e não o prazo especial e próprio do contrato de locação de 5 anos (art. 310.º, al. b), do CC). II - As rendas no contrato comercial de locação financeira não representam, apenas, a contrapartida da utilização de um bem locado, antes relevam, na sua composição, o valor decorrente da amortização do capital investido, isto é, o custo do bem, a gestão e os riscos próprios e inerentes da dita operação financeira. III - No contrato de locação civil (art. 1022.º do CC), as rendas constituem obrigações periódicas, reiteradas ou com trato sucessivo. IV - Na locação financeira, ao invés, as rendas reconduzem-se a uma única prestação, pois que o seu objecto se encontra pré-fixado e apenas é fraccionado quanto ao seu cumprimento. V - Face a essa diferente natureza, em que o factor tempo não é relevante, como justificação do prazo curto de 5 anos, por ele apenas se relacionar com o modo da sua execução e dele não depender para a fixação do seu objecto, não se justificaria pois a aplicação às rendas da regra de prescrição definida no art. 310.º, al. b), do CC.» (disponível in dgsi.pt).
- O Ac. STJ de 23.02.2010, proferido no processo nº589/06...., relatado por Sebastião Póvoas, adotou a mesma posição em relação ao contrato de franquia, nomeadamente com adesão a esta jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça em relação à locação financeira.
Por outro lado, a jurisprudência das Relações já adotou duas teses minoritárias, pelas quais considerou aplicável às rendas da locação financeira o prazo curto de prescrição de 5 anos, sendo que uma tese defendeu este prazo nos termos da al. b) do art.310º do C. Civil e outra tese defendeu o prazo nos termos da aplicação analógica da al. e) do art.310º do C. Civil.
De facto, a aplicação às rendas do contrato de locação financeira da al. b) do art.310º do C. Civil («As rendas e alugueres devidos pelo locatário, ainda que pagos por uma só vez») foi defendida, nomeadamente, em jurisprudência da Relação do Porto:
- O Ac. RP de 05-03-1996, proferido no processo nº4709/94, com referência nº...41, relatado por Lemos Jorge, sumariou: «I - Os traços característicos do contrato de locação financeira podem resumir-se nos seguintes: constitui um modo de financiamento integral do investimento; o locador fica obrigado a entregar o bem que é objecto do contrato; o locatário fica obrigado a pagar uma renda; o locador mantem a propriedade do bem até ao termo do contrato mas existe normalmente por parte do locatário a opção de compra, mediante o pagamento de um valor residual. II - A contra-prestação devida pelo locatário ( gozo temporário da coisa ) denomina-se renda. III - Estando o locatário obrigado a pagar mensalmente a renda e não a pagando a partir de certa altura falta ao cumprimento do contrato e, a partir daí, o locador pode resolvê-lo. IV - As rendas devidas pelo locatário no contrato de locação financeira estão compreendidas no regime do artigo 310 alínea b) do Código Civil e não no do artigo 309 do mesmo diploma legal.» (disponível in dgsi.pt).
- O Ac. RP de 20.05.1997, proferido no processo nº9915/94, com referência nº...87, relatado por Luís Antas de Barros, sumariou «I - Tendo decorrido mais de 5 anos desde a data de vencimento de uma das rendas mensais relativas a um contrato de locação financeira até à propositura da acção em que o Autor pediu a condenação do Réu e do seu fiador a pagarem-lhe o valor dessa renda há que concluir estar prescrita a obrigação, a menos que tenha havido interrupção.» (disponível in dgsi.pt).
_ O Ac. RP de 02.11.1998, proferido no processo nº 6886-2S, com referência nº...11, relatado por Gonçalves Ferreira (com remissão para acórdãos do STJ da década de 1990), sumariou: «I - Os prazos de prescrição estabelecidos nos artigos 309 e seguintes do Código Civil aplicam-se a quaisquer obrigações, desde que não haja disposição em contrário. II - O que verdadeiramente caracteriza o contrato de locação financeira é o gozo temporário e oneroso de uma coisa, não a aquisição da respectiva propriedade. III - Impondo o contrato de locação financeira, como seus elementos constitutivos, a concessão do gozo da coisa e a retribuição, subsidiariamente o seu tratamento jurídico deverá ser analisado à luz das regras da locação. IV -Não há, assim, que estabelecer distrinças entre a renda do contrato de locação e a renda do contrato de locação financeira. V - Deste modo, a renda devida pelo locatário no contrato de locação financeira, como qualquer outra devida pelo locatário, prescreve no prazo de 5 anos.» (disponível in dgsi.pt).
Por sua vez, a aplicação analógica às rendas da locação financeira da al. e) do art.310º do C. Civil (prevista para «As quotas de amortização de capital pagáveis com juros;»), em situação em que o contrato de locação financeira havia sido resolvido, foi recentemente defendida no Ac. RL de 26.04.2022, proferido no processo nº2518/19.2T8OER-A.L1-7, relatado por Edgar Taborda Lopes, por se tratar socialmente de um financiamento que o aproxima do mútuo, por ser um contrato duradouro e no qual procedem as mesmas razões subjacentes à norma de evitar a acumulação de dívidas fracionadas e a insolvência do devedor, sumariando: «I – A presença do Tempo como factor conformador das situações jurídicas está particularmente presente na prescrição, a qual pressupõe a existência de um direito, o seu não exercício e o decurso do Tempo. II – O fundamento da prescrição assenta na inércia negligente do titular do direito em exercitá-lo e impõe, por razões de certeza e segurança jurídica, protecção dos devedores e estímulo ao exercício dos direitos, a gravosa consequência de extinguir da obrigação (ou, pelo menos, permitir que o obrigado possa recusar o cumprimento). III – A prescrição de curto prazo (5 anos) prevista no artigo 310.º do Código Civil destina-se a incentivar a diligência do credor na recuperação dos créditos e a prevenir e evitar a ruína do devedor - pela acumulação da dívida - derivada de quotas de amortização de capital pagável com juros em prazos periódicos curtos (que, com a exigência do pagamento de uma só vez decorridos muitos anos, poderia provocar a sua insolvência). IV – O artigo 310.º, alíneas c) e e), do Código Civil estabelecem um prazo prescricional de 5 anos, para rendas e alugueres devidas pelo locatário e para capital e juros correspondentes que devam ser pagos de forma conjunta. V – As rendas devidas pelos contratos de locação financeira não correspondendo a prestações periódicas, dependentes do factor tempo, mas a prestações fraccionadas no tempo da mesma obrigação (fraccionamento de uma obrigação de restituição), sem aquela dependência, não têm natureza locatícia, não estando directamente previstas no artigo 310.º do Código Civil. VI - O pagamento destas rendas constitui uma contrapartida (do financiamento) do gozo da coisa, aproximando-se, sob este prisma, do que sucede com o reembolso de um mútuo, tendo a prestação do locador um carácter continuado, integrando-se num negócio considerado globalmente de natureza duradoura. VII – É de aplicar analogicamente o prazo prescricional de cinco anos às rendas do contrato de locação financeira, considerando os interesses em jogo, o facto de se tratar socialmente de um contrato de financiamento (que o aproxima do mútuo) e as circunstâncias de a prestação da empresa locadora ter um carácter continuado (integrando-se num negócio considerado globalmente de natureza duradoura) e de se fazerem sentir exactamente as mesmas necessidades de evitar insolvências de devedores (não deixando que se acumulem as dívidas, de forma incontrolada e excessiva). VIII – É com este entendimento que se logra relevar a Natureza das Coisas, na unidade do sistema jurídico.» (disponível in dgsi.pt).
Este tese não veio a ser sufragada em recurso de revista, tendo o Ac. STJ de 13.10.2022, no processo nº2518/19.2T80ER-A.L1.S1, considerado aplicável o prazo de 20 anos, rebatendo a analogia realizada pelo acórdão da Relação de Lisboa em relação à al. e) do ar.310º do C. Civil com referência sumária às dissemelhanças jurídicas entre o contrato de mútuo e o contrato de locação financeira, apesar da semelhança funcional e económica, referindo: «17. Ora, ainda deva admitir-se que “a natureza económica das rendas da locação financeira leva a que elas juridicamente estejam muito mais perto das prestações de uma dívida (no sentido do art. 781.º do Código Civil) do que das rendas da locação comum” [5], a semelhança funcional (económica ou financeira) entre o contrato de locação financeira e o contrato de mútuo é compatível com dissemelhanças estruturais (jurídicas) [6] [7] — daí que da semelhança funcional entre o contrato de locação financeira e o contrato de mútuo não deve deduzir-se, sem mais, a aplicação da alínea e) do art. 310.º do Código Civil ao contrato de locação financeira.» (disponível in dgsi.pt e com bold aposto por esta Relação).
2.2.2. Posição adotada na situação em análise:
As rendas da locação financeira integram alguma das previsões da al. b) ou da e) do art.310º do C. Civil ou, não integrando, devem ser reguladas pela norma aplicável aos casos análogos ou pelo regime da prescrição ordinária do art.309º do C. Civil?
A interpretação da lei, de acordo com o art.9º do C. Civil, «1. (…) não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. 2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.».
Esta interpretação depende, assim, da análise da letra da lei e da compreensão do seu espírito, através dos elementos de interpretação racional, sistemático, histórico e conjuntural atualista[xiv].
O resultado da interpretação pode ser mais restrito ou mais amplo, como refere Tatiana Guerra de Almeida, «no confronto com a letra do preceito interpretado, por exigência de adequação de espírito. Tais resultados interpretativos consubstanciam, portanto, uma leitura da norma que reequilibra uma imperfeita expressão literal, adequando-a ao seu espírito. Note-se que o intérprete move-se ainda na norma; mais ainda: nos estritos limites traçados pela letra, que expressa ainda, muito embora de forma imperfeita, o sentido interpretativo decorrente do seu espírito. Nisto se distingue a interpretação extensiva da analogia, onde o intérprete necessariamente atravessa as fronteiras da norma, reconhecendo uma lacuna que reclama solução que não se acha na norma. Por isso mesmo, aliás, o legislador admite expressamente a interpretação extensiva das normas excecionais, postergando ao invés a sua aplicação analógica (artigo 11.º; (…)».
Apenas no caso de lacuna da lei pode operar o regime da integração, que prevê, no art.10º do C. Civil, que «1. Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos. 2. Há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei. 3. Na falta de caso análogo, a situação é resolvida segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema.». 
Impõe-se apreciar, assim, qual o prazo de prescrição- curto ou ordinário- aplicável ao contrato de locação financeira, face aos factos provados e ao regime legal vigente.

A obrigação exequenda garantida por hipoteca, que se discute neste recurso, foi gerada pelo incumprimento do contrato de locação financeira celebrado entre a exequente/recorrida/locadora financeira e a devedora originária/locatária financeira.
Neste contrato de locação financeira, a locatária financeira: passou a ter a possibilidade de usar bens em locação, comprados pela instituição financeira para esse efeito, durante o prazo de 60 meses, com a possibilidade de os comprar no final, mediante o pagamento de um valor residual; ficou obrigada a pagar 60 rendas mensais e sucessivas, que foram determinadas pelo capital investido pela locadora na compra do bem (o valor de € 262 498, 30 + IVA pela compra dos equipamentos posteriormente dados em locação) e por juros remuneratórios da atividade da locadora financeira, com taxa nominal indexada à Euribor a 1 mês (com o valor global de € 290 219, 96 + IVA).
Este contrato de locação financeira, pelo seu conteúdo concreto provado e pelo contexto do seu regime legal: tem, assim, como finalidade específica e principal o financiamento da compra do bem locado, de uma forma diferida no tempo, após um período de locação e disponibilização do uso da coisa ao locatário; gera um direito de crédito do locador e a obrigação de pagamento pelo locatário que correspondem substantivamente a uma amortização de capital pagável com juros, uma vez que as rendas que o locatário se obriga a pagar ao locador não são determinadas pelo valor do uso da coisa, nem pelo simples valor da compra, mas são determinadas pelo valor do capital investido pelo locador financeiro na aquisição do bem a locar (no imediato) e a vender no final (caso o locatário exerça esse direito e mediante o pagamento, após as rendas, do valor residual), que será sucessivamente amortizado durante a locação, e por taxas de juro remuneratórias da operação financeira.
Esta característica de financiamento, onde ocorre uma amortização de capital investido, não deixa de também estar sublinhada na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça citada, quando afasta a aplicação do curto prazo de prescrição da al. b) do art.310º do C. Civil, face à diversidade da natureza da obrigação do pagamento das rendas face àquelas da locação civil.
Assim, ainda que este contrato de locação financeira tenha um regime jurídico que integre características de vários contratos (como a locação civil, a compra e venda e o mútuo), dos quais se distingue[xv], ao gerar uma obrigação de pagamento de rendas que correspondem substancialmente a verdadeiras quotas de amortização do capital previamente investido pela locadora para financiar o bem locado e a futura e possível compra final pelo locatário (caso o locatário exerça esse direito e mediante o pagamento, após as rendas, do valor residual), pagáveis com juros remuneratórios integrados nas mesmas, preenche o núcleo da previsão normativa da al. e) do art.310º do C. Civil, que assinala como essenciais estas características da obrigação, independentemente dos contratos que as originam e da dissemelhança jurídica que os possa distinguir.
De facto, analisando e interpretando a al. e) do art.310º do C. Civil, que define que prescrevem em 5 anos «e) As quotas de amortização do capital pagáveis com os juros;», verifica-se: que a letra da lei prevê estas obrigações, sem definir que são as geradas pelo contrato de mútuo reembolsável em prestações (embora possam ser típicas do mesmo); que no anteprojeto do Código Civil de 1966, onde esta alínea foi introduzida, justificou-se a mesma, no contexto das razões indicadas para as previsões da prescrição de curto prazo de 5 anos («Esta prescrição destina-se a evitar a ruína do devedor, pela acumulação de pensões, rendas, alugueres, juros ou outras prestações periódicas. (…). a prescrição quinquenal se destina a evitar que, pela acumulação de prestações periódicas, se produza a ruína do devedor, deve ela ser aplicável sempre que se trate de prestações periódicas derivadas de uma determinada relação jurídica. (…)», com a afirmação de deverem também « prescrever as quotas de amortização, se deverem ser pagas com a adjunção de juros (Código alemão, [Imagem]197.º), pois, se assim não fosse, poderia dar-se uma acumulação de quotas ruinosa para o devedor, apesar de, com a estipulação de quotas de amortização, se ter pretendido suavizar o reembolso do capital e tratá-lo como juros.»; que, ainda que a letra e o contexto dos regimes jurídicos vigentes tivessem implicitamente referenciado estas obrigações àquelas que decorrem do contrato de mútuo, a letra e o espírito da lei assinalados não excluem a aplicação da previsão do curto prazo de prescrição a outros contratos tipificados após a aprovação do Código Civil de 1966, nos quais as obrigações do devedor acabem por corresponder ou integrar uma amortização de capital, pagável com juros.
Desta forma, considera-se que o crédito pelo incumprimento de pagamento de rendas do contrato de locação financeira prescreve no prazo de 5 anos, nos termos do art.310º/ e) do C. Civil, ainda que por interpretação atualista e extensiva da norma.
Assim, tendo a locadora comunicado à devedora a resolução do contrato de locação financeira e tendo sido preenchida a livrança com data de vencimento de 10.11.2005, altura desde a qual o direito poderia ter sido exercido contra a devedora ou contra o adquirente do imóvel onerado com a garantia da hipoteca, verifica-se que a obrigação de pagamento do crédito em dívida (integrado por 4 rendas vencidas, indemnização de 20% das rendas vincendas e de juros de mora) prescreveu 5 anos depois, em 10 de novembro de 2010.
Tendo a exequente/embargada/recorrida demandado a executada/embargante/recorrente em dezembro de 2018, pode esta recusar o cumprimento do crédito de capital exequendo, tal como os juros de mora sobre o mesmo incidentes, por prescrição, nos termos dos arts.304º e 310º/e) do C. Civil.
Desta forma, procede a apelação, devendo ser revogada a sentença recorrida, julgados procedentes os embargos e julgada extinta a execução.

IV. Decisão:

Pelo exposto, as Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam, julgando procedente o recurso de apelação:

1. Revogar a sentença recorrida.
2. Julgar procedentes os embargos e declarar extinta a instância executiva.
*
Custas dos embargos e do recurso pela recorrida (art.527º/1 do C. P. Civil).
*
Guimarães, 27 de abril de 2023

Alexandra Viana Lopes
Rosália Cunha
Lígia Venade


[i] Tomé Soares Gomes, inDa Sentença Civil”, págs.14 a 16, a 24 de Janeiro de 2014 nas Jornadas de Processo Civil, disponível in file:///C:/Users/MJ01758/Downloads/texto_intervencao_Manuel_Tome.pdf
[ii] Acórdão da Relação de Guimarães de 22.10.2020, proferido no processo nº5397/18.3T8BRG.G1, relatado por Maria João Matos, disponível in dgsi.pt.
[iii] José Carlos Brandão Proença, in Lições de Cumprimento e Não Cumprimento das Obrigações, Universidade Católica Editora Porto, 3ª edição Atualizada, 2019, págs.65 ss.
[iv] Júlio Gomes, in Comentário ao Código Civil- Parte Geral, Universidade Católica Editora, 2014, anotação 4 ao art.304º, pág.748.
[v] António Menezes Cordeiro, in Código Civil Comentado, I- Parte Geral, CIDP e Almedina, 2020, pág.884.
[vi] Júlio Gomes, in obra citada, anotação 4 ao art.304º, pág.748.
[vii] António Menezes Cordeiro, in obra citada, nota 2, pág.884, refere que «A prescrição funciona como contra-direito: permite, ao beneficiário, bloquear a pretensão do credor, designadamente por exceção. Trata-se de uma exceção perentória, que conduz à absolvição do pedido (art.576.º/3, do CPC), mas que depende da invocação do beneficiário (579.º, do CPC)».
Rita Canas da Silva, in Código Civil Anotado, coordenado por Ana Prata, Almedina, 2ª edição revista e atualizada, nota 1 ao art.304º, pág.411, refere, em relação ao art.304º- «Por conseguinte, o único efeito decorrente desta norma é que, decorrido o prazo prescricional, o cumprimento da obrigação deixa de ser exigível, podendo o devedor opor-se legitimamente ao cumprimento (n.º1), não se admitindo, porém, a repetição do que tenha sido prestado (n.º2).
[viii] Mário Júlio de Almeida Costa, in Direito das Obrigações, Almedina, 12ª Edição Revista e Atualizada, 7ª Reimpressão, 2019, pág.1123.
[ix] Adriano Paes da Silva Vaz Serra, «Prescrição Extintiva e Caducidade”, in Boletim do Ministério da Justiça nº107, junho de 1961, pág.285.
[x] Manuel de Andrade, in Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, Facto Jurídico, em especial Negócio Jurídico, Coimbra Editora, 1992, Reimpressão.
[xi] Adriano Vaz Paes da Silva Serra, «Prescrição Extintiva e Caducidade”, in Boletim do Ministério da Justiça nº106, maio de 1961, págs.107 a 120.
[xii] Júlio Gomes, in obra citada, pág.755.
[xiii] Em sentido contrário, quando há resolução do contrato, vide, vg, Ac. RE de 11.11.2021, proferido no processo nº49/20.7T8LL-A.E1.
[xiv] Diogo Freitas do Amaral, in Código Civil Anotado, coordenado por Ana Prata, volume I, 2ª Edição Revista e Atualizada, 2019, Almedina, anotação ao art.9º, págs.24 ss.
[xv] Como refere, nomeadamente, Diogo Leite Campos in «Locação Financeira (Leasing) e Locação», disponível em https://portal.oa.pt/publicacoes/revista-da-ordem-dos-advogados-roa/ano-2002/ano-62-vol-iii-dez-2002/artigos-doutrinais/diogo-leite-de-campos-locacao-financeira-leasing-e-locacao/