Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
712/21.5T8BCL.G1
Relator: AFONSO CABRAL DE ANDRADE
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
RESOLUÇÃO
EXAME DA COISA LOCADA
DEVERES DO INQUILINO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. O direito conferido ao locador pelo 1038º,b CC, de poder exigir do inquilino o exame da coisa locada não é um direito cego e irrestrito, sob pena de poder ser usado pelo senhorio como um meio para, na prática, impedir o inquilino de ter o gozo do imóvel, sobretudo nos casos de arrendamento para habitação. Antes pelo contrário, é um direito que, como todos os outros, tem de se compatibilizar com os direitos que para o inquilino emergem do contrato.
2. O invocar de um direito em abstracto, numa situação de relação locatícia, não é a forma adequada de o exercer.
3. Na missiva na qual o locador comunica ao inquilino a intenção de examinar o imóvel locado deve ser indicada a razão concreta para tal exame.
4. Não se pode afirmar que o inquilino tenha violado o dever previsto no art. 1038º,b CC ao não deixar entrar em casa o técnico enviado pelo senhorio, quando a tentativa de exercer esse direito foi feita em pleno período de pandemia, e sem invocar uma única razão concreta para tanto. E mesmo que se veja aí uma violação contratual, não configura “incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento”.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I- Relatório

AA e BB, casados entre si, residentes na Avenida ..., ..., propuseram a presente acção declarativa de condenação contra CC e DD, casados entre si, residentes na rua ..., ..., ..., ..., pedindo:
a) que seja declarado resolvido o contrato de arrendamento com fim habitacional e prazo certo celebrado entre autores e réus;
b) que sejam os réus condenados a entregar o bem imóvel objecto do contrato de arrendamento aos autores, completamente livre de pessoas e bens;
c) que sejam os réus condenados ao pagamento aos Autores do valor das obras que serão levadas a cabo para pôr fim ao problema da humidade no locado, o qual deverá ser apurado em sede de liquidação de sentença, nos termos do art.º 358º e seguintes do Código de Processo Civil.
Alegam, para tanto e em resumo, que celebraram com os réus um contrato de arrendamento que tem por objecto a casa de habitação que identificam. Sucede que o locado apresenta vários problemas de humidade, desde ../../2020, causados por uma imprudente utilização do mesmo por parte dos réus, não tendo estes permitido aos autores a visita do locado a fim de perceber a origem da humidade e proceder às possíveis reparações ou obras, assim incumprindo as obrigações contratuais assumidas.

Citados, os réus vieram apresentar contestação, negando o uso imprudente do locado e impugnando o demais, justificando que não permitiram a entrada dos autores no locado, por causa da situação pandémica, nunca se tendo oposto à realização da vistoria em momento posterior; excepcionaram a exigibilidade da manutenção do contrato de arrendamento, alegando que o facto de não terem permitido aos autores a visita do locado, tendo sido determinado pela situação pandémica, não consubstancia um incumprimento grave das suas obrigações contratuais susceptível de fundar a resolução do contrato.
Finalmente, alegam que os autores litigam de má-fé, por alterarem a verdade dos factos, omitindo factos deliberadamente, utilizando o processo para fins ilegítimos, pelo que devem ser condenados no pagamento de multa e indemnização a seu favor.

Os autores responderam à matéria de excepção, afirmando que a situação pandémica não justifica a recusa dos réus à inspecção do locado, porquanto estes vêm assumindo comportamentos de exposição ao vírus sem demonstrar qualquer receio.
Os autores negaram ainda a litigância de má-fé, alegando que são os próprios réus que litigam de má-fé, ao omitirem dolosamente factos essenciais e deduzindo pretensões cuja falta de fundamento conhecem perfeitamente, pelo que devem ser condenados no pagamento de multa e indemnização a seu favor.

Os réus responderam à litigância de má-fé que lhes é imputada, negando-a.

Foi dispensada a realização da audiência prévia e foi proferido despacho saneador, tendo-se procedido à identificação do objecto do litígio e à enunciação dos temas de prova.

Realizaram-se todas as diligências instrutórias reveladas pertinentes.

Os autores apresentaram articulado superveniente, no qual alegam ter constatado, no dia 16/01/2022, que o aparelho do ar condicionado referente ao locado, que está instalado na cobertura do prédio, está danificado, por falta de manutenção dos réus, o que consubstancia um mau e imprudente uso do locado.
Em consequência, formulam o seguinte pedido: condenação dos réus no pagamento do valor devido pela reparação do aparelho de ar condicionado ou, em caso de impossibilidade de reparação, pela aquisição de um novo, bem como todos os danos emergentes dessa avaria.

Os réus responderam, impugnando a matéria alegada e pugnando pela rejeição do articulado, invocando que a sua invocação prefigura uma situação de assédio prevista nos artigos 13º-A e 13º-B do NRAU.

O referido articulado superveniente foi admitido.

Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento com observância do atinente formalismo legal.

A final foi proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente, e em consequência:
a) declarou resolvido o contrato de arrendamento em causa;
b) condenou os réus a entregarem o locado aos autores, livre de pessoas e bens (com excepção daqueles bens que integravam o recheio do locado e que foram objecto do contrato);
c) absolveu os réus dos demais pedidos formulados pelos autores;
d) não condenou as partes como litigantes de má-fé;

Inconformados com esta decisão, os réus dela interpuseram recurso, que foi recebido como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito suspensivo - artigo 647º,3,b.

Terminam a respectiva motivação com as seguintes conclusões:
I. Embora fazendo constar o elevado respeito que não deixará de lhes merecer, revela-se de inconformismo, como não poderia deixar de ser, o posicionamento dos ora recorrentes, ante a decisão que veio a ser proferida pelo digníssimo Tribunal “a quo”.
II. Com a presente demanda, vieram os recorridos peticionar a condenação dos ora recorrentes o pedido de resolução do contrato de arrendamento celebrado entre Autores e Réus, com a inerente obrigação de condenar os réus a entregarem o locado aos autores, livres de pessoas e bens (com excepção daqueles bens que integravam o recheio do locado e que foram objecto do contrato);
III. O Tribunal a quo veio considerar assistir razão à causa dos autores, ora recorridos, julgando, por conseguinte, procedente o citado pedido por estes formulado.
IV. Vindo, por seu turno, o digníssimo Tribunal a quo, julgar improcedente o pedido de condenação em litigância de má dos autores, formulado pelos réus.
V. No entanto, entendem os recorrentes, com o devido respeito que lhe merece, que o fez indevidamente, evidenciando erro notório na apreciação e valoração das provas e erro de julgamento na decisão da matéria de facto e da factualidade dada como provada e não provada, não sopesando devidamente os meios probatórios que possuía à disposição, quer permitiriam alcance diverso do que veio a ser dado.
VI. Nesta senda, o Tribunal “a quo” errou, na sentença sob escrutínio, ao considerar como provado, que:
-17. Os réus negaram o acesso ao imóvel referido em 1 ao técnico enviado pelos autores para apuramento das causas das infiltrações referidas em 9 e para a reparação do aparelho do ar condicionado;
-18. Em consequência, as infiltrações referidas em 9 continuam por reparar;
VII. Do mesmo modo incorrendo em erro, salvo o devido respeito que nos merece, ao considerar como não provado que:
-“c) Os réus apenas tiveram conhecimento do descrito em 9 após a citação para os presentes autos.”
VII. Posto isto, importará, pois, ilustrar o erro de apreciação, quanto à matéria de facto, verificado na sentença ora sindicada, que, no humilde entendimento dos recorrentes, veio, bem assim, acarretar uma menos correcta interpretação e aplicação do direito.
VIII. Preliminarmente há que referir que, não olvidam os recorrentes que, nos termos do n.º 1 do artigo 631º do Código de Processo Civil, apenas as partes vencidas se revelam habilitadas a recorrer, e apenas na medida em que a decisão lhes reporte desfavorável, sendo que não mereceu provimento do digníssimo Tribunal a quo o entendimento que os réus, ora recorrentes, tenham violado a obrigação de não fazer do locado uma utilização imprudente, nos termos do artigo 1038º, alínea d) do Código de Processo Civil, no que respeita quer à questão da infiltração verificada no locado, quer à da reparação do ar condicionado, no entanto, não deixou de proceder o pedido relativamente à resolução do contrato de arrendamento em causa nos autos, concatenando a douta sentença proferida, tal consequência de ordem drástica, com o facto, alegadamente provado e ora sob censura, que os réus não tenham facultado o acesso ao locado, quer anteriormente à demanda, quer durante a tramitação desta, conforme se transcreve da respectiva decisão de Direito: « No caso dos autos resultou da factualidade provada que os réus não facultam o acesso ao locado, nem aos autores, nem a ninguém a seu mando, impedindo a realização das reparações e o apuramento do estado do locado e de eventuais causas de infiltrações para a fracção inferior», mas concluindo que «tal recusa existiu quer quando se vivia a situação pandémica em momento mais grave, quer em momento posterior, já que se provou que, em Janeiro de 2022, os réus negaram o acesso ao locado ao técnico enviado pelos autores para apuramento das causas das infiltrações na fracção inferior e para a reparação do aparelho do ar condicionado.»
IX. Revelando-se, assim, legitimada a impugnação de facto que se procederá de seguida, relativamente ao ponto 17 e 18, da matéria dada como provada, uma vez que se lhes reporta ainda desfavorável, nos termos já devidamente explicitados.
X. Veio a Meritíssima Sr.ª Juiz a quo dar como provado que os réus negaram o acesso ao imóvel referido em 1 ao técnico enviado pelos autores para apuramento das causas das infiltrações referidas em 9. e para a reparação do aparelho do ar condicionado, conferindo o digníssimo Tribunal a quo, como motivação, os seguintes fundamentos:
A prova dos factos 15 e 17 resulta da valoração positiva do depoimento da testemunha EE, picheleiro que prestou serviços para o autor em Janeiro de 2022, a qual, num depoimento circunstanciado e objectivo, descreveu o estado do aparelho do ar condicionado que viu a pedido do autor, bem como o comportamento de recusa do réu em desligar a corrente eléctrica com vista à detecção e tentativa de reparação da avaria do ar condicionado. A referida testemunha mereceu a credibilidade do tribunal, porquanto teve intervenção directa nos factos, mostrando isenção e alheamento à causa, descrevendo o que assistiu de forma absolutamente espontânea e descomprometida. Mais referiu a aludida testemunha que a empregada dos réus não lhe franqueou a entrada no imóvel referido em 1 com vista à resolução do problema das infiltrações da fracção inferior.
XI. Os recorrentes não compreendem, a não ser por precipitação, a razão pela qual, na douta decisão ora sob censura, se tenha dado como provado que os réus tenham negado o acesso à sua residência, nos termos especificamente citados e densificados pela Meritíssima Sr.ª Juiz a quo na própria motivação relativa ao ponto 17, quando dos próprios autos resultam os expressos ditames em que esta tentativa de “apuramento das causas das infiltrações” se realizou.
XII. Não se podendo ignorar, nem se alcançando as razões que levaram o digníssimo Tribunal a quo a fazê-lo, repita-se, embora salvaguardando o imenso respeito que este nos merece, que a referida tentativa de vistoria para “apuramento das causas da infiltração” ao qual alegadamente foi negado o acesso por parte dos réus, ora recorrentes, se tenha verificado, sem qualquer aviso prévio, muito menos cumprindo as formalidades ínsitas ao artigo 9º do NRAU, numa data inicialmente indicada para a realização da perícia que se viria a realizar nos autos, relativamente à qual, os réus, ora recorrentes, por via de competente requerimento prévio, vieram expressar e informar o digníssimo Tribunal a quo que iam estar ausentes da sua residência: razão pela qual competiria alterar-se o agendamento da realização da perícia que se veio a verificar nos autos para uma outra data, o que se observou, por acordo das partes, do perito nomeado nos autos e assentimento do próprio Tribunal.
XIII. Compulsados os Temas de Prova constantes do despacho judicial proferido 21-06-2021, entendia o Tribunal a quo que se impunha apurar, nos termos dos pontos 5) e 6) então veiculados tendo por apreço a factualidade constante da petição inicial e contestação, entre outros, os seguintes factos:
«5) Se os réus impedem aos autores de visitar a fracção dada de arrendamento para conhecer da origem do problema»;
6) «Se os réus não permitem a entrada a fracção para realização de reparações que sejam necessárias.»
XIV. No entanto, na matéria de facto dada como provada, vide ponto 17, a prova produzida para a consideração dos referidos pontos veio só realizar-se relativamente a factos posteriores ao próprio despacho proferido a 21 de Junho de 2021, mais propriamente em Janeiro de 2022 e não atinente a factos anteriores aos autos e conformadores da petição inicial.
XV. Como que suprindo, para efeitos do pedido de resolução formulado pelos autores, salvo melhor entendimento em contrário, o digníssimo Tribunal a quo, a falta de prova relativamente aos factos carreados na petição inicial daqueles.
XVI. Ora, nos termos do depoimento da testemunha EE, tentaram os autores, sem aviso prévio, enviar um alegado técnico à residência dos réus, ora recorrentes, já no decurso dos autos, fazendo-o deliberadamente na ausência destes últimos, bem sabendo dessa mesma circunstância, porquanto informados do exposto através de um requerimento que os réus juntaram aos autos, conforme se explicitará infra, isto é, numa data que estes informaram de antemão que estes não se encontrariam na sua residência.
XVII. Aproveitando-o para, alegadamente, realizar um “apuramento das causas de infiltração” numa data imediatamente prévia à perícia que se encontrava por agendar nos autos, fazendo-o, além do mais, a escassos dias do agendamento desta última e porventura, almejando, por essa via, que a empregada dos réus – a única que se encontrava na residência na referida data, como bem sabiam - não prevenida, eventualmente o possibilitasse.
XVIII. Quanto a isto será de relembrar o exposto no requerimento dos réus de 23-11-2021, informando não ser possível que a perícia, então por agendar, se realizasse no dia 26 de Novembro de 2021:
«1. Vieram os réus ser notificados, na pessoa do respectivo mandatário, via correio electrónico, pelo Exmo. Sr. Perito, o Sr. Engenheiro FF, nomeado nos autos, do agendamento para realização de perícia, a ter lugar no próximo dia 25 de Novembro de 2021, pelas 16:00 horas.
2. Em razão da mencionada notificação e ainda que o réu, CC, por questões profissionais, se encontre presentemente em ..., no ..., diligenciou a ré, DD, no sentido de estar presente na sua residência, à mencionada hora, de modo que a referida perícia se pudesse verificar nos termos convocados,
3. impedindo assim que a mesma fosse adiada, não obstante compromissos que inicialmente o impedissem. Contudo,
4. veio o mandatário dos autores requerer, a 22 de Novembro de 2021, o adiamento da mesma para o dia seguinte, explicando que, motivos profissionais, o autor não iria poder comparecer à perícia agendada no mencionado dia, solicitando o seu adiamento para 26 de Novembro de 2021.
Ora,
5. no referido dia a ré não estará disponível, também assim, por razões de ordem profissional e até pessoal, marcados com antecedência.»
XIX. Foi exactamente nessa data que o alegado técnico, com expresso conhecimento por parte dos autores que os réus não estariam na respectiva residência, nos termos do requerimento citado, e a mando daqueles, se deslocou à residência dos réus, conforme se demonstra no requerimento que deram entrada mesmo dia, 26-11-2021, que aqui se dá inteiramente por reproduzido, através do qual os recorrentes vieram explicitar o sucedido:
«1. Face ao desiderato, último, relativamente ao agendamento da perícia doutamente ordenada nos autos, vieram os réus ser novamente notificados pelo Exmo. Sr. Perito, o Sr. Engenheiro FF, nomeado nos autos, de novas datas para a sua realização.
2. Tendo sido indicado, para o efeito, o dia 30 de Novembro pelas 16 horas ou data a agendar após ../../2021.
3. Os autores, por sua vez, por via do seu ilustre mandatário, vieram novamente alegar não poderem presenciar a mesma no mencionado dia 30 de Novembro de 2021, apontando o dia 10 de Dezembro como hipótese para a sua realização.
4. No respeitante este assunto, os réus desde já informam, explicando a este digníssimo Tribunal em que termos mais adiante, que decidiram - podendo não o fazer, à semelhança dos autores - facilitar o mais possível a sua realização, sem mais dilações.
Porém,
5. será de informar os autos, com devida clareza, de um imprevisto ocorrido na presente data: os autores, sem avisar os réus e, como tal, à revelia do presente Tribunal, por desígnio próprio e sem, por isso, prestar conhecimento a ninguém, decidiram, na presente data, bem sabendo que a ré não se encontraria presente na sua residência, conforme informação constante dos autos, enviar um técnico, que aí se deslocou – antes da perícia, conforme será de relembrar! - para avaliar a infiltração aparentemente existente no locado.
6. Tendo, o(s) mesmo(s), tocado à porta da residência dos réus, sem antes anunciar(em)-se através do intercomunicador, à entrada do prédio.
7. Tendo sido recebido(s) pela empregada dos réus - uma vez que, conforme informado nos autos, a ré estaria fora de casa e o réu, ausente no estrangeiro – explicou/explicaram aquele(s) que teria(m) sido enviados pela Administração de Condomínio para verificar uma alegada infiltração,
8. vedando-lhe(s), a empregada dos réus, obviamente, o acesso ao locado.
Ora,
9. tomaram os réus conhecimento, junto da Administração do Condomínio, na pessoa do respectivo administrador, GG, que a ida ao locado pelo(s) mencionado(s) técnico(s) tinha sido ordenada pelo proprietário, aqui autor, o Sr. AA, tendo este último, ao que se sabe, pedido, ao mencionado administrador, o contacto de um picheleiro com esse intuito.
10. Certo é que, uma vez que a referida deslocação não tinha sido ordenada pelo mesmo, desconhecia o Sr. Admnistrador quaisquer outros detalhes relativamente à referida tentativa de intervenção.»
XX. Reiterando, os réus, ora recorrentes, a inadmissibilidade da referida situação no seu requerimento de 03-12-2021, para o qual se faz respeitosamente devida remissão, dando-se também ele inteiramente por reproduzido, e ainda na resposta realizada ao articulado superveniente deduzido pelos autores, de 09-02-2022, onde vieram referir o seguinte:
«4. Sendo também de relembrar o presente Tribunal, a tentativa prévia à perícia realizada pelo Sr. Eng. FF, de uma alegada ida, por parte de técnicos, assim ordenados pelos autores, para uma avaliação da alegada infiltração existente no locado, numa data que sabiam pelos presentes autos que os autores não se encontrariam na respetiva residência; tentativa frustre que utilizaram para fundamentar, também aí, um novo “mau e imprudente uso do locado” perante este digníssimo Tribunal.
5. Sendo igualmente de reparar que um dos técnicos que enviaram para fazer a dita tentativa de reparação, na referenciada data, é o mesmo que ora apresentam como prova testemunhal no articulado superveniente de que se munem, enquanto alegado técnico reparador de ares condicionados, o Sr. EE.»
XXI. Deslocação, essa, que, para além de não ter acautelado o formalismo imposto pelo artigo 9º do NRAU, veio ser realizada, como se disse, à revelia do digníssimo Tribunal a quo – o qual veio ser informado da referida ocorrência unicamente a posteriori, por intervenção dos réus –reportando-se no mínimo inadequada, além de injustificada e sem sentido perante os próprios desígnios dos autos e sua tramitação regular, conforme verificada então, designadamente numa data em que se encontrava por agendar, sucessivamente por culpa dos autores, a realização da perícia ordenada pelo digníssimo Tribunal a quo, ou não constasse do próprio pedido dos autores, constante da sua petição inicial, a condenação dos réus na respectiva reparação!
XXII. Não fosse suficiente as circunstâncias, que os recorrentes entendem como inadmissíveis para servir de prova à matéria que foi dada como provado na sentença ora sindicada, destas alegadas deslocações, acima devidamente explicitadas, resulta expresso do depoimento da testemunha, EE, a inocuidade e de superficialidade (para efeitos de reparação) de tais tentativas de “apuramento das infiltrações” e de “reparação do ar condicionado”, visto tratar-se de profissional sem grandes qualificações e escassas competências técnicas, como expressamente se depreende das suas palavras, não se podendo, salvo devido respeito, concluir quanto ao seu depoimento, que este tenha sido prestado «mostrando isenção e alheamento à causa, descrevendo o que assistiu de forma absolutamente espontânea e descomprometida», conforme alegado incorrectamente na motivação, relativamente ao facto dado como provado 17., doutamente conferida pelo Tribunal a quo.
XXIII. Revelando-se, as circunstâncias lei apreciadas positivamente pelo Tribunal a quo, atinentes à deslocação realizada no dia 26 de Novembro de 2021, sem prever qualquer dos formalismos impostos por lei, data em que os réus, ora recorrentes manifestaram expressamente nos autores que não se encontrariam na residência, expressa a minutos 27:00 – 27:39 do depoimento desta testemunha.
XXIV. Antes de prosseguir, será de atentar ao teor do documento constante do requerimento de 23-02-2022, dos autores, aqui recorridos, relativamente ao orçamento para reparação do ar condicionado elaborado pela empresa EMP01... e Ar Condicionado, Lda., onde se destaca a cobrança de uma deslocação ao local, e detalhes que incluiriam uma reparação, com alusão a vários itens de ordem técnica.
XXV. Diante do referido documento, resulta notório, do depoimento da testemunha EE, antes de mais, que o seu conhecimento é escasso ou nenhum, resultando, como tal, no mínimo, ambíguo, o propósito da sua deslocação.
XXVI.  Mas, tendo por base o documento aludido, considerando o respectivo teor, e não havendo qualquer indício de contacto com os ora recorrentes aquando da referida deslocação, também comprovada no referido documento, será de questionar porque é que os autores recorrem aos serviços da referida testemunha, com escassos ou praticamente nenhuns conhecimentos técnicos, arrolando-o como testemunha, quando poderiam ter recorrido primacialmente aos serviços da empresa que realizaria o aludido orçamento, EMP01... e Ar Condicionado, Lda. – mais competente e habilitada para o efeito?
XXVII. Sendo, ademais, de realçar que esta empresa não deixou de realizar o referido diagnóstico/orçamento sem contactar os ora recorrentes, nem implicando qualquer intervenção por parte destes, conforme resulta dos autos.
XXVIII. A exposição das referidas, e notórias, dificuldades, falta de conhecimentos técnicos, bem como o relato, inverosímil, de que se deslocou mais do que uma vez ao prédio onde se situa ao locado para reparação do ar condicionado, revelam-se inelutáveis a minutos 14:32 e 22:42 do depoimento da testemunha EE (com transcrição nas Alegações ora apresentadas para a qual os recorrentes fazem devida remissão, dando-se por reproduzida), chegando a referir, ao longo do referido período, que, e citamos: «Eu não sou técnico…».
XXIX. Ouvindo-se, in fine do período citado no número anterior, o seguinte:
Mandatário dos réus: Mas o senhor foi lá fazer o quê? Foi arranjar, foi fazer um diagnóstico? Foi fazer o quê?
Testemunha: Eu fui fazer o que o Sr. AA me pediu. Para ir ver lá e verificar…
Mandatário dos réus: Foi ver! Foi lá ver!
Testemunha: Ver… E se pudesse fazer alguma coisa minha parte também fazia…
Meritíssima Sr.ª Juiz a quo: Fazia? Mas ó senhor… O senhor disse que não era técnico de ar condicionado, mas foi lá para prestar um serviço era verificar se estava avariado…
Testemunha: Sim, se possível da minha parte…
Meritíssima Sr.ª Juiz a quo: E se conseguia resolver o problema…
Testemunha: …e se conseguia, depois disso a minha minha parte não é…O Sr. AA o melhor é depois contactar alguém do serviço de área capaz…
Meritíssima Sr.ª Juiz a quo: … disse ao Sr. AA que não era capaz ?
Testemunha: Sim, não, dessa parte, não. Eu, se me pedir alguém para mudar um pneu do carro, eu mudo… se não demorar vinte minutos, demoro quarenta…
XXX. Há que reter esta última imagem conferida pela referida testemunha que, quanto a uma possível intervenção técnica no local, a compara a uma mudança de pneu para a qual se encontra pouco habilitado.
XXXI.  Contudo, no que respeita à forma como presta o seu depoimento, considerado -salvo o devido respeito, erradamente - pelo digníssimo Tribunal a quo como prestado de forma «isenta e descomprometida», há que realçar que não obstante os poucos conhecimentos técnicos demonstrados, a testemunha sabe perfeitamente o que tem de dizer, no seu depoimento, para salvaguarda da posição dos autores, ora recorridos, sendo de salientar, não apenas o que diz, mas o tom que o profere, baixando a voz, na resposta a seguir, entre os minutos 9:34 e 9:47 do seu depoimento, ao ser perguntado pelo ilustre Mandatário dos autores sobre as razões que levaram àquela avaria, vem responder:
Mandatário dos autores: E esse aparelho estava danificado porquê?
Testemunha: Possivelmente sem… sem a tampa, teria falta de manutenção ou descuido da parte de quem é responsável daquilo…. Sei lá, o inquilino, não sei…
XXXII. Saliente-se o que esta testemunha responde, quando perguntado pela Meritíssima Sr.ª Juiz a quo se sabia como as tampas tinham saído e em que estado se encontravam, a minutos 13:13 e 14:18 do seu depoimento (com transcrição nas Alegações ora apresentadas para a qual os recorrentes fazem devida remissão, dando-se por reproduzida).
XXXIII. Depreende-se que as respostas apresentadas pela testemunha são difusas, pouco assertivas, a não ser naquilo que particularmente interessa à posição dos autores, admitindo-se tudo e o seu contrário, na generalidade, reveladoras de falta de conhecimentos técnicos no seu todo, conforme é constatado pela própria Meritíssima Sr.ª Juiz a quo.
XXXIV. No entanto, não obstante ter sido perguntado pela Meritíssima Sr.ª Juiz a quo, como tinham caído as tampas, não deixa de referir ao facto destas estarem apertadas mecanicamente, com dois parafusos, mas ao ser perguntado sobre a razão para a avaria pelo ilustre mandatário dos autores, a única coisa que se lembra é “a falta de manutenção do responsável, do inquilino…” e não, naturalmente, como uma pessoa verdadeiramente isenta colocaria, em primeiro lugar: “Alguém abriu estas tampas, e não voltou a aparafusá-las, provocando a avaria com a eventual exposição das placas ao meio ambiente, designadamente à chuva”.
XXXV. E se acima alertamos para o facto de nenhum formalismo ter sido observado por parte dos autores, ora recorridos, na comunicação aos réus para qualquer tipo de reparação, a deslocação para efeitos de reparação do ar condicionado tomou contornos no mínimo caricatos, uma vez que, quando perguntado pelo réu, CC nesse sentido, nem da parte de quem vinha, para efeitos de tal reparação foi explícito, conforme se depreender a minutos 22:36 e 24:31 do respectivo depoimento (com transcrição nas Alegações ora apresentadas para a qual os recorrentes fazem devida remissão, dando-se por reproduzida).
XXXVI. Factualidade ocultada ou não referenciada até ao referido momento do depoimento, consentâneo com o que se constata das declarações de parte do réu, CC, a minutos 11:56 e 17:06 (com transcrição nas Alegações ora apresentadas para a qual os recorrentes fazem devida remissão, dando-se por reproduzida).
XXXVII. Sendo, por fim, de referir que tanto sabia a referida testemunha o que dizer, que insistindo na tese de que tinha ido lá duas vezes, sem aviso prévio, por causa da reparação do ar condicionado, que de nenhum modo se comprovou, esta insistência não deixou de revelar mais consentânea com a chamada de atenção realizada na resposta (Ref. Citius nº 41278719) conferida pelos réus, ora recorrentes, ao articulado superveniente dos autores (apresentando este articulado dos autores uma factualidade que contrariava o que veio ser defendido neste depoimento), em jeito de claro emendar de mão, face à referida chamada de atenção, que se transcreve:
12. Nos termos do articulado superveniente apresentado pelos autores, estes vieram a ser alertados pela Administração do Condomínio no dia 16 de Janeiro de 2022, domingo, para a evidência de uma “tampa caída” do ar condicionado que serve o locado, sito na cobertura do respectivo edifício –sendo, aliás, possível que o conhecimento fosse prévio à mencionada data.
13. Adverte-se até para “a chegada das chuvas” no documento junto pelos autores como documento n.º..., embora como se constata no documento que ora se junta, dando-se o respectivo teor inteiramente por reproduzido, extraído do sítio do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) e sendo de conhecimento público o período actual que o país atravessa no respeitante à pluviosidade, melhor dizendo – e muito infelizmente - à falta dela, certo é que nenhuma intempérie se verificou na referida semana. – Documento n.º ....
Ainda assim,
14. será de questionar, perante tal risco: os autores fizeram alguma coisa, no dia seguinte, segunda-feira, 17 de Janeiro de 2022?
15. Foi lá algum técnico?
16.Avisaram os réus do sucedido?
17. Não.
18. Fizeram-no no dia seguinte a esse, terça-feira, 18 de Janeiro de 2022?
19. Não.
20. E no dia 19 de Janeiro de 2022, quarta-feira, fizeram alguma coisa?
21. Também não.
22. Informaram os réus, ao menos?
23. Não: e assim conformam, em suma, o seu articulado superveniente.
24. A dita “constatação” deu-se apenas a 20 de Janeiro de 2022.
25. Estranhamente, na data que o referido ar condicionado deixa de funcionar – tendo funcionado até então!
XXXVIII. Depreende-se assim, da parte do depoimento prestado pela testemunha, EE, quando perguntado sobre a primeira vez que teria dirigido ao locado, contrariamente ao que tinha sido expressamente exposto pelos autores em sede de Articulado Superveniente, revelou estar consciente daquilo que veio ser abertamente apontado pelos réus, ora recorrentes, na resposta oferecida ao referido:
45. Nos termos do articulado superveniente apresentado pelos autores, não são informados de nada.
46. Não são tidos nem achados para nada.
47. E acusados de tudo – terá isto cabimento?
48. Não desafiará, bem pelo contrário, os mais elementares postulados da lógica?
49. Os autores são informados; mas não informam - e depois imputam responsabilidades; em suma, é isto que vêm expor perante este Tribunal: são donos e senhores, são proprietários e querem os réus fora do locado.
XXXIX. Há que referir, aqui chegados, relembrando os pontos 5) e 6) dos Temas de Prova, acima transcritos, que os autores não fizeram prova, ónus que naturalmente lhes incumbia, que se tenham deslocado peritos ou técnicos ao locado em momento prévio à demanda que deram causa, razão pela qual nada a esse respeito consta da matéria dada como provada na sentença doutamente proferida.
XL. Ora, atendendo ao exposto, no que respeita à deslocação de EE ao locado “para apuramento das causas da infiltração”, sem aviso prévio ou qualquer contacto prevendo o formalismo do artigo 9º do NRAU, de súbito, imediatamente antes da perícia realizada nos autos e numa data que constava dos autos que os autores lá não se encontrariam, mais admitindo esta testemunha que, das duas situações, só ia lá “ver” por um lado, e o facto de se comprovar que, nos termos do seu depoimento, na deslocação que fez não tinha conhecimentos técnicos para o reparar o ar condicionado, quando a empresa especialista no ramo contratada pelos autores não deixou de fazer competente diagnóstico e orçamentar o arranjo da avaria, comprova que a deslocação de EE, nunca teve o fim de proceder à reparação de nenhuma anomalia ou avaria, como abstractamente se podia pressupor, tendo muito conveniente servido para sustentar a factualidade constante do Articulado Superveniente que os recorridos vieram dar entrada na sequência da realização da perícia ao locado ter revelado que este se encontrava em perfeitas condições, sem qualquer sinal de uso imprudente.
XLI. Pelo que, o digníssimo Tribunal a quo ao incluir o referido facto 17. na matéria dada como provada, fê-lo indevidamente, desconsiderando até mesmo formalismos legais de ordem básica, designadamente no que respeita às formalidades a respeitar no contacto entre senhorios e inquilinos para efeitos de obras de reparação, com inelutáveis repercussões, como se verá, na decisão de direito que consequentemente veio aplicar aos autos.
XLII. No seguimento da matéria de facto constante do número anterior, veio a Meritíssima Sr.ª Juiz a quo dar como provado que em consequência45, as infiltrações referidas em 9. continuam por reparar;
XLIII. Para esse entendimento, conferiu o digníssimo Tribunal a quo, como motivação, os seguintes fundamentos: A prova dos factos 10. e 18. resulta da valoração positiva do depoimento da testemunha HH, proprietária da fracção inferior ao imóvel referido em 1., a qual, num depoimento sério e isento, descreveu as infiltrações ocorridas em sua casa e o que fez para resolver tal problema, designadamente a comunicação ao autor e ao condomínio, mais informando, com toda a objectividade e isenção, que tal problema continua por resolver, face ao conflito existente entre autores e réus (ao qual é alheia).
XLIV.   A razão que leva os ora recorrentes à impugnação deste facto, deve-se a ter-se inscrito que o mesmo resulta em consequência do facto anterior, designadamente do facto 17, ou seja, a negação do acesso por parte dos réus, ora recorrentes.
XLV. Neste respeitante caberá igualmente referir que aquando da segunda infiltração para o piso inferior, ocorrida já numa fase posterior à deslocação ao locado por parte do perito nomeado nos autos, os réus vieram aos autos expressar a sua disponibilidade para que se procedesse a uma intervenção, tendo ainda, como decorre do depoimento da testemunha HH, sido expresso presencialmente, por via da ré, DD, a esta testemunha, tal vontade, perante a recusa por desta última, de forma a não contrariar os autores.
XLVI.   Sendo certo que conforme a minutos 04:10 e 05:46 do depoimento desta, comece por dizer que não tinha havido qualquer colaboração, a minutos 20:30 e 21:27 do mesmo, bem como, imediatamente a seguir, a 22:39 e 23:57 deste último (com transcrição nas Alegações ora apresentadas para a qual os recorrentes fazem devida remissão, dando-se por reproduzida), já consinta que tinha havido colaboração, por parte da ré, mas como o autor se encontrava presente da na residência da testemunha, recusa terminantemente tal colaboração.
XLVII.  Denotando-se, desta parte do depoimento, que os réus, na pessoa da ré, DD, não apenas se demonstraram colaborantes, contrariamente ao que a testemunha a instâncias do ilustre Mandatário dos autores esta testemunha deixava a entender, como a referida colaboração se quedou sem efeito, perante a presença dos autores na residência da proprietária da fracção inferior, que a testemunha veio imediatamente salvaguardar com a recusa que presta à ré, negando-lhe qualquer colaboração não obstante a disponibilidade demonstrada.
XLVIII. Mas será de salientar que a referida disponibilidade não deixou de ser expressamente reiterada nos próprios autos, por via do citado requerimento (Ref. Citius n.º 40598772), a 26 de Novembro de 2021, aquando do agendamento da perícia ao locado, nos termos em que se citam:
11. os réus vieram ser interpelados, no passado fim de semana, pela vizinha do ... andar do prédio onde residem - fazendo-o pela primeira vez em todo este tempo, note-se bem! - informando-lhes que estaria “a correr água por um dos focos de luz do tecto” de uma das casas de banho da sua habitação.
12. Razão pela qual foram os réus sensíveis e zelaram pela realização da perícia o mais rapidamente possível, designadamente na primeira data concedida pelo Exmo. Sr. Perito, 25 de Novembro de 2021.
13. Relembre-se que foi por desígnio dos autores, dado não prescindirem de assistir à mesma e particularmente por causa de o autor, Sr. AA, não o poder fazê-la na mencionada data, que a efectivação da referida perícia não se verificou, como soía.
Ora,
14. conforme humildemente será de referir, não se compreende nem se alcança, de todo, face à presente fase do processo, a actuação verificada por ordem do autor, Sr. AA, na presente data,
15. embora, com devida franqueza também se diga que já nada surpreende nos presentes autos, mesmo a mais imprevista e absurda das situações.
Assim,
16. tendo em consideração o teor do douto despacho proferido a 23 de Novembro de 2021 e uma vez que se revela possível encontrarem-se em causa direitos de terceiros – embora arredando os réus qualquer responsabilidade em tal evidência, alegação que uma vez mais reiteram e que se provará nos presentes autos – informam, para os devidos efeitos e sob o risco de a mesma se protelar sine die por teimosia dos autores, que prescindem de estar presentes, aquando da realização da perícia, em razão dos argumentos já expostos e conhecidos do presente Tribunal, fazendo-se, para o efeito, representar pelo seu mandatário e eventual assessor técnico na mesma, de forma a não fomentar qualquer possibilidade de desentendimento entre as partes e permitir que, caso necessário, se colmate, posteriormente, qualquer intervenção, mais urgente, que eventualmente se apure.
XLIX. Seguidamente, a Meritíssima Sr.ª Juiz a quo lavra despacho que faz alusão a esta alegação dos ora recorrentes a 03-12-2021, solicitando o agendamento mais breve possível da perícia «considerando os direitos de terceiro alegados», embora salvaguardando uma vez mais aos autores «o direito de assistência das partes que pretendam exercer».
L. Não conformados, os réus reiteram a sua preocupação e disponibilidade, fazendo-lhe alusão no requerimento de 19-01-2022, nos termos que se transcrevem:
19. encontrando-se em causa direitos de terceiro e revelando-se a inspecção ao local cumprida pelo Exmo. Sr. Perito nomeado nos autos, os réus não opõem à tomada de diligências necessárias à resolução do problema de infiltração de água, ainda que não aparente, que se encontra alegadamente a afectar a fracção inferior à do locado, para o efeito de sanar o referido problema de infiltração para o qual não contribuíram (desde que acauteladas, claro está, devidas condições para o efeito, face às questões já dos autos conhecidas).
LI. Posto isto, será de questionar: alguma consequência prática da parte contrária no sentido dessa reparação se concretizar, após a realização da perícia ao locado?
LII. Atitude, que se defenderia encontrar-se bem expressa nas declarações de parte do autor, AA, na audiência de julgamento, a minutos 02:49 e 03:08 destas últimas, ao referir o seguinte:
«Tanto que tivemos um problema, que a companhia de seguros declinou assumir qualquer responsabilidade até à data do pagamento das reparações dos danos que ainda não foram feitos. A doutora HH aceitou que não fossem feitos para que…para que as pessoas pudessem constatar que os problemas ainda lá estão a presente data, não é?»
LIII. Sintomático deste entendimento é também o que a testemunha, HH, vem referir a minutos 12:10 e 12:22 do seu depoimento, que ora se transcreve:
Mandatário dos autores: Você, no seu caso, não está resolvido…
Testemunha:  Eu Não!
Mandatário dos autores: Não sabe quando é que vai estar…
Testemunha:  E, e, se aquelas pessoas continuarem ali, eu acho que nunca!
Mandatário dos autores: É só Sr.ª Dr.ª.
Testemunha: (risos)
Meritíssima Sr.ª Juiz a quo: Muito bem.
LIV. Neste sentido, considera a testemunha que nunca terá o problema resolvido - note-se, bem - “se aquelas pessoas continuarem lá”, no entanto, como também resulta do seu depoimento, veio recusar a colaboração destes quando a apresentaram.
LV. Realça-se, neste ponto, o facto de existir entre os autores, e a proprietária da fracção do piso inferior como que um entendimento, para que não se realize a reparação da infiltração intermitente verificada, responsabilidade que não pode ser, por conseguinte, atribuída aos réus, ora recorrentes, ao contrário do entendimento concedido pelo digníssimo Tribunal a quo, atendendo à postura reiteradamente demonstrada nos requerimentos que apresentaram nos autos, para nenhum efeito prático, em termos de resposta, por parte dos autores, ora recorridos.
LVI. Já no respeitante à reparação do ar condicionado, o réu, CC procedeu a expensas próprias e perante a inoperância da parte contrária à respectiva reparação, conforme transmitiu à Meritíssima Sr.ª Juiz a quo no período das suas declarações de parte acima citado, sendo certo que, nos termos da douta sentença proferida, a mesma não era da sua responsabilidade.
LVII. Pelo que, não deixou o digníssimo Tribunal a quo de incluir - no nosso respeitoso entendimento, indevidamente - os referidos factos 17. e 18., na acepção que este último resulta do precedente, na matéria dada como provada, com inelutáveis repercussões, como se verá, na decisão de direito que consequentemente veio aplicar aos autos.
LVIII. Veio a Meritíssima Sr.ª Juiz a quo dar como não provado que os réus apenas tiveram conhecimento do descrito em 9. após a citação para os presentes autos.
LIX. Para esse entendimento, conferiu o digníssimo Tribunal a quo, como motivação, os seguintes fundamentos:
A não prova do facto c) resulta da absoluta falta de meios probatórios produzidos quanto a tal, sendo certo que apenas o réu o declarou nas suas declarações de parte, as quais, por si só e dado o inerente interesse na causa, não lograram o convencimento do tribunal. Acresce que o descrito no facto c) mostra-se também contrário às regras da experiência comum e do normal acontecer, na medida em que, tratando-se de um prédio com apenas três apartamentos, é improvável que um problema de infiltrações originado por uma fracção de terceiro seja desconhecido dos demais proprietários. Aliás, tendo tal problema sido comunicado ao próprio condomínio, e sendo do conhecimento do proprietário da outra fracção – II, que, no seu depoimento, referiu saber de tal problema de infiltrações -, temos por ilógico e pouco provável que os réus não o conhecessem antes da citação feita nos presentes autos, uma vez que tal problema remonta a 2020 e a citação ocorreu apenas em Março de 2021.
Daí que o tribunal não se tenha convencido no descrito no facto c), assim o dando como não provado.
LX. Será de referir que a remissão realizada pela Meritíssima Sr.ª Juiz a quo, também observada nos pontos da matéria de facto dada como provada anteriores (designadamente na alusão que faz ao facto dado como provado n.º 9), reporta-se às consequências da infiltração verificada no piso inferior, isto é, ao facto de «a fracção do piso inferior apresenta[r] infiltrações de água nos tectos da casa das casas de banho», conforme apurado no âmbito do relatório pericial constante da prova produzida nos autos.
LXI. Entendendo, a Meritíssima Sr.ª Juiz a quo, quanto a este ponto de facto, na respectiva motivação, que esta advém «da absoluta falta de meios probatórios produzidos quanto a tal», mais reputando como insuficientes para lograr o convencimento do Tribunal as declarações de parte apresentadas pelo réu, CC, configurando-as como único elemento de prova existente nos autos nesse sentido.
LXII. No entanto, considera-se que a prova produzida nos autos contraria, com propriedade e elevada consistência, o entendimento que o digníssimo Tribunal a quo veio propugnar nesse respeitante, não se limitando aquela, salvo o devido respeito, às declarações prestadas pelo referido réu, ora recorrente, comprovando-o designadamente:
1. O teor das cartas endereçadas por parte dos autores aos réus, juntas aos autos como documento n.º ... da petição inicial e documento n.º ... da contestação, os quais se dão por reproduzidos, onde não se expressa a ocorrência de qualquer infiltração, requerendo-se apenas uma avaliação global do locado.
2. O teor das cartas de resposta dos réus às missivas dos autores, juntas aos autos como documentos nºs ... e ...1 da contestação, onde estes vieram requerer ser informados se haveria alguma obra urgente a realizar, em razão de não haver no locado evidência que o indicasse, mais solicitando, caso assim não fosse, que a visita global ao locado se realizasse em tempos mais oportunos, de maior salubridade pública, não havendo, da parte dos autores, qualquer missiva de resposta à solicitação de informação relativamente a obras urgentes a realizar.
Cita-se, neste respeitante, o teor do documento n.º ... da contestação, carta datada de 23 de Novembro de 2020:
« (…) Como não foi alegada, na V/ missiva, as razões que motivam a referida vontade de vistoria, enquanto senhorio do imóvel de que sou arrendatário, nem tendo eu conhecimento, como deveria, tratando-se da habitação onde resido, de quaisquer obras urgentes necessárias para qualquer efeito à qual V/Ex.ª deveria levar a cabo de imediato, e como a respectiva vistoria necessita da convenção de ambas as partes, não o podendo fazer o senhorio unilateralmente, sob pena de indelével perturbação do gozo por parte do arrendatário do respectivo locado, a referida vistoria deverá ser realizada, com o acordo das partes, numa data ulterior. (…)».
Citando-se, igualmente neste respeitante, o teor do documento n.º ...1 da contestação, carta datada de 2 de Dezembro de 2020:
« (…) Ora, impor uma vistoria no contexto actual e não tendo eu conhecimento de quaisquer obras que V/Ex.ª devesse urgentemente levar a cabo no locado para segurança estrutural deste, ou dos respectivos residentes, fazendo a comunicação, de forma unilateral, num período em que o nosso concelho se assume entre os concelhos de mais elevado risco e tendo, conforme lhe comuniquei na referida missiva, entre os familiares mais próximos, pessoas dentro do grupo de risco elevado, devido a padecerem de diabetes, não pode senão ser entendido como manifesto abuso de Direito.(…)»
3. O relatório de peritagem, de 17-02-2022, realizado nos autos após visita ao locado, não veio revelar qualquer humidade ou dano aparente no imóvel que, a olho nu, se
revelasse motivador(a) de infiltrações, confirmando o que os réus, ora recorrentes, sempre alegaram nas missivas enviadas aos autores.
Citando-se, nestes respeitante, o disposto ao terceiro quesito formulado pelos autores (página 8 do mesmo):
«(…) 3. Há quanto tempo terá aparecido a humidade no imóvel? Deve-se à imprudente e má utilização pelos Réus do mesmo?
R: Não existe humidade no imóvel. Partindo do princípio que se pretende apurar há quanto tempo terão ocorrido as infiltrações, o perito desconhece. Relativamente à imprudente e má utilização do imóvel por parte dos réus, o perito entende que não se pode fazer tal afirmação. O imóvel apresenta-se em bom estado de conservação, compatível com uma utilização normal, conforme as imagens anexas á resposta ao quesito 1º deixam transparecer. As infiltrações por degradação dos silicones de vedação dos wcs são correntes, por desgaste natural por uso continuado, devendo os utilizadores estar atentos à necessidade da sua substituição e/ou reparação. (…)»
4. As declarações de parte do autor, AA, revelarem que nunca houve outro contacto, sobre o assunto da pretendida vistoria global do locado, senão através da via escrita, concretizada por via postal, cingindo-se, as mesmas, às que foram juntas pelas partes nos respectivos articulados nos termos acima explicitados, conforme se depreende a minutos 05:29 e 05:56 das respectivas declarações de parte:
Meritíssima Sr.ª Juiz a quo: O senhor perante este problema e perante estas estas denúncias da… da doutora HH pediu aos réus para fazer uma vistoria ao locado?
Autor: Sim, eu fiz… Eu eu fiz… Eu fiz eu fiz um pedido da visita ao locado por vários motivos, Sr. Dr.ª Juiz…
Meritíssima Sr.ª Juiz a quo: Olhe, fez algum pessoalmente, ou por telefone ou foram todos por escrito?
Autor: Não, não, não. Todos por escrito, Sr.ª Dr.ª Juiz
Meritíssima Sr.ª Juiz a quo: Todos por escrito, ok. Muito bem.
5. O depoimento da testemunha, HH, enquanto proprietária do apartamento do ... andar do prédio onde situa o locado, veio confirmar que que só veio contactar o condomínio e os autores, do advento da primeira ocorrência de infiltração, e nunca os réus, como se ouve a minutos 02:40 e 02:53 daquele:
Mandatário dos autores: E você quando houve a infiltração falou com…
Testemunha: Com o proprietário.
Mandatário dos autores: Do imóvel de cima, que é o senhor…
Testemunha:  Senhor… o Sr. AA. Chamei-o lá casa e ele foi ver.
Transcrevendo-se, ainda neste respeitante, o que a referida testemunha acrescenta, a minutos 16:56 e 18:44 do respectivo depoimento:
Meritíssima Sr.ª Juiz a quo: A Senhora diz que quando voltou do Verão já deu, por ela, da mancha…
Testemunha: Exactamente.
Meritíssima Sr.ª Juiz a quo: Quando é que costuma voltar, já agora? Só para concretizar…
Testemunha: Finais de Setembro. Se o senhorio participou em Novembro, isso eu não sei…
Meritíssima Sr.ª Juiz a quo: Desculpe interromper. Mas quando regressa em finais de Setembro, comunica imediatamente ao proprietário.
Testemunha: É assim, ele entretanto veio, veio… É assim, não, não estou aqui a dizer que foi na semana a seguir…
Meritíssima Sr.ª Juiz a quo: Mais ou menos…
Testemunha:  Claro. Agora ele podia ter participado em Novembro…
Mandatário dos réus: E desta primeira vez comunica ao condomínio alguma coisa?
Testemunha: Por acaso comuniquei. É verdade até a primeira vez foi ao condomínio e o… e o Sr GG, disse assim: olhe isto não é nada comigo. Isto tem que ser comunicado ao… por acaso foi, está a ver?
Mandatário dos réus: … ao proprietário?
Testemunha: Exactamente. Por acaso até foi.
Mandatário dos réus: Mas, com o Dr. CC não fala?
Testemunha: Com ele? Não.
Mandatário dos réus: Da primeira vez não fala?
Testemunha: Não.
Mandatário dos réus: E se eu lhe dissesse, Dr.ª HH que da primeira vez que esses técnicos foram à casa do Dr… do Dr. CC, nada é falado relativamente a uma infiltração?
Testemunha: Quais técnicos?
Mandatário dos réus: Segundo me disse foram uns técnicos à sua casa da primeira vez…
Testemunha: Foi um perito…
Mandatário dos réus: E depois foram à casa de cima e…e em nenhum momento lhe disseram que      havia uma infiltração… Que iam fazer uma avaliação ao locado: que iam fazer uma avaliação à casa, que em nenhum momento se falou em infiltração ?
Testemunha: Isso não sei. Isso não é nada comigo.
Mandatário dos réus: Pronto. Mas como vê a realidade às vezes tem uma… tem vicissitudes: não é exactamente aquilo que nós pensamos.
Testemunha:  Mas isso não é nada comigo…
6. Sendo ainda de realçar que, aquando da segunda infiltração, no qual houve contacto directo entre a proprietária da fracção inferior à do locado e os réus, como também decorre dos autos, designadamente do requerimento de 26-11-2021 dos réus, ora recorrentes e do próprio depoimento desta testemunha, apenas se evidenciou no decurso dos mesmos, muito tempo após a citação dos aqui recorrentes que, relembre-se, lhes veio ser endereçada a 23-03-2021.
7. O depoimento da testemunha, II, proprietário do ... andar, que também se viu alvo de infiltrações da parte do apartamento do ... andar para o seu (apontando no sentido de que as infiltrações são de ordem estrutural, no prédio do locado), através do qual se comprovou que só na decorrência da referida infiltração e em sede de troca de impressões com HH, a propósito do problema que os unia, este terá sabido, por parte desta, que também se encontrava a ser alvo de uma infiltração vinda do andar de cima, não se podendo com isto concluir, por conseguinte, que se tratava de um facto de “conhecimento geral” como a Meritíssima Sr.ª Juiz a quo, de forma, salvo o devido respeito que nos merece, abertamente extensiva, inculca na sua motivação - até porque os réus viviam no último andar do prédio onde o locado sita, sem qualquer indicação visível de qualquer infiltração no apartamento onde residem - mas antes derivado de uma situação análoga, específica, relacionada entre a proprietária do segundo e o proprietário do prédio onde se situa o locado, conforme se depreende a minutos 10:18 e 10:44, do respectivo depoimento:
Mandatário dos autores: O que se discute aqui é se você sabe, se não sabe, se há uma infiltração no apartamento da Dr. HH.
Testemunha:  Eu tenho ideia que na altura que, que trocamos…
Mandatário dos autores: Não é com o seu assunto…
Testemunha: Mas nessa ocasião acho que a Dr.ª HH terá mencionado que tinha… que teve uma infiltração também no… no apartamento dela, mas, não, não… não sei… não tenho conhecimento dos pormenores…
8. Por fim, nas declarações de parte prestadas pelo réu, CC, a única prova aludida pela Meritíssima Sr.ª Juiz a quo na motivação realizada. Transcreve-se, neste respeitante, o que é a este respeito referido a minutos 25:20
e 25:55 das referidas declarações de parte:
Mandatário dos Réus: Olhe, Dr. CC, só para… aproveitando aqui, a instâncias do meu colega que lhe perguntou acerca dessa questão das cartas… Diga-me uma coisa, nas cartas que redigiu não perguntou ao proprietário do prédio se haveria alguma razão para…
Réu: Sim.
Mandatário dos Réus: E alguma vez lhe foi respondido?
Réu: Não.
Mandatário dos Réus: Então quando é que soube da infiltração?
Réu: Quando começou o processo.
LXIII. Salvo o devido que nos merece a sentença sindicada neste respeitante, resulta do exposto a existência de prova consistente no sentido de que os réus não tiveram conhecimento das infiltrações a não ser quando vieram ser citados para a presente lide.
LXIV. Neste sentido, existindo prova nos autos em sentido contrário, salvo o devido respeito e mais douto entendimento em contrário, nunca a motivação da decisão empreendida pelo Tribunal recorrido se poderia limitar “às regras da experiência comum e do normal acontecer” e à “probabilidade”, ou mesmo à “lógica” – quando a prova produzida demonstrou consistentemente o contrário, pelo que havia que recorrer à mesma, e às especificidades do caso concreto, e não recorrer aos referidos elementos de ordem supletiva, normalmente utilizados para suprir pontualmente a escassez da prova produzida, ainda para mais utilizando, como era do seu conhecimento, o depoimento da testemunha II, que residia no ... andar, e por isso à mercê da ocorrência de infiltrações - quando os recorrentes residem no último – tanto à mercê se demonstrando que também ela se viu alvo de inúmeras infiltrações da parte do ... andar, havendo contactos nesse sentido, devidos unicamente a essa oportunidade, ainda que não recordados sequer com devida exactidão pela mencionada testemunha.
LXV. Pelo que, o digníssimo Tribunal a quo ao incluir o referido ponto (ou alínea) c) na matéria dada como não provada, fê-lo indevidamente, permitindo até que, para a sua devida admissão, fossem inobservados até mesmo formalismos legais de ordem basilar nas relações de arrendamento – não contendendo os mesmos com a tramitação dos autos, antes pelo contrário, e que apenas deveriam ser admitidos pelo Tribunal a quo, na hipótese de se revelarem sérios, na pretensão subjacente, e devidamente cumpridos tais formalismos, que não foram - designadamente no que respeita à observância das formalidades a respeitar no contacto entre senhorios e inquilinos para efeitos de obras de reparação, constantes do artigo 9º do NRAU (valendo os mesmos tanto para o período prévio, para o efeito de fundamentar competente acção judicial, como durante a tramitação de um processo); decisão judicativa incorrecta que, nos termos adiante explicitados, teve inelutáveis repercussões, como se verá, na decisão de direito que consequentemente veio aplicar aos autos.
LXVI. Consequentemente, da análise da prova produzida, impunha-se dar como não provados, os factos dados como provados na douta sentença proferida dos autos,
ou seja:
Deveria ter sido considerado como não provado, que:
-17. Os réus negaram o acesso ao imóvel referido em 1 ao técnico enviado pelos autores para apuramento das causas das infiltrações referidas em 9. e para a reparação do aparelho do ar condicionado;
-18. Em consequência, as infiltrações referidas em 9 continuam por reparar;
LXVII. Paralelamente, veio Meritíssima Sr.ª Juiz a quo apreciar erradamente a seguinte matéria de facto, dada como não provada:
-“c) Os réus apenas tiveram conhecimento do descrito em 9. após a citação para os presentes autos.”
…que deveria ter sido, ao invés, dada como provada, isto é, tida por assente.
LXVIII. Assim, com o devido respeito e salvo melhor opinião, conclui-se não assistir razão à Meritíssima Sr.ª Juiz a quo, nos termos explicitados, evidenciando erro notório na apreciação e valoração das provas e erro de julgamento na decisão da matéria de facto e da factualidade dada como provada e não provada, nos termos indicados.
LXIX. Já no respeitante à aplicação do Direito no âmbito da sentença sindicada, será de verificar que o digníssimo Tribunal a quo, tendo por apreço o apuramento da matéria de facto nos termos acima descritos, veio considerar atendível a pretensão manifestada pelos autores de resolver o contrato de arrendamento que os unia aos réus, fazendo-o sem deixar de ponderar a medida em que a mesma veio ser contestada pelos réus.
LXX. Ainda assim, entende-se que tal posição dos réus, inelutavelmente divergente da apresentada pelos autores e assente em prova, sem deixar de ser apreciada pelo Tribunal a quo, veio sempre ser constantemente desatendida por este último, não obstante a prova que veio ser produzida fosse, salvo o muito devido respeito que nos merece a decisão proferida, bastante para se entender diferentemente, mais ponderadamente, ou no mínimo, impunha esta uma consideração mais aprofundada da factualidade e do Direito que lhe seria aplicável - sem com isto quererem os recorrentes defender que não houve qualquer ponderação ou não houve consideração por parte do Tribunal a quo, que não defendem – mas uma decisão mais ponderada impor-se-ia, no respeitoso entendimento destes, atendendo à consequência drástica que a, aliás douta, decisão traduz in concreto: o despejo, da respectiva casa morada de família, de um casal jovem, com dois filhos menores a seu cargo.
LXXI. Neste respeitante, há que aludir: porque é que a própria lei processual civil haveria de conceder efeito suspensivo ao recurso de apelação interposto de decisões proferidas em acções que apreciem “a validade, a subsistência ou a cessação de contratos de arrendamento”, atribuindo-lhe um indesmentível carácter excepcional, senão para salvaguardar os visados dos efeitos de uma decisão eventualmente infundamentada?
LXXII. E infundamentada afigura-se, desde o início, a acção judicial de que os autores lançaram mão. Bastando ler a forma sumária e iminentemente vexatória com que, de uma penada, consubstanciaram a petição inicial que lhes deu causa, nesta se imputando aos réus, ora recorrentes, actos atrozmente incivilizados, acusando-lhes de destruir propriedade alheia por via de um putativo (mas sempre putativo, conforme veio ser julgado pelo Tribunal a quo) uso imprudente que alegadamente faziam do locado, indo ao ponto, não o considerando suficiente, de até mesmo defender um uso do locado contra os bons costumes, por parte destes.
LXXIII. Mas questionam-se os recorrentes: o que revelaram os autos ao longo do respectivo curso? Provou-se a mínima veracidade de semelhantes acusações? Reporta-se, tal retrato, minimamente coincidente com a realidade apurada nos autos? O mínimo que
seja?
LXXIV. Questionam-se ainda: o que alterou, face à factualidade vertida na petição inicial, o facto de o relatório de peritagem, realizado nos autos nada ter provado, em qualquer sentido, que tal uso imprudente se tenha verificado?
LXXV. Mais: faz-se, na douta sentença proferida, o mais mínimo reparo a tal circunstância, mesmo aquando da apreciação do pedido de litigância de má-fé realizada?
LXXVI. Ou demonstrou-se facto relevado pelo digníssimo Tribunal a quo, à semelhança do que constante e insistentemente se verificou ao longo da tramitação dos autos, relativamente a tudo que fosse passível de ser entendido como uma actuação indevida por parte dos senhorios?
LXXVII. E a que se deve tal relevar? Qual a ponderação que se lhe revela atinente? A salvaguarda do direito de propriedade dos autores? A que se deve a inabalável consideração de que, face à situação de conflito, com queixas crime apresentadas previamente à tramitação dos autos em apreço, tendo a primeira sido apresentada pela ré, DD, por ameaças do autor, AA, tratando-se o contrato de arrendamento um contrato sinalagmático, equilibrado por deveres e obrigações recíprocas, era apenas aos senhorios que os inquilinos deveriam “o cumprimento exímio” das obrigações que o contrato de arrendamento face à desconfiança que tal situação impunha?
LXXVIII. Mas foi o que o digníssimo Tribunal a quo veio propugnar, conforme se transcreve: «Mas, ainda que desconhecessem o problema das infiltrações – o que, sublinhe-se, não provaram como lhes competia -, sempre se entende que a mera desconfiança gerada pela situação de conflito que se criara e mantinha entre as partes, justificava que os autores, na qualidade de senhorios, exigissem a inspeção do locado, devendo os réus facultar o acesso ao mesmo, com vista, sobretudo, a demonstrarem o cumprimento zeloso das suas obrigações de locatário.»
Insistindo ainda:
«Todos estes comportamentos dos réus ocorreram num contexto de relação de conflito e desconfiança mútua entre as partes, dadas as queixas-crime pré-existentes. Tal contexto de conflito não pode, contudo, ser entendido como motivo que justifique o comportamento dos réus de recusa de acesso ao locado. Na verdade, face à degradação da relação contratual, impunha-se às partes o cumprimento exímio das suas obrigações contratuais. É que com esta obrigação do locatário de facultar o acesso ao locado visa-se permitir ao senhorio controlar o bom estado do imóvel, e eventualmente suprir deficiências, assumindo-se como um direito do senhorio, sendo certo que tal direito tem que ser exercido moderadamente, uma vez que constantes e sucessivos exames da coisa locada corresponderiam a uma perturbação do gozo pelo arrendatário»
LXXIX. Atendendo à factualidade vertida na petição inicial e às acusações bastante imoderadas, senão caluniosas, que os autores então imputaram aos réus, convirá questionar: que obrigação é que os réus tinham incumprido à partida?
LXXX. Terá sido, em razão das cartas que lhe foram enviadas pelos autores a solicitar uma vistoria global do locado quando estava decretado o Estado de Emergência por causa da epidemia do Coronavírus - Covid 19, constantes do documento n.º ... da petição inicial e n.º 7 da contestação, terem respondido, conforme se lê nas missivas que endereçaram aos autores, constante dos documentos n.º ... e ...1 da contestação, o seguinte?
LXXXI. Mas não foram os réus, que alegaram, na petição inicial que os réus nada responderam, vide respectivo artigo 14º? E transcreve-se:
«Nessa sequência, os Autores procederam ao envio de várias missivas (cf. documento n.º ... se junta e se dá por integralmente por reproduzidos para todos os devidos efeitos legais), às quais nunca obtiveram qualquer tipo de resposta por parte dos Réus.»?
LXXXII. “Sem qualquer tipo de resposta”, note-se bem. Mas respostas existiram, conforme se fez prova e muitas vezes se salientou, cumprindo os réus sempre o formalismo legal constante do artigo 9º do NRAU e expressando devido fundamento e ponderação, nunca negando o acesso ao locado mas relegando-o para momento mais oportuno acaso não estivessem em causa razões urgentes, não se aludindo de forma sumária ou fugidia à situação pandémica, mas incluindo ainda preocupações atinentes à condição diabética do pai do réu, Dr. CC, conforme o comprovou o atestado médico junto como documento n.º ... da contestação dos réus, ora recorrentes.
LXXXIII. Certo é que na sentença sindicada em nenhum momento se faz alusão ou apreciação do atestado médico oportunamente junto aos autos, e das razões que levaram os autores a juntá-lo, nem se atende às preocupações expressas então pelos réus e comprovadas na sua contestação, nem sequer ao facto de os réus nunca terem negado o acesso aos senhorios, nas referidas missivas, relegando-o, caso se tratasse apenas de uma vistoria global do locado e, portanto, não urgente, para momento mais oportuno.
LXXXIV. Sendo caso para referir que tal desatendimento, designadamente da preocupação assim expressa pelo réu, CC, para com o seu pai, colide expressamente com o que, com consistência, veio ser salvaguardado pelos Estados de Emergência então decretados pelo Presidente da República, e respectiva regulamentação, designadamente o dever especial de protecção que se impunha para com «os imunodeprimidos e os portadores de doença crónica que, de acordo com as orientações da autoridade de saúde devam ser considerados de risco, designadamente os hipertensos, os diabéticos, os doentes cardiovasculares, os portadores de doença respiratória crónica e os doentes oncológicos.»
LXXXV. Ora, realçando ainda a salvaguarda desproporcionada que a sentença sindicada faz da figura do senhorio-proprietário, cumpre uma vez mais defender que o contrato de arrendamento constitui um contrato sinalagmático, assente num equilíbrio de deveres e obrigações recíprocas, sendo as principais a obrigação do senhorio de prestar o gozo do locado ao arrendatário e, correspectivamente, deste proceder ao pagamento da respectiva renda. Consistindo, estas, as obrigações mais elementares, outras há, no entanto, adstritas a ambas as partes, designadamente as elencadas no artigo 1038º do Código Civil respeitantes aos arrendatários, e as constantes do artigo 1031º do mesmo código, relativamente aos senhorios, preconizando a respectiva alínea b), quanto a estes, uma obrigação de omissão: «não devendo este actuar de modo a perturbar ou impedir o gozo da coisa locada». Obrigação, essa, cuja salvaguarda não deixou de merecer particular destaque jurídico face ao advento da situação epidemiológica do Coronavírus - Covid 19.
LXXXVI. Mas outras repercussões, nunca antes vistas, se impuseram, aliás, como veio ser reportado por Márcia Passos, em Junho de 2020, no âmbito da publicação do “Guia do Arrendamento em tempo de Covid-19 – Regimes em, e após; Estado de Emergência e Reflexos Futuros” (citado na presentes Alegações, para a qual os ora recorrentes fazem devida remissão, dando-se a citação por reproduzido).
LXXXVII. Uma vez que a obra citada se reporta a Junho de 2020, será, pois, de acrescentar que o Estado de Emergência por COVID-19 veio ser declarado quinze vezes, observando-se sucessivas renovações e apenas cessando a 30 de Abril de 2021, tendo sido declarados posteriormente vários períodos de Estado de Calamidade e Estado de Contingência, que variaram em duração, consoante a evolução da situação epidemiológica no país.
LXXXVIII. A Meritíssima Sr.ª Juiz a quo, no entanto, veio na douta sentença proferida considerar: «Pese embora a situação pandémica que se vivia, em que se continuava a impor restrições de contactos e se recomendava o confinamento, a mesma estava numa fase em que ainda se mantinha o funcionamento dos serviços públicos, das escolas e do comércio, com todos os meios de protecção (tais como máscaras e cuidados de desinfecção) – situação fáctica esta que o tribunal considera por ser facto público e notório (não carecendo, por conseguinte, de alegação e prova nos termos previstos no artigo 5º, nº 2, alínea c), do C.P.C.)»
LXXXIX. Pelo exposto acima, salienta-se apesar da remissão, além do mais sumária, a um alegado “facto público e notório” que no seu entendimento o contrariaria, sublinhando ademais “não carecendo [este] de prova”, nos termos do artigo 5º, n.º 2 do Código de Processo Civil, a Meritíssima Sr.ª Juiz a quo desconsidera expressamente os efeitos jurídicos subjacentes ao decretamento - esse sim, salvo o devido respeito que nos merece opinião veiculado, facto público, notório e excepcional - de um Estado de Emergência, que apenas veio cessar numa data posterior ao próprio início da presente acção judicial. Sendo, ademais, de relembrar que os autores a intentaram quando os prazos judiciais, eles mesmos, ainda se encontravam suspensos – a 22 de Março de 2021, e que o levantamento da suspensão dos prazos processuais ocorreria a 06 de Abril de 2021, sensivelmente quinze dias depois.
XC. Neste sentido, ao escudar-se numa remissão sumária, conforme se observa, veio o digníssimo Tribunal a quo salvaguardar uma vez mais e de forma inelutável a posição dos autores, concedendo relevo, nos termos supra assinalados, àquilo que, salvo o devido respeito, ninguém desmente, conforme o comprova a obra citada de Márcia Passos, isto é, que a situação vivida revelou-se tal forma grave para o regime legal do arrendamento que veio afectar, colocando-a até mesmo em causa, a obrigação mais fundamental e elementar que lhe subjaz - além, claro está, da correspectiva obrigação de dar o gozo do locado, por parte do senhorio ao inquilino - a obrigação deste pagar renda, nos termos do regime excepcional previsto para arrendatários habitacionais, subjacente aos já citados diplomas, Lei n.º 4-C/ 2020, de 6 de Abril e a Portaria nº 91/2020, de 14 de Abril, com efeitos que vieram ser prorrogados até 30 de Junho de 2021, por via da Lei n.º 31/2021, de 4 de Maio.
XCI. Mesmo que se considere que as referidas medidas excepcionais, de repercussões significativas, que se fizeram sentir no regime legal do arrendamento não vieram prever, especificamente as situações atinentes ao dispositivo constante da alínea b) artigo 1038º do Código Civil, designadamente a obrigação de apresentar o locado ao respectivo senhorio (que nem sequer consta, atente-se, nas previsões do próprio n.º 2 do artigo 1083º do Código Civil), certo é que, indubitavelmente, por maioria de razão – isto é, se as mais elementares, entre as quais o próprio pagamento da renda, por parte dos arrendatários, ou até mesmo a própria faculdade, da parte dos senhorios, de lançar mão, com fundamento, a ações de despejo se viram suspensas – as mesmas, ainda para mais exigindo e impondo a presença física de pessoas no locado, não poderiam se revelar senão afectadas pelas imperiosas e gravíssimas razões de saúde pública que se faziam devendo, assim, impor-se neste respeitante o raciocínio de que “quem pode o mais, pode o menos”.
XCII. Revelando-se por isso, salvo o devido respeito que nos merece a sentença proferida, inteiramente fundamentado o teor que os réus imprimiram às suas cartas de resposta, missivas, essas, que os réus, na sua resposta, defenderam não terem sido realizadas.
XCIII. Entendimento que o digníssimo Tribunal a quo desatende por completo, desconsiderando indevidamente o carácter de excepção desta situação limite, que impunha decisão diversa, uma vez que os réus invocaram fundamentos, face à factualidade vertida na petição inicial, mais do que suficientes para ilidir a inexigibilidade da manutenção do contrato nos termos requeridos pelos autores, nos termos da excepção peremptória que oferecem em sede de contestação – ainda para mais ao considerar-se que os autores defendiam que nenhuma resposta havia sido oferecida pelos réus – posição à qual, ainda assim, o Tribunal a quo veio indevidamente dar razão.
XCIV.  Não fosse isto suficiente, revela-se ainda sintomático deste excessivo acautelamento da posição dos autores, o facto de o Tribunal a quo defender que a alegada recusa dos réus, (…) existiu quer quando se vivia a situação pandémica em momento mais grave, quer em momento posterior, já que se provou que, em Janeiro de 2022, os réus negaram o acesso ao locado ao técnico enviado pelos autores para apuramento das causas das infiltrações na fracção inferior e para a reparação do aparelho do ar condicionado.
XCV. Ora, compulsada a matéria de facto dada como provada e não provada, não se encontra referência que o Tribunal a quo tenha dado como provado a existência de recusa do acesso ao locado em momento prévio à presente causa, não obstante a sua inclusão enquanto Temas de Prova a apurar, constante do despacho de 21-6-2021, não vindo, a referida factualidade, a integrar a matéria de facto dada como provada e não provada na sentença proferida.
XCVI.  Aliás, se atentarmos ao ponto 17 da matéria de facto dada como provada, acima já devidamente impugnado, a prova produzida para a consideração dos referidos pontos veio realizar-se relativamente a factos posteriores ao próprio despacho proferido a 21 de Junho de 2021, em Janeiro de 2022 e não atinente a factos anteriores aos autos e conformadores da petição inicial.
XCVII. Ao fazê-lo, tendo por apreço a consideração citada, salvo melhor entendimento em contrário, o digníssimo Tribunal a quo vem suprir a falta de prova relativamente aos factos carreados na petição inicial dos autores, transformando a ausência de prova, que imporia a improcedência da causa, em prova apurada.
XCVIII. Ora, como se evidenciou, compulsado o depoimento da testemunha, EE, tentaram os autores sem aviso prévio, enviar um alegado técnico à residência dos réus, ora recorrentes, já no decurso dos autos, fazendo-o deliberadamente na ausência destes últimos, bem sabendo dessa mesma circunstância, porquanto informados do exposto através de requerimento que os réus tinham juntado aos autos, numa data em que estes informaram de antemão que estes não se encontrariam na sua residência, fazendo-a, ademais, imediatamente antes de se agendar a perícia realizada nos autos.
XCIX.  Deslocação, essa, que, para além de não ter acautelado o formalismo imposto pelo artigo 9º do NRAU, veio ser realizada, como se disse, ainda que sob a égide deste, à revelia do digníssimo Tribunal a quo. Reportando-se no mínimo inadequada, além de injustificada e sem sentido perante os próprios desígnios dos autos e sua tramitação regular, nos termos impostos pelas circunstâncias de então, designadamente numa data em que se encontrava por agendar, sucessivamente por culpa dos autores, a realização da perícia ordenada pelo digníssimo Tribunal a quo, ou não constasse, sublinhe-se, do próprio pedido dos autores, a condenação dos réus na respectiva reparação!
C. Mais admitindo esta testemunha que, das duas situações, mais não ia lá fazer do que “ver” por um lado e, por outro, no respeitante à reparação do ar condicionado não detinha conhecimentos técnicos para o efeito, ao contrário da empresa especialista no ramo contratada pelos autores, que não deixou de fazer competente diagnóstico e orçamentar o arranjo da avaria, comprova-se, ademais, que a deslocação de EE, nunca teve o fim de proceder à reparação de nenhuma anomalia ou avaria, como abstractamente se lhe imputou, tendo muito conveniente servido para sustentar a factualidade constante do Articulado Superveniente que os recorridos vieram dar entrada na sequência da realização da perícia ao locado e de se ter constatado que este se encontrava em perfeitas condições, sem qualquer sinal de uso imprudente.
CI. Ora, se previamente ao início dos autos os autores sempre observaram o formalismo legal do artigo 9º do NRAU, porque o não observaram, quando entenderam necessário, ao longo da tramitação dos presentes autos? Tendo sido salientado pelos réus, em sede de resposta ao articulado superveniente deduzido por estes, que os réus nunca os informaram da situação de que receberam notícia, até à dedução do próprio articulado superveniente, com os fins processuais que se conhecem.
CII. Como é que a sua intervenção, nos termos constantes do depoimento da testemunha EE, e sem observância de qualquer aviso prévio por parte dos autores aos réus, sequer aos presentes autos, por via de requerimento ainda para mais, atendendo à sempre realçada situação de conflito que o Tribunal a quo nunca deixou de salientar – poderá fundamentar uma resolução de um contrato de arrendamento nos termos observados por este último?
CIII. Já no respeitante à assunção defendida pelo digníssimo Tribunal a quo de não se poder concluir, face à prova produzida, que os réus só tiveram conhecimento das infiltrações existentes para a fracção inferior aquando da respectiva citação para os presentes autos, entendem os ora recorrentes, também aqui, que tal assunção revela claramente uma incorrecta valoração da prova.
CIV. Como se defendeu acima, a prova apurada neste respeitante revela-se longe de escassa, nos termos em que o entendeu o Tribunal a quo, concedendo aliás, como que uma perspectiva poliédrica, que em momento algum contende com a ilação que os réus sempre defenderam, pelo contrário: não sufragam, aliás, outro sentido que não esse.
CV. Salvo o devido que nos merece a sentença sindicada neste respeitante, resulta do exposto a existência de prova consistente no sentido de que os réus não tiveram conhecimento das infiltrações a não ser quando vieram ser citados para a presente lide, não existindo prova nos autos que o ilida, reportando-se, como tal, a não valoração da prova enunciada, uma decisão judicativa incorrecta que acarretou evidentes repercussões na decisão de direito que consequentemente veio aplicar aos autos.
CVI. Considera-se este ponto incorrectamente julgado, com valoração de prova realizada de forma indevida, determinante para a defesa de uma incorrecta aplicação de Direito nos autos, de tal forma determinante, que a Meritíssima Sr.ª Juiz a quo lhe vem conceder inúmeras alusões na douta sentença proferida, a saber: «Ora, os réus não lograram demonstrar que desconheciam, à data, o aludido problema de infiltrações.»
«Com efeito, pese embora não seja explícito nas cartas enviadas pelos autores a solicitar o exame do locado, o motivo que lhe subjaz é a questão das infiltrações – que os réus não provaram que desconheciam – e, naturalmente, a relação de conflito e desconfiança que havia entre as partes (conforme decorre do facto provado 19. e da motivação da decisão de facto).»
CVII. Se é certo que lhe venha fazer inúmeras alusões, vem o digníssimo Tribunal a quo finalmente concluir da seguinte forma, contrariamente ao que tal reiteração, e respectiva relevância, faria supor:
Mas, ainda que desconhecessem o problema das infiltrações – o que, sublinhe-se, não provaram como lhes competia -, sempre se entende que a mera desconfiança gerada pela situação de conflito que se criara e mantinha entre as partes, justificava que os autores, na qualidade de senhorios, exigissem a inspecção do locado, devendo os réus facultar o acesso ao mesmo, com vista, sobretudo, a demonstrarem o cumprimento zeloso das suas obrigações de locatário.
CVIII. Neste seguimento, para o efeito de ponderar se o incumprimento dessa obrigação é suficiente para fundar a resolução do contrato de arrendamento, e fundamentar a sua decisão, socorreu-se o Tribunal a quo do entendimento jurisprudencial constante do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/12/2021 (P3069/19.0T8LSB.L1.S1), remissivo, por sua vez, do acórdão do mesmo Tribunal de 13.02.2014 (processo nº 43/09.9TCFUN.L1.S1, defendendo os mesmos que seria necessário averiguar, caso acaso, se a gravidade e as consequências derivadas dessas violações contratuais se revestem de suficiente gravidade para tornarem inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento”, mais defendendo que a inexigibilidade da manutenção do contrato de arrendamento, como resultado da gravidade ou das consequências do incumprimento, terá que ser aferida em atenção às concretas condutas assumidas pela outra parte na relação contratual.
CIX. Culminando, nesse seguimento, supondo-se a aplicabilidade do entendimento propugnado pelo referido acórdão, o seguinte:
«No caso dos autos resultou da factualidade provada que os réus não facultam o acesso ao locado, nem aos autores, nem a ninguém a seu mando, impedindo a realização das reparações e o apuramento do estado do locado e de eventuais causas de infiltrações para a fracção inferior.»
Concluindo, o digníssimo Tribunal a quo, que «da factualidade provada nada se retira quanto ao exercício imoderado do direito dos autores na exigência do cumprimento desta obrigação de facultar o acesso ao locado, retirando-se, porém, um comportamento dos réus reiterado na recusa do seu cumprimento, que teve como consequência a não resolução do problema das infiltrações.»
CX. Só depois se inteirando, o digníssimo Tribunal a quo, do pedido dos autores da condenação dos réus nas reparações evidenciadas pela infiltração e no ar condicionado, concluindo desta forma:
«No que respeita à obrigação do locatário não fazer do locado uma utilização imprudente, prevista no artigo 1038º, alínea d), do Código Civil, importa notar que apenas resultou provado que o locado sofreu as seguintes deteriorações: os silicones de remate junto aos rodapés em inox das bases de chuveiro das casas de banho apresentam desgaste natural e que o aparelho de ar condicionado estava sem tampas e deixou de funcionar.
No que respeita ao desgaste dos silicones, os réus lograram demonstrar que se ficou a dever ao desgaste natural por uso continuado, pelo que, atendendo ao disposto no artigo 1043º, nº 1, do Código Civil, não se pode concluir que incumpriram a obrigação de não fazer do locado uma utilização imprudente.»
«No que toca ao aparelho do ar condicionado, estando o mesmo localizado no exterior do locado –acessível a terceiros, sem controlo do locatário, e vulnerável ao estado do tempo -, e não se tendo apurado a causa da avaria, sendo certo que resultou não provado que a mesma decorra da falta de manutenção, também não se poderá concluir que os réus incumpriram a obrigação de não fazer do locado uma utilização imprudente.»
CXI. Neste sentido, apesar de nenhuma responsabilidade atribuir aos réus relativamente às reparações verificadas, conforme pedido dos autores, em vez de se revelar um ponto culminante da inerente decorrência lógica, conclui desta forma:
«Em face do exposto, impõe-se concluir que importa declarar a resolução do contrato de arrendamento por incumprimento da obrigação prevista no artigo 1038º, alínea b), do Código Civil, com a consequente cessação do contrato. Nos termos do disposto no artigo 1081º do Código Civil, a cessação do contrato torna imediatamente exigível, salvo se outro for o momento legalmente fixado ou acordado pelas partes, a desocupação do local e a sua entrega, com as reparações que incumbam ao arrendatário.»
CXII. Ora, ao proceder, como proceder, o Tribunal a quo, fundamentando-se para o efeito nos arestos citados, concretiza aquando do momento da aplicação ao Direito observada sua decisão, salvo o devido respeito que nos merece, de forma contrária ao que os referidos acórdãos propõem.
CXIII. Para o efeito de explicitar melhor o entendimento proposto, que não se arreda do entendimento jurisprudencial ao qual a Meritíssima Sr.ª Juiz a quo recorre, defender-se-á que os autores, alegando violação da obrigação de facultar o exame do imóvel arrendado por parte dos arrendatários, fizeram uso da cláusula aberta constante do n.º 2 do artigo 1083º do Código Civil.
CXIV.  Ora, referido conjunto de fundamentos, como defende Edgar Martins Valente, «não constitui um catálogo fechado, ao invés do que sucedia anteriormente à vigência do NRAU, na medida em que a lei, com a cláusula geral prevista no n.º 2 do artigo l083°, confere, utilizando a expressão “designadamente” completa abertura à existência de outras causas susceptíveis de determinar a resolução do contrato de arrendamento».
CXV. Podendo-se de eles fazer uso, desde que, como alerta o autor citado, «pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento».
Isto é, a resolução do contrato de arrendamento, independentemente de versar sobre um dos fundamentos exemplificativamente previstos no n.º 2 do artigo 1083.° ou sobre outro não elencado, depende, a par da verificação desse fundamento, «da comprovação casuística da gravidade ou das consequências resultantes do mesmo».
CXVI.  Assim sendo, na concreta aferição do incumprimento contratual da contraparte, seja pela integração da sua conduta numa das alíneas do n.º 2 do artigo 1083° ou pela verificação de outra aí não prevista, «haverá sempre de se aferir, em concreto, qual a gravidade e/ou consequências daí resultantes a fim de se extrair a existência de uma e/ ou de outras, a exigibilidade ou inexigibilidade à contraparte da manutenção da relação arrendatícia.»
CXVII. Incumbindo-se aos arrendatários, ora recorrentes, ainda nas palavras de Edgar Martins Valente, em sede de acção de despejo, «invocar e comprovar, por excepção (peremptória), factos de que resulte a exigibilidade na manutenção do vínculo contratual, pese embora a verificação do incumprimento».
CXVIII. Nos autos em apreço, tendo por apreço a consideração dos factos sub judice, os réus invocaram factos, com devida prova (resultando da versão carreada pelos autores na sua petição inicial que parte desta não existia, alegando ausência de resposta às cartas que vieram ser enviadas aos réus), quer documental, quer testemunhal, que ilidem a inexigibilidade da manutenção do contrato presentemente a vigor conforme alegada pelos autores.
CXIX. Revelando-se, como tal, perfeitamente legítima – e excepcional – a justificação concedida pelos réus para se oporem, nas circunstâncias referenciadas nos autos, a uma mera “avaliação global do locado”, aquando da situação pandémica, atendendo e fazendo prova das condições de saúde do pai do réu, enquanto diabético e, bem assim, já no curso dos autos, e já sob a égide e tutela do digníssimo Tribunal a quo, onde as mesmas vieram ser observadas em circunstâncias que o direito não salvaguarda, designadamente incumprindo-se obrigações de ordem elementar, em termos de notificação entre as partes contratuais, e realizadas, uma delas, numa data em que os réus expressamente comunicaram aos autos que não estariam na sua residência, precedendo por dias, e com possibilidade de a subverter, a própria perícia agendada nos autos, e a segunda, realizada também sem aviso prévio ou qualquer outra comunicação, a não ser no dia em que os autores deduziram o articulado superveniente apresentado nos autos.
CXX. Face ao exposto, não podia, pois, o Tribunal «concluir que o incumprimento da obrigação por parte dos réus assume a gravidade pressuposta para a resolução do contrato de arrendamento em causa nos autos», sem a relacionar:
iii. com a prova, que veio ser produzida a favor dos réus;
iv.  com a gravidade e as consequências que a situação concreta dos autos impôs;
CXXI.  Remetendo-a, salvo melhor entendimento em contrário e como a sua conclusão bem expressa, para uma mera pressuposição da gravidade em si, assim a conferindo tendo por base a não obediência estrita de direitos acautelados aos senhorios, independentemente desta ser ou não fundamentada, por parte dos réus, desconsiderando até mesmo os efeitos-limite e de avassaladora repercussão jurídica que o decretar de um Estado de Emergência por Calamidade Pública impõe.
CXXII. Resultando, assim, salvo o elevado respeito que nos merece a sentença proferida, numa salvaguarda levada ao paroxismo da figura do senhorio-proprietário, tendencialmente “abstracta”, e como tal inatacável, como o expressa o uso recorrente das adversativas, nos termos em que se enunciam: Mas, ainda que desconhecessem o problema das infiltrações…» «Com efeito, pese embora não seja explícito nas cartas enviadas pelos autores a solicitar o exame do locado, o motivo que lhe subjaz é a questãodas infiltrações – que os réus não provaram que desconheciam…» «Pese embora a situação que se vivia, em que se continuava a impor as restrições de contactos e se recomendava o confinamento….”
CXXIII. Ou seja, pese embora toda a prova produzida, e independentemente da factualidade apurada nos autos, e respectivas vicissitudes:
«(..) sempre se entende, que a mera desconfiança gerada pela relação de conflito que se criara e mantinha entre as partes, justificava que os autores, na qualidade de senhorios, exigissem a inspecção do locado, devendo os réus facultar o acesso ao mesmo, com vista, sobretudo, a demonstrarem o cumprimento zeloso das suas obrigações de locatário.
CXXIV. Incorrendo o digníssimo Tribunal a quo, ao proceder como procede, numa incorrecta aplicação do Direito ao caso concreto, que contende até mesmo com o entendimento jurisprudência que fundamenta a respectiva decisão.
CXXV. Por fim, veio ser entendido pela douta sentença sindicada, não se poder concluir que aos autores, ora recorridos, tenham litigado de má-fé, razão que levou a improceder o pedido formulado pelos réus neste respeitante.
CXXVI. Salvo o devido respeito que nos merece o entendimento constante do Tribunal a quo, entendem, muito respeitosamente, os ora recorrentes, que a prova produzida nos autos, em face da conduta processual demonstrada pelos autores, é bastante para a procedência do pedido que realizaram neste respeitante.
CXXVII. Com efeito, ao propor esta acção, resulta indesmentível que os autores vieram a omitir deliberadamente factos que eram do seu perfeito conhecimento e tanto relevariam para o desfecho da lide, aduzindo outros que sabiam não correspondem à verdade.
CXXVIII. Na verdade, esconderam, deliberadamente, os mencionados factos.
CXXIX. Da mesma forma, ao não expor devido enquadramento factual, designadamente da alegada falta culposa cometida pelos réus, afirmaram peremptoriamente a ocorrência desses factos.
CXXX. Em síntese, numa clara tentativa de obter um resultado jurídico contrário ao que os factos e o direito permitem, vieram fazer do processo um uso manifestamente censurável e em resultado de tal conduta dos autores, sofreram os réus prejuízos vários.
CXXXI. Convirá realçar que os autores fizeram uso da presente via judicial justamente em momento prévio à melhoria das circunstâncias, quando os prazos ainda se encontravam suspensos. Face a isto questionam-se os ora recorrentes: não poderia tudo ter sido resolvido com nova marcação para a ansiada vistoria, após a cessação do Estado de Emergência, em circunstâncias mais apropriadas ao efeito?
CXXXII. Como interpretar a factualidade vertida na petição inicial dos autores, e das acusações que aí fizeram dos réus? Articulado, esse, que não se inibiu até mesmo de ostentar laivos caluniosos, se nos é permitido o adjectivo, ao ponto de alegarem na sua causa de pedir a evidência de uma actuação contrária aos bons costumes?
CXXXIII. Acusações que, conforme se veio a comprovar nos autos, em nada assenta aos réus, ora recorrentes. Como tal, o pedido por estes formulado neste respeitante, ao contrário do douto entendimento do digníssimo Tribunal a quo, deverá ser julgado procedente, e por várias ordens de razão.
CXXXIV. Em primeiro lugar, pela oportunidade da própria acção judicial a que deram azo: porque é que os autores não atenderam às circunstâncias então vividas (embora hoje já o começamos a esquecer), no qual o Estado de Emergência se encontrava vigente?
CXXXV. Porque é que não aguardaram por uma oportunidade em que o mesmo fosse levantado?
CXXXVI. Atendendo ao circunstancialismo da tramitação da presente acção, não teria sido benéfico aguardar por uma circunstância em que a pandemia, que todos vivemos, começasse a ser dominada? Que veio, aliás, acontecer não muito tempo depois...? Convirá relembrar que os autores deram entrada à presente acção quando os prazos judiciais, eles mesmos, com incidência particular para as acções de despejo, ainda se encontravam suspensos – a 22 de Março de 2021. Convirá, também assim, relembrar que o levantamento da suspensão dos prazos processuais deu-se a 06 de Abril de 2021, sensivelmente quinze dias depois de intentarem a presente acção judicial.
CXXXVII. Ora, se tivessem reiterado o pedido, por carta, numa altura – conforme solicitado pelos réus – de menor contenção e perigo (conforme o próprio levantamento dos prazos processuais indiciava e acabou por se verificar), que poderiam dizer os réus em tal circunstância, senão autorizar a faculdade concedida por lei ao senhorio, de vistoriar o locado?
CXXXVIII. Mais grave ainda: porquê consubstanciar a sua demanda, sem explicitamente avisar e informar os réus, nas missivas precedentes que enviaram a estes (não o fazendo os autores, ora recorridos, nem o respectivo e ilustre mandatário, nos termos do documento n.º ... da petição inicial, e n.º 7 da Contestação), que ocorria uma infiltração no imóvel do piso inferior, correspondente ao ... andar ?
CXXXIX. Porquê, não responder aos réus, quando nas missivas de resposta às cartas dos autores, ora recorrentes, perguntaram se existiam obras urgentes a realizar? Porque razão?
CXL. A resposta é só uma: porque não interessava aos fins pretendidos. Não interessava trazer a verdade, sonegando-a à boa decisão da causa, o mesmo é dizer, à Justiça.
CXLI. E o que interessava, devidamente ou não, com quaisquer meios - era carrear para os autos a pior imagem possível dos autores, para enfim lograr obter o seu despejo. Conduta a todos os níveis, censurável, que, no humilde entendimento dos recorrentes, não passará incólume aos Venerandos Juízes deste Tribunal.
CXLII. Como não passará incólume o evidenciado já no decurso dos presentes autos – isto é, como os autores se aperceberam, a dada altura, após a defesa realizada pelos réus e a deslocação realizada ao locado na presença do autor, AA, que havia que “emendar a mão”, chegando a alegar tudo e o seu contrário. E não apenas alegar, como até mesmo criar novas situações – e não nos referimos somente à situação trazida pelo articulado superveniente – uma vez que, ao longo do processo, não satisfeitos com os resultados da perícia, os autores, ora recorridos, tentaram engendrar, assim acrescendo ao inicial, putativos maus usos do locado de vária ordem (ao ponto de o defenderem após ordenarem técnicos que se deslocassem ao locado numa data que –conforme resultava dos autos, por razões já devidamente explicitadas e citadas nas presentes alegações – os réus não estariam em casa. Mais: numa data que precederia por poucos dias a realização da perícia que veio ser realizada nos autos.
CXLIII. E atendendo ao que vieram reclamar no seu articulado superveniente – pois também interessa para efeitos da litigância de má-fé, designadamente da conduta demonstrada pelos autores ao longo de toda a tramitação dos presentes autos, que dizer?
CXLIV. Que dizer do modus operandi então evidenciado pelos autores? Que dizer da falta de informação aos alegados responsáveis, entre a data em que tomaram conhecimento do sucedido, e a data em que vieram reclamar um “facto novo” no respectivo articulado superveniente?
CXLV. Que dizer, por outro lado, de toda a imputação que consequentemente fazem, embora nada provando?
CXLVI. Neste sentido, convictos se revelam os recorrentes que será valorado quer a forma como os autores conformaram a presente acção judicial, naquilo que pretenderam dar a ver, mas também aquilo que pretenderam esconder, bem como da forma como agiram ao longo da respectiva tramitação.
CXLVII. E relativamente ao que tentaram esconder, deixa-se, como hipótese, para o que interessa aferir no âmbito da requerida condenação em litigância da má fé, o seguinte: que fundamento existiria, isto é, como seria a presente acção percepcionada pelo digníssimo Tribunal a quo, se na respectiva causa de pedir os autores tivessem juntado as cartas de resposta remetidas pelos réus aos autores (será de relembrar que defenderam que resposta nenhuma haviam concedido…), respostas na qual os recorrentes alegaram que não se recusavam abrir portas à vistoria reclamada, mas apenas em tempo mais oportuno…?
CXLVIII. Não faria toda a diferença? De tal modo faria diferença, que se impunha - eis a explicação – “esquecer” – deliberadamente esquecer - as mesmas. E, entre todos os demais motivos, foi por se “esquecerem”, assim enviesando a factualidade que trouxeram a lume, que devem ser condenados neste pedido.
CXLIX. Quanto a este aspecto, determinante, há que fazer devida alusão ao que veio ser expressamente defendido pelo Tribunal a quo:
«No que toca ao comportamento dos autores, pese embora tenham visto a sua pretensão parcialmente acolhida, não pode deixar de notar-se que os autores afirmam na petição inicial que os réus nunca responderam às cartas dos autores em que solicitavam o acesso ao locado, sendo certo que se veio a provar o contrário e que houve correspondência efectiva entre as partes. Assim, não nos parece lícito que os autores devessem ou pudessem ocultar esses factos na petição inicial, aconselhando a prudência da litigância no foro que se afirmassem os mesmos. Não obstante, a prudência do julgamento da litigância de má-fé impede-nos de afirmar que os autores tenham alterado a verdade dos factos, deduzido dolosamente pretensão sem fundamento ou utilizado o processo para fins ilegítimos. Com efeito, a verdade é que o que transpareceu ao tribunal aquando da audição do autor em sede de declarações de parte é que havia uma confusão geral quanto ao conhecimento efectivo da correspondência havida entre as partes, tendo o assunto sido tratado pelos advogados e que, a determinada altura, trocou de advogado.»
Assim sendo, veda-se ao tribunal a conclusão de que os autores, na omissão de alegação daqueles factos, tenham actuado com o nível de censura que o preceito da litigância de má fé exige. Com efeito, nada mais nos permite concluir, com a prudência e cautela exigíveis ao julgador conforme se afirmou, que tal ultrapasse a situação de lide meramente ousada, de pretensão ou oposição cujo decaimento sobreveio apenas por fragilidade de prova, de dificuldade em apurar os factos e em os interpretar, de diversidade de versões sobre certos e determinados factos ou até de defesa convicta e séria de uma posição que não logrou convencer que vimos de referir.»
CL. Tendo por atenção a alusão realizada pela Meritíssima Sr.ª Juiz a quo, procedeu-se à transcrição do que veio ser dito a minutos 7:15 e 8:43 das declarações de parte do autor, AA (transcrição constante das presentes alegações, para a qual os recorrentes fazem devida remissão, dando-a como reproduzida).
CLI. Isto assente, haverá que ponderar se a muito condescendente alusão à “troca de advogados”, nos termos referidos pelo digníssimo Tribunal a quo, será suficiente para relevar a consideração, também propugnada por esta Tribunal, de não se afigurar lícito «que os autores devessem ou pudessem ocultar esses factos na petição inicial, aconselhando a prudência da litigância no foro que se afirmassem os mesmos».
CLII. Ora, seguindo o entendimento de Paula Costa e Silva, citando Alberto dos Reis, será de entender que «se o dolo substancial é imputável à parte, o dolo instrumental, traduzido numa censurável utilização dos meios processuais é imputável ao advogado».
CLIII.   Mais acrescentando, Paula Costa Silva, entendimento que sufragamos inteiramente: «na verdade, se é certo que o advogado só conhece os factos que a parte lhe apresenta, é também certo que o advogado se encontra sujeito a deveres deontológicos que, em nosso entender, de impõem uma análise crítica daquilo que a parte lhe relata. Com efeito, o advogado sabe que os factos alegados terão, regra geral, de ser provados. Isto implica que o adequado exercício do direito de acção por seu intermédio lhe imponha que interrogue a parte acerca da prova disponível antes de instaurar a acção ou deduzir a sua oposição. Para além da normal experiência, este escrutínio lhe permitirá detectar eventuais alterações da verdade dos factos.»
CLIV. Neste seguimento, concluindo a autora citada: «por outro lado, quanto à dedução de pretensão ou de oposição sem fundamento, também tem o advogado meios de o escrutinar. Aliás, regra geral não é a parte quem define a pretensão que deve ser deduzida. O tipo de frequência é aquele em que a parte relata o advogado uma situação de facto para a qual ele tentará encontrar a solução jurídica. Conforme dissemos já em outro lugar, o advogado deve comportar-se, na relação com o seu constituinte, como o pretor se comportava com as partes: da mihi facta, dabo tibi ius. Se o advogado não pode litigar contra as instruções da parte que representa, não deve seguir todas as instruções que recebe. Aqui avultam, uma vez mais as particularidades do exercício de uma profissão submetida a rigorosos deveres deontológicos. Tem absoluta actualidade as palavras de ALVES DE SÁ: [a] pena [contra o litigante de má fé] é sempre um meio correctivo e por isso muita veze ineficaz. Melhores são os remédios preventivos, e esses consistem na boa organização da magistratura dos advogados, pois, sendo esta respeitável, os litigantes de má-fé não terão quem lhes proponha as acções”.
CLV. Não se considerando, por conseguinte, nos termos sufragados, suficiente o douto entendimento propugnado pela Meritíssima Sr.ª Juiz a quo para se relevar o requerido, entendem os recorrentes, em razão da prova produzida colocar iminentemente em causa a conduta processual observada por parte dos autores, que estes devem ser condenados no pedido oportunamente formulado pelos réus.
CLVI.  Neste sentido, atenta a factualidade dada como provada e não provada e que os recorrentes entendem que deveria ter decisão diferente, impondo uma incorrecta decisão na aplicação do Direito nos termos veiculados no antecedente capítulo, resulta inequívoco que a acção deveria ter sido julgada totalmente improcedente, por não provada, devendo, em razão do exposto, ser totalmente revogada a decisão proferida nos presentes autos, em desfavor dos réus, e concomitantemente ser julgado procedente o pedido de condenação dos autores em litigância de má fé.
CLVII. Ao decidir de uma forma contrária ao supra alegado, o Tribunal recorrido praticou erro notório na apreciação e valoração das provas e erro de julgamento na decisão da matéria de facto e da factualidade dada como provada, acabando a decisão recorrida por fazer também uma menos correcta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, acabando por violar entre outros, o disposto nos o disposto nos n.ºs 3, 4 e 5 do artigo 607.º, artigo 5º, n.º 2, alínea c) e, bem assim, os artigos 7º e 542º, n.º 2 do Código de Processo Civil, artigos 334º, 342º, 349º, 351º, 396º, 432º, 798º, 799º, 1083º, n.º 1 e n.º 2, 1031º, 1038º, 1047º, 1051º, 1079º, 1081º, 1083º, n.º 1 do Código Civil; e, por fim, o n.º 3 do artigo 9º, e artigos 13-A e 13-B do Decreto-Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro (NRAU).

Os recorridos contra-alegaram, oferecendo as seguintes conclusões:

i. Os Recorrentes não se conformando com a douta sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, vieram interpor recurso da mesma, impugnando a decisão que pôs fim ao presente processo.
ii. Carece de total razão a pretensão exarada pelos recorrentes nas suas alegações de recurso, conforme de se pode verificar da bem fundamentada decisão proferida em primeira instância, a qual não merece qualquer reparo, muito menos que dela viessem os recorrentes interpor o presente recurso.
iii. Antes de mais, vejamos o seguinte, ao impugnarem a decisão proferida sobre a matéria de factos, os Recorrentes não dão cumprimento ao disposto no Artigo 640º, nº2, alínea a) do Código de Processo de Civil.
iv. Pese embora as exaustivas alegações de recurso dos Recorridos e que os mesmos procedam à transcrição de excertos de diversos depoimentos, os Recorrentes não indicam com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso.
v. Os Recorrentes limitam-se a indicar o início e termo de cada depoimento, não referindo em que minuto ou minutos foram prestadas as declarações transcritas.
vi. Pelo que, a devem ser indicadas, com exactidão, das passagens da gravação pressupões que estas sejam localizadas no tempo de modo preciso.
vii. Para além de os Recorrentes também não indicam a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
viii. Deve assim, de acordo com a citada norma legal, ser rejeitado o recurso nessa parte, o que desde já se requer.
ix. Quanto ao facto dado como provado na sentença sob o número 17: Alegam os Recorrentes que não deveria ter sido considerado como provado o facto dado como provado sob o n º 17.
x. Acontece que, muito bem andou o tribunal a quo, ao dar este facto como facto provado.
xi. Certo é que com este entendimento não fez o Tribunal a quo, através da douta sentença proferida, uma leitura enviesada dos factos que conformam o presente litígio como os Recorrentes querem fazer parecer. De facto, através da prova produzida é por demais evidente que, em primeiro lugar, os Recorrentes negaram o acesso ao locado, e posteriormente, negaram também que o aparelho do ar condicionado fosse alvo de uma prévia análise e de uma possível recuperação.
xii. Como se verificam no depoimento da testemunha EE, que não foi negada apenas uma vez o acesso ao locado mas sim por duas vezes, o que demonstra a falta de colaboração dos aqui Recorrentes com os aqui Recorridos.
xiii. Também nas missivas remetidas dos Recorrentes para os aqui Recorridos, estes sempre se mostraram intransigentes com a decisão de não facultarem o acesso devido ao locado reiterando sempre uma negação constante e desculpas sucessivas.
xiv. Também em declarações de parte do Recorrido, AA, refere que face à insistente negação de acesso ao imóvel para evitar qualquer mal-entendido, face às queixas-crime que os Recorrentes apresentavam constantemente contra o Recorrido, não pôs mais lá os pés.
xv. Pelo que julgou de forma iníqua o tribunal a quo quando considerou o facto sob o número 17 como provado não merecendo qualquer reparo.
xvi. Quanto ao facto dado como provado na sentença sob o número 18: Alegam também os Recorrentes que se deveria dar como não provado o facto dado como provado na douta sentença do tribunal a quo, o facto nº 18.
xvii. A testemunha HH, tornou evidente com o seu depoimento que o problema das infiltrações ocorridas no prédio da mesma continua por resolver.
xviii. Aliás, problema este que se mantém e se continua a agravar até aos dias de hoje.
xix. Pelo que julgou de forma iníqua o tribunal a quo quando considerou o facto sob o número 18 como provado não merecendo qualquer reparo.
xx. Quanto ao facto dado como não provado descrito na alínea c) : Alegam ainda os Recorrentes que deveria o Tribunal a quo ter dado como provado o facto descrito na alínea c).
xxi. Concordando com o Tribunal a quo, é por demais notório que este facto não poderia ter sido dado como provado.
xxii. Conclui-se tão só que através da missiva enviada pelos aqui Recorridos aos Recorrentes aos dias 18 de Dezembro de 2020, os aqui Recorrentes ficaram de todo a par do problema que estava a acontecer.
xxiii. A testemunha HH, em Audiência de Discussão e Julgamento referiu ter ido bater à porta dos Recorrente informando que a sua casa de banho estava a ser inundada e que os mesmos nada fizeram e que nunca colaboraram para a resolução extrajudicial do litígio.
xxiv. A testemunha referiu também que os Recorrentes nunca tendo permitiram a entrada de nenhum canalizador ou perito do seguro no imóvel mas que mantinham as 2 empregas domésticas a frequentar o imóvel, bem como diversos convívios com amigos.
xxv. Os Recorrentes bem sabiam e sempre souberam o que estava a acontecer, porque foram diversas vezes interpelados para o efeito.
xxvi. Pelo que julgou de forma iníqua o tribunal a quo quando considerou o facto sob a alínea c) como não provado, não merecendo qualquer reparo.
xxvii. Pelo que deve improceder a impugnação da decisão proferida quanto à matéria de facto. xxviii. Quanto à matéria de direito os Recorrentes alegam em suma, que o digníssimo Tribunal a quo, não ponderou a medida em que a mesma veio ser contestada pelos Réus.
xxix. Estamos perante um contrato de arrendamento com fim habitacional e por isso mesmo aplicável o disposto no Artigo 1030º do Código Civil.
xxx. Não há dúvidas que os Recorrentes incumpriram com as suas obrigações enquanto locatários do bem imóvel. Bem como têm feito uma utilização contrária aos bons costumes.
xxxi. Os senhorios, aqui Recorridos, sempre solicitaram aos Recorrentes uma vistoria global ao locado e os Recorrentes sempre negaram tal vistoria alegando a situação pandémica que se vivia.
xxxii. Tal como referido e bem pelo tribunal a quo, que não merece nenhuma correcção “Como tal, atendendo à necessidade de apurar a causa e resolver o problema de infiltrações aludido, impunha-se aos réus que permitissem o acesso ao locado aos autores e/ou aos técnicos por si enviados, apenas se exigindo a tomada das precauções necessárias – o distanciamento, o uso de máscara e de desinfectante -, o que foi, aliás, proposto pelos autores na última das cartas enviadas.”.
xxxiii. Assim sendo não merece qualquer reparo a sentença que concluiu pela resolução do contrato de arrendamento por incumprimento da obrigação prevista no artigo 1038º, alínea b), do Código Civil, com a consequente cessação do contrato.
xxxiv. Continuam a alegar os Recorrentes que os Recorridos litigam de má-fé referindo que tiveram vários prejuízos.
xxxv. Pergunte-se, quais serão os prejuízos no imóvel que terão os aqui Recorridos quando os Recorrentes desocuparem o mesmo?
xxxvi. Apesar dos aqui Recorridos terem ocultado na petição inicial que os aqui Recorrentes não responderam às missivas enviadas por eles, não significa que os mesmos o tenham feito dolosamente mas sim porque tudo não passou de uma troca de correspondência tratada entre advogados.
xxxvii. Com isto apercebemo-nos de imediato que de longe se encontram preenchidos os requisitos previstos no Artigo 542º do Código do Processo Civil, pelo que o Tribunal a quo decidiu correctamente quando julgou improcedente o pedido de condenação de litigância de má fé.
xxxviii. Por tudo o que foi explanado, bem andou o Tribunal a quo ao julgar a acção parcialmente procedente, em consequência, resolver o contrato de arrendamento e condenar os réus a entregarem o locado aos autores, livres de pessoas e bens (com excepção daqueles bens que integravam o recheio do locado e que foram objecto do contrato) e ao julgar improcedente o pedido de condenação das partes como litigantes de má-fé.
xxxix. Assim e por tudo quanto foi exposto, a douta sentença proferida não merece qualquer reparo!

II
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando as referidas conclusões, as questões a decidir consistem em saber:
a) se ocorreu erro no julgamento da matéria de facto
b) se ocorreu erro na aplicação do Direito aos factos provados
c) se os autores litigaram de má-fé

III
A sentença considerou provados os seguintes factos:
1. Por acordo escrito celebrado em ../../2018, denominado de “Contrato de Arrendamento para fim habitacional com prazo certo”, os autores, na qualidade de primeiros outorgantes, declararam dar de arrendamento ao réu CC, na qualidade de segundo outorgante, o prédio urbano sito na rua ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial urbana U.F. ..., ..., ... (... e ...) sob o artigo ...67;
2. Estipulou-se na cláusula terceira do acordo referido em 1.: “1 – O prazo de duração do arrendamento é de 5 (cinco) anos, tendo o seu início no dia 1 de Agosto de 2018 e termina em 31 de Julho de 2023. 2 – Sem prejuízo do prazo consignado no número anterior, os primeiros outorgantes aceitam condicionar a decisão do segundo outorgante a possibilidade de renovação do presente contrato por mais dois anos. 3 – Não se opondo o segundo outorgante à renovação do contrato, nos termos e no prazo dispostos no artigo 1055º do Código Civil, o mesmo considerar-se-á, para os devidos efeitos e tendo por apreço o disposto no número anterior, renovado por um prazo suplementar de 2 (dois) anos.”;
3. Estipulou-se na cláusula quarta do acordo referido em 1.: “A renda anual é de € 1.800,00 (mil e oitocentos euros) e será paga na morada dos primeiros outorgantes, ou por transferência bancária para o IBAN a indicar, em duodécimos mensais de € 150,00 (cento e cinquenta euros), até ao oitavo dia do mês a que disser respeito.”;
4. Estipulou-se na cláusula sexta do acordo referido em 1.: “1 – O segundo outorgante fica obrigado a manter o local arrendado em bom estado de conservação e limpeza, ressalvando o desgaste proveniente da sua normal e prudente utilização, fazendo à sua custa as obras de reparação que para o efeito se tornem necessárias. (…)”;
5. A ré DD assinou o acordo referido em 1.;
6. Os autores e o réu CC subscreveram o “Aditamento ao Contrato de Arrendamento para habitação com prazo certo” – junto aos autos como doc. ... da petição inicial (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido) -, datado de 11/07/2018, do qual consta: “Pelo presente aditamento, os outorgantes acordaram em alterar a cláusula quarta do mesmo contrato no sentido de ficar a constar que a renda a pagar mensalmente será de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros), a partir da data do seu início, ou seja, 1 de Agosto de 2018 até ao final do prazo do contrato, ou seja até ../../2023 ou, na eventualidade de se observar a renovação suplementar de dois anos  prevista na cláusula terceira, até ../../2025.”;
7. A ré DD assinou o documento referido em 6.;
8. No imóvel referido em 1., os silicones de remate junto aos rodapés em inox das bases de chuveiro das casas de banho apresentam desgaste natural por uso continuado;
9. Em consequência do descrito em 8., a fracção do piso inferior apresenta infiltrações de água nos tectos das casas de banho;
10. Em data não concretamente apurada, mas posterior ao Verão de 2020, a proprietária da fracção do piso inferior ao imóvel referido em 1 reportou aos autores o descrito em 9.
11. Na sequência de tal, os autores enviaram aos réus uma carta registada, datada de 05/11/2020, com o seguinte teor: “Considerando o contrato de arrendamento urbano em vigor, e na qualidade de senhorios, vimos por este meio, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do artigo 1038º do Código Civil, comunicar a V. exas que pretendemos efectuar o exame ao estado global do arrendado, incluindo no que alude o aditamento ao contrato de arrendamento. Sendo este um direito nosso e um dever de V. Exas. ao qual não se poderão eximir, comunicamos que se deslocarão em conjunto ao arrendado pessoas da nossa confiança - com conhecimentos técnicos suficientes para aferir do estado do arrendado – no próximo dia 26 de Novembro pelas 09:00horas, devendo V. Exas. facultar o acesso ao imóvel e bem assim acompanhar a visita.”;
12. O réu respondeu à carta referida em 11. com o envio ao autor de carta datada de 23/11/2020, com o seguinte teor: “Sou a comunicar a V/Ex.ª que recebi a missiva que me endereçou a 05 de Novembro último (…) Aguardei alguns dias, não apresentando de imediato uma resposta, para compreender se o presente Estado de Emergência se renovaria, por razões de saúde pública, abarcando a data enunciada para a alegada realização de vistoria, o que se confirma, revelando-se ..., como V/Ex.ª bem saberá, um dos concelhos de mais elevado risco. Como não foi alegada, na V/ missiva, as razões que motivam a referida vontade de vistoria, enquanto senhorio do imóvel de que sou arrendatário, nem tendo eu conhecimento, como deveria, (…) de quaisquer obras urgentes necessárias para qualquer efeito à qual V/Ex.ª deveria levar a cabo de imediato, e como a respectiva vistoria necessita da convenção de ambas as partes, não o podendo fazer o senhorio unilateralmente, (…), a referida vistoria deverá ser realizada, com o acordo das partes, numa data ulterior. Ora, devo comunicar que, uma vez que o meu pai se insere no grupo de alto risco, padecendo de diabetes, e convivendo este com as pessoas que residem no locado diariamente, designadamente os meus filhos, não posso deixar de manter o mais elevado grau de cautela que a presente situação de calamidade impõe. (…)”;
13. O réu enviou ao autor uma carta datada de 02/12/2020 – junta aos autos como doc. ...0 da contestação, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido - com o seguinte teor: “Após o incidente do passado dia 26 de Novembro, em que V/ Ex.ª teimou em comparecer na minha residência importunando a minha mulher e os meus filhos numa altura em que não me encontrava em casa, fazendo-o apesar da minha comunicação que lhe vim oportunamente endereçar para o efeito de o informar que a vistoria solicitada teria de ser impreterivelmente adiada para uma data ulterior, devo comunicar e reiterar-lhe o seguinte: (…) 4. Reitero, pois, o que já lhe manifestei na missiva anterior, que aqui junto em anexo e dou inteiramente por reproduzida uma vez que V/ Ex.ª não diligenciou por recebê-la, denotando, pois – até prova em contrário – manifesta má-fé, e ostentando uma actuação perfeitamente incompreensível numa altura de calamidade pública, convidando para a minha residência alegados técnicos, pessoas que me são estranhas, sem qualquer tipo de contexto ou de justificação, quer relativamente à respectiva identificação, quer relativamente à motivação de V/ Ex.ª, fazendo perigar, porque sim, porque se lembrou, a vida da mulher, dos meus filhos e dos meus pais. Constato, assim, que teimando em desconsiderar a minha posição, para todos legítima, enquanto arrendatário, insistindo em desestabilizar a minha vida e a da minha família, no uso de prerrogativas que – apesar de constarem da lei, designadamente a constante da alínea b) do artigo 1038º do Código Civil e que serão, em suma, acatadas numa altura mais condigna para o efeito – mais não quer V/. Ex.ª senão criar desassossego, infernizar e assediar-me a mim e aos meus. (…)”;
14. O Advogado dos autores enviou aos réus uma carta registada, datada de 18/12/2020, com o seguinte teor: “Considerando o contrato de arrendamento urbano em vigor, e na qualidade de mandatário dos senhorios, venho comunicar a V/ Exas. de que os meus constituintes pretendem efectuar o exame ao estado global do arrendado, sendo este um direito dos meus constituintes e um dever de V/ Exas, ao qual não se poderão eximir, nos termos do artigo 1038º, al. b) do Código Civil. Comunico a V. exas que os meus constituintes se deslocarão ao imóvel em questão dia 28 de Dezembro de 2020 pelas 09:00 horas, acompanhados por pessoas da sua confiança com conhecimentos técnicos suficientes para aferir do estado do imóvel, devendo V. Exas. facultar o acesso ao imóvel e bem assim acompanhar a visita. Por último, cabe-me informar que toda a visita se irá realizar com as respectivas máscaras colocadas e a consequente desinfecção das mãos, dado a situação pandémica que atravessamos. assim, irão ser cumpridas todas as medidas de segurança, sendo certo que nenhum dos meus constituintes apresenta quaisquer sintomas. Se não colaborarem com o aqui requisitado, de imediato intentaremos respectiva acção para fazer valer os direitos dos meus constituintes.”;
15. Em Janeiro de 2022, o aparelho de ar condicionado correspondente ao imóvel referido em 1, que está colocado na cobertura do prédio, apresentava-se sem tampas;
16. Em Janeiro de 2022, o aparelho de ar condicionado referido em 15 deixou de funcionar;
17. Os réus negaram o acesso ao imóvel referido em 1 ao técnico enviado pelos autores para apuramento das causas das infiltrações referidas em 9 e para a reparação do aparelho do ar condicionado;
18. Em consequência, as infiltrações referidas em 9 continuam por reparar;
19. Em data não concretamente apurada, mas que remonta ao ano de 2019, o autor e os réus entraram em conflito por causa da alteração da redacção do acordo referido em 1, conflito esse que originou a apresentação de queixas-crime recíprocas entre autor e ré.

Não se provaram quaisquer outros factos dos alegados com interesse para a decisão da causa, designadamente que:
a) O imóvel referido em 1 apresente problemas de humidade;
b) Os réus não responderam às cartas enviadas pelos autores;
c) Os réus apenas tiveram conhecimento do descrito em 9. após a citação para os presentes autos;
d) As placas do aparelho de ar condicionado referido em 15 estão estragadas, por falta de manutenção do mesmo desde a data referida em 1.

IV
Conhecendo do recurso.

A- Julgamento da matéria de facto

Começam os recorrentes por impugnar a decisão sobre matéria de facto.
Os recorridos vieram dizer, nas suas contra-alegações, que o recurso deve ser rejeitado nessa parte, porque “pese embora as exaustivas alegações de recurso dos Recorridos e que os mesmos procedam à transcrição de excertos de diversos depoimentos, os Recorrentes não indicam com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso” (…). Para além de os Recorrentes também não indicam a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
Há regras apertadas para poder impugnar a decisão sobre matéria de facto.

Constam do art. 640º CPC os requisitos formais de admissibilidade do recurso sobre matéria de facto. Como escreve Abrantes Geraldes (Recursos, 2017, fls. 158):
“a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em algumas das seguintes situações:
a) falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635º, nº 4 e 641º, nº 2, al. b);
b) falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados (art. 640º, nº 1, al. a);
c) falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (vg. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc);
d) falta de indicação exacta, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação”.

No caso concreto, e salvo o devido respeito por opinião contrária, os recorrentes indicam de forma clara quais os pontos de facto que consideram mal julgados, quais as respostas que entendem que o Tribunal deveria ter dado aos mesmos, e indicam em concreto os meios de prova que em seu entender deveriam ter levado a decisão diversa.
Pensamos que não assiste razão aos recorridos, nesta parte, pois os recorrentes apresentam excertos dos depoimentos que invocam para fundamentar o seu recurso. Coisa diferente é saber se esses excertos permitem dar-lhes razão, mas isso já nada tem a ver com a admissibilidade do recurso, e sim com o mérito do mesmo.
Assim, podemos conhecer desta parte do recurso, sendo que esta Relação procedeu à audição integral de toda a prova gravada.

Facto provado 17

Começam os recorrentes por impugnar o facto provado 17, o qual, dizem, deveria ter sido julgado não provado.

Recordemos:
“17. Os réus negaram o acesso ao imóvel referido em 1 ao técnico enviado pelos autores para apuramento das causas das infiltrações referidas em 9 e para a reparação do aparelho do ar condicionado;

O Tribunal recorrido fundamenta assim essa decisão:
a prova dos factos 15 e 17 resulta da valoração positiva do depoimento da testemunha EE, picheleiro que prestou serviços para o autor em Janeiro de 2022, a qual, num depoimento circunstanciado e objectivo, descreveu o estado do aparelho do ar condicionado que viu a pedido do autor, bem como o comportamento de recusa do réu em desligar a corrente eléctrica com vista à detecção e tentativa de reparação da avaria do ar condicionado. A referida testemunha mereceu a credibilidade do tribunal, porquanto teve intervenção directa nos factos, mostrando isenção e alheamento à causa, descrevendo o que assistiu de forma absolutamente espontânea e descomprometida.
Mais referiu a aludida testemunha que a empregada dos réus não lhe franqueou a entrada no imóvel referido em 1. com vista à resolução do problema das infiltrações da fracção inferior.
Em face do exposto, o tribunal convenceu-se do descrito nos factos 15. e 17., assim os dando como provados”.
O facto 17 tem de ser visto em conjugação com os factos 8 e 9, que não foram impugnados, e que nos dizem que no locado os silicones de remate junto aos rodapés em inox das bases de chuveiro das casas de banho apresentam desgaste natural por uso continuado, e em consequência disso a fracção do piso inferior apresenta infiltrações de água nos tectos das casas de banho.
Atento o depoimento da testemunha comum a autores e réus, EE, bem andou o Tribunal recorrido em considerar provado o facto 17. Com efeito, a testemunha foi inteiramente credível, e relatou, em síntese, que foi bater à porta de casa dos réus por duas vezes, a pedido do autor, da primeira vez por causa de infiltrações na casa de banho e da segunda por causa da máquina de ar condicionado. E das duas vezes não lhe foi permitida a entrada na fracção. O depoimento da testemunha HH veio corroborar este depoimento, dando-lhe contexto.
Aliás, nem os recorrentes afirmam que deixaram entrar a pessoa em causa. A argumentação deles vai antes no sentido de terem razões válidas para não a deixar entrar.
Logo, independentemente da questão de saber se há ou não coincidência entre as cartas enviadas aos réus a informar da necessidade da visita de técnico e as razões que este último invocou quando se dirigiu ao locado e tocou a campainha, é um facto incontroverso que quando EE se dirigiu ao locado para apuramento das causas das infiltrações referidas em 9 e para a reparação do aparelho do ar condicionado, foi-lhe negado o acesso ao imóvel.
O facto 17 mantém-se como provado.

Facto provado 18
18. Em consequência, as infiltrações referidas em 9 continuam por reparar;”
Quanto a este facto 18, são os próprios recorrentes que afirmam que “a razão que leva os ora recorrentes à impugnação deste facto, deve-se a ter-se inscrito que o mesmo resulta em consequência do facto anterior, designadamente do facto 17, ou seja, a negação do acesso por parte dos réus, ora recorrentes”.
O Tribunal recorrido consignou: “a prova dos factos 10 e 18 resulta da valoração positiva do depoimento da testemunha HH, proprietária da fracção inferior ao imóvel referido em 1, a qual, num depoimento sério e isento, descreveu as infiltrações ocorridas em sua casa e o que fez para resolver tal problema, designadamente a comunicação ao autor e ao condomínio, mais informando, com toda a objectividade e isenção, que tal problema continua por resolver, face ao conflito existente entre autores e réus (ao qual é alheia).
E, com efeito, este facto resulta directamente do depoimento da referida testemunha HH, a qual, apesar de ser amiga dos autores, depôs de forma merecedora de credibilidade, não se tendo notado qualquer desvio narrativo para favorecer estes. E o que ela declarou foi que teve duas infiltrações na sua casa, uma em 2020 e outra em 22 e até hoje ainda não foi indemnizada devido ao desentendimento entre autores e réus.
Mas é importante fazer referência ao que a testemunha acrescentou: que aquando da segunda infiltração estava em casa, apercebeu-se imediatamente da água a cair, e foi de imediato a casa dos réus, reportar a situação: a resposta que obteve da ré foi que estava alguém a tomar banho. A testemunha voltou para casa e passados 5 minutos a ré apareceu à sua porta a dizer que queriam colaborar com ela e para ela não dizer nada ao senhorio, que lhe mandariam um canalizador logo na segunda-feira. E a testemunha recusou, porque já tinha comunicado o facto ao proprietário.
Entendemos que esta parte do depoimento da testemunha deve igualmente ficar a constar da matéria fáctica (art. 5º,2,a,b CPC), o que faremos alterando a redacção do ponto 18, da seguinte forma:
18. Em consequência, as infiltrações referidas em 9 continuam por reparar, apesar de, aquando da segunda infiltração a ré ter dito à testemunha HH que queriam colaborar com ela, e que lhe enviariam um canalizador logo na segunda-feira seguinte, pedindo-lhe para não reportar a situação ao senhorio, proposta que a testemunha recusou por já ter feito esse reporte aos senhorios”.

Alínea c dos factos não provados
Finalmente, afirmam os recorrentes que deveria ter ficado provado que “os réus apenas tiveram conhecimento do descrito em 9 após a citação para os presentes autos”. E por isso pedem a esta Relação que transmute a alínea c) dos factos não provados em mais uma alínea dos provados.
E afirmam que existe prova consistente no sentido de que os réus não tiveram conhecimento das infiltrações a não ser quando vieram ser citados para a presente lide.
O Tribunal recorrido fundamenta assim: “a não prova do facto c) resulta da absoluta falta de meios probatórios produzidos quanto a tal, sendo certo que apenas o réu o declarou nas suas declarações de parte, as quais, por si só e dado o inerente interesse na causa, não lograram o convencimento do tribunal. Acresce que o descrito no facto c) mostra-se também contrário às regras da experiência comum e do normal acontecer, na medida em que, tratando-se de um prédio com apenas três apartamentos, é improvável que um problema de infiltrações originado por uma fracção de terceiro seja desconhecido dos demais proprietários. Aliás, tendo tal problema sido comunicado ao próprio condomínio, e sendo do conhecimento do proprietário da outra fracção – II, que, no seu depoimento, referiu saber de tal problema de infiltrações -, temos por ilógico e pouco provável que os réus não o conhecessem antes da citação feita nos presentes autos, uma vez que tal problema remonta a 2020 e a citação ocorreu apenas em Março de 2021. Daí que o tribunal não se tenha convencido no descrito no facto c), assim o dando como não provado”.

Vejamos.
A testemunha HH disse que ocorreram duas infiltrações na sua casa, a primeira em 2020 e a segunda, pensa, em 2022. Passaram dois anos entre uma e outra. Acrescentou que aquando da primeira infiltração não estava em casa. Ausentou-se no verão e quando chegou em Setembro viu uma mancha enorme de humidade. Falou com o dono, (o autor) e ele foi lá ver e disse que ia accionar o seguro. Depois foi lá um perito a casa dela, que depois o autor lhe disse que terá ido ao ... andar, mas que não o deixaram entrar. Aquando da segunda infiltração ela estava em casa, dei logo por isso. Começou a cair água do foco de luz. Foi logo de seguida tocar à campainha de casa dos réus. Mas a testemunha também acrescentou que depois a água parou de cair, pensa que eles devem ter acabado de tomar banho, e que não voltou a cair desde então, de onde deduz que “eles devem ter arranjado aquilo”.
É importante ter presente que a referência a que não deixaram o técnico entrar é um facto que resulta de depoimento indirecto.
Do depoimento da testemunha II resulta que houve uma infiltração numa casa de banho do seu apartamento (... andar), que ele pensa que tem a ver com a casa de banho do ... andar, e disse que a ré colaborou com ele. Ainda declarou que sabia da infiltração no apartamento da testemunha HH, por esta lho ter mencionado.
EE disse que tinha ido ao prédio em causa, chamado pelo Comandante, por causa de um problema de inundações (chuveiro), mas não lhe abriram a porta.
O réu, ouvido em depoimento/declarações de parte, disse que a vizinha de baixo (HH) nunca os interpelou por causa de uma inundação, e que só soube da infiltração quando começou o processo.
E o autor disse que a HH, do ... andar, se queixou de infiltrações na casa de banho dela e na suite, que ele participou à seguradora, que quis ir fazer uma peritagem ao apartamento arrendado. E foi aí, segundo o autor, que começaram os problemas, porque os réus nunca os deixaram entrar.
Com esta prova, não vemos qualquer razão para alterar a decisão recorrida, antes concordamos com ela integralmente. A única prova no sentido de dar o facto controvertido como provado foram as declarações do réu. Porém, parece óbvio que as mesmas não podem ser tidas em conta sem outra prova adjuvante, atento o interesse directo que o declarante tem na solução da causa, e ainda atento o facto de a explicação que ele deu para a origem deste conflito entre autores e réus não ser convincente. E essa prova não existiu.
E assim a alínea c) mantém-se não provada.

Na sequência do aditamento feito por esta instância na matéria de facto provada, vamos agora reproduzir a mesma na íntegra.

1. Por acordo escrito celebrado em ../../2018, denominado de “Contrato de Arrendamento para fim habitacional com prazo certo”, os autores, na qualidade de primeiros outorgantes, declararam dar de arrendamento ao réu CC, na qualidade de segundo outorgante, o prédio urbano sito na rua ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial urbana U.F. ..., ..., ... (... e ...) sob o artigo ...67;
2. Estipulou-se na cláusula terceira do acordo referido em 1.: “1 – O prazo de duração do arrendamento é de 5 (cinco) anos, tendo o seu início no dia 1 de Agosto de 2018 e termina em 31 de Julho de 2023. 2 – Sem prejuízo do prazo consignado no número anterior, os primeiros outorgantes aceitam condicionar a decisão do segundo outorgante a possibilidade de renovação do presente contrato por mais dois anos. 3 – Não se opondo o segundo outorgante à renovação do contrato, nos termos e no prazo dispostos no artigo 1055º do Código Civil, o mesmo considerar-se-á, para os devidos efeitos e tendo por apreço o disposto no número anterior, renovado por um prazo suplementar de 2 (dois) anos.”;
3. Estipulou-se na cláusula quarta do acordo referido em 1.: “A renda anual é de € 1.800,00 (mil e oitocentos euros) e será paga na morada dos primeiros outorgantes, ou por transferência bancária para o IBAN a indicar, em duodécimos mensais de € 150,00 (cento e cinquenta euros), até ao oitavo dia do mês a que disser respeito.”;
4. Estipulou-se na cláusula sexta do acordo referido em 1.: “1 – O segundo outorgante fica obrigado a manter o local arrendado em bom estado de conservação e limpeza, ressalvando o desgaste proveniente da sua normal e prudente utilização, fazendo à sua custa as obras de reparação que para o efeito se tornem necessárias. (…)”;
5. A ré DD assinou o acordo referido em 1.;
6. Os autores e o réu CC subscreveram o “Aditamento ao Contrato de Arrendamento para habitação com prazo certo” – junto aos autos como doc. ... da petição inicial (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido) -, datado de 11/07/2018, do qual consta: “Pelo presente aditamento, os outorgantes acordaram em alterar a cláusula quarta do mesmo contrato no sentido de ficar a constar que a renda a pagar mensalmente será de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros), a partir da data do seu início, ou seja, 1 de Agosto de 2018 até ao final do prazo do contrato, ou seja até ../../2023 ou, na eventualidade de se observar a renovação suplementar de dois anos  prevista na cláusula terceira, até ../../2025.”;
7. A ré DD assinou o documento referido em 6.;
8. No imóvel referido em 1., os silicones de remate junto aos rodapés em inox das bases de chuveiro das casas de banho apresentam desgaste natural por uso continuado;
9. Em consequência do descrito em 8., a fracção do piso inferior apresenta infiltrações de água nos tectos das casas de banho;
10. Em data não concretamente apurada, mas posterior ao Verão de 2020, a proprietária da fracção do piso inferior ao imóvel referido em 1 reportou aos autores o descrito em 9.
11. Na sequência de tal, os autores enviaram aos réus uma carta registada, datada de 05/11/2020, com o seguinte teor: “Considerando o contrato de arrendamento urbano em vigor, e na qualidade de senhorios, vimos por este meio, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do artigo 1038º do Código Civil, comunicar a V. exas que pretendemos efectuar o exame ao estado global do arrendado, incluindo no que alude o aditamento ao contrato de arrendamento. Sendo este um direito nosso e um dever de V. Exas. ao qual não se poderão eximir, comunicamos que se deslocarão em conjunto ao arrendado pessoas da nossa confiança - com conhecimentos técnicos suficientes para aferir do estado do arrendado – no próximo dia 26 de Novembro pelas 09:00horas, devendo V. Exas. facultar o acesso ao imóvel e bem assim acompanhar a visita.”;
12. O réu respondeu à carta referida em 11. com o envio ao autor de carta datada de 23/11/2020, com o seguinte teor: “Sou a comunicar a V/Ex.ª que recebi a missiva que me endereçou a 05 de Novembro último (…) Aguardei alguns dias, não apresentando de imediato uma resposta, para compreender se o presente Estado de Emergência se renovaria, por razões de saúde pública, abarcando a data enunciada para a alegada realização de vistoria, o que se confirma, revelando-se ..., como V/Ex.ª bem saberá, um dos concelhos de mais elevado risco. Como não foi alegada, na V/ missiva, as razões que motivam a referida vontade de vistoria, enquanto senhorio do imóvel de que sou arrendatário, nem tendo eu conhecimento, como deveria, (…) de quaisquer obras urgentes necessárias para qualquer efeito à qual V/Ex.ª deveria levar a cabo de imediato, e como a respectiva vistoria necessita da convenção de ambas as partes, não o podendo fazer o senhorio unilateralmente, (…), a referida vistoria deverá ser realizada, com o acordo das partes, numa data ulterior. Ora, devo comunicar que, uma vez que o meu pai se insere no grupo de alto risco, padecendo de diabetes, e convivendo este com as pessoas que residem no locado diariamente, designadamente os meus filhos, não posso deixar de manter o mais elevado grau de cautela que a presente situação de calamidade impõe. (…)”;
13. O réu enviou ao autor uma carta datada de 02/12/2020 – junta aos autos como doc. ...0 da contestação, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido - com o seguinte teor: “Após o incidente do passado dia 26 de Novembro, em que V/ Ex.ª teimou em comparecer na minha residência importunando a minha mulher e os meus filhos numa altura em que não me encontrava em casa, fazendo-o apesar da minha comunicação que lhe vim oportunamente endereçar para o efeito de o informar que a vistoria solicitada teria de ser impreterivelmente adiada para uma data ulterior, devo comunicar e reiterar-lhe o seguinte: (…) 4. Reitero, pois, o que já lhe manifestei na missiva anterior, que aqui junto em anexo e dou inteiramente por reproduzida uma vez que V/ Ex.ª não diligenciou por recebê-la, denotando, pois – até prova em contrário – manifesta má-fé, e ostentando uma actuação perfeitamente incompreensível numa altura de calamidade pública, convidando para a minha residência alegados técnicos, pessoas que me são estranhas, sem qualquer tipo de contexto ou de justificação, quer relativamente à respectiva identificação, quer relativamente à motivação de V/ Ex.ª, fazendo perigar, porque sim, porque se lembrou, a vida da mulher, dos meus filhos e dos meus pais. Constato, assim, que teimando em desconsiderar a minha posição, para todos legítima, enquanto arrendatário, insistindo em desestabilizar a minha vida e a da minha família, no uso de prerrogativas que – apesar de constarem da lei, designadamente a constante da alínea b) do artigo 1038º do Código Civil e que serão, em suma, acatadas numa altura mais condigna para o efeito – mais não quer V/. Ex.ª senão criar desassossego, infernizar e assediar-me a mim e aos meus. (…)”;
14. O Advogado dos autores enviou aos réus uma carta registada, datada de 18/12/2020, com o seguinte teor: “Considerando o contrato de arrendamento urbano em vigor, e na qualidade de mandatário dos senhorios, venho comunicar a V/ Exas. de que os meus constituintes pretendem efectuar o exame ao estado global do arrendado, sendo este um direito dos meus constituintes e um dever de V/ Exas, ao qual não se poderão eximir, nos termos do artigo 1038º, al. b) do Código Civil. Comunico a V. exas que os meus constituintes se deslocarão ao imóvel em questão dia 28 de Dezembro de 2020 pelas 09:00 horas, acompanhados por pessoas da sua confiança com conhecimentos técnicos suficientes para aferir do estado do imóvel, devendo V. Exas. facultar o acesso ao imóvel e bem assim acompanhar a visita. Por último, cabe-me informar que toda a visita se irá realizar com as respectivas máscaras colocadas e a consequente desinfecção das mãos, dado a situação pandémica que atravessamos. assim, irão ser cumpridas todas as medidas de segurança, sendo certo que nenhum dos meus constituintes apresenta quaisquer sintomas. Se não colaborarem com o aqui requisitado, de imediato intentaremos respectiva acção para fazer valer os direitos dos meus constituintes.”;
15. Em Janeiro de 2022, o aparelho de ar condicionado correspondente ao imóvel referido em 1, que está colocado na cobertura do prédio, apresentava-se sem tampas;
16. Em Janeiro de 2022, o aparelho de ar condicionado referido em 15 deixou de funcionar;
17. Os réus negaram o acesso ao imóvel referido em 1 ao técnico enviado pelos autores para apuramento das causas das infiltrações referidas em 9 e para a reparação do aparelho do ar condicionado;
18. Em consequência, as infiltrações referidas em 9 continuam por reparar, apesar de, aquando da segunda infiltração a ré ter dito à testemunha HH que queriam colaborar com ela, e que lhe enviariam um canalizador logo na segunda-feira seguinte, pedindo-lhe para não reportar a situação ao senhorio, proposta que a testemunha recusou por já ter feito esse reporte aos senhorios”.
19. Em data não concretamente apurada, mas que remonta ao ano de 2019, o autor e os réus entraram em conflito por causa da alteração da redacção do acordo referido em 1, conflito esse que originou a apresentação de queixas-crime recíprocas entre autor e ré.

B- Julgamento da matéria de direito
Os autores vieram a Juízo pedir que o Tribunal declare resolvido o contrato de arrendamento que eles celebraram com os réus. Fazem assentar essa sua pretensão na alegação de que os réus têm vindo a violar reiteradamente o contrato, fazendo uma má, errónea e imprudente utilização do imóvel (art. 1038º,d CC), e, conjuntamente, têm recusado aos autores a possibilidade de examinar a fracção (art. 1038º,b CC). E em sede de articulado superveniente vieram ampliar a causa de pedir, alegando que o aparelho do ar condicionado referente ao locado, que está instalado na cobertura do prédio, está danificado por falta de manutenção dos réus, o que consubstancia igualmente um mau e imprudente uso do locado.
A sentença recorrida considerou em síntese que, por um lado, não se provou que os réus tenham feito uma utilização imprudente do locado, prevista no artigo 1038º, alínea d), do Código Civil, pelo que essa causa de pedir se queda indemonstrada. Mas já considerou que o comportamento demonstrado dos réus, de não facultar o acesso ao locado, sem causa justificativa aceitável, configura uma violação contratual, e que esta é suficiente para fundar a resolução do contrato de arrendamento. E por isso declarou resolvido o contrato de arrendamento em causa nos autos.
No recurso que agora analisamos, os réus, aparentemente, não impugnaram isoladamente a aplicação do direito aos factos provados, fazendo-o apenas na sequência da pretendida procedência da impugnação da decisão sobre matéria de facto.
Dizemos aparentemente porque ao longo da extensa lista de conclusões há várias passagens que podem ser interpretadas num sentido ou noutro.
E assim, vamos agora analisar a questão de saber se, atentos os factos provados, ocorreu violação dos deveres dos inquilinos que justifique a resolução do contrato pelo senhorio, e, mais concretamente, se a situação de pandemia vivida em Portugal em 2020 deve ser vista como interferindo no exercício do direito dos locadores de examinar a fracção locada.

Dispõe o art. 1083º,1 CC (redacção da Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro - com início de vigência a 13 de Fevereiro de 2019), sob a epígrafe “fundamento da resolução”, que qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte.
E o nº 2 acrescenta que é fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento, designadamente, quanto à resolução pelo senhorio (…) e depois seguem-se várias alíneas com exemplos concretos de incumprimento, obviamente não taxativas.
Interessa-nos agora o art. 1038º,b CC que dispõe que uma das obrigações do locatário é facultar ao locador o exame da coisa locada. Pires de Lima e Antunes Varela escrevem: “o direito de examinar a coisa locada é conferido ao locador em termos amplos, mas é claro que o locador não pode, sob pena de abuso do seu direito (art. 334º), exercê-lo em condições de prejudicar o gozo da coisa pelo locatário (cfr. art. 1037º). A boa-fé impõe que o faça de forma conciliatória para os dois direitos”.
Não é preciso muito esforço para perceber que este direito a examinar a coisa locada não é um direito cego e irrestrito, sob pena de poder ser usado pelo senhorio como um meio para, na prática, impedir o inquilino de ter o gozo do imóvel, sobretudo nos casos como o presente, em que estamos perante um arrendamento para habitação.
Antes pelo contrário, é um direito que, como todos os outros, tem de se compatibilizar com os direitos que para o inquilino emergem do contrato. A questão que se coloca com mais premência é como fazer essa compatibilização em concreto, pois em abstracto é fácil de fazer.
O Acórdão do TRC de 14/3/2023 (Falcão de Magalhães) chama a atenção para que a violação deste dever do arrendatário pode agora, com a passagem da taxatividade à natureza enunciativa das causas de resolução, operada pelo NRAU, conferir ao senhorio um poder de resolução do contrato.
Edgar Alexandre Valente, escreve sobre esta matéria: (Manual de Arrendamento e Despejo, págs. 89 e 90): “deve o senhorio, após a celebração do contrato de arrendamento com o arrendatário, através do qual proporciona o gozo do imóvel a este, abster-se de perturbar a respectiva utilização que o inquilino faz do locado, constituindo tal dever de abstenção uma das suas obrigações mais elementares. Não obstante, tal obrigação conhece excepções uma vez que o senhorio tem o direito e, por vezes, o dever, de proceder ao exame do imóvel arrendado, sendo diversas as razões que presidem à realização de tal exame, com o qual o arrendatário, não se podendo opor, deverá colaborar e tolerar, uma vez que um dos principais motivos da sua realização respeita precisamente ao apuramento de necessárias obras ou reparações que deverão ser realizadas pelo senhorio e que o mesmo, apenas mediante a respectiva percepção presencial, poderá tomar as medidas adequadas à resolução efectiva do problema, sendo que após tal exame, também a respectiva mora do senhorio poderá ser valorada pelo arrendatário no sentido de se encontrar legitimado a realizar reparações e despesas urgentes, nos termos do artigo 1036.º e dos artigos 22.º -A e seguintes do RJOPA”.
Confrontados com um comportamento do inquilino que configure uma violação dos seus deveres contratuais, será necessário que, analisando as circunstâncias do caso, seja possível configurar essa violação como um “incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento” (art. 1083º,2 CC). […]». (Pinto Furtado, “Manual do Arrendamento Urbano”, Vol 1º, 4ª edição actualizada, pág. 543).
Vejamos um termo de comparação: o Acórdão da Relação do Porto de 14/01/2020, Apelação nº 5544/19.8T8PRT.P1, considerou o seguinte: «[…] a matéria fáctica considerada assente, onde se consigna a existência de um cheiro muito mau, o aspecto degradado do locado, as paredes completamente pretas, a sujidade do imóvel e o lixo espalhado no chão, mostra-se vaga, genérica, pouco concreta, e, pela sua singeleza, não permite concluir que tenha havido da parte do locatário uma utilização imprudente do locado. Porém, é igualmente obrigação do locatário facultar ao locador o exame da coisa locada (art. 1038º, al. b) do Cód. Civil). Com esta obrigação visa-se permitir ao senhorio controlar o bom estado do imóvel, e eventualmente suprir deficiências ou exigir responsabilidade pelos danos a este causados. Trata-se de um direito do senhorio que, no entanto, tem que ser exercido em termos moderados, uma vez que constantes e sucessivos exames da coisa locada corresponderiam a uma perturbação do gozo pelo arrendatário. Acontece que da factualidade considerada assente flui que: -o réu sempre impediu o autor de aceder ao locado; -o autor solicitou, por diversas vezes, a visita ao locado mas o réu sempre se opõe à mesma; -sempre que o autor falou com o réu, fê-lo à porta de casa, sem que fosse possível fazer uma vistoria do imóvel. Manifesto é que o réu/inquilino vem incumprindo, de forma constante, a obrigação que lhe impõe facultar ao senhorio o exame da coisa locada e esse incumprimento configura-se como grave, de tal modo que se torna inexigível ao senhorio a manutenção do contrato de arrendamento. Por isso, o autor, face ao preceituado no art. 1083º, nºs 1 e 2, 1ª parte do Cód. Civil, pode resolver o contrato de arrendamento, o que significa, nesta parte, a procedência da acção e a restituição pelo réu do imóvel devoluto de pessoas e bens. […]».
Olhando agora para os factos provados, vemos que o presente conflito não tem qualquer paralelo com a situação extrema acabada de descrever. Tudo parece ter tido a sua origem em infiltrações de água na fracção situada mesmo por baixo do locado, situadas nos tectos das casas de banho. Em data não concretamente apurada, mas posterior ao Verão de 2020, a proprietária dessa fracção reportou tal facto aos autores. E ficou provado que na sequência de tal, os autores enviaram aos réus uma carta registada, cujo teor aqui damos por reproduzido, datada de 05/11/2020, na qual, em síntese, comunicam que pretendem efectuar o exame ao estado global do arrendado, e comunicam a data de 26/11/2020 como aquela em que “pessoas da nossa confiança” se deslocarão ao locado.
Como vimos, o réu respondeu a esta carta com outra carta, cujo teor damos por reproduzido, na qual, em síntese questiona o timing do pretendido exame, e, não vendo nenhuma razão concreta para o mesmo ser feito em plena situação de pandemia (SARS-Cov 2), nem tal razão sendo avançada, informa que a referida vistoria deverá ser realizada, com o acordo das partes, numa data ulterior.
Não temos qualquer facto provado sobre o que se terá passado no dia 26/11/2020, mas sabemos que em 2/12/2020 o réu enviou carta ao autor, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, onde, em síntese, o acusa de ter teimado em comparecer na data de 26/11, quando ele réu não estava em casa, importunando a esposa e os filhos, apesar da comunicação na qual ele réu lhe disse que não aceitava aquela data, denotando
manifesta má-fé, e acusando-o de mais não querer senão criar desassossego, infernizar e assediá-lo a ele e à família.
De seguida, o Advogado dos autores enviou aos réus uma carta registada, datada de 18/12/2020, na qual volta a dizer que os autores pretendem efectuar o exame ao estado global do arrendado, e como isso é um direito do senhorio e um dever do inquilino. E volta a fixar uma data (28/12) na qual os autores se deslocarão ao imóvel acompanhados por pessoas da sua confiança com conhecimentos técnicos suficientes para aferir do estado deste.
Mais se provou que os réus negaram o acesso ao locado ao técnico enviado pelos autores para apuramento das causas das infiltrações na fracção de baixo e para a reparação do aparelho do ar condicionado.
Finalmente, -e talvez devêssemos ter começado por aí- provou-se que em data não concretamente apurada, mas que remonta ao ano de 2019, o autor e os réus entraram em conflito por causa da alteração da redacção do acordo referido em 1, conflito esse que originou a apresentação de queixas-crime recíprocas entre autor e ré.
Procurando subsumir estes factos ao direito que supra ficou exposto, a primeira coisa que salta à vista é que nas cartas que o autor enviou ao réu a avisar que pretendia exercer o direito conferido pelo art. 1038º,b CC nunca mencionou as infiltrações ocorridas na fracção de baixo. O que é de muito difícil compreensão, pois, num ambiente de grande tensão entre senhorios e inquilinos, como era aquele, enviar uma carta com o conteúdo que vimos sem oferecer uma razão concreta e palpável para pretender ir examinar o locado, e ainda por cima em pleno período de pandemia causada por um vírus novo (SARS-Cov 2), que é sabido que se propaga pelo ar, e em que há inúmeros relatos fidedignos de pessoas que mesmo com máscara foram infectadas, que causou milhões de mortos em todo o planeta (factos públicos e notórios), é um convite a receber uma resposta como aquela que o réu deu, declinando aquela data e remetendo para o futuro próximo.
E quer a primeira quer a segunda carta pecam do mesmo mal, ou seja, são um exercício puramente abstracto de afirmação do direito ao exame do locado, sem indicar uma única razão concreta para querer fazer o exame em pleno período de restrição das liberdades por causa da pandemia.
Este não nos parece um pormenor irrelevante, antes pelo contrário: o invocar de um direito em abstracto, numa situação de relação locatícia, não é a forma adequada de o exercer. Considerando que a entrada de pessoas estranhas num domicílio é sempre um acto de intrusão para quem ali mora, o mínimo que se exigia era a apresentação de uma razão concreta para impor esse incómodo naquele momento. E a apresentação do motivo concreto permitiria igualmente aos inquilinos ter uma melhor percepção do que estava em jogo, e poder avaliar a urgência do pedido de exame, de forma a poderem escolher uma data consensual para o exercício desse direito. É que, salvo melhor opinião, não é o senhorio que decide unilateralmente e de forma arbitrária quando e como vai exercer o direito que a lei lhe confere de examinar o locado. Tem de haver um consenso entre as duas partes, o que, caso ambas estejam de boa-fé, não será difícil de alcançar. Daí que a indicação de uma razão concreta para querer exercer esse direito seja um elemento fundamental da comunicação, para o inquilino poder ajuizar da bondade do momento escolhido para o exame e decidir como conciliar o interesse do senhorio com o seu próprio interesse. Que foi justamente o que não sucedeu neste caso.
Note-se ainda que o Tribunal recorrido deu particular importância ao facto não provado c): “os réus apenas tiveram conhecimento do descrito em 9 após a citação para os presentes autos”. Sucede, porém, que o facto de não se ter provado que os réus apenas tiveram conhecimento do descrito em 9 após a citação para os presentes autos, não significa ou não implica a prova do facto contrário. Ou seja, também não podemos afirmar que os réus tiveram conhecimento do descrito em 9 antes da citação para os presentes autos. No fundo, não se fez prova bastante do momento em que os réus tiveram conhecimento do referido em 9. O que se sabe, com certeza absoluta, é que os autores não comunicaram nas cartas que enviaram que o motivo que os levava a querer examinar o locado era para detectar de onde partia a água que se infiltrou para a fracção de baixo.
Mas, retomando. Se passarmos por cima do teor abstracto das cartas e formos olhar para a realidade concreta da fracção, o que se provou foi apenas que na fracção arrendada os silicones de remate junto aos rodapés em inox das bases de chuveiro das casas de banho apresentam desgaste natural por uso continuado. E terá sido isso, e apenas isso, que esteve na base das infiltrações ocorridas na fracção de baixo.
Ora, esse desgaste das aplicações de silicone é algo de normal e banal, e nem de perto nem de longe pode ser visto como uso indevido ou negligente do locado, ao ponto de motivar um pedido de exame. E recordemos que resultou não provado que o locado apresente problemas de humidade, e que os réus não tenham respondido às cartas enviadas pelos autores.
De realçar também que apenas se provou que os réus recusaram o acesso ao técnico enviado pelos autores uma vez, por causa das infiltrações.
Ora, perante tudo o que acabámos de referir, pensamos que, em primeiro lugar, não se pode afirmar que os réus tenham violado o dever previsto no art. 1038º,b CC: a tentativa de exercer esse direito foi feita em pleno período de pandemia, e sem invocar uma única razão concreta para tanto. Donde a resposta dos réus de não aceitar a data indicada, remetendo para o futuro próximo, tenha de ser vista como aceitável e razoável. Por outro lado, embora com o “benefício do olhar pelo retrovisor”, sabemos que a fracção locada não tem humidades nem quaisquer outros sinais de má conservação, bastando ler o relatório pericial.
Depois, é preciso olhar para a situação na sua globalidade. Ou seja, é preciso não esquecer que tudo se passou num ambiente de conflito pessoal entre os envolvidos (autores e réus), com queixas-crime recíprocas. Num cenário assim, parece-nos mais ou menos expectável que uma carta onde se invoca o direito a fazer um exame ao locado, em termos puramente abstractos, sem mencionar nunca que a fracção por baixo está a sofrer infiltrações vindas de cima, e que é por isso que o exame é urgente, tivesse a resposta que teve.
E mesmo que assim não fosse, consideramos igualmente que o argumento da pandemia é um argumento ponderoso. Claro que esse argumento teria de ceder, caso se tivesse demonstrado, melhor dizendo, caso os autores tivessem demonstrado que havia uma razão concreta e urgente para ir examinar o locado e que tinham confrontado os inquilinos com ela, como a razão para a necessidade do exame. Não o tendo feito, e tendo ainda presente o clima de hostilidade entre as partes, consideramos que o facto de os réus não terem deixado entrar o técnico enviado pelos autores, com a justificação apresentada, não representa incumprimento contratual.
E nem se diga que os réus, com a sua conduta, demonstraram desinteresse pelos danos sofridos pela vizinha de baixo, pois, como vimos supra, aquando da segunda infiltração a ré disse a essa vizinha que os réus queriam colaborar com ela, e que lhe enviariam um canalizador logo na segunda-feira seguinte, pedindo-lhe para não reportar a situação ao senhorio.
Donde, consideramos, ao contrário do que fez a sentença recorrida, que não ocorreu violação dos deveres dos inquilinos que possa ser vista como um “incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento” (art. 1083º,2 CC).
Como tal, o recurso procede e a acção improcede.

Finalmente, os recorrentes pretendem ainda a condenação dos autores como litigantes de má-fé. Afirmam que “ao propor esta acção, resulta indesmentível que os autores vieram a omitir deliberadamente factos que eram do seu perfeito conhecimento e tanto relevariam para o desfecho da lide, aduzindo outros que sabiam não correspondem à verdade. Na verdade, esconderam, deliberadamente, os mencionados factos. Em síntese, numa clara tentativa de obter um resultado jurídico contrário ao que os factos e o direito permitem, vieram fazer do processo um uso manifestamente censurável e em resultado de tal conduta dos autores, sofreram os réus prejuízos vários.
A sentença recorrida entendeu que “para se imputar a uma pessoa a qualidade de litigante de má fé, imperioso se torna que se evidencie, com suficiente nitidez, que a mesma tem um comportamento processualmente reprovável, isto é, que com dolo ou negligência grave, deduza pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar ou que altere a verdade dos factos ou omita factos relevantes ou, ainda, que tenha praticado omissão grave do dever de cooperação, nas expressões literais do nº 2 do artigo 542º do Código de Processo Civil. Exige-se, portanto, que tenha havido uma alteração intencional ou, pelo menos, consciente e voluntária da verdade dos factos (dolo) ou uma culpa grave (culpa lata). E que no que toca ao comportamento dos autores, pese embora tenham visto a sua pretensão parcialmente acolhida, não pode deixar de notar-se que os autores afirmam na petição inicial que os réus nunca responderam às cartas dos autores em que solicitavam o acesso ao locado, sendo certo que se veio a provar o contrário e que houve correspondência efectiva entre as partes. Assim, não nos parece lícito que os autores devessem ou pudessem ocultar esses factos na petição inicial, aconselhando a prudência da litigância no foro que se afirmassem os mesmos. Não obstante, a prudência do julgamento da litigância de má-fé impede-nos de afirmar que os autores tenham alterado a verdade dos factos, deduzido dolosamente pretensão sem fundamento ou utilizado o processo para fins ilegítimos. Com efeito, a verdade é que o que transpareceu ao tribunal aquando da audição do autor em sede de declarações de parte é que havia uma confusão geral quanto ao conhecimento efectivo da correspondência havida entre as partes, tendo o assunto sido tratado pelos advogados e que, a determinada altura, trocou de advogado. Assim sendo, veda-se ao tribunal a conclusão de que os autores, na omissão de alegação daqueles factos, tenham actuado com o nível de censura que o preceito da litigância de má fé exige”.
E esta Relação concorda com este julgamento do Tribunal recorrido.
Foi notório da audição da prova que existe um conflito aceso entre autores e réus, com queixas-crime recíprocas. Daí que o litígio ora em análise traz consigo um grande envolvimento emocional, e não apenas uma mera questão de arrendamento. Mas, tendo isto presente, a verdade é que não podemos afirmar que os autores tenham alterado deliberadamente a verdade dos factos, tal como o Tribunal recorrido entendeu. Quanto à correspondência trocada com os réus, já o Tribunal recorrido analisou, e bem, a situação. Quanto ao mais, nomeadamente, quanto ao ponto central do litígio, que foi a recusa dos réus de permitir o acesso ao locado, não foi perceptível qualquer alteração da verdade dos factos ou negação peremptória de factos pessoais que se tenham vindo a provar, tudo se tendo resumido às contingências da prova e da interpretação da mesma pelo Tribunal, e sobretudo à aplicação do direito aos factos provados.
E também não temos dados para afirmar que os autores tenham utilizado o processo para fins ilegítimos, pois o fim visado pelos autores era a resolução do contrato de arrendamento, e esse fim nada tem de ilegítimo. Apenas, em nosso entendimento, improcedeu.
Assim, sem necessidade de mais considerações, o recurso improcede nesta parte.

V- DECISÃO

Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar o recurso parcialmente procedente, e em consequência:
a) revoga a sentença recorrida na parte em que declarou resolvido o contrato de arrendamento e condenou os réus a entregarem o locado aos autores;
b) no mais confirma o decidido.

Custas por autores e réus, na proporção de 4/5 para aqueles e 1/5 para estes (art. 527º,1,2 CPC).
Data: 21.3.2024

Relator (Afonso Cabral de Andrade)
1º Adjunto (António Manuel Antunes Figueiredo de Almeida)
2º Adjunto (Carla Maria da Silva Sousa Oliveira)