Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
632/20.0T8BCL-A.G1
Relator: JOAQUIM BOAVIDA
Descritores: JUSTO IMPEDIMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/25/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 – O incidente de justo impedimento deve ser suscitado logo que cessada a situação invocada como impeditiva da prática do ato
2 – No momento em que se suscita o incidente de justo impedimento tem de se praticar simultaneamente o próprio ato que não foi possível praticar dentro do prazo.
3 – Deve ser interpretada extensivamente a norma do artigo 3º, alínea a), do Decreto-Lei nº 131/2009, de 01 de junho, no sentido de abarcar as situações de prática de atos processuais em geral, como é o caso da interposição de recurso, e não apenas os atos processuais de intervenção presencial do advogado.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório

1.1. Na ação declarativa, sob a forma de processo comum, que AA e BB intentaram contra CC e mulher, DD, foi em 06.06.2023 proferido o seguinte despacho:
«Requerimento do I. Mandatário dos autores de 26/05/2023:
Atentos os motivos invocados, devidamente comprovados pela certidão de óbito junta, considero justificada e, por conseguinte, atempada a prática do ato processual de interposição de recurso por parte dos autores no dia 29/05/2023, por interpretação extensiva do artigo 3º, alínea a), do D.L. nº 131/2009, de 01/06.
Com efeito, só interpretando extensivamente esta norma no sentido de abarcar as situações de prática de atos processuais, como no caso dos autos, se cumpre o objetivo plasmado no preâmbulo do referido diploma legal, de estender aos advogados o direito de dispensa de atividade durante certo período de tempo no caso de falecimento de familiar próximo, compatibilizando-se o exercício da profissão com a vida familiar, sendo certo que se entende que tal não afeta excessivamente a necessária celeridade da justiça.
Termos em que se admite a prática do ato processual de interposição de recurso por parte dos autores no dia 29/05/2023.»
*
1.2. Inconformados, os Réus interpuseram recurso de apelação daquela decisão, formulando as seguintes conclusões:

«A. Por Despacho proferido pelo Tribunal recorrido do dia 05-06-2023, foi admitida a prática do ato processual de interposição de recurso por parte dos AA no dia 29-05-2023, por interpretação extensiva do art.º 3.º, al. a), do D-Lei n.º 131/2009, de 01/06.
B. Os aqui Recorrentes não se conformam com o douto Despacho recorrido pois - pese embora as sinceras condolências e respeito pelo facto impedimento alegado pelo I. Mandatário dos AA (o falecimento da sua mãe), que, desde já, e uma vez mais, aqui se manifesta - como veremos, a decisão do Tribunal a quo faz, no humilde entendimento dos Apelantes, uma aplicação e interpretação errada do artigo 139.º, n.º 2, do CPC e, consequentemente, do art.º 3.º, al. a), do D-Lei n.º 131/2009, de 01/06; Vejamos, então, por partes:
Primeiro: da natureza dos prazos perentório e dilatório – invocação de justo impedimento apenas no decurso do prazo perentório
C. O prazo para a interposição do recurso de apelação tem natureza perentória, o que significa que decorrido este prazo, extingue-se o direito de o praticar, conforme resulta do disposto no art.º 139.º, n.º 3, do CPC.
D. Natureza bem diferente assume o prazo dilatório, na medida em que este difere para certo momento a possibilidade de realização de um ato ou o início da contagem de um outro prazo - art.º 139.º, n.º 2, do CPC.
E. Resulta, assim, do n.º 3 do preceito transcrito que é prazo perentório o estabelecido para a prática de um ato processual que, uma vez ele decorrido, deixa de poder ser praticado.
F. A este regime preclusivo que decorre do decurso de prazo perentório estabelece a lei duas exceções: a primeira, a parte pode praticar o ato fora do prazo, havendo justo impedimento (entenda-se, de o praticar dentro do prazo); a segunda, independentemente do justo impedimento, a parte pode praticar o ato fora do prazo desde que o faça num dos três dias seguintes ao seu termo, e pague a multa fixada na lei.
G. A regra é ser perentório o prazo processual relativo a ato a praticar pela parte – como a apresentação da contestação.
H. Veja-se que, à semelhança do juízo feito para o prazo dilatório, esta faculdade concedida pelo art.º 139.º, n.º 5, do CPC – prática do ato dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo - não representa um acréscimo do prazo perentório, tanto mais que a validade do ato praticado depende do ato do pagamento imediato de uma multa que tem o carácter de sanção para um comportamento processual presumivelmente menos diligente ou negligente.
I. A possibilidade, conferida pelo n.º 5 do art.º 139º, de o ato processual, sujeito a prazo perentório, ser praticado, mediante pagamento de multa, nos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo, independentemente da existência de justo impedimento, é uma inovação introduzida na lei processual pelo Dec-Lei 323/70, de 11 de Julho, embora em termos menos permissivos do que os atualmente previstos (a redação inicial do mencionado n.º 5, introduzido pelo dito Dec-Lei, apenas permitia a prática do ato no 1º dia útil posterior ao termo do prazo, na condição do pagamento imediato de multa equivalente a ¼ da taxa de justiça e não inferior a 500$00; a admissibilidade da prática do ato no segundo ou terceiro dia útil posterior ao termo do prazo, mediante o pagamento de multas sucessivamente mais gravosas, foi trazida pela reforma intercalar de 1985 (Dec-Lei 242/85, de 9 de Julho), e manteve-se desde então, apenas com alterações quanto ao montante das multas).
J. Como explica o Prof. ANTUNES VARELA (na Rev. Leg. Jur., ano 116º, págs. 31/32.2), a inovação aportada pelo Dec-Lei 323/70 teve por base “o reconhecimento de uma velha pecha da nossa maneira coletiva de agir, a que não se mostram imunes os procuradores mais qualificados de negócios alheios, que são os mandatários judiciais” – o hábito condenável de guardar para a última hora todo o ato que tem um prazo para ser validamente praticado – visando, assim, fundamentalmente, prevenir o possível descuido, esquecimento ou negligência do interessado e evitar que a omissão de uma simples formalidade processual possa conduzir à perda definitiva de um direito material.
K. Por isso mesmo, para que a faculdade concedida não representasse um prémio ou um “bónus” para a parte processual negligente, fez-se depender a validade do ato do pagamento imediato de uma multa, que assume, assim, o carácter de sanção para um comportamento processual presumivelmente menos diligente ou negligente.
L. Que assim é, resulta da vincada preocupação do legislador em estabelecer multas gradativamente mais pesadas, conforme o ato for praticado no 1º, no 2º ou no 3º dia posterior ao termo do prazo: para sancionar graus de negligência sucessivamente mais intensos, multas correspondentemente mais pesadas.
M. Sendo esta a ratio legis, seria inaceitável que o justo impedimento pudesse funcionar e produzir efeitos relativamente a um período temporal adicional, que está fora do prazo perentório estabelecido na lei e de que a parte só pode valer-se pagando uma multa, como sanção pelo desrespeito pelo prazo que devia ter observado, presumindo-se que o não observou por negligência.
N. Como decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 04.05.2006 (Acórdão proferido nos autos de Recurso Penal n.º 2786/05, da 5ª Secção), protelando a prática do ato para os três dias seguintes ao termo do prazo, sem que haja qualquer impedimento à sua prática em tempo (i.e., dentro do prazo), a parte perde a salvaguarda do justo impedimento, pois que este só vale para o «impedimento» surgido no decurso do prazo perentório. A parte não pode «acumular» o justo impedimento com o alternativo prazo suplementar de condescendência (este já «independente do justo impedimento»).
O. Em suma – lê-se no aludido aresto – “o «justo impedimento» não vale para o prazo de complacência (dele «independente») condescendido residualmente pelo art.º 145º/5 do CPC” – o ora correspondente art.º 139º, n.º 5, do Novo CPC.
P. “Esse prazo residual, concedendo uma última oportunidade para a prática do ato e constituindo já de si uma «condescendência», não poderá contar – sob pena de descaracterização dos prazos perentórios e da finalidade da sua perentoriedade (máxime, a celeridade da marcha processual) – com o amparo concedido ao prazo perentório pelo instituto do «justo impedimento».”
Q. Entendimento idêntico foi ainda seguido pela Relação de Coimbra, no seu acórdão de 12.07.95 (publicado na Col. Jur., ano XX, tomo IV, pág. 18.), e pela Relação do Porto, em acórdão de 19.05.97, cujo sumário (publicado no BMJ 467/632.) é o seguinte:
R. O justo impedimento só pode ser invocado nas situações em que ainda não tenha decorrido o prazo normal para praticar o ato, devendo a parte, logo que cesse o impedimento, praticar o ato alegando simultaneamente o justo impedimento (Cf. Ac. STJ, de 27.11.2008, in dgsi.pt)» - cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 01-07-2014, Processo 704/07.7TBCNT-B.C1, disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/18d1da2c87f0f2dd80257d250032dd45?OpenDocument
S. Atente-se, ainda, que é o próprio I. Mandatário dos AA quem refere, no seu requerimento de 26-05-2023, Ref.ª ...86, que «2.- Atenta a complexidade da acção, decidiram os demandantes interpor recurso no 3.º dia útil após o termo do prazo, ou seja, no dia 25/05/2023». – o que, conforme supra referenciado – não vai de encontro ao espírito da Lei, sob pena de descaracterização dos prazos perentórios e da finalidade da sua perentoriedade (máxime, a celeridade da marcha processual).
T. Considerando que o prazo para a interposição do recurso era de 30 dias contados da notificação da decisão (art.º 638º, nº 1, e 644º, n.º 1, al. a), do Cód. Proc. Civil), acrescido de 10 dias caso o recurso tivesse por objeto a reapreciação da prova gravada, o qual ocorreu a .../.../2023; e, sendo certo que o invocando falecimento da mãe do I. Mandatário dos AA, ocorreu no dia ..., não há que considerar, para efeitos de contagem do prazo de recurso, o “justo impedimento” invocado.
U. Ou seja, o impedimento invocado pelo I. Mandatário dos AA ocorre no 2.º dia para além do prazo de natureza perentório.
V. Assim, o recurso interposto, tendo dado entrada em juízo em 29-05-2023, mostra-se manifestamente extemporâneo, pelo que, ao abrigo do disposto no art.º 641º, nº 2, al. a), do Cód. Proc. Civil, deveria o Venerando Tribunal recorrido ter indeferido o mesmo.

Segundo: do benefício estabelecido a Advogado/a enlutado/a - faculdade de adiamento de ato judicial (presencial)
W. Na verdade, em prol da compatibilização do exercício da profissão com a vida familiar, nos termos previstos na al. a) do art.º 3.º do D.L. 131/2009, de 01/06, os/as senhores/as advogados/as gozam do direito de obter o adiamento dos atos processuais em que devam intervir “Nos cinco dias consecutivos ao falecimento (…) de parente ou afim no 1.º grau da linha reta”;
X. Porém, tal pressupõe que o ato a praticar (ou o termo do respetivo prazo perentório) se contenha dentro do referido período de cinco dias consecutivos ao falecimento - o que não foi o caso, na medida em que o impedimento ocorre já no 2.º dia subsequente ao término do respetivo prazo perentório.
Y. Estabelece o referido «artigo 3º “Falecimento” Os advogados, ainda que no exercício do patrocínio oficioso, gozam do direito de obter, mediante comunicação ao tribunal, o adiamento dos atos processuais em que devam intervir: a) Nos cinco dias consecutivos ao falecimento do cônjuge não separado de pessoas e bens, de pessoa com quem vivam em condições análogas às dos cônjuges, ou de parente ou afim no 1.º grau da linha reta; b) Nos dois dias consecutivos ao falecimento de outro parente ou afim na linha reta ou no 2.º grau da linha colateral.»
Z. Admitimos que, beneficiando o cidadão –trabalhador, em geral, do gozo de licença de nojo pelo período de 5 dias, v.g. óbito de pai, i.e., dispensado do desempenho profissional, possamos debater se, no âmbito do exercício de profissão liberal, como o advogado enlutado, deva, também, em razão de igualdade, beneficiar de igual tutela pelo período consecutivo de 5 dias no exercício do mandato forense em processo judicial, independe dos atos processuais a realizar.
AA. Todavia tal consagração, correspondendo, rectius, a uma causa de suspensão da instância, imporia a necessária alteração legislativa do disposto atualmente nos artigos 269º a 276º do CPC quanto às causas de suspensão da instância em processo civil.
BB. Nesta reflexão, invoca-se, inclusive, o Parecer de 16.04.2019 da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativo ao Projeto de Lei n.° 1158/XIII/4.° (PS)., o qual se destina “Reforçando a proteção de advogados em matéria de parentalidade ou doença grave, alterando o Código de Processo Civil e Código do Processo Penal" (…) e cujo objeto, conteúdo e motivação da iniciativa pretende instituir o direito dos advogados a suspender a instância cível ou a suspender o processo penal, nos processos em que intervenham na qualidade de mandatários ou no exercício do patrocínio oficioso(..).
CC. Nesse sentido, o PS propõe o aditamento de um novo artigo 272°-A ao Código de Processo Civil, (…).” - cujo preâmbulo refere “O presente decreto-lei procede à primeira alteração do Decreto-Lei n.º 131/2009, de 1 de junho, alargando o âmbito de aplicação do direito dos advogados ao adiamento de atos”.
DD. Diversa interpretação perante o que se acha atualmente previsto nos artigos 269.º e 272.º do CPC, quanto às causas de suspensão da instância, implicaria atropelos à conceção legal em vigor, que admite em exclusivo o “adiamento” do ato judicial agendado com intervenção do mandatário em período de nojo.
EE. «Doravante, sendo a solução normativa vigente aquela que vem de se expor, não é de admitir o acréscimo do prazo legal de recurso do invocado prazo de luto» - cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 08-11-2022, Processo 3844/19.6T8LSB-A.L1-7, disponível para consulta inhttp://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/d52731d90f0289db8025890b00378107?OpenDocument
FF. Tendo iniciado a contagem do prazo do recurso (40 dias in casu) a partir da notificação ao I. Advogado dos AA - em 07-04-2023 (período de férias judiciais) – os AA tinham até .../.../2023 para apresentar o recurso; Sendo que, ainda podiam praticar o ato dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ou seja, até 25-05-2023.
GG. O justo impedimento do I. Advogado dos AA ocorre a ....
HH. No caso em apreço, o benefício estabelecido ao I. Advogado dos AA - enlutado, apenas respeitaria à faculdade de adiamento de ato judicial (presencial) designado, afigurando-se não se estender a tutela à prática de outros atos processuais, como seja a interposição de recurso - o que corresponderia, rectius, a uma causa de suspensão da instância, e imporia a alteração legislativa do disposto atualmente nos artigos 269º a 276º do CPC.
II. Atento o exposto deverá, pois, o douto Despacho datado de 05-06-2023, ser revogado e substituída por outra Decisão que julgue intempestivo o recurso dos AA interposto no dia 29-05-2023.
JJ. Ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 139.º, n.º 2, do CPC e al. a) do art.º 3.º do D.L. 131/2009, de 01/06.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. suprirão:
- Deve o presente recurso ser procedente, revogando-se o douta Decisão recorrida e substituída por outra que julgue intempestivo o recurso dos AA interposto no dia 29-05-2023».
*
Os Autores contra-alegaram, pugnando pela manutenção do decidido.
O recurso foi admitido.
**

1.3. Questão a decidir

Atendendo às conclusões do recurso, que, segundo os artigos 608, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC, delimitam o seu objeto, a única questão que importa apreciar consiste em saber se é admissível, em face do facto invocado pelo Mandatário dos Autores no seu requerimento de 26.05.2023, a interposição do recurso da sentença em 29.05.2023, seja por via do reconhecimento de justo impedimento ou da aplicação, por interpretação extensiva, do disposto no artigo 3º, alínea a), do Decreto-Lei nº 131/2009, de 01/06.
***
II – Fundamentos

2.1. Fundamentação de facto
Relevam para a apreciação da apontada questão os seguintes factos:
2.1.1. Na ação de que estes autos constituem apenso foi em 04.04.2023 proferida sentença, em que se decidiu julgar totalmente improcedentes a ação e a reconvenção, com a consequente absolvição dos respetivos pedidos.
2.1.2. A sentença foi notificada às partes por comunicação eletrónica elaborada pela secretaria a 04.04.2023, através do sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais.
2.1.3. No dia 26.05.2023, às 21.38 horas, foi apresentado requerimento, com o teor que a seguir se transcreve na parte relevante:
«EE, mandatário dos demandantes nos autos acima identificados, vem expor e requerer a V. Exa. o seguinte:
1.- Nos presentes autos, por douta sentença de fls, foi a ação julgada não provada e improcedente, tendo os demandantes decidido interpôr recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, onde iam impugnar a matéria de fato, bem como a matéria de direito, cujas taxas de justiça foram pagas por estes ao fim do dia .../.../2023.
2.- Atenta a complexidade da acção, decidiram os demandantes interpôr recurso no 3º dia útil após o termo do prazo, ou seja, no dia 25/05/2023.
3.- Sucede que por um facto não imputável ao signatário, sua mãe FF, residente em CASTRO ..., ..., de 90 anos, faleceu no dia .../.../2023, pelas 16.45 horas, na ... dos GG, conforme CERTIDÃO DE ÓBITO, que lhe foi entregue no dia 26/05/2023, pelas 15.39 horas, onde estava internada por causa do curativo de umas feridas nas partes, que não era algo de grave e fizesse prever este desfecho (documento ... cujo conteúdo se considera integralmente reproduzido).
4.- O dia .../.../2023, era o 2º dia útil posterior ao termo do prazo, porém, pelas 16.07 horas, o irmão do signatário, também advogado, HH, enviou-lhe uma SMS dizendo que sua mãe estava muito mal e que deviam ir vê-la e que o mesmo iria de imediato,
5.- sucede que o irmão do signatário apesar da imediata decisão, não conseguiu, pois antes de lá chegar, pelas 16.45 horas, já tinha falecido.
6.- O signatário respondeu por SMS dizendo que ainda estava na sala de audiências do Juízo Local Cível do Tribunal ... da Comarca ... e desde as 14 horas,
7.- a intervir numa inquirição de testemunhas num Inventário.
8.- Como demorou bastante, o signatário chegou a ..., perto das 20 horas, cerca de 2 horas depois de ter saído.
9.- O signatário quando recebeu aquela SMS temeu o pior e já não mais conseguiu trabalhar, pois como é por demais natural e dada a estreitíssima ligação a sua mãe, não estava, nem está, o signatário em condições de trabalhar durante algumas semanas;
10.- porém, só quando chegou a casa é que sua mulher o informou que sua mãe tinha falecido, o que o deixou desfeito.
11.- O signatário, quando saiu para aquele Tribunal tinha as alegações concluídas em, pelos menos, 1/3 e em cerca de 5 horas concluiria as mesmas;
12.- pelo que não fora a tragédia que se abateu sobre a sua pessoa e sobre a sua família teria mais que tempo para apresentar as mesmas em Juízo.
13.- o signatário contava trabalhar nas alegações ao fim da tarde e parte da noite do 2º dia útil, quarta-feira, assim como iria trabalhar nas mesmas TODO o 3º dia útil, quinta-feira.
14.- O Dec-Lei nº 131/2009, de 1 de junho, concretamente o artigo 3º, permite que o advogado nos 5 dias subsequentes ao falecimento nomeadamente de uma mãe, peça o adiamento de atos processuais onde deva intervir, cujo conteúdo integral é o seguinte: (…)»
15.- O signatário entende, salvo o devido respeito por entendimento contrário, que numa interpretação extensiva, este diploma legal se aplique no presente caso, permitindo que as Alegações sejam apresentadas, tempestivamente, no dia 29/05/2023, o que o signatário fará;
16.- a razão subjacente ao adiamento de uma diligência subsiste, tal e qual, na situação em que se encontra o signatário, não se vislumbrando razões, razoáveis, legítimas e prudentes, para tratamentos diferenciados.
17.- Na verdade, por fato que não lhe é imputável, o falecimento de sua mãe, perdeu o signatário o direito de apresentar as alegações a partir das 16.07 horas, do 2º dia útil após o termo do prazo, bem como perdeu o 3º dia útil.
18.- Só esta interpretação extensiva permite cumprir e respeitar vários princípios e preceitos constitucionais nomeadamente os previstos nos artigos 26º, 67º, 59º e 13º da Constituição da República Portuguesa, como seja o princípio da igualdade, pois o artigo 251º do Código do Trabalho, concede o prazo de 5 dias a TODOS os trabalhadores, pelo falecimento de um pai;
19.- que aqui, coim todas as consequências legais, devem ser aplicados.
20. Por outro lado, esta situação configura, também, um justo impedimento, previsto no artigo 140º do Código de Processo Civil, pois o falecimento de um pai, IMPEDE qualquer bom pai de família, uma pessoa normal, razoável, responsável e prudente, de praticar o acto processual em curso, neste caso a apresentação de alegações, permitindo-se a sua prática no 5º dia subsequente,
21.- o que, com todas as consequências legais, aqui se invoca.
PELO EXPOSTO
- requer-se a V. Exa. se digne deferir o ora requerido, considerando, com todas as consequências legais, que as alegações a apresentar no dia 29/05/2023, com os fundamentos invocados, são apresentadas tempestivamente.
anexo: 1 documento.
TESTEMUNHAS:
1.- HH, advogado, com escritório na Rua ..., ... ...;
2.- II, enfermeira da JJ;
3.- ..., professor do departamento de Biologia da Universidade do ....
o Advogado,
______________________________
EE»

2.1.4. FF, mãe do Exmo. Advogado EE, faleceu no dia .../.../2023, às 16.45 horas, e foi sepultada no cemitério ..., concelho ... (certidão do assento de óbito junta com o requerimento de 26.05.2023).
2.1.5. Em 29.05.2023, às 18.35 horas, os Autores interpuseram recurso de apelação da sentença, apresentaram as respetivas alegações e comprovaram o pagamento da multa com o alegado fundamento de o «recurso ser apresentado no 3º dia útil após o termo do prazo».
2.1.6. Por requerimento de 29.05.2023, apresentado às 18.44 horas, os Réus/Reconvintes, pronunciaram-se no sentido de o tribunal «indeferir o requerido pelos AA, ou seja, a pretensão de apresentação das Alegações de recurso no dia de hoje 29-05-2023, e se eventualmente apresentadas, desentranhadas dos presentes autos por extemporaneidade.»
**
2.2. Do objeto do recurso
2.2.1. Do justo impedimento
No caso vertente, como o recurso tinha por objeto a reapreciação da prova gravada, o prazo para a sua interposição era de 40 (30+10) dias, em conformidade com o disposto no artigo 638º, nºs 1 e 7, do CPC.
O prazo para interposição de recurso da sentença terminava a 22.05.2023 (segunda-feira) e os três dias úteis subsequentes ao termo daquele prazo esgotavam-se no dia 25.05.2023 (quinta-feira). O recurso foi interposto pelos Autores no dia 29.05.2023, que corresponde a uma segunda-feira.
As normas invocadas pelas partes relativamente à questão objeto do recurso são essencialmente as contidas nos artigos 139º, nºs 3, 4 e 5, al. c), e 140º do CPC, e no artigo 3º, al. a), do Decreto-Lei nº 131/2009, de 01 de junho.
Tanto nas alegações como nas contra-alegações, as partes debatem a questão da eventual verificação de uma situação de justo impedimento.
Nesse âmbito, os Recorrentes invocam nas conclusões C a V das suas alegações a inadmissibilidade da invocação de justo impedimento com base em facto ocorrido durante o prazo suplementar de complacência. No seu entender, o aludido instituto só vale para o «impedimento» surgido no decurso do prazo perentório; só pode ser invocado nas situações em que ainda não tenha decorrido o prazo normal para praticar o ato.
A título introdutório, apesar de haver alguma jurisprudência dissonante[1], é claramente dominante o entendimento de que o justo impedimento pode ser invocado quando a situação integradora daquele ocorreu no período de três dias úteis previsto no artigo 139º, nº 5, do CPC. É elucidativo da corrente jurisprudencial que integramos o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.02.2021 (Fátima Gomes), proferido no processo 671/19.4T8FNC.L1.S1[2], assim sumariado: «I. O legislador processual não veda a invocação da figura do justo impedimento mesmo quando já se mostra esgotado o prazo perentório normal e a situação integradora daquele se verifica no âmbito desse prazo complementar do artigo 139.º do NCPC II. Se, ainda que mediante o pagamento de uma multa, a parte tem a faculdade de praticar o acto nos três dias subsequentes ao termo do prazo peremptório (art. 139.º, n.º 5, CPC), não há, à partida, nenhum obstáculo à aplicação do regime do justo impedimento (cf. art. 140.º CPC).» Como bem elucida Miguel Teixeira de Sousa[3], «o regime do justo impedimento é geral: ele abrange a prática de qualquer ato que a parte tenha a faculdade de praticar. Se a parte tem essa faculdade porque está dentro do prazo ou porque beneficia do «prazo de complacência» estabelecido no art. 139º, nº 5, isso tem de ser indiferente. Aquele regime destina-se a desonerar a parte do risco de um evento que lhe não é imputável e que obsta à prática do ato»[4].
Sendo assim, improcedem as conclusões formuladas sobre tal matéria.

Porém, a questão do justo impedimento nem sequer tem verdadeira pertinência, sendo que também, com base no mesmo, inexistia fundamento para diferir a interposição do recurso para o dia 29.05.2023.
Por um lado, a decisão recorrida, que considerou justificada e «atempada a prática do ato processual de interposição de recurso por parte dos autores no dia 29/05/2023» não se baseou na figura jurídica do justo impedimento, mas sim, na «interpretação extensiva do artigo 3º, alínea a), do D.L. nº 131/2009, de 01/06».
Por outro lado, a existência de impedimento relativamente à prática do ato nos dias 24 e .../.../2023, datas que correspondem às do falecimento e do funeral, não impedia a interposição do recurso no dia 26.05.2023 e, como tal, não justifica que tal interposição só se tenha verificado a 29.05.2023.
Segundo o artigo 139º, nº 3, do CPC, o ato pode ser praticado fora do prazo em caso de justo impedimento. Nos termos do artigo 140º, nº 1, do CPC, «considera-se “justo impedimento” o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática do ato».
O justo impedimento foi invocado pelos Autores no requerimento de 26.05.2023, a título subsidiário, conforme se vê nos seus artigos 20º e 21º, onde se alegou:
«20. Por outro lado, esta situação configura, também, um justo impedimento, previsto no artigo 140º do Código de Processo Civil, pois o falecimento de um pai, IMPEDE qualquer bom pai de família, uma pessoa normal, razoável, responsável e prudente, de praticar o acto processual em curso, neste caso a apresentação de alegações, permitindo-se a sua prática no 5º dia subsequente,
21.- o que, com todas as consequências legais, aqui se invoca.»
A invocação do justo impedimento lavrava num equívoco tanto quanto à natureza como aos efeitos deste instituto jurídico.
Trata-se de um incidente que deve ser suscitado logo que tenha cessado a situação invocada como impeditiva da prática do ato. Isso está bem patente no nº 2 do artigo 140º do CPC, na parte em que se refere ao «reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou [o impedimento]».
No caso dos autos, segundo o invocado pelos próprios Autores, o alegado impedimento ocorreu no período de .../.../2023 a 25.05.2023, pelo que há que reconhecer que quando, no dia 26.05.2023 foi deduzido o incidente de justo, apresentaram-se «a requerer logo que ele cessou».
Sucede que no momento em que se suscita o incidente de justo impedimento tem de se praticar simultaneamente o próprio ato que não foi possível praticar dentro do prazo. Só assim é suscetível de ser admitida a prática extemporânea do ato.
Tal entendimento é uniforme na jurisprudência e na doutrina. Por exemplo, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[5] assim o expressam: «No nº 2 mantém-se, salvo o estabelecido no nº 3, o ónus de requerer a admissão da prática extemporânea do ato mediante alegação e prova do justo impedimento, fora ou dentro do prazo, mas logo que cesse a causa impeditiva, o que pressupõe que o próprio ato seja simultaneamente praticado». Se recorremos aos clássicos, também Alberto dos Reis[6] já salientava que «no preciso momento em que o interessado se apresenta a praticar o acto intempestivo, é que tem de fazer alegação e prova do justo impedimento». Na jurisprudência são ilustrativos os acórdãos da Relação de Évora de 21.05.2009, proferido no processo 785/05.6TBABT.E1, relatado por Mata Ribeiro, e de 22.03.2012, proferido no processo 78/08.9TBMCQ-A.E1, relatado por Bernardo Domingos.
No caso em apreciação o ato não foi praticado em simultâneo com a alegação do justo impedimento, pelo que por esta razão a pretensão estava votada ao insucesso.
Depois, o “justo impedimento” não é um mecanismo de prorrogação de prazos. Não tem essa natureza e função. Não é uma forma de diferimento do momento temporal da prática do ato para além do dia imediato àquele em que o impedimento cessa, momento em que deve ser praticado o ato em falta, invocando-se o impedimento e proposta a respetiva prova.
Como facilmente se constata, em face do próprio teor do requerimento apresentado em 26.05.2023, em momento algum os Autores pretenderam obter o aludido efeito, mas sim que lhe fosse concedida a possibilidade de praticar o ato no dia 29.05.2023 («requer-se a V. Exa. se digne deferir o ora requerido, considerando, com todas as consequências legais, que as alegações a apresentar no dia 29/05/2023, com os fundamentos invocados, são apresentadas tempestivamente»).
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2.2.2. Da aplicação do disposto no artigo 3º, al. a), do DL 131/2009, de 01/06
O Decreto-Lei nº 131/2009, de 01 de junho, na expressa previsão constante do seu artigo 1º, «consagra o direito dos advogados ao adiamento de atos processuais em que devam intervir em caso de maternidade, paternidade e luto e regula o respetivo exercício.»
A situação dos autos é a do falecimento da mãe do Exmo. Advogado dos Autores no segundo dia útil subsequente ao termo do prazo de que dispunham para recorrer da sentença.
A este propósito, dispõe o artigo 3º daquele diploma, sob a epígrafe “falecimento”:
«Os advogados, ainda que no exercício do patrocínio oficioso, gozam do direito de obter, mediante comunicação ao tribunal, o adiamento dos atos processuais em que devam intervir:
a) Nos cinco dias consecutivos ao falecimento do cônjuge não separado de pessoas e bens, de pessoa com quem vivam em condições análogas às dos cônjuges, ou de parente ou afim no 1.º grau da linha reta;
b) Nos dois dias consecutivos ao falecimento de outro parente ou afim na linha reta ou no 2.º grau da linha colateral.»
Nenhuma dúvida existe de que todos os advogados gozam do direito de obter o adiamento de atos processuais em que devam intervir presencialmente. Se, por exemplo, a data de uma audiência de julgamento ou de qualquer outra diligência judicial estiver designada para um dos cinco dias consecutivos ao falecimento de uma pessoa cuja relação com o advogado esteja contemplada na al. a) do artigo 3º do diploma, pode ser requerido o adiamento do ato para uma data posterior.
Porém, na decisão recorrida entendeu-se que o direito consagrado no Decreto-Lei nº 131/2009, de 01 de junho, abrange todos os atos processuais e não apenas aqueles em que os advogados devam intervir presencialmente.
Trata-se de uma questão que não tem sido resolvida uniformemente na jurisprudência[7]. O entendimento em que assenta a decisão recorrida é defendido no acórdão da Relação de Évora de 30.03.2023 (Maria Domingas), proferido no processo 415/20.8T8PTG-D.E1, onde se sustenta que os critérios normativos consagrados no artigo 9º do Código Civil impõem uma interpretação extensiva dos preceitos do DL 131/2009, de 01/06, devendo entender-se que a dilação ali prevista abrange a prática de atos no processo. Já a posição contrária, defendida pelos Recorrentes nas suas alegações, é sustentada no acórdão da Relação de Lisboa de 08.11.2022 (Isabel Salgado), proferido no processo 3844/19.6T8LSB-A.L1-7, segundo o qual «o benefício estabelecido no caso do advogado enlutado, apenas respeita à faculdade de adiamento de acto judicial (presencial) designado, afigurando-se não se estender a tutela à prática de outros actos processuais, como seja a interposição de recurso, que corresponderia, rectius, a uma causa de suspensão da instância, e imporia a alteração legislativa do disposto actualmente nos artigos 269º a 276º do CPC.»
Em matéria de interpretação da lei rege o artigo 9º do Código Civil. Segundo o seu nº 1, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que a lei é aplicada. Porém, nos termos do seu nº 2, não pode ser considerado um pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
Está posta em causa no recurso a admissibilidade da interpretação extensiva da norma do artigo 3º do DL 131/2009, através da qual se operou o alargamento da letra da lei para pretensamente estar de harmonia com o pensamento legislativo.
Interpretar uma lei é determinar o sentido com que ela deve valer. E os elementos da interpretação jurídica da lei são essencialmente dois: a análise da letra da lei (elemento literal ou gramatical) e a determinação do espírito da lei, devendo este ser apurado através dos elementos racional, sistemático, histórico e conjuntural. O elemento mais importante afigura-se ser o racional, a ratio legis; consiste na razão de ser da lei, no fim visado pelo legislador ao elaborar a norma.
Através da aplicação dos referidos critérios pode o intérprete chegar à conclusão que o legislador expressou na letra da lei menos do que aquilo que quereria ter dito. Reclamando o pensamento legislativo um significado mais amplo do que aquele que resulta do texto da lei, o intérprete deve operar uma correção, alargando o sentido da disposição legislativa de modo a abranger outras situações que permitam garantir fidelidade ao referido pensamento.
Também pode suceder que a lei contenha uma lacuna, ou seja, um caso que ficou involuntariamente omisso. Regula essa situação o artigo 10º do Código Civil.
Para resolver um caso omisso mediante analogia, são necessários três requisitos cumulativos[8]:
a) Que entre o caso omisso e o caso regulado exista uma identidade, ou uma semelhança tal, que justifique ficarem ambos sujeitos ao disposto por ela expressamente previsto, mas também à resolução do caso omisso;
b) Que a ratio legis da norma chamada a resolver a questão seja adequada, não apenas à resolução do caso por ela expressamente previsto, mas também à resolução do caso omisso;
c) Que da aplicação da outra norma chamada pela analogia resulte uma decisão justa e razoável do caso omisso, que não viole, nomeadamente, os princípios constitucionais da igualdade, da proporcionalidade e da boa fé.
Enquadrada a questão, partindo da constatação de que a letra da lei alude genericamente a “atos processuais em que devam intervir” advogados, devemos começar por apurar se haverá alguma razão substancial para o intérprete distinguir entre atos processuais de intervenção presencial e outros atos processuais que igualmente exigem a intervenção de advogado, circunscrevendo a aplicação da lei àqueles primeiros atos.
No nosso entender, a resposta só pode ser negativa.

Em primeiro lugar, tanto a falta do advogado a uma diligência judicial como a falta de apresentação de uma contestação ou das alegações de um recurso são suscetíveis de produzir consequências negativas para a parte patrocinada pelo advogado. Não conseguimos sequer, em abstrato, afirmar que a primeira é mais grave ou relevante do que a segunda.
A dispensa de atividade relativamente a atos de intervenção presencial tem, pelo menos, a mesma relevância que a dispensa da prática de atos no processo; ambos os casos são dignos de tutela, justificando, por razões de igualdade, que o respetivo ato seja praticado posteriormente. Quer dizer, em substância, faz sentido que o direito à dispensa de atividade por um certo período seja independente da natureza presencial ou não do ato processual.

Em segundo lugar, perante a circunstância da morte da progenitora de um advogado (ou da morte de um filho, que é habitualmente um evento ainda mais devastador e desestabilizador da capacidade de trabalho e de intervenção em atos processuais), como é que se pode considerar que os atos processuais em que deva intervir presencialmente podem ser adiados e os demais atos processuais que requerem a sua necessária intervenção têm de ser praticados inapelavelmente até ao termo do respetivo prazo? Fere o nosso sentido de humanidade e representa uma depreciação da dignidade que deve presidir ao exercício das nobres e imprescindíveis funções forenses dos senhores Advogados, considerar que o advogado a quem faleceu um familiar próximo não está em condições de comparecer numa diligência judicial num certo período de tempo, mas já estará capaz, no mesmo circunstancialismo temporal, de elaborar peças processuais e de as apresentar em tribunal.
Como qualquer pessoa – mesmo que estranha ao foro – facilmente conclui, não há nenhuma razão para distinguir entre as duas apontadas situações: a razão que levou o legislador a consagrar o direito ao adiamento de diligências judiciais, ou seja, de atos processuais de intervenção presencial, é exatamente a mesma que leva a considerar que o advogado tem direito ao diferimento da prática de ato processual cujo termo do respetivo prazo se contenha dentro do prazo de cinco dias consecutivos «ao falecimento do cônjuge não separado de pessoas e bens, de pessoa com quem vivam em condições análogas às dos cônjuges, ou de parente ou afim no 1º grau da linha reta».

Em terceiro lugar, a lei apenas se refere a «atos processuais em que devam intervir» advogados, sem especificar se demandam ou não a presença do advogado e independentemente dos atos processuais a realizar. O requerimento de interposição de recurso, contendo necessariamente as alegações do recorrente, é um ato processual em que deve intervir advogado, pelo que se insere na previsão abstrata da norma.
O elemento dissonante é apenas a referência ao “adiamento”, que geralmente é entendido como referindo-se a diligências judiciais.
Mas a utilização da aludida expressão pode apenas significar que o legislador se exprimiu de forma incorreta, dizendo menos do que aquilo que queria dizer.
Repare-se que a consagração do direito em causa, como se lê no preâmbulo do Decreto-Lei nº 131/2009, de 1 de junho, estendeu aos advogados o direito, «que a generalidade dos cidadãos tem», de «dispensa de atividade durante certo período de tempo, em caso de maternidade ou paternidade, ou de falecimento de familiar próximo», procurando assim «compatibilizar o exercício da profissão com a vida familiar, em termos equilibrados, sem afectar excessivamente a necessária celeridade da justiça.» Isso mesmo voltou a ser enfatizado no preâmbulo do Decreto-Lei nº 50/2018, de 25 de junho, que alterou o Decreto-Lei nº 131/2009, de 1 de junho, onde se afirma que aquele diploma «estendeu aos advogados o gozo do direito, reconhecido à generalidade dos cidadãos, de dispensa de atividade durante certo período de tempo, em caso de maternidade ou paternidade, ou de falecimento de familiar próximo» e «visou permitir uma desejável harmonização entre a vida profissional e a vida familiar do advogado, sem impacto relevante na almejada celeridade processual».
Ora, não se pode considerar que ao advogado foi concedido o direito à «dispensa de atividade durante certo período de tempo», designadamente em caso de falecimento de familiar próximo, e continuar a exigir-lhe a prática de atos processuais durante o período legalmente considerado de luto.
Isso não constitui qualquer dispensa de atividade nem opera a harmonização entre a vida profissional e a vida familiar do advogado. Essa harmonização só é viável se o advogado puder relegar a prática do ato processual para o momento do termo do período do luto (ou o período legalmente considerado de maternidade ou paternidade), quando o ato a praticar ou o termo do respetivo prazo (incluindo o de complacência, pelas razões que já se apontaram supra relativamente ao caso de justo impedimento) se contenha dentro do referido período de cinco ou de dois dias, consoante os casos, consecutivos ao falecimento.
Como bem se refere no citado acórdão da Relação de Évora de 30.03.2023, «a referência a “dispensa de actividade é, em nosso entender, reveladora e determinante para se apurar o âmbito de aplicação da lei: o que inspirou o legislador foi a constatação de que os advogados, pese embora a especificidade das funções – de relevante significado social – que exercem, confrontados com determinadas situações da sua vida pessoal ficavam, também eles, em situação de não lhes ser exigível que prosseguissem a sua actividade, estando ainda em causa, naturalmente, conforme é reconhecido aos trabalhadores por conta de outrem, os direitos constitucionalmente reconhecidos de protecção da família, da maternidade e da paternidade e da infância (cfr. artigos 67.º, 68.º e 69.º da CRP)
Atenta a ratio legis, a redação dos preceitos do Decreto-Lei nº 131/2009, de 01 de junho, na parte em que alude a “atos processuais” e a “adiamento”, deve ser objeto de interpretação extensiva, de forma a incluir a prática de atos no processo, que é a parte mais substancial da atividade dos senhores Advogados (e não apenas a parte mais visível, que é a participação em audiências de julgamento e outras diligências), que deve igualmente ficar abrangida pela dispensa.
Além de o legislador ter pretendido expressamente conferir aos Advogados a «dispensa de atividade durante certo período de tempo, em caso de maternidade ou paternidade, ou de falecimento de familiar próximo» (elemento teológico), é de notar que a apontada solução é a que vigora para os trabalhadores por conta de outrem e, sobretudo, para os outros operadores judiciários, conforme é o caso dos magistrados (elemento sistemático). Se um juiz, por lhe ter falecido um familiar próximo, está dispensado de praticar atos processuais, sejam eles de natureza presencial ou não, por identidade de razão, também o advogado, que é uma peça-chave da realização da justiça, deve beneficiar de idêntica dispensa de atividade, englobando todos os atos processuais em que deva intervir, ressalvadas as exceções expressamente previstas na lei. Essa é a interpretação que leva em conta a unidade e coerência do sistema jurídico e as condições específicas do tempo em que é aplicada a norma, sendo de recordar a evolução entretanto registada relativamente à proibição de todos os tipos de discriminação e que atualmente repugna ao cidadão comum que situações factuais semelhantes tenham tratamento diferenciado sem que exista uma forte razão para tal. O próprio diploma opera uma equiparação dos advogados, enquanto profissionais, aos demais trabalhadores no que respeita à dispensa de atividade durante certo período de tempo, legalmente fixado e não sujeito a dúvidas: “dispensa de atividade” significa que o advogado está dispensado de praticar atos processuais durante o período que a lei concretamente fixa como relevante. E à semelhança do que sucede com o justo impedimento, não é indispensável qualquer construção teórica que implique o recurso à figura da suspensão da instância, bastando a consideração de que a dispensa de atividade implica a admissibilidade da prática do ato logo que terminado o período de luto ou de maternidade/paternidade.
Assim, embora a prática de atos no processo não esteja diretamente abrangida pela letra da lei na parte em que esta alude a adiamento, trata-se de atos que se mostram compreendidos na finalidade da mesma. Só através da interpretação extensiva da norma se realiza a sua finalidade e se evita uma contradição valorativa operada pela distinção entre atos de intervenção presencial do advogado e atos que devam ser praticados por este no processo.

Acresce que uma interpretação que, partindo da constatação de que a lei alude genericamente a “atos processuais em que devam intervir advogados”, distinga entre atos processuais de intervenção presencial e outros atos processuais que igualmente exigem a intervenção de advogado, como é o caso da prática de atos no processo (por exemplo, a apresentação de peças processuais como a contestação ou as alegações no âmbito de um recurso), circunscrevendo a aplicação da lei àqueles primeiros atos, seria violadora da norma constitucional que consagra o direito ao acesso ao direito, à tutela jurisdicional efetiva e ao processo equitativo, constante do artigo 20º, nºs 1, 2 e 4, da Constituição da República Portuguesa.
A dispensa de atividade durante os períodos de luto, maternidade e paternidade não é apenas um direito do advogado enquanto trabalhador. Também constitui uma garantia para a parte patrocinada pelo advogado de que este não se apresenta a praticar atos processuais em condições desvantajosas. Facilmente se conclui que não se pode exigir a um advogado que elabore, em termos adequados e de harmonia com a sua habitual capacidade técnico-jurídica, uma contestação ou umas alegações de recurso quando acaba de saber do falecimento de um familiar próximo. É natural que não consiga ter o desempenho habitual que a parte legitimamente espera e que até possa cometer erros, prejudicando os direitos e interesses de quem patrocina. Daí que a interpretação que distingue entre atos de intervenção presencial e outros atos processuais, ao exigir que o advogado se apresente a praticar atos processuais em condições desfavoráveis à parte que patrocina, ponha em causa a exigência constitucional de processo equitativo e de tutela jurisdicional efetiva.
Uma tal evidência não pode ser ignorada na interpretação da lei, pois a vida não deve ser deixada à porta dos tribunais. Pelo contrário, é com base nas realidades da vida, tal como elas podem ser constatadas por qualquer pessoa, que a lei deve ser interpretada.
Em suma, nenhuma censura pode ser feita à decisão recorrida, quando aplica extensivamente o disposto no artigo 3º, alínea a), do Decreto-Lei nº 131/2009, de 01 de junho, e considera tempestiva a apresentação do requerimento de interposição do recurso no dia 29.05.2023. Parece-nos correto o entendimento do Tribunal recorrido, no sentido de que deve ser interpretada extensivamente a norma do artigo 3º, alínea a), do Decreto-Lei nº 131/2009, de 01 de junho, no sentido de abarcar as situações de prática de atos no processo, como a interposição de recurso, cumprindo-se o objetivo plasmado no preâmbulo do referido diploma legal, de estender aos advogados o direito de dispensa de atividade durante certo período de tempo no caso de falecimento de familiar próximo, compatibilizando-se o exercício da profissão com a vida familiar, sendo certo que se entende que tal não afeta excessivamente a necessária celeridade da justiça.
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III – Decisão

Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelos Recorridos.
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Guimarães, 25.01.2024
(Acórdão assinado digitalmente)

Joaquim Boavida
António Figueiredo de Almeida
Maria dos Anjos Melo Nogueira


[1] Que atualmente só muito esparsamente se vê defendida.
[2] Acessível em www.dgsi.pt, assim como todos os demais acórdãos aqui citados.
[3] Acessível no Blog do IPPC – www.blogippc.blogspot.pt.
[4] No mesmo sentido, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires Sousa, CPC Anotado, vol. I, Almedina, pág. 164.
[5] Código de Processo Civil Anotado, vol. 1º, 4ª edição, Almedina, pág. 300.
[6] Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 2º, Coimbra Editora, 1945, pág. 79.
[7] Tanto quanto é do nosso conhecimento, na doutrina ainda não foi abordada esta questão.
[8] Diogo Freitas do Amaral, Código Civil Anotado, vol. I, Ana Prata (Coord.), Almedina, pág. 28.