Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
145/98.5TBMCD.1.G1.G1
Relator: JORGE TEIXEIRA
Descritores: EXECUÇÃO
PENHORA
MEAÇÃO NOS BENS COMUNS DO CASAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (do relator)

I- A penhora do “direito à meação nos bens comuns do casal” não abrange qualquer um (ou uma quota parte) dos bens que, em concreto, integram o património comum, sendo que, até à liquidação e partilha, cada um dos cônjuges passa a poder dispor da sua meação, podendo a mesma ser alienada ou objecto de penhora.

II- E assim sendo, o cônjuge meeiro é titular de um direito sobre o conjunto do património ou da herança e não sobre bens certos e determinados destes.

III- Logo, implicando a contitularidade desses direitos um direito a uma parte ideal desta considerada em si mesma e não sobre cada um dos bens que a compõem, desconhecendo-se sobre qual ou quais deles o direito se concretizará, quem o vier a adquirir só através da posterior partilha dos bens comuns do ex-casal verá concretizado tal direito.

IV- Destarte, numa situação de alegada inexistência de bens comuns eventualmente integrantes do direito e acção a esses bens penhorado, se não houver a dedução de embargos de terceiro que demonstrem essa situação, ou seja, que todos os bens existentes são próprios do cônjuge do executado e de que não existem bens comuns, a penhora deve ser mantida prosseguindo a execução os seus normais e subsequentes termos.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

A. M., cônjuge do Executado, notificada nos termos e para os efeitos do disposto do artigo 740.º, do C.P.C. vem, através do requerimento com a ref.ª citius n.º 972841, referir, em síntese, não existir bens comuns com o Executado pelo que não existe a possibilidade de desencadear a separação de bens comuns.

Notificados do requerimento supra identificado os Exequentes vieram referir (ref.ª citius n.º 986041) em síntese, que a penhora deverá prosseguir relativamente aos imóveis identificados em 18 do auto de penhora por serem bens comuns.

Por despacho proferido nos autos, em razão de a Requerente não ter efectuado a prova pelos meios considerados processualmente adequados da existência de bens próprios e comuns, foi determinado o prosseguimento dos autos com penhora de bens considerados comuns.

Inconformada com tal decisão, apela a Requerente, e, pugnando pela respectiva revogação, formula nas suas alegações as seguintes conclusões:

Vem o recurso em questão da Decisão do Tribunal “a quo” que refere que a cônjuge do executado foi notificada nos termos do artigo 740º do CPC, por ser esse o meio para provar quais os seus bens próprios e não através de requerimento junto aos autos.
Acrescentando que poderia apresentar Embargos de Terceiro o que não fez e determina o prosseguimento dos autos.
2º No âmbito da presente execução, a Apelante foi efectivamente notificada para proceder à separação de bens comuns de acordo e nos termos do artigo 740º do CPC.
Ora, para melhor compreensão da questão suscitada, importa esclarecer que, no auto de penhora datado de 26/09/2017 que foi comunicado à Apelante consta no campo Bens penhorados a penhora da meação de bens comuns.
4º Não obstante, consta do mesmo auto de penhora, no campo observações, que é do conhecimento dos Exequentes que a aqui Recorrente tem determinados bens em seu nome, enumerando-os.
Importa esclarecer, sendo de primordial importância para a decisão da causa que, o campo “observações” destina-se à descrição de quaisquer outros factos não previstos nos outros campos, o que é de fácil entendimento tendo em conta que cada campo tem uma determinada função de reconhecimento da diligência efectuada.
No campo competente, da identificação de bens penhorados, apenas consta a meação dos bens comuns, insistindo a Recorrente neste ponto por nos parecer que pode, por lapso, e salvo o devido respeito, ter passado despercebido ao Tribunal “a quo”.
7º Ora, o Artigo 740º do CPC refere que “ Quando, em execução movida contra um só cônjuges, forem penhorados bens comuns do casal, por não se conhecerem bens suficientes próprios do executado, é o cônjuge do executado citado para, no prazo de 20 dias, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que a separação já tenha sido requerida, sob pena de a execução prosseguir sobre os bens comuns”
Sucede porém que, o que foi efectivamente penhorado foi a meação dos bens comuns, ou seja, a metade do património comum, que, in casu, é inexistente.
9º Ora, o inventário para a separação de bens, requerido ao abrigo do artigo 740º nº 2 do C.P.C, na sequência de penhora de bens comuns deve ser feita segundo o processo previsto no artigo 81º do RJPI, aprovado pela lei 23/2013 de 5/3, para o qual são competentes os cartórios notariais.
10º O ponto fulcral da questão suscitada é que não existem bens comuns e como tal, não estamos perante inércia da Recorrente, sucede que, se o meio não possui tal virtualidade ou não é adequado a obter o fim pretendido, a aqui Recorrente, não poderia ignorar esse facto e o mesmo foi comunicado ao processo mediante requerimento.
11º Como a Apelante referiu nesse mesmo requerimento junto ao processo, não existem bens comuns que possam ser partilhados, como tal, o cartório notarial não tem como iniciar um processo de partilha de bens quando os mesmos são inexistentes.
12º Assim, explica a impossibilidade de requerer uma separação de bens, quando os mesmos não existem e, no que toca aos bens, indicados e não penhorados, junta prova documental que atesta que se tratam de bens próprios da Recorrente, numa tentativa de evitar futuras diligências moratórias e desnecessárias.
13º Por fim, a decisão do Tribunal “a quo” vai no sentido de que poderia ter apresentado embargos de terceiro e determina o prosseguimento dos autos, no entanto, in casu, não foram penhorados bens próprios, daí não ter usado o mecanismo dos embargos de terceiro e inexistem bens comuns do casal.
14º Quanto aos Embargos, nos termos do artigo 343º do C.P.C, o cônjuge que tenha a posição de terceiro pode, sem autorização do outro, defender, por meio de embargos, os direitos relativamente aos bens próprios e aos bens comuns, que hajam sido indevidamente atingidos, quer pela penhora quer por qualquer acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens.
15º Conforme tem sido entendimento de todas as correntes jurisprudenciais, o cônjuge pode embargar de terceiro em duas situações: defender os seus direitos relativamente aos bens próprios que foram indevidamente atingidos pela diligência, Ou para defender os seus direitos sobre bens comuns do casal indevidamente atingidos.
16º No entanto, como já referido, não podia a Recorrente proceder á separação de bens nem deduzir embargos de terceiro por não existirem bens comuns a partilhar, nem bens próprios penhorados, logo os seus bens não se encontram afectos à diligência em causa.
17º Nesta esteira, é indubitável que se entenda que os embargos de terceiro são um meio de impedir e não um meio de pedir que determinados bens não sejam penhorados.
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O Apelado não apresentou contra-alegações.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II- Do objecto do recurso.

Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, a questão decidenda é, no caso, a seguinte:

- Analisar da alegada inexistência de bens comuns e da manutenção ou não da penhora do direito e acção aos bens comuns do casal.
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III- FUNDAMENTAÇÃO.

Fundamentação de facto.

Além dos factos que constam do relatório que antecede, e com relevância para a decisão do recurso, consta da fundamentação de direito da decisão recorrida o que a seguir se transcreve:
(…)
A. M., cônjuge do Executado, notificada nos termos e para os efeitos do disposto do artigo 740.º, do C.P.C. vem, através do requerimento com a ref.ª citius n.º972841, referir, em síntese, não existir bens comuns com o Executado pelo que não existe a possibilidade de desencadear a separação de bens comuns.
Notificados do requerimento supra identificado os Exequentes vieram referir (ref.ª citius n.º986041). em síntese, que a penhora deverá prosseguir relativamente aos imóveis identificados em 18 do auto de penhora por serem bens comuns.

Cumpre apreciar e decidir.

A. M., cônjuge do Executado, foi notificada nos termos e para os efeitos do disposto do artigo 740.º, do C.P.C., precisamente por ser esse o meio através do qual poderia provar quais são os seus bens próprios e não através do requerimento ora junto aos autos. Sendo que, nada obstaria que a mesma pudesse apresentar embargos de terceiro uma vez que não é Executada nos autos, o que não fez.
Em face do exposto, determino o prosseguimento dos autos.
Notifique e comunique à A.E.
(…)

Fundamentação de direito.

Como fundamento da sua pretensão alega a Recorrente que no âmbito da presente execução, foi efectivamente notificada para proceder à separação de bens comuns de acordo e nos termos do artigo 740º do CPC.

Sucede, no entanto, que no auto de penhora datado de 26/09/2017 que foi comunicado à Apelante consta no campo Bens penhorados a penhora da meação de bens comuns, não obstante constar do mesmo auto de penhora, no campo observações, que é do conhecimento dos Exequentes que a aqui Recorrente tem determinados bens em seu nome, enumerando-os.

Assim, no campo competente, da identificação de bens penhorados, apenas consta a meação dos bens comuns.

Ora, o Artigo 740º do CPC refere que “Quando, em execução movida contra um só cônjuges, forem penhorados bens comuns do casal, por não se conhecerem bens suficientes próprios do executado, é o cônjuge do executado citado para, no prazo de 20 dias, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que a separação já tenha sido requerida, sob pena de a execução prosseguir sobre os bens comuns”.

O que foi efectivamente penhorado foi a meação dos bens comuns, ou seja, a metade do património comum, que, in casu, é inexistente.

E assim sendo, o ponto fulcral da questão suscitada é que não existem bens comuns e como tal, não estamos perante inércia da Recorrente, sucede que, se o meio não possui tal virtualidade ou não é adequado a obter o fim pretendido, a aqui Recorrente, não poderia ignorar esse facto e o mesmo foi comunicado ao processo mediante requerimento, pois que, como referiu nesse mesmo requerimento junto ao processo, não existem bens comuns que possam ser partilhados, como tal, o cartório notarial não tem como iniciar um processo de partilha de bens quando os mesmos são inexistentes.

Assim, explica a impossibilidade de requerer uma separação de bens, quando os mesmos não existem e, no que toca aos bens, indicados e não penhorados, junta prova documental que atesta que se tratam de bens próprios da Recorrente, numa tentativa de evitar futuras diligências moratórias e desnecessárias.

Por outro lado, a decisão do Tribunal “a quo” vai no sentido de que poderia ter apresentado embargos de terceiro e determina o prosseguimento dos autos, no entanto, in casu, não foram penhorados bens próprios, daí não ter usado o mecanismo dos embargos de terceiro e inexistem bens comuns do casal.

Quanto aos Embargos, nos termos do artigo 343º do C.P.C, pese embora o entendimento de todas as correntes jurisprudenciais no sentido de que o cônjuge pode embargar de terceiro em duas situações: defender os seus direitos relativamente aos bens próprios que foram indevidamente atingidos pela diligência, ou para defender os seus direitos sobre bens comuns do casal indevidamente atingidos, o certo é que não podia a Recorrente proceder á separação de bens nem deduzir embargos de terceiro por não existirem bens comuns a partilhar, nem bens próprios penhorados, logo os seus bens não se encontram afectos à diligência em causa.

Analisemos, então os fundamentos em que a Recorrente alicerça a sua pretensão sendo que, em síntese, a situação o que está em causa é que, tendo sido notificada da penhora do direito e acção do executado J. C. à meação dos bens comuns do casal, sendo este casado no regime da comunhão geral de adquiridos, a Recorrente limitou-se a declarar não existirem bens comuns com o Executado pelo que também não existe a possibilidade de desencadear a separação de bens comuns.

Ora, salvo o muito e devido respeito, parece-nos que a fundamentação do recurso não efectua o enquadramento jurídico em que somos de entender a questão em apreço nos autos terá efectivamente de ser colocada.

Na verdade, entende a Recorrente que contrariamente ao que se considera no despacho recorrido, não podia proceder á separação de bens nem deduzir embargos de terceiro, por não existirem bens comuns a partilhar, nem bens próprios penhorados, logo os seus bens não se encontram afectos à diligência em causa.

Como é consabido, os embargos de terceiro, que eram um processo especial limitado à defesa da posse ofendida por diligência judicialmente ordenada, designadamente a penhora, o arrolamento, o arresto, a posse judicial avulsa e o despejo, com a reforma do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, esse processo especial passou a ser caracterizado como um incidente da instância visando neutralizar um acto judicialmente ordenado com a virtualidade de ofender o direito patrimonial do impetrante, estando-se, assim, perante uma espécie de oposição espontânea, destinada a lograr a revisão do acto turbativo pelo órgão jurisdicional que o ordenou.

Assim, o cônjuge do executado que tenha a posição de terceiro (por não ser parte na lide) pode lançar mão desta medida não só para defender os bens próprios mas também os bens comuns ilegalmente atingidos pela diligência judicial de natureza executória, sendo que, estando em causa bens próprios, por não integrados na comunhão (artigos 1722.º e 1723.º do Código Civil) é-lhe permitido, desde logo, e sem qualquer medida preliminar, deduzir embargos de terceiro.

Se ambos os cônjuges não figurarem como executados a diligência turbativa pode efectivar-se sobre bens próprios do cônjuge do executado – e subsidiariamente sobre a sua meação nos bens comuns (n.º 1 do artigo 1696.º do Código Civil) – o cônjuge não executado terá de ser citado para declarar se aceita a comunicabilidade da dívida (artigos 741 e 742, do Código de Processo Civil).

Por outro lado, nos regimes de separação, os bens comuns do casal são objecto de uma relação de compropriedade, enquanto que nos regimes de comunhão esses bens constituem um património colectivo de afectação especial considerando-se a sua titularidade conjunta por marido e mulher, ou seja, o cônjuge não é dono de metade de cada um dos bens do casal, tendo, isso sim, direito a metade dos bens do casal, o que é diferente.

O cônjuge do executado pode, assim, quando não é parte na execução e a penhora – ou outra diligência judicial lesiva da sua posse – incidir sobre os seus bens próprios ou sobre bens comuns do casal, desde logo, e sem qualquer outra medida prévia, ou preliminar, embargar de terceiro (artigo 352 do Código de Processo Civil).

Sendo, contudo, bens comuns, terá também de ser citado nos termos do n.º 1 do artigo 740.º do C.P.Civil, preceito esse que tem duas componentes: a adjectiva, quando se reporta à “execução movida contra um só dos cônjuges”; a substantiva quando se refere à comunicabilidade da dívida exequenda.

Assim, da sua conjugação com o artigo 1696º do Código Civil, como evidente resulta que, podendo a diligência turbativa da posse efectivar-se sobre bens próprios do cônjuge do executado, e subsidiariamente sobre a sua meação nos bens comuns, nos termos do n.º 1 do artigo 1696.º do Código Civil, se ambos os cônjuges não figurarem como executados, o cônjuge não executado terá de ser citado para declarar se aceita a comunicabilidade da dívida (artigo 741 e 742 do Código de Processo Civil).

De tudo exposto resulta que o cônjuge do executado pode embargar de terceiro relativamente aos bens próprios e aos bens comuns que tenham sido atingidos pela diligência judicial, havendo para o efeito de se verificar contra qual dos cônjuges foi movida a execução; determinar a natureza da dívida exequenda; apurar se os bens penhorados são comuns ou próprios do cônjuge do executado; verificar se, no caso de serem comuns, e a execução tiver sido movida apenas contra um dos cônjuges, o não executado foi citado para requerer a separação de bens ou declarar se aceita a comunicabilidade da dívida, não podendo esquecer-se que nos regimes de separação os bens comuns do casal são objecto de uma relação de compropriedade, enquanto que nos regimes de comunhão esses bens constituem um património colectivo de afectação especial, considerando a sua titularidade conjunta por marido e mulher e o estarem adstritos à satisfação das necessidades da sociedade conjugal, ou seja, o cônjuge não é dono de metade de cada um dos bens do casal.

À luz de tudo o acabado de expender, como incontornável resulta que, não havendo bens comuns, e, portanto, não sendo possível proceder à partilha desses bens que não existem, óbvio resulta que também a penhora do direito e acção dos bens comuns do casal não terá qualquer conteúdo concretizável em bens concretos que integrem esse direito.

Mas, mesmo admitindo-se que numa real situação de inexistência de bens comuns, possa não haver interesse em agir por parte do cônjuge do executado, designadamente, na dedução de embargos de terceiro, por inexistência de acto ofensivo do seu património, a questão que se coloca é, no entanto, prévia a essa e consiste na de saber como poderia a Recorrente demonstrar esta alegada, mas indemonstrada realidade, de molde a justificar o levantamento da penhora do direito à meação.

E quanto este aspecto, sendo certo que a ser real esta situação de inexistência de bens comuns, se por um lado, se entende que a Recorrente não peça a separação desses bens, por manifesta impossibilidade de o fazer dada a inexistência deles, por outro, a assim ser, outra possibilidade não restava ao tribunal recorrido que não fosse a de determinar o prosseguimento dos autos com manutenção da penhora efectuada sobre a meação no bens comuns.

Com efeito, se considera que não existem bens comuns, de facto, não se vislumbra fundamento para que a Recorrente peça a sua partilha, pois sendo inexistentes ela não se afigura possível, como também se entende que não tenha deduzido embargos de terceiro porque a penhora da meação não ofendeu nem podia ofender um direito patrimonial seu, pois a ser real a inexistência de bens comuns, como evidente decorre que o acto de penhora realizado pelo órgão jurisdicional não é turbativo de qualquer direito patrimonial seu, já que os bens sobre os quais incide não existem.

Todavia, estamos apenas perante uma alegada, mas indemonstrada inexistência de bens comuns, uma vez que não houve a dedução de nenhum acto processual, designadamente, a dedução de embargos de terceiro, tendente a atacar a penhora e a determinar o seu eventual levantamento, através da demonstração que os bens existentes não são comuns, mas antes próprios do cônjuge do Executado.

E assim sendo, entendendo que se isto assim for efectivamente, entende-se que a Recorrente não tenha tido interesse na dedução de embargos de terceiro, daí não decorre que para que a penhora pudesse ser levantada, não tivesse que os ter deduzido, já que era a forma processualmente adequada a efectuar a demonstração dessa situação, ou seja, da inexistência de bens eventualmente integrantes do direito e acção à meação dos bens comuns objecto de penhora.

Contudo, não o tendo feito, se por um lado, e por consequência, a penhora tinha de ser, como o foi, mantida, por outro, também se reconhece que se a situação for, efectivamente, a invocada pela Recorrente, como inelutável resulta que daí não advirá nunca qualquer ofensa de um direito patrimonial seu, podendo mesmo dizer-se que a Recorrente não tem qualquer e relevante interesse no levantamento da penhora do direito e acção á meação dos bens comuns, já que da sua manutenção não decorre a ofensa de nenhum direito seu.

Na verdade, e como é consabido, dispõe o nº1 do artigo 743º, sob a epígrafe, “Penhora em caso de comunhão ou compropriedade”:

“1. Sem prejuízo do disposto no nº4 do artigo 781º, na execução movida contra algum ou alguns dos contitulares de património autónomo ou bem indiviso, não podem ser penhorados os bens compreendidos no património comum ou uma fração de qualquer deles, nem uma parte especificada do bem indiviso.”

Em consonância com a regra geral de que só os bens do executado se encontram sujeitos à execução, o nº 1, do artigo 743º, do C.P.C., dispõe que não podem ser penhorados, a menos que a execução seja movida contra todos os contitulares:

a) no caso de compropriedade de um bem indiviso, uma parte especificada desse mesmo bem;
b) no caso de comunhão num património autónomo (ex., herança ou bens comuns do casal), os bens nele compreendidos ou uma fração de qualquer um deles.

Daqui resulta que uma tal norma afirma a impenhorabilidade dos próprios bens ou de uma fração dos mesmos (no caso de uma universalidade ou património colectivo), ou de uma parte especificada de um bem (no caso de bens indivisos), sendo que, o direito do cônjuge à meação dos bens comuns do casal é também ele, um direito a uma universalidade.

Contudo, o artigo 743º, já não abarca ou surge hoje esvaziado de conteúdo na parte que toca ao património comum, uma vez que, com a reforma introduzida pelo DL 329-Q/95, o artigo 825º (actual 740º) deixou de se referir à penhora na meação nos bens comuns do casal, passando a prever a penhora imediata dos bens comuns do casal, sendo que, o nº 1, do artigo 740º, consagra um regime de excepção à regra da impenhorabilidade prevista no artigo 743º, para a generalidade dos patrimónios autónomos.

Na verdade, como a esse respeito, e embora reportado à vigência do casamento, afirma Remédio Marques. “podendo penhorar-se imediatamente (mas subsidiariamente) bens comuns do casal, concretos e determinados – uma vez que foi abolida a moratória nas execuções movidas contra um dos cônjuges –, nenhum interesse prático tem para o exequente a penhora do direito à meação, posto que o seu único efeito será o de dar preferência ao exequente sobre o produto dos bens comuns que, havendo dissolução, venham a caber ao executado, relativamente a credores com penhoras subsequentes sobre os concretos bens que, pela partilha, sejam adjudicados ao cônjuge do executado”. (1)

E como é consabido, se o regime de bens termina com a dissolução do casamento, a existência de um património comum permanece até ao momento da partilha, continuando a aplicar-se o regime da responsabilidade por dívidas dos cônjuges às dívidas contraídas na pendência do casamento (nº2 do art. 1690º), até à partilha aplicam-se todas as regras legais que pressupõem a existência de tal património comum, quer de direito substantivo quer de direito processual.

Assim, os nossos tribunais vêm entendendo que apesar do nº1 do artigo 740º (anterior 825º), do CPC, se referir à “execução movida contra um só dos cônjuges”, tal dispositivo não abrange unicamente os casos de sociedade conjugal em vigor, mas igualmente os casos em que, apesar do divórcio, exista uma comunhão conjugal por não se ter procedido ainda à partilha. (2)

Ora, no caso em apreço o que foi penhorado foi, como se sabe e consta do auto de penhora, “direito e acção do Executado J. C., com NIF: …, à meação dos bens comuns do casal, sendo este casado com A. M. NIF …, no regime de comunhão de adquiridos.

Como é sabido, o que aos adquirentes do direito à meação e ao quinhão hereditário fica atribuída é a possibilidade de poder exercer naquela universalidade jurídica um seu direito próprio perante os restantes interessados no "direito à meação” e no “quinhão hereditário”, designadamente legitimando-os a, com vista a concretizar esta sua prerrogativa, se e quando assim o entenderem, darem os passos necessários tendentes a haver para si a quota-parte dos bens determinados que integram tal património.

Sendo a meação e a herança uma universalidade jurídica de bens, cada interessado não tem uma quota-parte em cada um de todos esses bens mas uma quota referida àquela universalidade, ao conjunto de todos os bens, só pela partilha se determinando aqueles em que se concretiza a quota-parte ou quinhão de cada interessado.

O cônjuge meeiro não tem, assim, um direito de propriedade sobre concretos bens do património conjugal, mas apenas um direito à meação nos bens comuns do casal, tal como o herdeiro não tem um direito real sobre bens concretos da herança, detendo apenas o direito a um quinhão hereditário, a uma quota-parte ideal da herança global em si mesmo.

E assim sendo, o cônjuge e o herdeiro são apenas titulares de um direito sobre o conjunto do património ou da herança e não sobre bens certos e determinados destes. A contitularidade desses direitos implica um direito a uma parte ideal desta considerada em si mesma e não sobre cada um dos bens que a compõem, desconhecendo-se sobre qual ou quais deles o direito se concretizará. (3)

Assim, tendo sido penhorado o direito e acção à meação no património comum, a execução prosseguirá com a penhora e venda do direito à meação, e é este direito que irá ser alienado na execução e que, quem o vier a adquirir só através da posterior partilha dos bens comuns do ex-casal verá concretizado tal direito, se houver bens comuns, sendo que, como é evidente, indagar se o património penhorado integra bens e quais são, é um ónus que em primeira linha impende sobre o credor/exequente, para ver satisfeito o seu crédito, e por outro, recairá também sobre aqueles que pretendam adquirir tal património que, certamente, antes de concretizarem essa intenção, esclarecerão o valor daquilo que estão a adquirir, ou seja, o valor dos bens que eventualmente integrarão o direito e acção ao património comum objecto de penhora.

E não sendo sobre o tribunal que impende esse ónus, mas antes sobre as partes, não tendo o cônjuge do Executado deduzido oposição à penhora por qualquer dos meios processualmente admissíveis e adequados, improcede a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.

IV- DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas pela Apelante.

Guimarães, 17/ 12/ 2018.
Processado em computador. Revisto – artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil.

Jorge Alberto Martins Teixeira
José Fernando Cardoso Amaral.
Helena Gomes de Melo.


1. Cfr. “Curso de Processo Executivo à Face do Código Revisto”, Almedina, p. 215, nota 592.
2. Cfr., Acórdãos do STJ de 15.12.1998, e do TRL de 12-07-2001, relatado por Salvador da Costa, disponíveis in www.dgsi.pt.
Cfr Acórdãos STJ de 15-01-2013, relatado por Sebastião Póvoas, do Tribunal da Relação do Porto de 21-05-2009, relatado por Teles Menezes, de 18-11-2013, relatado por Alberto Ruço, do Tribunal da Relação Lisboa de 11-03-2010, relatado por Ezaguy Martins, de 10-01-2008, relatado por Nelson Rodrigues Carneiro, de 04-03-2004, relatado por Francisco Magueijo, do Tribunal da Relação de Coimbra de 15-11-2005, relatado por Hélder Roque, disponíveis in
www.dgsi.p.
3. Cfr. Rabindranath Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, Vol. I, pág. 193 e 194; acórdão do STJ de 30/01/2013, proc. nº. 1100/11.7TBABT, acessível em www.dgsi.pt