Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
323/04.0GAALJ-C.G3
Relator: FRANCISCO SOUSA PEREIRA
Descritores: FUNDO DE ACIDENTES DE TRABALHO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
JUROS DE MORA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/15/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
O disposto no art. 1.º, n.º 1, alínea a), do DL 142/99 de 30 de Abril, na sua versão originária, deve ser compaginado com o disposto no art. 39.º, da Lei 100/97, de 13 de Setembro, o que significa que as prestações cujo pagamento o FAT assegura são apenas as contempladas naquele art. 39.º, nas quais se não inclui a indemnização por danos não patrimoniais.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

AA, BB, e CC, nos autos já melhor identificados, instauraram execução para pagamento de quantia certa, por apenso ao Processo Comum Colectivo 323/04.0GAALJ, contra EMP01... – Construção Civil, Lda. e DD.
Constitui título executivo o acórdão proferido nos autos principais, em 07.03.2012, sendo que, nesse aresto, os executados foram condenados, solidariamente, no pagamento, a título de indemnização por danos não patrimoniais, da quantia de € 38.333,33 a AA e €33.333,33 a CC bem como igual montante ao BB, a que acrescem juros de mora cíveis contados desde a notificação do pedido até efectivo e integral pagamento, tendo os exequentes computado, à data, os juros moratórios vencidos em 17.000,00€, em relação à exequente AA e em 14 000€, em relação a cada um dos exequentes BB e CC, sem prejuízo dos vincendos.

Efectuadas as diligências pertinentes e face à inexistência de quaisquer bens penhoráveis aos executados foi proferido o despacho que faz fl.s 45 dos autos e declarada extinta a execução.

Nessa sequência os exequentes, por requerimento a fls. 47-81 (entrado em 12.5.2021), suscitaram a intervenção do Fundo de Acidentes de Trabalho (FAT) nos presentes autos para assegurar o pagamento das referidas quantias, constando do respectivo pedido:
“TERMOS EM QUE OS CO-EXEQUENTES/BENEFICIÁRIOS, REQUEREM A V. EXª O SEGUINTE:
Se digne proferir, douta e adequada DECISÃO, no sentido de concluir, face ao supra-alegado e a tudo o mais, propiciado pelos autos, que estão preenchidos todos os requisitos, legalmente exigíveis, passíveis de suscitarem a DEDUÇÃO do presente INCIDENTE PROCESSUAL, determinando e ordenando, consequentemente, ao FAT - FUNDO DE ACIDENTES DE TRABALHO, com sede na Avenida ... ..., que efectue os pagamentos devidos aos visados Credores/Beneficiários, na sua residência, situada na Rua ..., ... - ..., em conformidade com as quantias supra-alegadas, que se passam a discriminar e tipificar, como segue: (…)”

O que foi indeferido nos termos do despacho de fl.s 85, que absolveu o FAT da instância, pelas razões aí explanadas (em suma, carecer o FAT de legitimidade passiva).
Não conformados, os Exequentes recorreram, tendo sido proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Guimarães (que faz fl.s 146-158, e que transitou em julgado), que julgou o recurso procedente e decidiu, em suma, revogar a decisão recorrida “que terá que ser substituída por outra que atribua legitimidade ao FAT para intervir nos autos e para os fins requeridos pelos ora recorrentes.”

Nessa sequência, foi admitida a intervenção do FAT e foi então – em 25.01.2022 - proferido despacho a ordenar o cumprimento do disposto no art. 319.º, n.º 1, do CPC (citação do FAT), com as devidas adaptações, “seguindo-se os termos subsequentes”.

Notificados os exequentes deste despacho, vieram apresentar novo requerimento em que, em síntese, pedem que, por falta de fundamento legal, seja dado sem efeito o despacho que ordenou a citação do FAT, e reafirmam o pedido de notificação do FAT para, “a título de garante subsidiário” dos créditos que os exequentes pretendem receber, proceder ao pagamento da quantia exequenda.

Sobre este requerimento recaiu despacho, em 09.02.2022, a indeferir o requerido e a mandar aguardar o decurso do prazo (para o FAT exercer o contraditório).

O FAT – na sequência da aludida citação, para contestar a pretensão dos exequentes - veio então contestar (apresentar oposição), nos termos que constam do articulado de 18.02.2022 referência ...52, defendendo, em suma, não ser responsável – pelas razões que aí aduz - pelo pagamento das indemnizações por danos não patrimoniais, concluindo a pedir o indeferimento do requerido pelos exequentes.

Prosseguindo os autos, foi então – em 22.3.2022 - proferida decisão de que destacamos:
“Destarte, independentemente das razões aduzidas pelo FAT, o certo é que o Tribunal da Relação de Guimarães já decidiu a questão, ordenando que seja atribuída legitimidade ao FAT para intervir nos autos (o que já foi cumprido) “e para os fins requeridos pelos recorrentes”, (vide pedido formulado a fl.s 77 e ss).
Assim, em estrita obediência ao superiormente decidido, face à incapacidade económica dos responsáveis determina-se a notificação do Fundo de Acidentes de Trabalho para proceder ao pagamento das quantias que deveriam ter sido pagas, nos termos do acórdão proferido nestes autos por EMP01... – Construção Civil, Lda. Sociedade Comercial de Responsabilidade Limitada e DD, concretamente, (…)”

O FAT interpôs recurso desta decisão, pedindo a revogação da mesma, recurso ao qual os exequentes responderam, sustentando que o mesmo deveria ser indeferido “in limine”.

Admitido o recurso, veio a ser proferido acórdão por esta Relação (entretanto transitado em julgado) que o julgou parcialmente procedente, “nos sobreditos termos”, e de cujo dispositivo também consta “(…) em face do que se declara a nulidade da decisão recorrida, que se revoga, devendo ser substituída por outra, em que, tudo ponderado, decida tendo também em conta a contestação, tempestivamente apresentada, do Fundo de Acidentes de Trabalho - F.A.T., relativamente ao qual havia já sido decidido, por este T.R.G., ter legitimidade, para intervir nos autos
Da respectiva motivação destacamos, nomeadamente:
“Embora se compreenda a bondade da decisão recorrida de querer cumprir com o que entendeu estar a ser determinado pelo tribunal superior, temos que discordar da mesma.
Uma vez que não obstante a terminologia utilizada (“para os fins requeridos pelos ora recorrentes”) o que é facto é que apenas se decidiu atribuir “LEGITIMIDADE ao FAT para intervir nos autos”, para os fins para que a mesma foi requerida. (o sublinhado é nosso).
Fins esses de cariz processual, no nosso entendimento.
Uma vez que era essa a questão que estava em causa (eventual intervenção nos autos do F.A.T.), não se estando a decidir de mérito quanto á execução para pagamento de quantia certa, por apenso, ao Processo Comum Colectivo 323/04.0GAALJ.
Ora, a decisão recorrida tomou posição, como se refere na mesma, “independentemente das razões aduzidas pelo FAT”.
Ora, entendemos que não o poderia ter feito.
Como consta no despacho recorrido: “(…) foi admitida a intervenção do FAT e cumprido o contraditório, tendo o FAT contestado, tempestivamente (…) – (o sublinhado é nosso).”

Na sequência, o Tribunal a quo proferiu decisão, de cujo dispositivo consta:
“Pelo exposto, indefere-se o requerido pelos Exequentes AA, BB e CC e, consequentemente, não se determina a notificação do Fundo de Acidentes de Trabalho para proceder ao pagamento das quantias por aqueles peticionadas.
Registe e notifique.”

Inconformados com esta decisão, dela vieram os exequentes/requerentes interpor o presente recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões (transcrição):

“1ª A Instância “a quo” violou, com a Sentença recorrida, a nossa CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, no que tange, nomeadamente, ao estatuído no ARTIGO 20º, N.º 1; 59º, N.º 1, alínea f), onde refere, neste dispositivo, o seguinte: “todos os trabalhadores””...têm direito” À assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional (SIC) e ARTIGOS 202º ; 209º e 210º, consagrando estes os princípios gerais que regulam os nossos TRIBUNAIS.
2ª A Instância “a quo” desobedeceu, ostensivamente, ao decidido nos doutos Acórdãos, juntos aos presentes autos, datados de 07-03-12, 16-12-2021 e 09-01-2023, tendo sido prolatados, estes dois últimos e doutos ARESTOS, pelo VENERANDO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES.
3ª A mesma Instância desobedeceu, numa postura manifestamente deplorável e incrível, ao doutamente ordenado, na parte final dos visados   e mui bem fundamentados ARESTOS,  ao concluir, na Sentença recorrida, além do mais, o seguinte: “…indefere-se o requerido” e “…não se determina a notificação do Fundo de Acidentes de Trabalho para proceder ao pagamento das quantias por aqueles peticionadas”, aludindo, expressamente, à pretensão dos EXEQUENTES/BENEFICIÁRIOS, que suscitou a produção dos invocados e doutos ARESTOS, na parte em que fez letra morta e tábua rasa do ordenado nos doutos Acórdãos, proferidos por esse VENERANDO TRIBUNAL, como emerge daquelas expressões, consignadas na parte final da Sentença recorrida.
4ª A Instância “a quo”, em vez de acatar e respeitar o que lhe foi ordenado por esse VENERANDO TRIBUNAL, nos aludidos e doutos ARESTOS, no sentido de promover e ordenar ao FAT – Fundo de Acidentes de Trabalho, com o objectivo deste efectuar aos EXEQUENTES/BENEFICIÁRIOS, ora Recorrentes, as quantias pelos mesmos peticionadas, acrescidas de juros moratórios, decidiu a Sra. Juíza da causa desacatar, totalmente, o que lhe havia sido ordenado por esse VENERANDO TRIBUNAL, enveredando na Sentença recorrida por considerações supérfluas, citação de normativos legais, inaplicáveis ao caso concreto, deturpando ainda o disposto no DL N.º 142/99 de 30 de Abril, na sua versão primitiva.
5ª Com efeito, o ARTIGO 1º, N.º 1, daquele Decreto-Lei, na sua alínea a), refere o seguinte, no concernente à sua competência: “Garantir o pagamento das prestações que forem devidas por acidentes de trabalho…”, seguindo-se o demais consagrado no quadro verbal, em apreço, objecto, aliás, da transcrição integral, no tocante àquele, como decorrente do supra-alegado.
6ª  No sentido da Instância “a quo” contraditar o que emerge dos doutos Acórdãos, em presença, invocou na Sentença recorrida as Alterações introduzidas no sobredito DL N.º 142/99 de 30 de Abril, pelo DL 185/2007 de 10 de Maio, sonegando, porém, o real alcance e grau de abrangência deste último diploma legal.
7ª Na verdade, a Sra. Juíza da causa, atentas as funções que exerce e o facto dos presentes autos já tramitarem durante considerável período de tempo, não se acredita que a mesma possa ignorar as motivações que estiveram subjacentes à produção do invocado DL N.º 185/2007 de 10 de Maio.
8ª A interpretação defeituosa e absolutamente inadequada, de tal diploma legal, pela Instância “a quo”, degenerou e culminou na produção da Sentença recorrida, tendo afectado, gravemente, os interesses dos entes queridos do malogrado, EE, EXEQUENTES/BENEFICÁRIOS, ora Recorrentes, privando-os, com a sua decisão, das legítimas quantias peticionadas pelos mesmos, que lhes foram definitivamente reconhecidas, em sede dos supra-alegados ACÓRDÃOS, onde se incluem os datados de 16-12-2021 e 09-01-2023, proferidos por Vossas Excelências, com a particularidade dos mesmos terem sufragado a mesma solução, conferida ao “thema decidendum”.
9ª Tal solução assentou, não só no predito DL N.º 142/99 de 30 de Abril, na sua versão primitiva – ARTIGO 1º, N.º 1, alínea a), cujas prestações foram encaradas com a amplitude e abrangência deste visado normativo legal, encarado “latissimo sensu”, como decorre não só do nosso TRIBUNAL CONSTITUCIONAL – Acórdão N.º 260/2010 – Processo N.º 294/08 – 1ª Secção, onde interveio como relator o Senhor Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira.
10ª O douto Acórdão, sob apreciação, objecto de citação supra, no âmbito da MOTIVAÇÃO conferida ao presente Recurso Ordinário, além de outros pertinentes considerandos, absolutamente inatacáveis, com o devido respeito, concluiu e decidiu o seguinte: “a) Julgar inconstitucional por violação do principio da confiança ínsito ao Estado de Direito democrático consagrado no Artigo 2º da Constituição, a norma dos Artigos 2º (quando introduz um novo n.º 5 ao artigo 1º do DL n.º 142/99 de 30 de Abril) e 5º, n.º 1 (na parte em que determina a aplicação do novo regime a acidentes de trabalho ocorridos em data anterior), ambos do Decreto-lei n.º 185/2007 de 10 de Maio; (IPSIS VERBIS)
11ª O entendimento sufragado e defendido no aludido e douto Acórdão do nosso TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, tem sido perfilhado e defendido, uniformemente, pela douta JURISPRIDÊNCIA dos nossos Tribunais, desde a 1ª Instância e Tribunais Superiores, incluindo o nosso S.T.J., com o esclarecimento de que o alegado e exímio ARESTO, prolatado por Vossas Excelências, já invocado supra, datado de 16-12-2021, além do vasto repositório das pertinentes considerações e fundamentos, em que alicerçou tal Acórdão, concedendo total provimento ao Recurso Ordinário, interposto para esse Venerando Tribunal, que ordenou a notificação do FAT – Fundo de Acidentes de Trabalho, que revogou a decisão recorrida para ser substituída por outra destinada a atribuir legitimidade ao FAT para intervir nos autos e para os fins requerido pelos ora Recorrentes.
12ª Aliás, a DECISÃO proferida naquele douto Acórdão, junto aos presentes autos, já foi invocada e transcrita no âmbito do presente Recurso.
13ª Aquele Acórdão, foi acompanhado, no essencial e nuclear, para a justa e acertada decisão de mérito, conferida à pretensão dos EXEQUENTES/BENEFICIÁRIOS, cabalmente identificados nos presentes autos, enquanto entes queridos do infeliz, EE, que, no 16 de Novembro de 2004 sofreu um trágico e fatídico acidente de trabalho mortal, gerando-se, assim, um doloroso golpe, na vida dos seus sucessores, todos eles ainda muito jovens, à data da verificação do predito evento infortunístico.
14ª Atenta a data em que ocorreu o mesmo, não se concebe como a Instância “a quo”, defende na Sentença recorrida que as Alterações, introduzidas pelo Decreto-Lei N.º 185/2007, de 10 de Maio, só operaram para o futuro, não sendo aplicáveis aos Acidentes de Trabalho verificados em data anterior à vigência de tal diploma legal e daí que este jamais possa funcionar, no caso “sub judice”, não sendo, por isso, aplicável ao trágico acidente que vitimou o EE, ao arrepio do que inculca a Meritíssima Sra. Juíza da causa, na Sentença em crise.
15ª A tese vertida na mesma Sentença não se compagina, minimamente, com o, uniformemente, sufragado e defendido pelos nossos TRIBUNAIS, desde a 1ª Instância até aos Tribunais Superiores, incluindo o nosso Tribunal Constitucional, os Tribunais das Relações e o S.T.J.
16ª A prevalecer o infundado entendimento, vertido na Sentença recorrida, o que só por mera hipótese absurda e meramente académica se admite, a Instância “a quo” resvalaria para flagrante e pungente injustiça, no que é, porém, travada, pela solução pacificamente consagrada na versão primitiva do Decreto-lei N.º 142/99 de 30 de Abril, que é aplicável, inquestionavelmente, ao caso dos presentes autos.
17ª A Instância “a quo”, numa atitude de inconcebível precipitação e ligeireza, porfiou, sem o mínimo fundamento, em atribuir às Alterações introduzidas aludido Decreto-Lei N.º 185/2007, de 10 de Maio, eficácia retroactiva, não devendo ignorar que as normas nele consagradas só operaram para o futuro e daí a sua inaplicabilidade ao caso dos presentes autos, afigurando-se que Meritíssima Sra. Juíza da causa jamais aferiu as desastrosas consequências, que adviriam da infundada solução por que se bateu na Sentença recorrida, indiferente ao quadro patético e dilacerante, em que redundou a trágica e inopinada morte do malogrado, EE, não gozando a postura da Instância “a quo” da mínima plausibilidade e daí a obrigação que impende sobre o FAT de proceder ao pagamento das quantias peticionadas pelos EXEQUENTES/BENEFICIÁRIOS, ora Recorrentes, em plena consonância com  o prolatado e decidido, definitivamente, pelo VENERANDO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES, nos seus doutos Acórdãos, com Trânsito em Julgado, datados de 16-12-2021 e 09-01-2023.
18ª A Instância “a quo”, na produção da Sentença recorrida, pautou-se, no essencial, pelo raciocínio que a estimulou e norteou, no acto em que proferiu o seu DESPACHO/DECISÃO, datado de 19-05-2021, concluindo, no âmbito do mesmo, que o FUNDO DE ACIDENTES DE TRABALHO carecia de legitimidade passiva, tendo, assim, declarado a “absolvição do requerido da instância” (SIC) e daí o Recurso Ordinário, interposto para esse VENERANDO TRIBUNAL, sob impulso dos EXEQUENTES/BENEFICIÁRIOS, cujo douto ACÓRDÃO, datado de 16/12/2021, concedeu total provimento ao mesmo, com legais consequências.
19ª A Instância “a quo” persistiu em prevalecer-se do estatuído no citado DL N.º 185/2007, de 10 de Maio, no pressuposto de que o mesmo era aplicável ao “thema decidendum”, enganando-se, por isso, rotundamente, porquanto, como defende, uniformemente (E BEM) a doutrina e a douta Jurisprudência dos nossos tribunais, incluindo o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, já invocado supra, o  predito DL N.º 185/2007 não é aplicável aos Acidentes de Trabalho ocorridos em data anterior à sua entrada em vigor, como vem cabalmente provado.
20ª O predito DL N.º 185/2007, de 10 de Maio, não assumiu, de forma alguma, a natureza de diploma interpretativo, tratando-se, ao invés, de medida legislativa inovadora, que só operou para o futuro.
21ª E daí a total inaplicabilidade ao Acidente de Trabalho invocado nos autos, que vitimou, além de outros, o infeliz EE, que provocou enorme e indescritível sofrimento aos seus entes queridos, ora Recorrentes, com a agravante de terem assistido a uma perda irreparável e muito precoce, sofrimento que irá, por isso, perdurar no tempo.
22ª Ante a embotada sensibilidade e indiferença do FAT e da Instância “a quo”, não obstante a irrefutável e insofismável razão que assiste aos Exequentes/Beneficiários, ora Recorrentes.
23ª A Sentença Recorrida revela uma total quebra de coerência, porquanto, decorre dos seus despachos, datados de 25-02-2022 e 22-03-2022, juntos aos presentes autos, que ordenou ao FAT que procede ao pagamento das quantias e juros peticionados e judicialmente reconhecidos aos EXEQUENTES/BENEFICIÁRIOS pelo douto Acórdão desse VENERANDO TRIBUNAL, datado de 16-12-2021, no que foi acompanhado pelo douto ARESTO, também prolatado por esse TRIBUNAL SUPERIOR, datado de 09-01-2023.
24ª Daí a impensável e inaudita falta de coerência, manifestada pela Instância “a quo”, na Sentença/Recorrida, em sede da qual, optou por não acatar o que lhe foi fundadamente ordenado por esse douto TRIBUNAL SUPERIOR, no sentido de notificar e determinar que o FAT proceda ao pagamento das supra-alegadas quantias e juros moratórios daí advenientes, peticionados pelo EXEQUENTES/BENEFICIÁRIOS, que desobedeceu, assim,  à INSTÂNCIA SUPERIOR, com total desrespeito pela hierarquia judiciária, consagrada na CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, numa atitude de patente contradição com o vertido e ordenado ao FAT, nos seus invocados despachos, datados de 25-02-22 e 22-03-2022.
25ª A Sentença/Recorrida não goza do mínimo fundamento factual e legal, pelo que deve improceder, na sua totalidade, com legais consequências, porquanto, além do mais, datando de 04-06-2023, é manifesto que violou a figura do caso julgado, excepção peremptória, que expressamente se invoca, para legais efeitos.
26ª A Contestação do FAT dirigida aos autos a 18-02-2022 suscitou o exercício do princípio do contraditório, pelo lado dos EXEQUENTES/BENEFICIÁRIOS, ora Recorrentes, tendo dado entrada em juízo a 28 de Abril de 2022, dando-se aqui, por reproduzido, “in totum”, o atinente requerimento, em louvor ao princípio da economia processual, para legais efeitos.      
27ª Face ao supra-alegado e cabalmente demonstrado nos autos, os crédito dos EXEQUENTES/BENEFICIÁRIOS, ora Recorrentes, foram judicialmente reconhecidos, pelo que os valores pecuniários arbitrados aos mesmos, acrescidos de juros moratórios vencidos, até à data limite de 30 de Junho de 2023, ascendem ao montante global de 161.549,99€ (Cento sessenta e um mil quinhentos e quarenta e nove euros e noventa e nove cêntimos), cuja discriminação e imputação, visando cada um dos CREDORES/BENEFICIÁRIOS, se passam a concretizar, conforme segue:
a) - À Requerente/Beneficiária, AA:
 - 59.550,07€ (38,333.33 € +17,000 € + 894,46 € + 3.322,28 €)
b) - Ao Requerente/Beneficiário, BB:
- 50.999,96 € (33,333.33 € + 14.000,00€ + 777,77€ + 2.888,86€)
c) - Ao Requerente/Beneficiário, CC:
- 50.999,96 € (33,333.33€ + 14.000,00€ + 777,77€ + 2.888,86€)”

 O recorrido não apresentou contra-alegações.

 Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida, foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação e pela Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.

Tal parecer mereceu resposta por parte dos recorrentes, rebatendo o entendimento naquele perfilhado.

Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II OBJECTO DO RECURSO

Delimitado que é o âmbito do recurso pelas conclusões da recorrente, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas (artigos 608.º n.º 2, 635.º, n.º 4, 639.º, n.ºs 1 e 2 e 640.º, todos do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87.º n.º 1 do CPT), enunciam-se as questões que cumpre apreciar:

a) Desobediência do Tribunal recorrido aos acórdãos proferidos nos autos em 07.3.2012 (proferido na 1.ª instância), e 16.12.2021 e 09.01.2023 (desta Relação) / Excepção do caso julgado;
b) Errada aplicação do disposto no art. 1.º n.º 1 al. a) do DL 142/99, na sua versão originária e violação dos art.s 20.º, n.º 1, 59.º, n.º 1 al. f), 202.º, 209.º e 210.º da CRP..

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos relevantes para a decisão da causa são os que resultam do relatório supra.

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

- Da desobediência do Tribunal recorrido aos acórdãos proferidos nos autos em 07.3.2012, 16.12.2021 e 09.01.2023:

Na decisão recorrida e com relevo para apreciação desta questão o Tribunal a quo fundamentou assim a sua posição:
Do acórdão proferido a 09.01.2023 resulta que “os fins requeridos pelos recorrentes” referidos no acórdão de 16.12.2021 [e, assim, na decisão proferida em estrita obediência ao mesmo em 22.03.2022] são de cariz processual.
Assim, declarada nula a dita decisão, cumpre decidir em conformidade com o ordenado tomando em consideração a contestação apresentada pelo FAT.
Em suma, alinhou os seguintes argumentos, que cumpre agora apreciar:
A responsabilidade do FAT é subsidiária ou de garante do pagamento das obrigações que Impendem sobre as entidades responsáveis pela reparação dos acidentes de trabalho, actuando apenas se e na medida em que os sinistrados e/ou beneficiários não logrem cobrar as respetivas quantias dessas entidades responsáveis;
No artigo 39º, n.ºs 1 e 3, da Lei n.º 100/97, encontram-se enunciados expressamente as responsabilidades e os pressupostos de intervenção do FAT.
No elenco de prestações previstas no artigo 1º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de abril, não cabem as indemnizações por danos morais, nem os juros de mora.
As indemnizações fixadas aos exequentes/beneficiários por sentença proferida em 07-03-2012 nos autos principais pelo Tribunal Coletivo não têm natureza de prestações emergentes de acidente de trabalho.
São indemnizações de natureza cível resultantes da condenação pela prática de um crime de violação das regras de segurança no trabalho, agravado pelo resultado morte, pelo que são insuscetíveis de serem transferidas para o FAT.
Apenas as prestações fixadas no âmbito dos autos de acidente de trabalho têm cabimento nas competências atribuídas ao FAT.
Os danos não patrimoniais fixados no acórdão proferido nos autos principais em 07-03-2012 pelo Tribunal Coletivo, são indemnizações que não advêm da responsabilidade infortunística objetiva da entidade responsável.
As mesmas não se incluem no elenco das indemnizações cujo pagamento incumbe ao FAT, pelo que não podem ser suscetíveis de transferência para este Fundo.
O artigo 1º do Decreto-Lei n.º 142/99, com a redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio, prevê expressamente o não pagamento pelo FAT de quaisquer quantias a título de danos não patrimoniais e juros de mora.
A não responsabilização do FAT pela indemnização por danos não patrimoniais procede não só do elemento literal da lei, como também da consideração de que o FAT é um instituto de garantia mínimo para obviar às situações de impossibilidade de proteção pelo responsável, pelo que o FAT nunca poderá ser responsável pelo pagamento aos exequentes/beneficiários das indemnizações de natureza não patrimonial fixadas no acordão proferido na ação de processo crime.
Acresce que não incumbe ao FAT o pagamento dos juros devidos pela mora da entidade empregadora responsável, por não consubstanciarem prestações devidas por acidente de trabalho, encontrando-se expressamente excluídas pelo artigo 1º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º 142/99.

Vejamos, então:

Está assente que:
- Por acórdão proferido em 07.03.2012 EMP01... – Construção Civil, Lda. Sociedade Comercial de Responsabilidade Limitada e DD, foram condenados, solidariamente, “no pagamento da quantia de € 38.333,33 (trinta e oito mil trezentos e trinta e três euros e trinta e três cêntimos) a AA e €33.333,33 (trinta e três mil trezentos e trinta e três euros e trinta e três cêntimos) a CC bem como igual montante ao BB, a que acrescem juros de mora cíveis contados desde a notificação do pedido até efectivo e integral pagamento;
- Os executados não cumpriram a obrigação de pagamento, desconhecendo-se quaisquer bens de que os mesmos sejam proprietários e susceptíveis de garantir o pagamento dos referidos valores, não estando assim em condições de cumprir as obrigações em que foram condenados.
Neste contexto, entendem os Exequentes que o FAT deverá ser condenado a pagar-lhes os montantes em que EMP01... – Construção Civil, Lda. Sociedade Comercial de Responsabilidade Limitada e DD, foram condenados a título de danos não patrimoniais e juros contados desde a notificação do pedido civil até integral pagamento (como resulta linearmente do acórdão condenatório que constitui título executivo nos presentes autos e não é colocado em causa pelas partes).
A questão a decidir é se o FAT é responsável pelo pagamento dos danos não patrimoniais e dos juros peticionados.

Concordamos com a abordagem feita pelo Tribunal recorrido, da qual resulta que lhe competia conhecer da questão da (eventual) responsabilidade do FAT pelo pagamento das quantias que os executados foram condenados a pagar aos exequentes a título de indemnização por danos não patrimoniais (e respectivos juros de mora), pelo que, adianta-se já, nenhuma censura merece, quanto a este aspecto, a decisão recorrida.

Com efeito, quanto ao acórdão proferido, nos autos principais, em 07.3.2012, não se alcança no que pretendem os recorrentes ancorar a suposta desobediência pelo Tribunal recorrido ao aí decidido, pois que não esteve então em causa, por nenhuma forma, a ora pretendida responsabilização do FAT.
Saliente-se que, ao contrário do que os recorrentes afirmam em XXXI das alegações do recurso, a decisão recorrida não “pretende pôr [não põe] em crise quaisquer dos direitos de crédito, expressa e inequivocamente arbitrados no acórdão proferido em (…) 07-03-2012”, cingindo-se, quer a fundamentação quer a decisão propriamente dita, a apreciar e decidir da questão da responsabilização ou não do FAT pelo pagamento das quantias já mencionadas, pressuposto lógico do dispositivo “não se determina a notificação do Fundo de Acidentes de Trabalho para proceder ao pagamento das quantias por aqueles peticionadas”.

E quanto ao acórdão desta Relação proferido em 16.12.2021 – em que se elencou como questão a decidir: “Se carece o Fundo de Acidentes de Trabalho de legitimidade passiva - o que aí se determinou foi, em suma, revogar a decisão recorrida “que terá que ser substituída por outra que atribua legitimidade ao FAT para intervir nos autos e para os fins requeridos pelos ora recorrentes.” (sendo que a intervenção do FAT veio a ser expressamente admitida através de despacho proferido em 25.01.2022).
Esse acórdão foi proferido, note-se, sem que o FAT tivesse ainda intervindo por qualquer forma no processo.

E relativamente ao acórdão de 09.01.2023, que recaiu sobre um recurso interposto pelo FAT – da decisão da 1.ª instância em que, relembre-se, foi desconsiderada, por se entender que a tal obstava o decidido no acórdão de 16.12.2021, a oposição que o FAT apresentou à sua requerida responsabilização pelo pagamento das indemnizações que os executados haviam sido condenados a pagar aos exequentes, e se determinou a notificação do FAT para proceder a esse pagamento - e na sequência do qual (acórdão de 09.01.2023) foi proferida a decisão ora recorrida, como decorre da factualidade descrita no relatório supra, foi nesse acórdão decidido:  “(…) em face do que se declara a nulidade da decisão recorrida, que se revoga, devendo ser substituída por outra, em que, tudo ponderado, decida tendo também em conta a contestação, tempestivamente apresentada, do Fundo de Acidentes de Trabalho - F.A.T., relativamente ao qual havia já sido decidido, por este T.R.G., ter legitimidade, para intervir nos autos
E como já se aludiu supra, e para melhor compreendermos o alcance da citada decisão proferida neste acórdão de 09.01.2023, esta ancorou-se na seguinte fundamentação:
«Embora se compreenda a bondade da decisão recorrida de querer cumprir com o que entendeu estar a ser determinado pelo tribunal superior [no já referido acórdão de 16.12.2021], temos que discordar da mesma.
Uma vez que não obstante a terminologia utilizada (“para os fins requeridos pelos ora recorrentes”) o que é facto é que apenas se decidiu atribuir “LEGITIMIDADE ao FAT para intervir nos autos, para os fins para que a mesma foi requerida. (o sublinhado é nosso).
Fins esses de cariz processual, no nosso entendimento.
Uma vez que era essa a questão que estava em causa (eventual intervenção nos autos do F.A.T.), não se estando a decidir de mérito quanto á execução para pagamento de quantia certa, por apenso, ao Processo Comum Colectivo 323/04.0GAALJ.
Ora, a decisão recorrida tomou posição, como se refere na mesma, “independentemente das razões aduzidas pelo FAT”.
Ora, entendemos que não o poderia ter feito.
Como consta no despacho recorrido: “(…) foi admitida a intervenção do FAT e cumprido o contraditório, tendo o FAT contestado, tempestivamente (…) – (o sublinhado é nosso)

Ora, a decisão recorrida limitou-se a dar cumprimento a este último acórdão desta Relação que, na sua decisão, como que incorporou o que anteriormente havia sido determinado no acórdão de 16.12.2021, na interpretação que desta decisão fez.
Na verdade, no último dos identificados acórdãos determina-se que o Tribunal de 1.ª instância profira (nova) decisão, em que tenha em consideração (também) a contestação apresentada pelo Fundo de Acidentes de Trabalho, isto é, que conheça da defesa apresentada pelo FAT.
E na decisão recorrida não extravasa o Tribunal recorrido das questões que podia conhecer, colocadas que foram pelo requerido, FAT, na oposição que apresentou.

Acresce que a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores tem decidido uniformemente que o FAT pode discutir, no âmbito do incidente que visa transferir para si a responsabilidade da entidade empregadora pelo pagamento das prestações infortunísticas, se estão reunidos os requisitos para que essa transferência ocorrer e bem assim os concretos termos dessa transferência.
Assim, por ex. Ac. do STJ de 11-12-2013[1], em que cujo sumário se sintetizou:
“IV - Da evolução legislativa atinente à responsabilidade do FAT resulta inequivocamente que nem sempre esta terá que coincidir com os direitos que tenham sido atribuídos aos sinistrados ou aos seus beneficiários, mesmo que cobertos pelo caso julgado, pelo que a posição do FAT, quando chamado a intervir para garantia dos direitos dos sinistrados ou seus beneficiários, pode não ser a mesma da entidade responsável.”,
No mesmo sentido, o Ac. STJ de 09-02-2022[2], onde se consignou:
“II- A intervenção do Fundo de Acidentes de Trabalho no processo é posterior ao trânsito em julgado da sentença que definiu os termos da responsabilidade da entidade empregadora. Sendo um terceiro nessa ação, o Fundo de Acidentes de Trabalho não teve a oportunidade de defender os seus interesses, pelo que deverá poder discutir se estão verificados os pressupostos da transferência da responsabilidade e os concretos termos em que essa transferência deve ocorrer, designadamente se o âmbito e termos de responsabilização da entidade empregadora excedem ou não os termos e limites de responsabilização do Fundo de Acidentes de Trabalho, previstos no Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de abril.”
Também no Ac. da RP de 17-11-2014[3], que os recorrentes também trazem à colação, se defende que “II - O FAT pode questionar se as prestações a cargo da entidade patronal cabem dentro das previstas naqueles normativos, ou seja, se respeitam àquelas cujo pagamento lhe compete garantir. Não pode é vir “questionar” a decisão que fixou a responsabilidade a cargo da entidade patronal, por falta de “legitimidade” para tal.” (sublinhamos)

E é este o entendimento que respeita o princípio, basilar do nosso ordenamento processual civil, do contraditório, pois, muito embora o incidente em que é pedida a responsabilização do FAT tenha sido deduzido no âmbito de uma acção executiva (não cabendo agora cuidar se assim devia ou não ter sido), o certo é que nele se pretende ver declarada a responsabilidade do FAT pelo pagamento das quantias em cujo pagamento os executados foram originariamente condenados, pressuposto necessário da peticionada notificação do FAT para que proceda a tal pagamento, pelo que tem aqui plena aplicação o disposto no art. 3.º, n.º 1, do CPC: “1 - O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.”

Aqui chegados, resta concluir que não houve qualquer violação dos art.s 202.º, 209.º e 210.º da CRP.

- Da excepção do caso julgado:

Os recorrentes invocam também a excepção do caso julgado, pretendendo que, verificando-se essa excepção, o Tribunal recorrido não podia ter proferido a decisão em recurso.

Salvo o devido respeito, não têm razão.
Em primeiro lugar o caso julgado recai sobre decisões que decidam do mérito, o que não sucede relativamente aos acórdãos de 16.12.2021 e 09.01.2023 – cf. art. 619.º/1 do CPC.
Sucede, ainda, que inexiste o requisito da identidade de sujeitos quanto ao primeiro acórdão, de 07.3.2012, e aquele de 16.12.2021, requisito a que aludem os artigos 580.º e 581.º do CPC, pois que o FAT não interveio no processo, como se referiu já, até que se apresentou a contestar o requerimento dos exequentes.  

Como se escreveu no sumário do já citado Ac. do STJ de 11-12-2013, “III - Não tendo o FAT tido qualquer intervenção na acção de acidente de trabalho na qual foram definidos os direitos das beneficiárias em consequência de acidente de trabalho mortal do sinistrado, não está aquele fundo abrangido pelo caso julgado que se formou quanto aos valores das pensões que lhes foram reconhecidas, porquanto este formou-se apenas entre as partes que nessa acção intervieram.”

Nem sequer, acrescente-se, ocorre qualquer violação da autoridade do caso julgado.
A questão poderia colocar-se sob este prisma[4] se na decisão recorrida não se tivesse acolhido as indemnizações fixadas aos exequentes no primeiro dos mencionados acórdãos e se abrisse de novo lugar à discussão dessa matéria (quer no que tange ao direito às mesmas quer ao respectivo quantum).
Não foi nada disso que sucedeu,
O que a decisão recorrida apreciou e decidiu – sem bulir na condenação dos executados a pagar os valores indemnizatórios em questão, nem no direito dos recorrentes aos juros moratórios reclamados – foi se o FAT é responsável pelo pagamento de tais indemnizações.

Os recorrentes invocam também que a decisão recorrida contraria os despachos de 25.02.2022 (cremos que se pretendeu referir o despacho de 25.01.2022, pois que relativamente ao dia 25.02.2022 não se descortina tenha sido prolatado qualquer despacho) e de 22.3.2022, em manifesta violação do caso julgado.

Decorre do que acima já dissemos que não é assim.
O que poderia estar aqui em causa era o caso julgado formal, tal como está previsto no art. 630.º/1 do CPC.

Ora, no despacho de 25.01.2022 consta: “Tal como ordenado [no acórdão de 16.12.2021], admite-se o Fundo de Acidentes de Trabalho a intervir nos autos, nos termos e para os efeitos requeridos pelos Exequentes.
[e ordena-se que se] Cumpra o disposto no artigo 319º, nº 1, do Código de Processo Civil, com as devidas adaptações (…)”
Não se vê no que a decisão recorrida, posterior ao dito despacho, possa conflituar/contrariar o mesmo, antes se harmonizando com ele na medida em que conheceu da defesa que (no despacho em causa) havia mandado citar o FAT para apresentar.

Quanto ao despacho de 22.3.2022, parecem os recorrentes olvidar que o mesmo foi objecto de recurso por parte do FAT, tendo a decisão proferida sido alterada, conforme já acima se mencionou, através do acórdão proferido por esta Relação em 09.01.2023.

- Da errada aplicação do disposto no art. 1.º n.º 1 al. a) do DL 142/99, na sua versão originária e violação dos art.s 20.º, n.º 1, e 59.º, n.º 1 al. f), da CRP:

A este propósito, discorre-se na decisão recorrida:
Vejamos os normativos aplicáveis e invocados pelas partes:
A Lei n.º 100/97, de 13 Setembro [Aprova o novo regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais] no seu artigo 39º, n.ºs 1 e 3, da encontram-se enunciados expressamente as responsabilidades e os pressupostos de intervenção do FAT.
“1 - A garantia do pagamento das pensões por incapacidade permanente ou morte e das indemnizações por incapacidade temporária estabelecidas nos termos da presente lei que não possam ser pagas pela entidade responsável por motivo de incapacidade económica objectivamente caracterizada em processo judicial de falência ou processo equivalente, ou processo de recuperação de empresa ou por motivo de ausência, desaparecimento ou impossibilidade de identificação, serão assumidas e suportadas por fundo dotado de autonomia administrativa e financeira, a criar por lei, no âmbito dos acidentes de trabalho, nos termos a regulamentar.
(…)
3 - Quando se verifique a situação prevista no n.º 1, serão ainda atribuídas ao fundo outras responsabilidades, designadamente no que respeita a encargos com próteses e ao disposto no artigo 16.º, n.º 3, nos termos em que vierem a ser regulamentados.
Por sua vez, o DL n.º 142/99, de 30 de Abril [Fundo de Acidentes de Trabalho], na sua versão original estabelecia, no seu artigo 1.º
Criação e competências do Fundo de Acidentes de Trabalho
1 - É criado o Fundo de Acidentes de Trabalho, dotado de autonomia administrativa e financeira, adiante designado abreviadamente por FAT, a quem compete:
a) Garantir o pagamento das prestações que forem devidas por acidentes de trabalho sempre que, por motivo de incapacidade económica objectivamente caracterizada em processo judicial de falência ou processo equivalente, ou processo de recuperação de empresa, ou por motivo de ausência, desaparecimento ou impossibilidade de identificação, não possam ser pagas pela entidade responsável;
(…)
2 - Relativamente aos duodécimos referidos no número anterior, o FAT só assume as responsabilidades decorrentes de acidentes ocorridos até à data da entrada em vigor do presente diploma.
3 - O FAT não é responsável pela reparação ou substituição de aparelhos quando consequência de acidente, salvo nos casos previstos na alínea a) do n.º 1.
Vejamos a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 185/2007, de 10 de Maio (que é a 3ª versão) ao referido artigo 1.º:
1 - É criado o Fundo de Acidentes de Trabalho, dotado de personalidade judiciária e de autonomia administrativa e financeira, adiante designado abreviadamente por FAT, ao qual compete:
a) Garantir o pagamento das prestações que forem devidas por acidentes de trabalho sempre que, por motivo de incapacidade económica objectivamente caracterizada em processo judicial de falência ou processo equivalente, ou processo de recuperação de empresa, ou por motivo de ausência, desaparecimento ou impossibilidade de identificação, não possam ser pagas pela entidade responsável;
(…)
4 - As prestações referidas na alínea a) do n.º 1 correspondem exclusivamente às previstas no artigo 296.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, não contemplando, nomeadamente, indemnizações por danos não patrimoniais.
5 - Verificando-se alguma das situações referidas no n.º 1 do artigo 295.º, e sem prejuízo do n.º 3 do artigo 303.º, todos da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, o FAT responde apenas pelas prestações que seriam devidas caso não tivesse havido actuação culposa.
6 - O FAT não garante o pagamento de juros de mora das prestações pecuniárias em atraso devidos pela entidade responsável.
7 - Não se encontram abrangidas na alínea c) do n.º 1 os juros de mora quando relacionados com o atraso no pagamento de pensões, nem as actualizações das pensões transferidas para as empresas de seguros no âmbito da obrigação de caucionamento das pensões pelo empregador.
A este passo, impõe-se salientar que os factos em causa e do qual resultou a morte de EE (caracterizados em sede própria como acidente de trabalho – processo 105/05.1TTVRL, cujas sentença e acórdão respectivos constam dos autos) ocorreram em 16 de Novembro de 2004.
Ora, a referida alteração ao regime Jurídico do FAT (operada pelo DL185/2007, de 10.05) entrou em vigor no dia 11.05.2007.
Como resulta do respectivo preâmbulo, pretende-se com esta alteração enunciar “de forma mais rigorosa o âmbito da intervenção do FAT”, excluindo da sua responsabilidade, para além do pagamento de indemnizações por danos não patrimoniais, ainda, no que ao caso interessa, o pagamento de juros de mora das prestações pecuniárias em atraso devidos pela entidade responsável.
Assim, tendo presente a data do acidente (e ao contrário do que refere o FAT), o regime jurídico aplicável ao caso é a primitiva versão do DL n.º 142/99, de 30 de Abril, que não previa, expressamente as exclusões de responsabilidade do FAT que estão, precisamente, em causa no caso decidendo: os danos não patrimoniais e juros moratórios.
De facto, antes de entrada em vigor desta alteração – que clarificou o regime pretérito – falava-se na jurisprudência numa responsabilidade alargada ou agravada do FAT no âmbito de aplicação do DL n.º 142/99, de 30 de Abril.
Tal significa que se anteriormente o FAT respondia pelo pagamento das pensões agravadas, como era entendimento dominante da jurisprudência, o mesmo não se verifica a partir de 11.05.2007, face à letra da lei.
Como se vem entendendo esta nova lei não tem a natureza de lei interpretativa, com os efeitos que resultam do artigo 13º, n.º 1 do CC (assim, a título exemplificativo, vide acórdão do STJ de 17.06.2010 (p. 675/2001.P1.S1): “intui-se do modo como o legislador se exprimiu que a norma que, na lei nova, limita a responsabilidade do FAT, não tem a natureza de lei interpretativa, ao mesmo tempo que não tem por objecto regular directamente situações jurídicas constituídas antes da sua entrada em vigor, ou seja, situações emergentes de acidentes de trabalho anteriormente ocorridos.
Por isso, em caso de acidente de trabalho ocorrido em data anterior à da entrada em vigor do DL n.º 185/2007, de 30 de Maio, e verificada a situação de impossibilidade de a entidade primitivamente responsável pela reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho proceder ao pagamento das prestações agravadas, mantém-se a obrigação do FAT de assegurar este pagamento ou o seu diferencial, caso haja responsável subsidiário.”
Destarte, para a definição da competência do FAT, é apenas à data do acidente que deverá atender-se, prevalecendo, portanto, o regime jurídico em vigor àquela data, no caso, 16.11.2004, ou seja, antes da entrada em vigor do DL n.º 185/2007, de 30 de Maio.
Portanto, o âmbito da responsabilização do FAT é mais lato ou amplo na primitiva versão, sendo clarificado, sem margem para dúvidas, com a entrada em vigor do DL 185/2007.
Todavia, como também se extrai desse aresto, daqui não se segue – como pretendem os Exequentes ao invocar a aplicabilidade desta versão do DL n.º 142/99, de 30 de Abril – que seja admissível que o FAT suporte toda e qualquer responsabilidade derivada do incumprimento do originário responsável, na sequência, in casu, da extinção da execução por inexistência de bens, isto é, face à incapacidade económica daquele. Aliás, como resulta dos autos [vide documentos juntos com o requerimento de interposição de recurso com a ref. 2904246, de 19.04.2022] o FAT assumiu a responsabilidade decorrente da condenação nos executados no âmbito do processo n.º 105/05.1TTVRL.
Como se escreve no já citado acórdão do STJ, que seguimos de perto, “O texto do artigo 1.º, n.º 1, alínea a), do DL n.º 142/99 de 30 de Abril, deve ser necessariamente compaginado com o texto do artigo 39.º, da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, o que significa que as prestações cujo pagamento o FAT assegura são apenas as contempladas naquele artigo 39.º, nas quais se não inclui a indemnização por danos não patrimoniais”.
Como já vimos o referido normativo estatui a garantia do pagamento das pensões por incapacidade permanente ou morte e das indemnizações por incapacidade temporária estabelecidas nos termos da presente lei que não possam ser pagas pela entidade responsável.
Ou seja, o FAT de harmonia com o artigo 39º garante precisamente o que aí consta: salvo melhor apreciação, da norma não se retira que esteja abrangida indemnização por danos não patrimoniais.
Neste sentido, vide, por todos, o Acórdão de 18-01-2006 do STJ, Recurso n.º 3478/05 - 4.ª Secção, onde se conclui que “Com a vigência da LAT aprovada pela Lei n.º 100/97 (e subsequente DL n.º 142/99 de 30.04, que teve por finalidade implementar a criação do FAT respeitando, no plano das competências e responsabilidades, os princípios decorrentes da LAT), passou a ser previsto o pagamento pelo FAT das prestações a que alude o respectivo artigo 39.º, nas quais se inclui o pagamento das indemnizações por incapacidades temporárias, mas não a indemnização por danos não patrimoniais.
As prestações a cargo do FAT são independentes das obrigações judicialmente impostas ao empregador pela reparação do sinistro e não visam substituir definitivamente estas, pelo que não pode o FAT ser responsabilizado pelos juros devidos pelo empregador em virtude da mora deste”.
Ademais, a indemnização em causa nestes autos não assume a natureza de uma prestação devida por acidente de trabalho, portanto ela não decorre da LAT, mas da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito (artigos 483º e 496º do CC, aplicáveis, no caso, ex vi do artigo 129º do CP).
Não pode, portanto, ser considerada, como uma prestação devida por acidente de trabalho, sempre tendo presente o artigo 39º da LAT (vide, ainda, artigo 10º, n.º 2).
Este aresto responde, também, à segunda questão colocada: o FAT não responde nem por danos não patrimoniais nem, consequentemente, pelos juros.
Como é sabido, a mora configura-se como um retardamento por facto imputável ao devedor, na efectivação da prestação que lhe incumbe, prestação essa que ainda é possível cumprir (artigo 804º n.º 2 do CC). Nesta medida, o FAT não pode ser responsabilizado pelos juros peticionados já que nunca se constituiu em mora.
Dito de outro modo, citando o ac. TRG, de 13.07.2021 “os juros não resultam directamente do acidente, nem constituem uma qualquer prestação devida por acidente de trabalho, mas sim resultam na mora do responsável pelo pagamento das prestações devidas pelo acidente, no caso o empregador. Ou seja, têm por fim ressarcir o credor pelo atraso do pagamento da prestação devida por parte do devedor.
Assim, configurando a mora um retardamento por facto imputável ao devedor, no cumprimento da prestação que lhe incumbe, não pode o FAT ser responsabilizado pelos ditos juros já que nunca se encontrou em mora.
Não incorrendo o FAT em mora no que respeita às prestações vencidas a cargo do empregador, não se vê como possa responder por tal pagamento moratório que não lhe é imputável”.
Neste sentido, entre outros, escreve-se no ac. STJ de 18.01.2006 (p. 3478/05 – 4ª secção) que “com a vigência da LAT aprovada pela Lei n.º 100/97 (e subsequente DL 142/99 de 30.04, que teve por finalidade implementar a criação do FAT das prestações respeitando, no plano das competências e responsabilidades, os princípios decorrentes da LAT) passou a ser previsto o pagamento pelo FAT das prestações a que alude o respectivo artigo 39º nas quais se inclui o pagamento das indemnizações por incapacidades temporárias, mas não a indemnização por danos não patrimoniais.
As prestações a cargo do FAT são independentes das obrigações judicialmente impostas ao empregador pela reparação do sinistro e não visam substituir definitivamente estas, pelo que não pode o FAT ser responsabilizado pelos juros devidos pelo empregador em virtude da mora deste.”
Em conclusão, e por tido o exposto, indefere-se na íntegra o requerido.

Do excerto da decisão ora citado resulta que não é correcto afirmar, como fazem os recorrentes na conclusão 17.ª que “A Instância “a quo”, numa atitude de inconcebível precipitação e ligeireza, porfiou, sem o mínimo fundamento, em atribuir às Alterações introduzidas aludido Decreto-Lei N.º 185/2007, de 10 de Maio, eficácia retroactiva (…).”
A posição do Tribunal recorrido é clara, e inequivocamente infirma esta afirmação dos recorrentes.
Com efeito, conforme se respiga da citada fundamentação, o Tribunal recorrido entendeu que “(…) tendo presente a data do acidente (e ao contrário do que refere o FAT), o regime jurídico aplicável ao caso é a primitiva versão do DL n.º 142/99, de 30 de Abril (…)”          
“Portanto, o âmbito da responsabilização do FAT é mais lato ou amplo na primitiva versão, sendo clarificado, sem margem para dúvidas, com a entrada em vigor do DL 185/2007.
Todavia, como também se extrai desse aresto, daqui não se segue – como pretendem os Exequentes ao invocar a aplicabilidade desta versão do DL n.º 142/99, de 30 de Abril – que seja admissível que o FAT suporte toda e qualquer responsabilidade derivada do incumprimento do originário responsável (…)” (sublinhamos), seguindo-se a exposição pelo mesmo Tribunal dos fundamentos porque entende que, mesmo face à versão original do DL 142/99 de 30.4, o FAT não é responsável pelo pagamento das indemnizações por danos não patrimoniais arbitradas aos recorrentes.

Por isso que – e até porque, adiantamos já, concordamos com esse entendimento[5] - se consideram perfeitamente irrelevantes as extensas considerações tecidas pelos recorrentes acerca da inaplicabilidade à situação em apreço da versão do DL 142/99 introduzida pelo DL 185/2007, de 10.5.

Vejamos pois.

Estabelece o n.º 1, do art. 39º, da Lei nº 100/97, de 13/9 (entretanto revogada pela Lei 98/2009, de 04.9, mas aqui aplicável atenta a data do acidente a que se reportam os autos – art. 187.º/1 desta última Lei), que:
A garantia do pagamento das prestações, por incapacidade permanente ou morte e das indemnizações por incapacidade temporária estabelecidas nos termos da presente lei que não possam ser pagas pela entidade responsável por motivo de incapacidade económica objectivamente caracterizada em processo judicial de falência ou processo equivalente, ou processo de recuperação de empresa ou por motivo de ausência, desaparecimento ou impossibilidade de identificação, serão assumidas e suportadas por fundo dotado de autonomia administrativa e financeira, a criar por lei, no âmbito dos acidentes de trabalho”. (sublinhamos/realçamos)

O artigo 1.º do DL 142/99 de 30.4 (na redacção originária, como se disse já, aqui aplicável, e DL que criou o Fundo de Acidentes de Trabalho) dispõe:

“Criação e competências do Fundo de Acidentes de Trabalho
1 - É criado o Fundo de Acidentes de Trabalho, dotado de autonomia administrativa e financeira, adiante designado abreviadamente por FAT, a quem compete:
a) Garantir o pagamento das prestações que forem devidas por acidentes de trabalho sempre que, por motivo de incapacidade económica objectivamente caracterizada em processo judicial de falência ou processo equivalente, ou processo de recuperação de empresa, ou por motivo de ausência, desaparecimento ou impossibilidade de identificação, não possam ser pagas pela entidade responsável; (…)”. (também realce nosso)

Analisando estes normativos concorda-se com o entendimento sufragado no Ac. do STJ de 17-06-2010[6], de que “V - O texto do art. 1.º, n.º 1, alínea a), do DL n.º 142/99 de 30 de Abril, deve ser necessariamente compaginado com o texto do art. 39.º, da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, o que significa que as prestações cujo pagamento o FAT assegura são apenas as contempladas naquele art. 39.º, nas quais se não inclui a indemnização por danos não patrimoniais.”

A reforçar este entendimento, acresce que [como se diz no parecer apresentado pelo Ministério Público] “o art. 18º da Lei 100/97 que dispõe sobre as prestações no caso de responsabilidade do empregador ou seu representante por violação de regras de segurança, higiene e saúde no trabalho, distingue as prestações reparatórias especificamente previstas nessa lei, da responsabilidade por danos morais nos temos da lei geral (arts. 483º nº 1 e 562º do C.Civil).”

E também no sentido que no 1.º/1 a) do DL 142/99, de 30.4, na sua primeira versão, se pretendeu apenas garantir o pagamento das prestações infortunísticas propriamente ditas, aquelas especificamente previstas nas leis que regulam o ressarcimento dos sinistrados em acidentes de trabalho, aponta o preâmbulo desse Decreto – Lei. com efeito aí consta que “Para prevenir que, em caso algum, os pensionistas de acidentes de trabalho deixem de receber as pensões que lhe são devidas, prevê-se que o FAT garantirá o pagamento das prestações que forem devidas por acidentes de trabalho sempre que, por motivo de incapacidade económica objectivamente caracterizada em processo judicial de falência ou processo equivalente, ou processo de recuperação de empresa, ou por motivo de ausência, desaparecimento ou impossibilidade de identificação, não possam ser pagas pela entidade responsável.” (realce nosso)

No mesmo sentido se afigura apontar o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 185/2007 de 10 de Maio (que, como já aludido, alterou o Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de Abril), quando aí se consignou “enuncia-se de forma mais rigorosa o âmbito da intervenção do FAT. Na verdade, pretende-se, por um lado, limitar as suas responsabilidades às previstas no artigo 296.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, visando excluir a responsabilidade do Fundo pelo pagamento de indemnizações por danos não patrimoniais imputados à entidade empregadora, em termos equivalentes à responsabilidade das seguradoras, mas também excluir da responsabilidade do FAT o pagamento da parte correspondente ao agravamento das pensões resultante de actuação culposa por parte da entidade empregadora, sem prejuízo do n.º 3 do artigo 303.º daquele Código.”. (realçamos)
Se, mas também se pretende excluir da responsabilidade do FAT o pagamento da parte correspondente ao agravamento das pensões resultante de actuação culposa por parte da entidade empregadora, é porque a exclusão da responsabilidade do Fundo pelo pagamento de indemnizações por danos não patrimoniais imputados à entidade empregadora, em termos equivalentes à responsabilidade das seguradoras, anteriormente referida, já resultava da lei (DL) que se pretende alterar.

Da interpretação que fazemos, coincidente pois com a do Tribunal recorrido, não decorre qualquer atropelo às demais normas constitucionais (art.s 20.º, n.º 1, e 59.º, n.º 1 al. f), da CRP) que os recorrentes dizem ter sido violadas, nem se afronta o Ac. do TC que a este propósito citam.
Concordamos aqui com o explanado no parecer da lavra da Ex.ma PGR, onde se diz:
É de referir ainda, quanto à invocada violação dos arts. 20º nº 1, 59º nº a al. f) da CRP, que não há qualquer violação da CRP, pois que os Recorrentes foram, como beneficiários do trabalhador, reparados no âmbito do processo de acidente de trabalho.
E quanto ao invocado Ac. TC nº 260/2010, Proc. 294/08, que decidiu: “a) Julgar inconstitucional, por violação do princípio da confiança ínsito ao Estado de Direito democrático consagrado no artigo 2.º da Constituição, a norma dos artigos 2.º (quando introduz um novo n.º 5 ao artigo 1.º do Decreto-lei n.º 142/99 de 30 de Abril) e 5.º, n.º 1 (na parte em que determina a aplicação do novo regime a acidentes de trabalho ocorridos em data anterior), ambos do Decreto-lei n.º 185/2007 de 10 de Maio”, não tem aplicação num caso como o dos autos. Com efeito, por um lado, a sentença recorrida não considerou ser de aplicar o DL nº 142/99, na versão do DL nº 185/2007 e, por outro lado, o que estava em causa nesse Acórdão era o pagamento de pensão agravada e não indemnização por danos não patrimoniais.
Efectivamente, os recorrentes puderam aceder aos tribunais para defesa dos seus direitos e, enquanto beneficiários da vítima de acidente de trabalho, foram ressarcidos com as prestações infortunísticas que lhes foram fixadas no âmbito do respectivo processo.
           
V - DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.
Custas da apelação a cargo dos recorrentes.
Notifique.
Guimarães, 15 de Fevereiro de 2024

Francisco Sousa Pereira (relator)
Maria Leonor Chaves dos Santos barroso
Antero Veiga



[1] Proc. 631/03.7TTGDM-A.P1.S1, Gonçalves Rocha, www.dgsi.pt
[2] Proc. 1755/15.3T8CTB-D.C1.S1, Paula Sá Fernandes, www.dgsi.pt
[3] Proc. 433/10.4TTVNG-B.P1, Paula Maria Roberto, https://jurisprudencia.pt/acordao/9763/ ; também no mesmo sentido, e sem querer ser exaustivo, Ac. RG 04.3.2021, Proc. 3226/17.4T8VCT.G1, Antero Veiga, Ac. RC de 11-09-2020, Proc. 1755/15.3T8CTB-D.C1, Jorge Manuel Loureiro, e Ac. RP de 18-09-2023, Proc. 958/16.8T8PNF.P1, António Luís Carvalhão, todos em www.dgsi.pt,
[4] Como se refere no sumário do Ac. da RP 23/2/2021 (Proc. 1358/20.0T8PNF-A.P1, www.dgsi.pt), “II - A autoridade de caso julgado visa o efeito positivo de impor uma primeira decisão enquanto pressuposto indiscutível para uma segunda decisão de mérito, determinando os fundamentos desta.”
[5] Entendimento esse sufragado em diversos arestos dos nossos Tribunais Superiores: cf, a título de ex., Ac. STJ de 22.06.2017, Proc. 905/05.2TTLSB.L1.S1, Ana Luísa Geraldes, Ac. STJ de 01-02-2023, Proc. 316/14.9TUPRT.P2.S1, Júlio Gomes, ambos em www.dgsi.pt
[6] Proc. 675/2001.P1.S1, Mário Pereira, www.dgsi.pt, citado na decisão recorrida.