Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1817/16.0T8VRL.G1
Relator: ALCIDES RODRIGUES
Descritores: CONTRATO DE CESSÃO DE EXPLORAÇÃO
ESTABELECIMENTO COMERCIAL
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/27/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - A cessão de exploração de estabelecimento comercial – também chamada de locação de estabelecimento – é um contrato pelo qual o titular do estabelecimento proporciona a outrem, onerosa e temporariamente, o gozo e fruição do estabelecimento como um todo, integrando todos os elementos materiais e não materiais, ou seja, a sua exploração mercantil, demitindo-se o cedente ou locador temporariamente do exercício da actividade comercial e passando esta a ser assumida pelo cessionário ou locatário.

II - Configura um contrato de cessão de exploração de estabelecimento ou locação de estabelecimento, o contrato pelo qual uma das partes cede à outra, por determinado prazo e mediante pagamento duma contrapartida mensal, o direito de exploração de estabelecimento comercial de confeitaria, mercearia e snack-bar, transferindo para esta última todo o mobiliário e utensílios que o compõem indispensáveis ao seu funcionamento.

III - Compete ao cessionário fazer a prova do pagamento da prestação mensal devida como contrapartida da cessão de exploração (art. 342º, n.º 2 do Cód. Civil)”.
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

AA & Cª, Lda., instaurou, no Juízo Central Cível de Vila Real - Juiz 1 - do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra F. C. e mulher Maria, casados sob o regime da comunhão de adquiridos, e Jorge e mulher M. L., também casados sob o regime da comunhão de adquiridos, pedindo a condenação solidária dos RR. no pagamento da quantia global de 92.776,44 € (37.409,84 € - segunda prestação do preço inicial + 48 prestações mensais em divida, de 997,60 € cada uma - 47.884,80 € + 7.481,80 € de juros vencidos), acrescida de juros à taxa legal de 4% sobre 85.294,64 € (37.409,84 € + 47.884,80 €), desde a citação até efetivo pagamento e ainda as prestações do indicado montante de 997,60 € que se vencerem até final do contrato e que não sejam pagas pelos Réus, conforme liquidação a efetuar em liquidação de sentença, tudo com as demais consequências legais.

Para o efeito e em síntese, alegou a autora que é proprietária de um estabelecimento comercial, cuja exploração, através de escritura pública outorgada no dia 5 de junho de 1998, cedeu aos réus maridos.

Como nunca houve denúncia de qualquer das partes contratantes, a cessão de exploração foi sendo automaticamente renovada, terminando em 31 de dezembro de 2017 o prazo de renovação em curso.

Foi fixado um preço para a cessão da exploração, no valor de 200.000$00, correspondentes a € 997,60, a pagar em prestações mensais, que os réus começaram por pagar, mas que já não pagam há mais de quatro anos.
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Regularmente citados, contestaram os réus, pugnando pela total improcedência da ação (cfr. fls. 25 a 29).
Em abono da sua defesa, alegaram, em resumo, que a cessão de exploração celebrada nunca foi concretizada de facto; que a autora manteve sempre a exploração do estabelecimento; que os réus maridos são funcionários da autora e que apenas geriam a atividade comercial da autora, assegurando mensalmente um rendimento de mil euros à viúva do falecido senhor AM, o que fizeram até que a mesma faleceu.
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Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador e fixado o objeto do litígio e os temas de prova, bem como foram admitidos os meios de prova (cfr. fls. 162 a 164).
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Procedeu-se a audiência de julgamento (cfr. fls. 176 a 178 e 189 a 195).
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Posteriormente, a Mmª. Julgadora a quo proferiu sentença (cfr. fls. 196 e 205), nos termos da qual decidiu:

a) julgar a ação procedente e, consequentemente, condenou os Réus, solidariamente, a pagarem à Autora a quantia global de € 85.294,64 € (oitenta e cinco mil duzentos e noventa e quatro euros e sessenta e quatro cêntimos) - (37.409,84 € - segunda prestação do preço inicial + 48 prestações mensais em divida, de 997,60 € cada uma - 47.884,80 €), bem como as prestações do montante de 997,60 € (novecentos e noventa e sete euros e sessenta cêntimos), que se vencerem até final do contrato e que não sejam pagas pelos Réus.
b) condenou, ainda, os réus no pagamento de juros de mora, à taxa legal, sendo os juros que incidem sobre o valor da prestação de € 37.409,84, vencida em 31 de dezembro de 2002, apenas devidos os que se venceram nos cinco anos anteriores à data da propositura da ação (31-10-2016), e os que incidem sobre as mensalidades vencidas desde novembro de 2012 até outubro de 2016, a contar da citação, conforme foi peticionado.
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Inconformados, os RR. interpuseram recurso da sentença (cfr. fls. 207 a 215) e, a terminar as respectivas alegações, formularam as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«. Assente que a autora era proprietária de um estabelecimento comercial de confeitaria, mercearia e snack-bar, sito na Rua (...), Peso da Régua, cabia apurar se os réus exploravam esse estabelecimento em nome próprio, decorrente de um contrato de cessão de exploração celebrado com a autora (tese da autora), ou se os réus se limitaram a gerir toda a atividade comercial da demandante, mediante certas condições (tese dos réus).
. A leitura da factualidade provada revela duas realidades incompatíveis: (i) Por um lado, aponta para a celebração de um contrato de cessão de exploração entre a autora e os réus (tese da autora), que diverge em parte das condições contratuais fixadas, e, (ii) por outro, dá como assente que os réus, desde a data inicial fixada para a cessão de exploração, passaram a gerir toda a actividade comercial da autora (tese dos réus).

Certo é que,
. A fundamentação da decisão aponta deliberadamente para a tese da autora, pese embora inexista matéria factual dada como provada que sustente a condenação para lá das condições contratuais fixadas na cessão de exploração.

E, consequentemente,
. Foram os réus condenados, na decorrência do incumprimento de um contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial, condenou os réus a pagarem à autora a quantia global de € 85.294,64 € (oitenta e cinco mil duzentos e noventa e quatro euros e sessenta e quatro cêntimos), bem como as prestações do montante de 997,60 € (novecentos e noventa e sete euros e sessenta cêntimos), que se vencerem até final do contrato;

I. O contrato de cessão de exploração

. O contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial foi reduzido a escritura pública em 5 de junho de 1988, foi celebrado por um período inicial de 55 meses, com inicio em 1 de junho de 988 e termino no dia 31 de dezembro e 2002, admitindo a sua renovação por períodos sucessivos de três anos;
. O preço da cessão de exploração era de 10.800.000$00 (€ 53.870,01), tendo a autora recebido à data da escritura 300.000$00 (€ 1.469,39), sendo os restantes 10.500.000$00 (€ 52.373,78) a pagar da seguinte forma:(i) 3.000.000$00 (€ 14.963,94) em prestações mensais de 50.000$00 (€ 249,40) até ao dia 8 de cada mês, a partir do mês de julho de 1998; (ii) 7.500.000$00 (€ 37.409,80) no final do prazo estabelecido para este contrato.
. No caso de se verificar a renovação automática e salvo acordo noutro sentido dos contraentes, o preço seria de montante proporcional ao fixado para o período inicial de 55 meses a pagar em idênticas condições também no prazo de renovação;
A. Factos que os recorrentes consideram incorretamente julgados (pontos 2, 3, 4 e 17 dos factos provados)

II. A concretização da cessão de exploração.

. A factualidade vertida nos pontos 2, 3, 4 e 17 dos factos provados consubstancia em parte a literalidade da escritura de cessão de exploração anteriormente enunciada (quando à declaração de cedência, prazo inicial e de renovação) e veladamente a entrega do estabelecimento aos réus nessa condição (cessão de exploração), ou seja, a tese da autora.

B. Razão de fundo da discordância.

. A presente ação foi intentada 19 (dezanove) anos após a celebração da escritura ajuizada e posteriormente à morte da gerente da sociedade M. J., e durante este período temporal os sócios da identificada sociedade, côncios que se afirmam da celebração de uma cessão de exploração concretizada na entrega aos réus-maridos do estabelecimento comercial, nada fizeram para verificar ao regular cumprimento das obrigações contratuais e fiscais da sociedade (liquidação de IVA sobres as prestações da cessão);
10º. O que permite concluir que a cessão de exploração nunca foi concretizada (versão dos réus) verificado que, conforme provado sob o ponto 16 da matéria de facto provada, “A partir do mês de janeiro de 1998 e, pelo menos, até à data da contestação, os réus maridos passaram a gerir toda a atividade comercial da autora, entregando mensalmente, à viúva do Sr. AM, a quantia de mil euros.”
11º. Ou seja, conforme o afirmado pelos réus-maridos, eles limitaram-se a gerir a autora (na exploração do estabelecimento comercial) cumprindo a vontade do desditoso AM, rosto visível da autora, que sempre expressou o desejo que por sua morte os réus-maridos assegurassem uma pensão mensal à sua esposa, adequada a uma vida condigna da mesma, mediante a gestão comercial do estabelecimento comercial;

C. Concretos meios de prova que impunham decisão diversa.

12º. A prova documental reveladora de que era a autora quem explorava o estabelecimento comercial de confeitaria, mercearia e snack-bar, em mérito nos presentes autos, resulta abundantemente dos documentos juntos sob os números 1, 2, 3, 4 e 5 (declarações de IRC da autora); doc.s 6, 7, 8, 9, 10 e 11 (declarações de IVA de transmissão de bens referente aos anos de 2011 a 2015); aquisição de produtos para o giro comercial (documentos 12, 13 e 14); acordos com a Segurança Social de 02.09.2014 (pagamento em prestações de dívidas de contribuições não satisfeitas com referência ás remunerações dos demandados maridos) (doc. 15); pagamento das contribuições referentes às remunerações, bem como às remunerações mensais que lhe devidas aos réus maridos (documentos 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26 e 27); - documentos numerados e apresentados em sede de contestação
13º. A prova testemunhal relevada na fundamentação da sentença decorrente dos depoimentos de D. S., Rui, filho do falecido Sr. AM e M. O., aponta num sentido absolutamente claro: o valor das prestações que os réus-maridos afirmam ter que assegurar à viúva do senhor AM é precisamente a importância de 200.000$00 (€ 1.000,00);

Assim,

14º. Se na escritura pública ajuizada não consta em parte alguma que o preço da cessão de exploração é de 200 contos mensais, nem o tribunal entendeu alterar qualquer disposição contratual constante desse contrato, antes pelo contrário deu como provado no essencial que o preço devido era o constante da escritura, só é admissível concluir que o prestação de 200 contos (€ 1.000,00) era aquela que os réus-maridos tinham que assegurar à viúva por gerirem a actividade comercial da autora, conforme resulta assente sob o ponto 16 da matéria de facto dada como provada (tese dos réus);

D. Decisão a proferir sobre os pontos impugnados (2, 3, 4 e 17)

15º. Entendemos, salvo o devido respeito, que os pontos 2 e 3 dever ser fixados nos seguintes termos:

2-Por escritura pública outorgada no Cartório Notarial, no dia 5 de Junho de 1998, a Autora declarou ceder aos Réus maridos a exploração do referido seu estabelecimento comercial;
3- Conforme declarado a cessão de exploração teria o seu início no dia 1 de Junho de 1998 e foi fixado o seu termo para 31 de Dezembro de 2002, renovando-se automaticamente por períodos de três anos, salvo denúncia de qualquer das partes com, pelo menos, meio ano de antecedência;
16º. Já a matéria constante dos pontos 4 e 17 deveria ser dada como não provada.
17º. Desta forma fica salvaguardada a integridade da escritura pública de cessão de exploração, impondo-se a improcedência da ação verificada a tese dos réus.
Sem prescindir, e por mera jurisprudência das cautelas, a entender-se verificado a cessão de exploração,

III. A concretização/execução do contrato de cessão de exploração

E. Factos que os recorrentes consideram incorretamente julgados (pontos 5, 6, 7 e 8 da factualidade dada como provada)
18º. Para exame desta questão cumpre verificar que, salvo o devido respeito por melhor opinião, na cessão de exploração reduzida a escritura publica – prova documental - não se afirma em momento algum que as partes contraentes tenham declarado e acordado o seguinte: a) Que o montante de 7.500.000$00 seria pago até ao termo do indicado prazo inicial do contrato, ou seja, até 31 de dezembro de 2002; b) Que os cessionários se obrigaram a pagar “rendas pela cessão de exploração” no valor (presume-se que mensal) de 997,60 €, ainda que nos períodos de renovação;
19º. O que se encontra fixado contratualmente é que o montante de € 7.500.000$00 seria pago “no final do prazo aqui estabelecido”, ou seja, no dia 31 de dezembro de 20021 (data do término da cessão de exploração) e que o preço da cessão de exploração era de 10.800.000$00 (€ 53.870,01), tendo a autora recebido na data de celebração do contrato 300.000$00 (€ 1.469,39), sendo os restantes 10.500.000$00 (€ 52.373,78) pagos da seguinte forma: (i) 3.000.000$00 (€ 14.963,94) em prestações mensais de 50.000$00 (€ 249,40) até ao dia 8 de cada mês, a partir do mês de julho de 1998 e (ii) 7.500.000$00 (€ 37.409,80) no final do prazo estabelecido para este contrato;
20º. Não se deu como provado que por acordo das partes contratantes o preço da cessão da cessão de exploração nos períodos de renovação se fixou no montante de € 1.000,00 (mil euros) por mês, ou sequer, de € 997,60;
21º. Antes pelo contrário, deu-se como provado que no caso de ocorrer a renovação automática do contrato (por períodos de 3 anos) e salvo acordo dos contraentes noutro sentido, o preço seria de montante proporcional ao então fixado e a pagar em idênticas condições. – vide ponto 9 dos factos provados
22º. Pese embora tal facto assente, deu o Tribunal por provado que “Há mais de 4 anos que os cessionários não vêm pagando à Autora as rendas pela cessão de exploração, no valor de 997,60 €.”, o que não se aceita.
F. Concretos meios probatórios que impunham decisão diferente.

23º. Desde logo a prova documental em que se consubstancia a escritura pública de cessão de exploração, que não permite interpretação noutro sentido quanto ao montante das prestações devidas e, por outro lado, a inexistência de prova testemunhal que permita afirmar, a contrário do clausulado contratual, que foi fixado uma prestação mensal de € 997,60 exigível e em dívida nos períodos de renovação do contrato, mormente nos quatro anos aduzidos sob o ponto 10 da matéria de facto dada como provada;
24º. Finalmente, o depoimento das testemunhas apresentadas pela autora D. S. (16:13 a 16:52; 45:54 e M. O. (06:30 a 12:29; 24:03 a 24:20; 26:31 a 27:39), cujos depoimentos foram prestados na audiência de discussão e julgamento realizada no dia 7 de dezembro de 2017, pelas 9:30 horas, e se encontram registados no sistema Habilus Media Studio;
25º. Os depoimentos transcritos permitem-nos afirmar com segurança que os réus pagaram tudo aquilo que lhes era exigível durante os dez primeiros anos de contrato, ou seja, pelo menos desde junho de 1998 a 2008;
26º. O próprio tribunal na apreciação crítica da prova reconhece que a testemunha D. S. afirmou que apenas há sete anos os réus deixaram de cumprir, o que atenta a data do julgamento (07.12.2017) remete para o ano de 2010, ou seja, até essa altura sempre teriam cumprido religiosamente o pagamento das mensalidades;
27º. No mesmo sentido o tribunal valorou igualmente o depoimento de M. O. quando esta afirmou que quando faleceu a sua mãe verificou que os réus já não pagavam as rendas há cerca de cinco anos, ou seja, só cinco anos antes de a mesma falecer é que os réus deixaram de pagar, sendo que fixou a data de falecimento da mãe em janeiro de 2016;
28º. Conclusão: Extrai-se, pois, com segurança que pelo menos até ao ano de 2008 os réus não eram devedores à autora de qualquer importância com referência à cessão de exploração em mérito.
29º. Sendo certo que não se provou que tivesse ocorrido qualquer acordo entre a autora e os réus-maridos tendentes a estabelecer o pagamento de rendas mensais de € 997,60, nomeadamente com referência ao período de renovação do contrato;

G. Decisão que deve ser proferida sobre os pontos de facto impugnados.

30º. Entendemos, salvo o devido respeito, que os pontos 6, 7, 8 e 10 dever ser fixados nos seguintes termos:

6 - Tendo sido acordado que a quantia restante seria paga da seguinte forma:
- 3.000.000$00, em prestações mensais de 50.000$00 e
- 7.500.000$00, no termo do prazo inicial do contrato (31 de dezembro de 2002).
7 - A primeira dessas parcelas foi paga pela forma acordada, ou seja, durante 60 meses.
31º. Já a matéria constante dos pontos 8 e 10 deveria ser dada como não provada.
32º. O que tudo significa que não é devida a condenação dos réus no pagamento das quantias determinadas em sede de sentença condenatória, impondo-se a improcedência da ação.

Finalmente, sem prescindir

33º. A autora no seu articulado no artigo 10 da petição inicial alega que aprestação devida pela renovação do contrato, porque nada foi convencionado noutro sentido, era do valor global de 7.200.000$00 a pagar em duodécimos de 200.000$00;
34º. O tribunal ignorou completamento o alegado pela autora e fundamenta as prestações mensais de € 997,60 (200.000$00) em dívida no suposto acordo em sentido diverso do fixado na escritura pública de cessão de exploração;
35º. Certo é que não foi dado como provado que as rendas devidas pela cessão de exploração, mormente no período de renovação, decorram do contrato ou sequer tenham sido fixadas por acordo das partes contratantes, a contrário do estabelecido na escritura pública, na importância mensal de € 997,60;

Posto isto,

36º. Àquele que invoca um direito, cabe fazer a prova dos factos constitutivos do mesmo (art.º 342º do Código Civil);
37º. A regra geral do ónus da prova no caso sub juditio teria a seguinte concretização: sobre a autora/apelada impenderia a alegação e prova dos factos constitutivos do seu direito, in casu, a prova de que nos períodos de renovação contratual era devida uma prestação mensal de € 997,60 (200.000$00), se quisesse obter a condenação dos réus a pagar as prestações que se viessem apurar em dívida.
38º. A autora não logrou provar tal facto, o que resulta em abundância da factualidade dada como provada, sendo que só a prova dessa factualidade legitimaria apurar as quantias que a esse título fossem devidas, o que não se alcança por si só da factualidade dada como provada sob o ponto 8.
39º. Improcede, pois, também por esta via, condenação dos réus no pagamento das prestações de € 997,60.

Nestes termos e nos melhores de direito aplicáveis, contando ainda com o douto suprimento de Vossas Excelências e com a reapreciação da pertinente prova testemunhal, se propugna pela alteração da matéria de facto considerada «provada» pela 1ª instância, nos termos melhor assinalados nestas alegações;

Sem conceder,
Deve em qualquer caso a sentença final ser revogada, acordando-se na não condenação dos recorrentes, assim se fazendo inteira Justiça.».
*
Contra-alegou a Autora, pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção da sentença recorrida (cfr. fls. 217 a 225).
*
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cfr. fls. 227).
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. Questões a decidir.

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do(s) recorrente(s), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso e não tenham sido ainda conhecidas com trânsito em julgado [cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho].

No caso, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal, por ordem lógica da sua apreciação, consistem em saber:

i) – da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto;
ii) – da reapreciação da matéria de direito (em face da procedência da alteração da matéria de facto).
*
III. Fundamentos

A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:

1- A Autora é proprietária de um estabelecimento comercial de confeitaria, mercearia e snack-bar, sito na Rua (...), Peso da Régua.
2- Por escritura pública outorgada no Cartório Notarial, no dia 5 de Junho de 1998, a Autora cedeu aos Réus maridos a exploração do referido seu estabelecimento comercial.
3- Conforme consta dessa escritura, a cessão de exploração teve o seu início no dia 1 de Junho de 1998 e foi fixado o seu termo para 31 de Dezembro de 2002, renovando-se automaticamente por períodos de três anos, salvo denúncia de qualquer das partes com, pelo menos, meio ano de antecedência.
4- Nunca houve denúncia de qualquer das partes contratantes, pelo que a referida cessão de exploração foi sendo automática e sucessivamente renovada, terminando em 31 de Dezembro de 2017 o prazo de renovação em curso (à data da propositura da ação).
5- Consta da mesma escritura que o preço da cessão de exploração em referência foi de 10.500.000$00, por conta do qual, logo nessa data, a cedente recebeu dos cessionários a quantia de 300.000$00.
6- Tendo sido acordado que a quantia restante seria paga da seguinte forma:

- 3.000.000$00, em prestações mensais de 50.000$00 e
- 7.500.000$00, até ao termo do indicado prazo inicial do contrato, ou seja, até 31 de dezembro de 2002.
7- A primeira dessas parcelas foi paga pela forma acordada, ou seja, durante 60 meses.
8- A parcela de 7.500.000$00, correspondente a 37.409,84 €, não foi paga pelos cessionários.
9- Foi também estabelecido que, no caso de ocorrer a renovação automática do contrato (por períodos de 3 anos) e salvo acordo dos contraentes noutro sentido, o preço seria de montante proporcional ao então fixado e a pagar em idênticas condições, também na proporção do prazo de renovação.
10- Há mais de 4 anos que os cessionários não vêm pagando à Autora as rendas pela cessão de exploração, no valor de 997,60 €.
11- É da exploração do estabelecimento comercial em causa que os réus retiram os rendimentos para pagamento das despesas dos respetivos agregados familiares.
12- Os réus maridos eram funcionários da autora, relação de trabalho que o réu F. C. iniciou em 1972 e o réu Jorge em 1974.
13- A autora tinha como rosto visível o Sr. AA.
14- Já algum tempo antes de o Sr. AM falecer e após o seu óbito, eram os réus maridos quem no dia-a-dia determinavam as relações comerciais da sociedade autora (compras e vendas de mercadorias, relação com os fornecedores).
15- Até ao final do ano de 1997, eram os herdeiros do Sr. AM que faziam o fecho da caixa diário (apuramento das vendas).
16- A partir do mês de janeiro de 1998 e, pelo menos, até à data da contestação, os réus maridos passaram a gerir toda a atividade comercial da autora, entregando mensalmente, à viúva do Sr. AM, a quantia de mil euros.
17- Apesar da cessação de exploração do estabelecimento para os réus, estes decidiram continuar a desenvolver a atividade em nome da autora, sem a concordância e à revelia desta.
*
E deu como não provado:

a) - A autora nunca chegou a entregar aos réus maridos a exploração do estabelecimento comercial, mantendo a mesma a exploração do dito estabelecimento.
b) - Os réus maridos mantiveram-se apenas como funcionários da autora.
c) - A entrega da quantia de mil euros mensais à viúva do Sr. AM, pelos réus maridos, aconteceu até ao mês de fevereiro de 2016, tendo a mesma falecido em janeiro de 2016.
*
IV. Do objeto do recurso.

1. Da impugnação da matéria de facto.

1.1. Em sede de recurso, os apelantes impugnam a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância.

Para que o conhecimento da matéria de facto se consuma, deve previamente o recorrente, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o ónus de impugnação a seu cargo, previsto no artigo 640º do CPC, o qual dispõe que:

1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.».

Segundo Abrantes Geraldes (1), a «rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em algumas das seguintes situações: (…)

a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635º, n.º 4, e 641º, n.º 2, al. b)); (…)
b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640º, n.º 1, al. a)); (…)
c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.); (…)
d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda; (…)
e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação».

Aplicando tais critérios ao caso, constata-se que os recorrentes indicam quais os factos que pretendem que sejam decididos de modo diverso, indicando igualmente a redação que, no seu entendimento, deve ser proferida sobre os pontos da matéria de facto impugnados, como ainda o(s) meio(s) probatório(s) que na sua ótica o impõe(m), incluindo, no que se refere à prova gravada em que fazem assentar a sua discordância (reportada unicamente ao ponto 8 dos factos provados, já que relativamente aos demais pontos de facto impugnados não assinalaram com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, nem sequer procederam à transcrição dos excertos que considerem relevantes, limitando-se genericamente a fazer alusão aos depoimentos das testemunhas), a indicação dos elementos que permitem a sua identificação e localização, pelo que podemos concluir que cumpriram suficientemente o ónus estabelecido no citado artigo 640º.

Assim, no caso sub júdice, o presente Tribunal pode proceder à reapreciação da matéria de facto impugnada, uma vez que, tendo sido gravada a prova produzida em audiência, dispõe dos elementos de prova que serviram de base à decisão sobre o(s) facto(s) em causa.
*
1.2. Sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, preceitua o artigo 662.º, n.º 1 do CPC, que «a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».

O âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se, resumidamente, de acordo com os seguintes parâmetros (2):

- só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo recorrente;
- sobre essa matéria de facto impugnada, tem que realizar um novo julgamento;
- nesse novo julgamento forma a sua convicção de uma forma autónoma, de acordo com o princípio da livre apreciação das provas, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não apenas os indicados pelas partes).
- a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação tem que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância.
- a intervenção da Relação não se pode limitar à correção de erros manifestos de reapreciação da matéria de facto, sendo também insuficiente a menção a eventuais dificuldades decorrentes dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação das provas.
- ao reapreciar a prova, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção, a que está também sujeita, se conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, deve proceder à modificação da decisão.
- se a decisão factual do tribunal da 1ª instância se basear numa livre convicção objetivada numa fundamentação compreensível onde se optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, a fonte de tal convicção - obtida com benefício da imediação e oralidade - apenas poderá ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum.
- a demonstração da realidade de factos a que tende a prova (art. 341º do Cód. Civil) não é uma operação lógica, visando uma certeza absoluta. A prova “visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção assente na certeza relativa do facto(3). O mesmo é dizer que “não é exigível que a convicção do julgador sobre a realidade dos factos alegados pelas partes equivalha a uma certeza absoluta, raramente atingível pelo conhecimento humano. Basta-lhe assentar num juízo de suficiente probabilidade ou verosimilhança(4).
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1.3. Por referência às suas conclusões, extrai-se que os recorrentes pretendem a alteração das respostas dos pontos 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 10 e 17 da matéria de facto provada da decisão recorrida.

Os referidos pontos fácticos objeto de impugnação têm o seguinte teor:

«2- Por escritura pública outorgada no Cartório Notarial, no dia 5 de Junho de 1998, a Autora cedeu aos Réus maridos a exploração do referido seu estabelecimento comercial.
3- Conforme consta dessa escritura, a cessão de exploração teve o seu início no dia 1 de Junho de 1998 e foi fixado o seu termo para 31 de Dezembro de 2002, renovando-se automaticamente por períodos de três anos, salvo denúncia de qualquer das partes com, pelo menos, meio ano de antecedência.
4- Nunca houve denúncia de qualquer das partes contratantes, pelo que a referida cessão de exploração foi sendo automática e sucessivamente renovada, terminando em 31 de Dezembro de 2017 o prazo de renovação em curso (à data da propositura da ação).
5- Consta da mesma escritura que o preço da cessão de exploração em referência foi de 10.500.000$00, por conta do qual, logo nessa data, a cedente recebeu dos cessionários a quantia de 300.000$00.
6- Tendo sido acordado que a quantia restante seria paga da seguinte forma:
- 3.000.000$00, em prestações mensais de 50.000$00 e
- 7.500.000$00, até ao termo do indicado prazo inicial do contrato, ou seja, até 31 de dezembro de 2002.
7- A primeira dessas parcelas foi paga pela forma acordada, ou seja, durante 60 meses.
8- A parcela de 7.500.000$00, correspondente a 37.409,84 €, não foi paga pelos cessionários».
«10- Há mais de 4 anos que os cessionários não vêm pagando à Autora as rendas pela cessão de exploração, no valor de 997,60 €».
«17- Apesar da cessação de exploração do estabelecimento para os réus, estes decidiram continuar a desenvolver a atividade em nome da autora, sem a concordância e à revelia desta».

No dizer dos recorrentes, essa materialidade fáctica foi incorrectamente julgada e merece ser alterada pela conjugação dos depoimentos das testemunhas apresentadas pela autora, D. S., M. O. e Rui, assim como pela análise dos documentos juntos aos autos.
Há, assim, que verificar se a discussão probatória fundamentadora da decisão corresponde à prova realmente obtida ou, ao invés, se a mesma se apresenta de molde a alterar a facticidade impugnada, nos termos invocados pelos apelantes.

Antes, porém, de iniciarmos essa análise importa deixar consignado que, com vista a ficarmos habilitados a formar uma convicção autónoma, própria e justificada, procedemos à audição integral da gravação dos depoimentos testemunhais invocados na apelação como justificadores da impugnação da matéria de facto, não nos tendo restringido aos trechos parcelares assinalados pelos apelantes, tendo-se igualmente procedido à audição dos demais depoimentos das testemunhas mencionadas na motivação da sentença recorrida.

Para além disso, foram analisados todos os documentos referenciados.

Atenta a delimitação da impugnação da matéria de facto, na sua apreciação seguiremos de perto a sistematização adotada no recurso de apelação.
Em jeito de introito, e como (bem) referem os recorrentes, nos presentes autos confrontam-se duas versões diferenciadas sobre a mesma realidade, quais sejam:

- De um lado, arrogando-se proprietária de um estabelecimento comercial de confeitaria, mercearia e snack-bar, sito na Rua (...), Peso da Régua, a recorrida (autora) alega ter celebrado com os RR. maridos, em 1998, um contrato de cessão de exploração, por força do qual estes passaram a explorar o referido estabelecimento, em nome próprio, estando em débito, para com ela, pelas prestações convencionadas como contrapartida da cessão, com a quantia global de € 85.294,64, acrescida de juros de mora.
- De outro lado, os recorrentes (RR.) defendem que, desde o mês de janeiro de 1998 até à presente data, os RR. maridos limitaram-se a gerir toda a atividade comercial da demandante, mediante certas condições, sendo que a autora nunca lhes entregou a exploração do referido estabelecimento comercial, nem estes o receberam como tal, tendo aquela mantido a exploração do estabelecimento, pelo que nada lhe devem, além de que os RR. maridos sempre se mantiveram como funcionários da sociedade demandante.
Delineadas as duas versões em confronto, não oferece dúvidas que, por escritura pública outorgada no Cartório Notarial, no dia 5 de Junho de 1998, a Autora e os Réus maridos outorgaram entre si um denominado acordo de “Cessão de exploração(5), nos termos do qual:

i) - a autora declarou ceder aos réus-maridos, em comum e partes iguais, a exploração do estabelecimento comercial de confeitaria, mercearia e snack-bar, instalado nos rés-do-chão esquerdo e direito do prédio urbano sito na Rua (...), freguesia e concelho de Peso da Régua;
ii) - essa cessão de exploração teve o seu início no dia 1 de junho de 1998 e terminava no dia 31 de dezembro de 2002, renovando-se automaticamente por períodos de três anos, salvo denúncia de qualquer das partes e com, pelo menos, meio ano de antecedência;
iii) - que, no caso de se verificar a renovação automática e salvo acordo noutro sentido dos contraentes, o preço será de montante proporcional ao agora fixado e a pagar em idênticas condições também no prazo de renovação;
iv) - que o preço da cessão de exploração era de 10.800.000$00 (€ 53.870,01), tendo a autora recebido nessa data 300.000$00 (€ 1.469,39);
v) - que os restantes 10.500.000$00 (€ 52.373,78) seriam pagos da seguinte forma pelos cessionários:
- 3.000.000$00 (€ 14.963,94), em prestações mensais de 50.000$00 (€ 249,40), até ao dia 8 de cada mês, a partir do mês de julho de 1998;
- 7.500.000$00 (€ 37.409,80) no final do prazo estabelecido para este contrato.
Como razões de fundo da discordância quanto aos pontos 2, 3, 4 e 17 dos factos provados apontam os recorrentes os seguintes argumentos:
- A presente ação foi intentada 19 anos após a celebração da escritura ajuizada e, posteriormente, à morte da gerente da sociedade, M. J..
- A cessão de exploração, a vigorar, determinava o pagamento de IVA devido sobre a prestação mensal fixada contratualmente, isto por força do preceituado no art.º 3º, n.º 4 do CIVA (D.L. nº 394-B/84, de 26.12)
- Nunca a autora, através da sua gerente M. J. ou qualquer um dos sócios, cuidou do cumprimento dessas obrigações fiscais.
- Tal inação fiscal apenas pode ser interpretada e valorada como uma firme convicção por parte da autora, atento o comportamento da gerente e sócios, que inexistia tal obrigação, porquanto a cessão de exploração nunca foi concretizada.
- Os réus-maridos limitaram-se a gerir a autora (na exploração do estabelecimento comercial) cumprindo a vontade do falecido AM, que sempre expressou o desejo que, por sua morte, aqueles assegurassem uma pensão mensal à sua esposa, adequada a uma vida condigna da mesma, mediante a gestão comercial do estabelecimento comercial.
E, como concretos meios de prova que impunham decisão diversa quanto aos factos impugnados, ou seja, reveladora de que era a autora quem explorava o estabelecimento comercial mencionado nos autos, indicaram os recorrentes:

- A prova documental:
a) Apresentava anualmente à autoridade tributária os rendimentos em sede de IRC, conforme se alcança das declarações modelo 22 referentes aos anos de 2011, 2012, 2013, 2014 e 2015 - docs. 1, 2, 3, 4 e 5 juntos com a contestação;
b) Apresentava periodicamente a relação de transmissão de bens em sede de IVA, conforme se alcança das declarações referentes aos anos de 2011, 2015 e 2016 - docs. 6, 7, 8, 9, 10 e 11 juntos com a contestação;
c) Adquiria bens, produtos e serviços necessários à sua atividade comercial, conforme se alcança das faturas juntas - docs. 12, 13 e 14 juntos com a contestação
d) Celebrou em 02.09.2014, com a Segurança Social, um plano para pagamento em prestações de dívidas de contribuições não satisfeitas com referência às remunerações dos demandados maridos, plano esse apresentado e assinado pela falecida M. J., na qualidade de legal representante da demandante - doc. 15 junto com a contestação
e) Procedia ao pagamento das contribuições referentes às suas remunerações, bem como às remunerações mensais que lhe são devidas. - docs. 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26 e 27 juntos com a contestação
- A prova testemunhal produzida (por referência às testemunhas D. S., Rui e M. O.) aponta no sentido que o valor das prestações que os réus-maridos tinham que assegurar à viúva do Sr. AM por gerirem a atividade comercial da autora é, precisamente, a importância de 200.000$00 (€ 1.000,00).

Enunciados que se mostram os fundamentos da impugnação deduzida, e com o devido respeito por opinião contrária, cremos convictamente que, quanto a estes particulares pontos de facto impugnados, a globalidade da prova produzida de modo algum nos permite concluir nos termos propugnados pelos recorrentes.

As razões desta afirmação são as seguintes:

Em primeiro lugar, urge sobrelevar o facto de a A. e os RR. maridos terem submetido a escritura pública o contrato, entre eles acordado, de cessão de exploração do estabelecimento comercial de confeitaria, mercearia e snack-bar, sito na Rua (...), Peso da Régua, sendo certo que estes não alegaram qualquer factualidade tendente a demonstrar que o ali firmado não correspondia à vontade das partes ou que se tratou de um contrato simulado.

A prova testemunhal produzida é, por sua vez, inequívoca no sentido de que, a partir de janeiro de 1998, na sequência do falecimento do Sr. AM (ocorrido em 17 de novembro de 1997), que era o legal representante da sociedade autora, foi cedida aos RR. maridos a cessão onerosa e temporária da exploração do estabelecimento comercial em causa, embora a formalização desse acordo, através de escritura pública outorgada no Cartório Notarial, apenas se tenha verificado no dia 5 de junho de 1998.

Afora a testemunha Paulo, anterior proprietário e senhorio do prédio onde está instalado o estabelecimento comercial pertença da A., que não soube indicar a data do início da cessão da exploração do estabelecimento aos RR. maridos, todas as demais testemunhas inquiridas [a) D. S., genro do falecido Sr. AM, casado com uma filha deste, de seu nome Helena, e cunhado do atual legal representante da autora; b) António, que durante 37 anos trabalhou como funcionário no estabelecimento em causa, tendo cessado tais funções em 2012, e que foi colega de trabalho dos RR. maridos até 1998, data a partir da qual estes passaram a intitular-se e a comportar-se como seus patrões e lhe pagavam o vencimento, embora para efeitos fiscais e de descontos para a Segurança Social a testemunha sempre tenha formalmente constado como sendo trabalhador subordinado da sociedade autora; c) L. S., irmão do falecido legal representante da autora, Sr. AM, que era fornecedor de pastelaria do referido estabelecimento, a quem os RR. maridos a partir de janeiro de 1998 passaram a pagar os fornecimentos feitos, quando tomaram por sua conta a exploração do estabelecimento, embora a faturação de tais fornecimentos tenha continuado a processar-se em nome da sociedade autora, mas comportando-se aqueles como “reis e senhores” do estabelecimento desde que assumiram a sua exploração; d) Rui, filho do falecido Sr. AM, que na qualidade de sócio da autora teve intervenção na outorga da escritura pública constante de fls. 8 a 14, e que, cerca de quatro meses antes do falecimento do seu pai, por este estar impedido devido à doença que o acometeu, todos os dias se deslocava ao estabelecimento, no final do dia, a fim de fazer o fecho de caixa, deixando de o fazer quando a exploração do estabelecimento foi cedida aos RR. maridos; e) M. O., filha do Sr. AM e que participou na escritura pública constante de fls. 8 a 14 na qualidade de sócia da autora, sendo o seu marido o atual gerente da A.; f) Júlio, contabilista, que prestou serviços de contabilidade à autora desde 1979 até 2016], foram unânimes e inequívocas em depor no sentido de que, a partir de janeiro de 1998, na sequência do falecimento do anterior gerente da autora, Sr. AM (cujo óbito ocorreu em 16 de novembro de 1997), a exploração do estabelecimento comercial objeto dos autos foi efetivamente cedida aos RR. maridos, deixando os representantes da autora de ter qualquer intervenção na exploração do negócio, embora a formalização desse negócio apenas tenha sido feita a 5 de Junho de 1998 com a outorga da referida escritura.

O facto da prova documental invocada pelos RR. apontar no sentido de toda a actividade do estabelecimento comercial ter continuado a ser processada em nome da Autora encontra a sua explicação (como bem referido na sentença recorrida) na atuação dos RR. maridos, que optaram por não se colectar e, com a aceitação da viúva do anterior gerente da sociedade autora (dona do estabelecimento), que neles confiava e por quem tinha estima (a quem afetuosamente tratava por “rapazes”, por ali terem iniciado a laborar quando ainda eram muito jovens), continuaram a explorar o estabelecimento em nome da sociedade, e não por sua conta própria. A isso acresce o facto de os demais sócios da autora, quer por estarem convictos que o contabilista havia regularizado a situação inerente à outorga do contrato de cessão de exploração pelos RR. maridos, quer por, de algum modo, se terem alheado da vivência da sociedade comercial dado estarem ocupados e centrados nas suas vidas profissionais, não se terem apercebido dessa situação, posto que só aquando da realização de diligências com vista à formalização da habilitação de herdeiros por morte da sua mãe, M. J., se inteiraram efetivamente que toda a atividade comercial do estabelecimento (designadamente, no tocante aos cumprimento das obrigações fiscais, como das contribuições para a Segurança Social) continuava a girar sob o nome da Autora, e não dos RR., pelo que, inconformados com essa situação, de imediato intentaram uma providência cautelar contra o contabilista Júlio, tendente a pôr cobro à mesma.

Acresce que, como foi expressamente reconhecido por esta testemunha arrolada pelos recorrentes (Júlio), a partir de 1998 todos os assuntos relacionados com a gestão do estabelecimento comercial, incluindo a questão das dívidas à Segurança Social, passaram a ser por si diretamente tratados com os réus maridos, e não com os sócios da A., tendo sido aqueles que manifestaram o propósito de fazer um acordo de pagamento em prestações com a Segurança Social e que saldaram tais dívidas.

O facto de o documento de fls. 83 vº, que corporiza o requerimento à Segurança Social para pagamento em prestações, se mostrar assinado pela viúva do Sr. AM não tem a relevância que os RR. lhe pretendem atribuir, visto que aquela, dada a confiança e consideração que tinha com os RR. maridos, não colocava qualquer entrave a assinar qualquer documentação que estes lhe solicitassem, como foi o caso do referido documento.

O pagamento pelos RR. maridos das diversas obrigações inerentes ao giro da atividade de exploração do estabelecimento (seja, por exemplo, às entidades fiscais, à Segurança Social, ao colaborador António e aos fornecedores) é, igualmente, bem revelador no sentido daquela exploração ser, de facto, levada a cabo pelos referidos RR.
Aliás, embora inicialmente tenha negado que os RR. maridos poderiam retirar alguma vantagem por não se coletarem e ocultarem a cessão da exploração em seu nome, até porque pagaram todas as dívidas da sociedade autora, a testemunha Júlio acabaria por admitir que os réus sairiam prejudicados se, nos termos legais, participassem o contrato de cessão de exploração, porquanto perderiam os direitos ou benefícios inerentes à sua situação de trabalhadores por conta de outrem.

Em face do que antecede, e para além da já explicitada responsabilidade (por ação) dos RR. maridos e (por omissão) dos demais sócios para o facto do giro comercial do estabelecimento ter continuado a processar-se em nome da sociedade autora, e não dos RR. maridos, temos para nós que a manutenção dessa situação só foi possível mercê da atuação e aquiescência do contabilista, que não cuidou, como era seu dever, de proceder à regularização da cessão da exploração do estabelecimento operada em nome dos RR. maridos, não sendo verosímil (nos termos que mais adiante explicitaremos) que apenas se tenha inteirado dessa situação em 2016, quando foi demandado no procedimento cautelar.
Feitos estes considerandos, relativamente à matéria de facto impugnada impõe-se decidir do modo seguinte:

- < Ponto 2 dos factos provados: Diversamente do propugnado pelos recorrentes, a demonstração da referida facticidade não se restringe ao teor da escritura pública cuja cópia consta de fls. 4 a 8, alicerçando-se também na prova testemunhal produzida que, como se disse, foi inequívoca e esclarecedora no sentido de a exploração do estabelecimento comercial ter sido efetivamente cedida aos RR. a partir de janeiro de 1998, embora só formalizada a 5 de Junho de 1998, sendo que a partir daquela data os RR. passaram a explorar e a gerir o referido estabelecimento, dele retirando os proventos e suportando todas as despesas de exploração a ele associados, nomeadamente ao fisco e à Segurança Social, pagando a retribuição ao outro colaborador subordinado, António, perante quem se assumiram e comportaram como seus patrões.

- < Ponto 3 dos factos provados: Improcede a impugnação deduzida, visto a cessão da exploração contemplada nessa escritura pública reportar o início da produção de efeitos a 1 de junho de 1998.

- < Ponto 4 dos factos provados: Resulta da prova testemunhal produzida (designadamente, dos depoimentos das testemunhas M. O., sócia da autora, e de Júlio, contabilista, que prestou serviços à autora até 2016) a confirmação dessa facticidade, inexistindo nos autos confirmação da cessação do contrato de cessão de exploração, sendo que, pelos menos à data da propositura da ação, os RR. maridos continuavam a explorar o estabelecimento comercial em causa.

- < Ponto 17 dos factos provados: Pelas razões já apontadas, valendo-se da confiança neles depositada pela então gerente da Autora, M. J., de um certo alheamento dos demais sócios da autora, que estavam convictos que a cessão da exploração em nome dos RR. maridos se mostrava regularizada, e do beneplácito do contabilista, Júlio, que, apesar de ter conhecimento que a partir de 1998 a exploração do estabelecimento comercial havia sido cedida aos RR. maridos, não cuidou - como se impunha - de regularizar a situação, designadamente coletando-os, a conjugação desse fatores propiciou que a gestão do estabelecimento continuasse a processar-se em nome da autora, o que se mostra desmentido pela realidade diária vivenciada desde 1998, posto que a partir de então os representantes da sociedade apelada deixaram de ter qualquer responsabilidade e participação nessa gestão. A manutenção da aparência daquela situação era do interesse dos RR., quer em termos fiscais, como contributivos, que desse modo não perdiam os seus direitos como trabalhadores por conta de outrem.

A estas razões importa acrescentar que a continuação da exploração do estabelecimento pelos RR. maridos em nome da autora veio a ser facilitada por esta ter a sua sede no estabelecimento comercial, pelo que toda a correspondência era recebida pelos réus, que assim ficavam habilitados a geri-lo como melhor lhes aprouvesse, o que ajudou que só após o falecimento da gerente da Autora, M. J., os demais sócios da autora se tenham apercebido que, não obstante a cessão de exploração do estabelecimento efetivada desde 1998, a atividade do estabelecimento continuava a ser desenvolvida em nome da autora, sem a concordância e à revelia dos respetivos sócios, que de imediato manifestaram oposição a essa situação, não tendo a cessão de exploração sido regularizada em termos legais pelo contabilista.

É, por isso, de manter inalterado o ponto fáctico em apreço, havendo, apenas, que efetuar uma retificação do lapso de escrita cometido na sua formulação (art. 249º do Cód. Civil), pois onde consta “cessação” deverá ler-se “cessão”.
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Relativamente aos pontos 5, 6, 7 e 8 e 10 dos factos provados, as razões de fundo da discordância assinaladas pelos recorrentes são as seguintes:

a) Quanto à entrega do estabelecimento e prestações devidas.

- Na cessão de exploração reduzida a escritura pública está contratualmente fixado que o montante de € 7.500.000$00 seria pago “no final do prazo aqui estabelecido”, ou seja, no dia 31 de dezembro de 20021 (data do término da cessão de exploração).
b) O que está fixado contratualmente é que o preço da cessão de exploração era de 10.800.000$00 (€ 53.870,01), tendo a autora recebido na data de celebração do contrato 300.000$00 (€ 1.469,39), sendo os restantes 10.500.000$00 (€ 52.373,78) pagos da seguinte forma: (i) 3.000.000$00 (€ 14.963,94) em prestações mensais de 50.000$00 (€ 249,40) até ao dia 8 de cada mês, a partir do mês de julho de 1998 e (ii) 7.500.000$00 (€ 37.409,80) no final do prazo estabelecido para este contrato, e não que os cessionários se obrigaram a pagar “rendas pela cessão de exploração” no valor de 997,60 €, ainda que nos períodos de renovação.
Os concretos meios de prova que, no entender dos recorrentes, impunham decisão diferente quanto a estes factos impugnados são:

- A prova documental em que se consubstancia a escritura pública de cessão de exploração, que não permite interpretação noutro sentido quanto ao montante das prestações devidas.
- Inexistência de prova testemunhal que permita afirmar, a contrário do clausulado no contrato de cessão de exploração, que foi fixado uma prestação mensal de € 997,60 exigível e em dívida nos períodos de renovação do contrato de cessão de exploração, mormente nos quatro anos aduzidos sob o ponto 10 da matéria de facto dada como provada.
- A posição manifestada pela autora na petição inicial que afirma que as prestações devidas durante os períodos de renovação, além de não terem sido fixadas em sentido diverso do clausulado contratual, decorriam de montante expressamente constante do escrito notarial.
- O depoimento das testemunhas apresentadas pela autora, D. S. e M. O., deles se extraindo, com segurança, que, pelo menos até ao ano de 2008, os réus não eram devedores à autora de qualquer importância com referência à cessão de exploração em mérito.

Vejamos como decidir.

Começando pelos pontos de facto que se afigura não merecerem controvérsia, dado a sua demonstração resultar diretamente da simples leitura do teor da escritura pública que formalizou o contrato de cessão de exploração ajuizado, temos de reconhecer assistir razão aos recorrentes quanto à impugnação dos pontos 5 (mercê do manifesto erro de escrita que a sua formulação padece, pois o preço global constante da escritura de cessão de exploração é de 10.800.000$00 e não 10.500.000$00) e 6 (onde consta “7.500.000$00, até ao termo do indicado prazo inicial do contrato, ou seja, até 31 de dezembro de 2002” deverá passar a constar – em estrita obediência ao clausulado na mencionada escritura – 7.500.000$00, no termo do prazo inicial do contrato (31 de dezembro de 2002).
Apesar de impugnado, o ponto 7 dos factos provados deverá manter-se inalterado, porquanto a decisão que os recorrentes defendem que deve ser proferida coincide precisamente com a que foi dada pelo tribunal recorrido (cfr. conclusão 30º).

Vejamos, agora, os demais pontos de facto impugnados, cuja matéria contende com as prestações acordadas para a cessão de exploração (preço respeitante ao prazo inicial de vigência do contrato), bem como para a renovação do contrato (preço proporcional para o período da renovação), assim como a(s) forma(s) de pagamento (quer no período inicial, quer no período de renovação) e, por último, os pagamentos feitos.

Como já se disse, o acordo de cessão de exploração, formalizado através da escritura pública de 5 de junho de 1998, contemplava (na parte que ora interessa cuidar) as seguintes condições contratuais:

i) - a cessão de exploração do estabelecimento comercial teve o seu início no dia 1 de junho de 1998 e terminava no dia 31 de dezembro de 2002, renovando-se automaticamente por períodos de três anos, salvo denúncia de qualquer das partes e com, pelo menos, meio ano de antecedência;
ii) - no caso de se verificar a renovação automática e salvo acordo noutro sentido dos contraentes, o preço será de montante proporcional ao agora fixado e a pagar em idênticas condições também no prazo de renovação;
iii) - o preço da cessão de exploração era de 10.800.000$00 (€ 53.870,01), tendo a autora recebido nessa data 300.000$00 (€ 1.469,39);
iv) - os restantes 10.500.000$00 (€ 52.373,78) seriam pagos da seguinte forma pelos cessionários:
- 3.000.000$00 (€ 14.963,94) em prestações mensais de 50.000$00 (€ 249,40) até ao dia 8 de cada mês, a partir do mês de julho de 1998;
- 7.500.000$00 (€ 37.409,80) no final do prazo estabelecido para este contrato.

Sendo estes os termos contratuais ajustados na cessão de exploração, julgamos ser de subscrever parcialmente a linha argumentativa expendida pelos recorrentes a propósito do apuramento do preço do montante proporcional devido para a renovação do contrato de cessão de exploração pelo período de três anos.

De facto, se o valor do contrato para o período inicial de 55 meses (01.06.2008 a 31.12.2002) era de 10.800.000$00 (€ 53.870,01), para o período de renovação de três anos, ou seja, 36 meses, o preço de montante proporcional seria de 7.069.090$00 (€ 35.260,47).

O preço de montante proporcional de 7.069.090$00 (€ 35.260,47) devido pelo período de renovação (três anos) deveria ser pago em idênticas condições, ou seja, um valor inicial proporcional aos 3.300.000$00 (6) (€ 16.460,33) – equivalente a 2.160.000$00 (€ 10.774,03) – em prestações mensais (já atualizadas) de 60.000$00 (7) (€ 299,28), e um valor no final do prazo de renovação equivalente a 4.909.090$00 (8) (€ 24.486,44).

Acontece que, diversamente do alegado pelos AA. – que, por um lado, referiram nada ter sido convencionado noutro sentido do clausulado, mas logo de seguida, contraditoriamente, dizem que por força das renovações o preço seria de 7.200.000$00 a pagar em duodécimos de 200.000$00 (cfr. art. 10º da p.i.), sem cuidarem de explicitar como alcançaram esse valor –, a verdade é que a prova produzida nos autos revela que, ao longo da vigência da cessão de exploração, por conta desta exploração os RR. maridos foram pagando à então gerente da Autora, M. J., uma prestação mensal de 200.000$00.

Essa facticidade mostra-se, aliás, provada no ponto 16 dos factos provados – “a partir do mês de janeiro de 1998 e, pelo menos, até à data da contestação, os réus maridos passaram a gerir toda a atividade comercial da autora, entregando mensalmente, à viúva do Sr. AM, a quantia de mil euros” -, e não foi sequer impugnada, ressalvando-se que a leitura que fazemos desse ponto fáctico diverge da que dele é feita pelos recorrentes, pois a nosso ver esse circunstancialismo traduz o valor das prestações mensais devidas – e que vinha sendo efetivamente pago – pela cessão de exploração, e não o valor que os RR. dizem ter-se obrigado a assegurar desde sempre à viúva do falecido AM, enquanto se limitavam gerir a atividade ou o giro comercial da Autora em nome dela.

Reconhece-se que o valor de tais prestações traduz um preço para a cessão da exploração distinto do contratualmente fixado na escritura pública (quer por referência às prestações mensais, quer quanto ao preço global), diferindo no total em 200.000$00 (9).

Mas é esse o valor que, efetivamente, resulta evidenciado pela prova testemunhal produzida, donde se destaca o depoimento da testemunha D. S. (que expressamente referiu que o valor das prestações mensais pela cessão de exploração era de 200 contos, sendo o contrato de cinco anos); da testemunha Rui, que confirmou que, por conta da cessão de exploração do estabelecimento, a sua mãe recebia dos RR. uma renda mensal “à volta” dos 200 contos, que estes deixaram de pagar há cerca de cinco anos; da testemunha M. O., que referiu que logo no acto da escritura foram pagos 300 contos e ao longo da execução do contrato de cessão as prestações mensais pagas correspondiam a 200 contos; da testemunha Júlio, que de um modo não totalmente coincidente, referiu que as prestações iniciais acordadas como contrapartida da cessão de exploração ascendiam a 150 contos mensais, as quais foram elevadas para 200 contos mês no ano de 2008, facto este que diz ter-lhe sido relatado pelo co-R. Jorge, numa altura em que os RR. se atrasaram no pagamentos dos seus serviços de contabilidade, pelo que, tendo-os interpelado para indagar dos motivos do atraso, aquele co-R. contou-lhe que estavam a passar por algumas dificuldades económicas na exploração do estabelecimento, tanto mais que o valor das prestações mensais havia sido aumentado nos termos referidos.

Abra-se aqui um breve parêntesis – para justificar o juízo (por nós anteriormente expendido) de aquiescência do contabilista em relação à atuação dos RR. maridos no sentido destes continuarem a exploração do estabelecimento em nome da sociedade autora – para assinalar que o teor desse depoimento, a acrescer aos demais elementos disponíveis nos autos, reforça a (nossa) firme convicção de que o contabilista bem sabia da cessão de exploração efetivada em favor dos RR. desde 1998. A ser de outro modo, mal se compreenderia que o pagamento dos honorários pelos serviços de contabilidade por si prestados fosse por si reclamado aos RR. maridos, e não à sociedade autora; de igual modo, contraria as regras de experiência comum e de normalidade da vida que, a partir de 1998, todos os assuntos relacionados com a gestão ou o giro comercial do estabelecimento comercial, cuja titularidade pertence à sociedade, fossem diretamente tratados entre o contabilista e os RR. maridos, sendo estes os seus efetivos e únicos interlocutores, e não – como seria suposto - os legais representantes da sociedade demandante, que desde então deixaram de ter qualquer intervenção na exploração do negócio.

Fechado este parêntesis, e continuando a análise referente ao montante da prestação mensal devida como contrapartida da cedência da exploração do estabelecimento, importa sobrelevar o facto de os próprios RR. terem reconhecido que se obrigaram a assegurar à viúva do falecido um rendimento mensal de 1.000.00$00, por conta da gestão em nome e no interesse da autora, sendo de aceitar a primeira asserção, mas rejeitando-se esta última, porquanto – como já se disse – desde 1998 a exploração do estabelecimento que é levada a cabo pelos RR. maridos por conta e o no seu interesse próprio, embora a tenham desenvolvido em nome da autora, mas sem a concordância e à revelia desta.

Serve isto para dizer que, contrariamente ao alegado pelos recorrentes (10), a prova testemunhal produzida nos autos permite formar uma convicção segura e plausível no sentido das partes, não obstante o exarado na escritura do contrato de cessão de exploração, terem acordado que as prestações mensais devidas como contrapartida da cessão seriam de 200 contos.

Deve, ainda acrescentar-se, relativamente aos aludidos elementos de facto, carreados em parte pelos próprios réus, ora recorrentes (art. 6º da contestação), que nada obsta a que deles se sirva o julgador para complementar os factos alegados (art. 5º, n.º 2, al. b), do CPC). Cada uma das partes tem o ónus da alegação dos factos cujo efeito lhe é favorável, mas o nosso direito processual consagra o princípio da aquisição processual, que tem assento no art. 413º do CPC e que, segundo o Prof. Manuel de Andrade (11), se traduz no facto de que “os materiais (afirmações e provas) aduzidos por uma das partes ficam adquiridos para o processo. São atendíveis mesmo que sejam favoráveis à parte contrária”.

Não vale, por isso, dizer, como o fazem os recorrentes, que inopinadamente e apartado de qualquer aportamento factual o Tribunal enveredou por uma solução que a autora não submeteu à sua apreciação. Na verdade, não só a A. alegou que com as renovações o preço seria de 7.200.000$00 a pagar em duodécimos de 200.000$00 (embora se reconheça que poderia ter sido mais explicita nessa alegação), como igualmente os RR. alegam que a partir do mês de janeiro de 1998 se obrigaram a assegurar mensalmente à viúva do falecido AM um rendimento de 1.000,00 €, embora procedam a uma qualificação jurídica distinta dessa obrigação, dizendo que a mesma era devida por efetuarem uma (mera) gestão comercial do estabelecimento da demandante, factualidade esta que não resultou provada, já que se apurou que essa gestão era feita por conta e no interesse dos RR., e não por conta da mencionada viúva, nem da sociedade.

Se a isto acrescentarmos o que se mostrava já provado no ponto 16 dos factos provados, forçoso será concluir que tal determina implicações relevantes quanto à matéria fáctica atinente aos pagamentos feitos no período inicial de vigência do contrato de cessão de exploração.

Com efeito, tomando em consideração o pressuposto supra aludido – que o valor das prestações mensais ajustado e pago pelos RR./cessionários corresponde a 200.000$00/mês – não nos mereceu credibilidade o depoimento da testemunha M. O., na parte em que referiu que os RR. não procederam ao pagamento do valor residual ajustado no contrato inicial de cessão de exploração (de 7.500.000$00), dizendo terem apenas pago a parcela de 3.000.000$00, em prestações mensais de 50.000$00, bem como o valor inicial de 300.000$00 aquando do acto da escritura pública.

Desde logo, porque a versão inicialmente por si relatada, de um modo espontâneo – de que as prestações mensais pela cessão de exploração correspondiam a 200 contos –, não se mostra condizente com os valores parcelares ou globais ajustados na escritura de cessão de exploração, sendo de sobrelevar que a testemunha não deu uma explicação plausível para essa diferença.

Expressando que o valor das prestações mensais devidas era de 200 contos, montante este que foi sempre sendo pago pelos RR., só deixando de o ser cerca de cinco anos antes da mãe falecer – cujo óbito ocorreu em janeiro de 2016 –, só ulteriormente a testemunha viria a fazer alusão ao não pagamento pelos RR. do valor residual acordado no contrato inicial.

Contudo, a ser demonstrada essa versão fáctica, o contrato de cessão de exploração para o período inicial de 55 meses alcançaria o valor de 18.800.000$00 (12), o que excederia manifestamente os valores estabelecidos pelas partes na escritura como contrapartida daquela cessão (10.800.000$00), não podendo, pois, ser aceite, até porque aquele valor não foi sequer alvitrado por nenhuma das partes.

Serve isto para concluir ser nossa convicção que, ao contrário do estabelecido na escritura, desde o início da execução da cessão da exploração as partes convencionaram que a prestação mensal devida pela cessão da exploração, a cargo dos RR. maridos, seria de 200 contos (€ 997,60).

Como consequência lógica do atrás afirmado, a resposta ao ponto 8 dos factos provados não poderá manter-se, impondo que se dê como provado que a restante parcela prevista no contrato inicial de cessão de exploração foi paga pelos cessionários. Relembre-se a propósito que as testemunhas referiram que nos primeiros 10 anos de vigência do contrato de cessão não houve atrasos no cumprimento das prestações (“rendas”) devidas, situando o início do não pagamento cinco anos antes do falecimento da anterior gerente da Autora. Ademais, a matéria incluída no ponto 16 dos factos provados já permitiria concluir no sentido da alteração da resposta dada ao ponto 8 dos factos provados, porquanto o somatório dos pagamentos feitos (13) excede o valor global do preço pelo período inicial da cessão de exploração (10.800.000$00).

Por último, a matéria objeto do ponto 10 dos factos provados, deverá ser objeto de desdobramento, passando a constar da matéria de facto provada que, por acordo das partes, a prestação mensal da cessão de exploração sempre foi de 200 contos (997,60€).
Por se tratar de um facto extintivo (art. 342º, n.º 2 do Cód. Civil e art. 576º, n.º 2 do CPC), que não se mostra confessado, e não estar em causa a resolução do contrato de cessão de exploração, a matéria atinente à não demonstração do pagamento, pelos cessionários à Autora, das prestações devidas há, pelo menos, quatro anos, deverá ser transposta para os factos não provados (14).

Em resumo:

i) - Na procedência da impugnação dos pontos 5 e 6 dos factos provados, passarão estes a ter a seguinte redação
5- Consta da mesma escritura que o preço da cessão de exploração em referência foi de 10.800.000$00, por conta do qual, logo nessa data, a cedente recebeu dos cessionários a quantia de 300.000$00.
6- Tendo sido acordado que a quantia restante seria paga da seguinte forma:
- 3.000.000$00, em prestações mensais de 50.000$00 e
- 7.500.000$00, no termo do prazo inicial do contrato (31 de dezembro de 2002).
ii) - Julga-se improcedente a impugnação do ponto 7 dos factos provados;
iii) - Altera-se a resposta do ponto 8 dos factos provados, dando-se como provado que:
A restante parcela prevista no contrato inicial de cessão de exploração foi paga pelos cessionários.
iv) - Altera-se a resposta do ponto 10 dos factos provados, passando a constar da matéria de facto provada que:
- Por acordo das partes, a prestação mensal da cessão de exploração sempre foi de 200 contos (997,60€).
Transfere-se para a matéria de facto não provada que:
- Há, pelo menos, 4 anos que os cessionários vêm pagando à Autora as prestações mensais pela cessão de exploração, no valor de 997,60 €.
*
Face às alterações introduzidas na decisão relativa à matéria de facto, é a seguinte a factualidade (provada e não provada) a atender para efeito da decisão a proferir:

- Factos provados.

1- A Autora é proprietária de um estabelecimento comercial de confeitaria, mercearia e snack-bar, sito na Rua (...), Peso da Régua.
2- Por escritura pública outorgada no Cartório Notarial, no dia 5 de Junho de 1998, a Autora cedeu aos Réus maridos a exploração do referido seu estabelecimento comercial.
3- Conforme consta dessa escritura, a cessão de exploração teve o seu início no dia 1 de Junho de 1998 e foi fixado o seu termo para 31 de Dezembro de 2002, renovando-se automaticamente por períodos de três anos, salvo denúncia de qualquer das partes com, pelo menos, meio ano de antecedência.
4- Nunca houve denúncia de qualquer das partes contratantes, pelo que a referida cessão de exploração foi sendo automática e sucessivamente renovada, terminando em 31 de Dezembro de 2017 o prazo de renovação em curso (à data da propositura da ação).
5- Consta da mesma escritura que o preço da cessão de exploração em referência foi de 10.800.000$00, por conta do qual, logo nessa data, a cedente recebeu dos cessionários a quantia de 300.000$00.
6- Tendo sido acordado que a quantia restante seria paga da seguinte forma:
- 3.000.000$00, em prestações mensais de 50.000$00 e
- 7.500.000$00, no termo do prazo inicial do contrato (31 de dezembro de 2002).
7- A primeira dessas parcelas foi paga pela forma acordada, ou seja, durante 60 meses.
8- A restante parcela prevista no contrato inicial de cessão de exploração foi paga pelos cessionários.
9- Foi também estabelecido que, no caso de ocorrer a renovação automática do contrato (por períodos de 3 anos) e salvo acordo dos contraentes noutro sentido, o preço seria de montante proporcional ao então fixado e a pagar em idênticas condições, também na proporção do prazo de renovação.
10- Por acordo das partes, a prestação mensal da cessão de exploração sempre foi de 200 contos (997,60€).
11- É da exploração do estabelecimento comercial em causa que os réus retiram os rendimentos para pagamento das despesas dos respetivos agregados familiares.
12- Os réus maridos eram funcionários da autora, relação de trabalho que o réu F. C. iniciou em 1972 e o réu Jorge em 1974.
13- A autora tinha como rosto visível o Sr. AA.
14- Já algum tempo antes de o Sr. AM falecer e após o seu óbito, eram os réus maridos quem no dia-a-dia determinavam as relações comerciais da sociedade autora (compras e vendas de mercadorias, relação com os fornecedores).
15- Até ao final do ano de 1997, eram os herdeiros do Sr. AM que faziam o fecho da caixa diário (apuramento das vendas).
16- A partir do mês de janeiro de 1998 e, pelo menos, até à data da contestação, os réus maridos passaram a gerir toda a atividade comercial da autora, entregando mensalmente, à viúva do Sr. AM, a quantia de mil euros.
17- Apesar da cessão de exploração do estabelecimento para os réus, estes decidiram continuar a desenvolver a atividade em nome da autora, sem a concordância e à revelia desta.
*
Factos não provados:

a) - A autora nunca chegou a entregar aos réus maridos a exploração do estabelecimento comercial, mantendo a mesma a exploração do dito estabelecimento.
b) - Os réus maridos mantiveram-se apenas como funcionários da autora.
c) - A entrega da quantia de mil euros mensais à viúva do Sr. AM, pelos réus maridos, aconteceu até ao mês de fevereiro de 2016, tendo a mesma falecido em janeiro de 2016.
d) - Há, pelo menos, 4 anos que os cessionários vêm pagando à Autora as prestações mensais pela cessão de exploração, no valor de 997,60 €.
*
2. Fundamentação de direito.

O contrato discutido nos autos foi celebrado no dia 5/06/1998, sendo denominado pelas partes de “cessão de exploração” e encontra-se consubstanciado no documento de fls. 8 a 14.
Considerando esta data, a lei substantiva aplicável à determinação da sua natureza e conteúdo são o Código Civil de 1966 e o Regime de Arrendamento Urbano aprovado pelo DL n.º 321-B/90, de 15 de Outubro – RAU (artigo 12º, n.º 1 Código Civil).
A locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar a outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição, designando-se por arrendamento se versar sobre coisa imóvel (arts. 1022º e 1023º do Código Civil).
O arrendamento urbano é o contrato pelo qual uma das partes concede a outra o gozo temporário de um prédio, no todo ou em parte, mediante retribuição (art. 1º do RAU).
É, por seu turno, arrendamento para comércio ou indústria o que tem por objeto mediato prédios urbanos ou partes destes com vista à prossecução de fins diretamente relacionados com alguma actividade comercial ou industrial (art. 110º do RAU).

Por sua vez, a propósito do contrato usualmente designado por “cessão de exploração”, também apodado por concessão de exploração, cedência de exploração ou de estabelecimento, nas mais recentes formulações legais passou a surgir designado como “locação de estabelecimento” (arts. 1682º-A, n.º 1, al. b) e 1109º (15) do CC e art. 246º, n.º 2, al. c) do Cód. das Sociedades Comerciais) (16).

Tendo como epígrafe “cessão de exploração do estabelecimento comercial”, estabelece o n.º 1 do art. 111º do RAU que “não é havido como arrendamento de prédio urbano ou rústico o contrato pelo qual alguém transfere temporária e onerosamente para outrem, juntamente com o gozo do prédio, a exploração de um estabelecimento comercial ou industrial nele instalado”.

Se, porém, ocorrer alguma das circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 115º, o contrato passa a ser havido como arrendamento do prédio” (cfr. n.º 2).

A cessão de exploração do estabelecimento comercial deve constar de documento escrito, sob pena de nulidade” (cfr. n.º 3).

O contrato em apreço consiste numa forma de negociação do estabelecimento comercial traduzida numa transferência temporária e onerosa do seu gozo ou exploração. O locatário-explorador não recebe qualquer remuneração como se fosse um gerente, tendo, antes, de pagar uma «renda» ao locador, explorando o estabelecimento por sua própria conta e risco (17).

O traço característico deste contrato não é a cedência da fruição do imóvel, nem o gozo do imobiliário ou do recheio que nele se encontre, mas a cedência temporária e onerosa do estabelecimento como um todo (18), entendido como uma universalidade.

Não poderá falar-se de cessão de exploração se o local em que se encontra instalado o estabelecimento for cedido sem que haja transferência, em conjunto, dos elementos que o integram (nada obstando a que possa ser desfalcado de algum ou alguns dos seus elementos não essenciais) ou se, cedido o estabelecimento com todos os seus elementos, o cessionário passar a exercer no local do estabelecimento outro ramo de atividade.

O essencial é que após a cessão, com os elementos transferidos, fique caracterizada a mesma unidade ou organização económica suscetível de proporcionar lucros ao adquirente no mesmo ramo de comércio ou indústria (19).

Só o dono do estabelecimento é que pode transferir a sua exploração, quer seja o senhorio do prédio onde aquele está instalado, quer seja apenas o seu arrendatário.

A propósito de se dizer o que não é arrendamento, acaba por se dizer o que é a locação de estabelecimento, essencialmente transferência para outrem, temporária e onerosamente, juntamente com o gozo do respetivo local predial, da exploração de um estabelecimento comercial ou industrial O que significa que o arrendamento do local que existia mantém-se. O dono do estabelecimento faz a locação deste, mas continua a ser o locatário do espaço predial. Assim, não acontecerá nas hipóteses do art. 115º, n.º 2, do RAU, posto que nestas hipóteses a situação só será lícita se o dono do local autorizar a cessão, sob pena de possível resolução (20) (art. 64, n.º 1, al. f) do RAU).

A cessão de exploração do estabelecimento comercial não produz qualquer transmissão do direito de propriedade (titularidade) do estabelecimento, que continua a pertencer ao cedente, envolvendo a simples cessão do direito de exploração do estabelecimento. O titular do estabelecimento obriga-se a proporcionar temporariamente ao cessionário a fruição do estabelecimento, o que implica a funcionalidade e inerente explorabilidade deste, mantendo aquele cedente a titularidade do estabelecimento. Assim, “um dos contraentes, o locador, mantendo-se proprietário da organização mercantil, transfere para outrem a sua exploração. O locatário do estabelecimento exerce a actividade, em seu nome e por sua conta e risco, pagando como contrapartida um determinado montante. Expressa-se, deste modo, a sinalagmaticidade deste negócio, bem como o seu carácter continuado (em relação ao locador) e periódico (em relação ao locatário)(21).

Donde, a cessão de exploração de estabelecimento comercial não é senão um contrato de locação do estabelecimento como unidade jurídica, isto é, um negócio jurídico pelo qual o titular do estabelecimento proporciona a outrem, temporariamente e mediante retribuição, o gozo e fruição do estabelecimento, ou seja, a sua exploração mercantil. O cedente ou locador demite-se temporariamente do exercício da actividade comercial e quem o assume é o cessionário ou locatário (22).

A cessão de exploração do estabelecimento comercial pressupõe, assim, nos termos do n.º 2 do art. 111º remissivo ao n.º 2 do art. 115º do RAU, que se verifiquem, cumulativamente, os seguintes requisitos:

a) – Acordo entre o detentor de um estabelecimento comercial e um outro sujeito, tendo por objeto a transferência para este da exploração de um estabelecimento comercial ou industrial, englobando a transmissão de instalações, utensílios, mercadorias ou outros elementos que integram o estabelecimento;
b) – Feita juntamente com o gozo do prédio, continuando a exercer-se nele o mesmo ramo de comércio ou indústria, não podendo ser-lhe dado destino diferente;
c) – Tendo essa transferência um carácter ou uma duração temporariamente delimitada ou fixada;
d) – E feita a título oneroso, ou seja, mediante o pagamento de uma contraprestação.
Dividia-se a doutrina sobre o carácter típico ou atípico de um tal contrato (23), ao passo que a jurisprudência era concordante na afirmação da sua atipicidade (24).

Entende-se, contudo, que o regime deste contrato é regulado em primeiro lugar, pelas estipulações das partes nele contidas (art. 405º, n.º 1 do Código Civil) e, subsidiariamente, pelas disposições do contrato típico mais afim (não se podendo olvidar tratar-se de um contrato de tipo locativo, abrangido pela ampla descrição tipológica do art. 1022º do CC, sendo-lhe, portanto, aplicáveis as disposições gerais da locação (25), mas não as disposições legais específicas (26)) e, depois, na sua falta, pelas regras comuns a todos os contratos (27).

Realmente, a exclusão da cessão de exploração do regime do arrendamento tinha fundamentalmente em vista a subtração daquele contrato ao esquema de prorrogação do contrato de arrendamento (art. 98 do RAU) (28).

A cessão de exploração diverge do trespasse por ser um negócio de transmissão do gozo, e não da propriedade do estabelecimento; diversamente do trespasse que implica uma transmissão definitiva da titularidade do estabelecimento, a cessão envolve apenas a transferência da exploração, sendo o cessionário/locatário titular de um mero direito obrigacional de gozo, que lhe permite explorar em seu nome e por sua conta o estabelecimento, permanecendo o locador como proprietário – caso o seja – desse mesmo estabelecimento.

Por outro lado, ao contrário do trespasse, trata-se de uma transmissão meramente temporária, na medida em que o negócio está necessariamente sujeito a um prazo, devendo o locatário, findo o prazo convencionado, restituir o estabelecimento (29).

Diverge também do trespasse pelo caráter cíclico do seu pagamento, mensal ou anual. A renda a pagar pela cessão ou locação do estabelecimento tem por vezes uma parte fixa e outra variável, mas não necessariamente. A parte variável incide normalmente sobre a receita bruta ou sobre a receita líquida do estabelecimento (30).

Tendo presentes estas considerações de cariz teóricas, afigura-se-nos incontestável que a figura contratual acordada pelas partes se encaixa no contrato de cessão de exploração comercial, tanto mais que resulta da matéria fáctica apurada que, por escritura pública outorgada no Cartório Notarial, no dia 5/06/1998, a Autora cedeu aos Réus maridos a exploração do referido seu estabelecimento comercial, com início da produção de efeitos reportado a 1 de Junho de 1998 e termo a 31 de Dezembro de 2002, renovando-se automaticamente por períodos de três anos, salvo denúncia de qualquer das partes com, pelo menos, meio ano de antecedência.

Mais consta da referida escritura que os RR. maridos reconheceram ter recebido o estabelecimento com todos os móveis e utensílios que o compõem, em bom estado de conservação e funcionamento, obrigando-se a restituí-los nesse mesmo estado, ressalvadas as deteriorações inerentes e implicadas pelo seu uso normal.

Nos termos do clausulado, o preço da cessão de exploração em referência foi de 10.800.000$00, por conta do qual, logo nessa data, a cedente recebeu dos cessionários a quantia de 300.000$00, sendo a restante quantia a pagar nos termos estabelecidos na escritura pública.
Não obstante o ali clausulado, desde o início do contrato as partes acordaram que a prestação mensal da cessão de exploração era de 200 contos (997,60€).

A partir do mês de janeiro de 1998 e, pelo menos, até à data da contestação, os réus maridos passaram a gerir toda a atividade comercial da autora, entregando mensalmente, à viúva do Sr. AM, a quantia de mil euros.

E, secundando o juízo formulado na sentença recorrida, tendo em conta a atuação dos réus, que se provou, dúvidas não restam «de que os mesmos exploram por sua conta o estabelecimento comercial em causa, como bem entendem, não dando conta a ninguém dos lucros ou prejuízos de que beneficiam ou que suportam, tomando todas as decisões relacionadas com a exploração desse estabelecimento, cabendo-lhes, apenas, em relação á dona do mesmo, pagar a contraprestação mensal acordada».

Em suma, face a estes factos é lícito concluir que entre a A. e os Réus maridos foi celebrado, no dia 5/06/1998, um verdadeiro e próprio contrato de cessão de exploração ou de locação de estabelecimento comercial, dado que a primeira transmitiu para os segundos, temporária e onerosamente, o gozo ou a fruição de um estabelecimento comercial de confeitaria, mercearia e snack-bar.
Como é sabido, em obediência ao princípio da liberdade contratual, dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver (cfr. art. 405º, n.º 1 do Código Civil).

E, nos termos estatuídos no n.º 1 do art. 406º do Código Civil, "o contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei".

Deste princípio resultam três comandos essenciais:

- o cumprimento do contrato é obrigatório;
- só o mútuo consenso das partes pode legitimar a sua modificação;
- ambos os contraentes estão reciprocamente em posição de igualdade.

Trata-se, no fundo, da consagração do velho princípio “pacta sunt servanda”, o qual deve ser entendido, como referem Pires de Lima e Antunes Varela, como significando que os contratos devem ser cumpridos “ponto por ponto(31), ou seja, diremos nós, no tempo e no modo convencionado pelas partes.

O devedor tem de realizar a prestação a que está adstrito em respeito dos três princípios (da boa fé, da pontualidade e da integralidade) que informam o cumprimento das obrigações. Ou seja, de acordo com o primeiro dos enunciados princípios, terá de agir nos termos impostos pela boa-fé (art. 762º, n.º 2, do Código Civil), de forma a que a sua atuação não venha a causar prejuízos ao credor; a prestação deverá ser cumprida pontualmente (arts. 406º, n.º 1 e 762º, n.º 1, do Código Civil), no sentido de ter de se ajustar, em todos os aspetos, ao que era devido (não só na data aprazada, como em respeito de todos os compromissos assumidos).
Por último, salvo convenção, disposição legal ou uso em contrário, a prestação deverá ser efetuada integralmente (art. 763º do Código Civil) e não por partes.

No fundo, dir-se-á que o incumprimento corresponde à violação dos princípios pacta sunt servanda, segurança jurídica e boa-fé (32).
Assim sendo, sempre que o devedor não cumpra a prestação ou a tenha realizado em desrespeito de qualquer dos princípios referidos, estar-se-á perante uma situação de não cumprimento do dever obrigacional.

A A. alegou que os RR. se encontram em situação de inadimplência contratual, uma vez que não satisfizeram mensalidades vencidas.
Os RR. impugnaram o articulado em referência, questionando desde logo a própria qualificação jurídica do contrato como cessão de exploração feita pela A. – tendo-se anteriormente concluído que a figura contratual acordada se encaixa no contrato de cessão de exploração comercial –, mais dizendo não serem devedores das prestações reclamadas.

Do contrato de locação ou de cessão de estabelecimento emerge para o locatário o direito de usar e fruir plenamente o estabelecimento locado, explorando-o e fazendo seus os eventuais lucros resultantes dessa exploração; mas, em contrapartida, dele emerge também o dever de pagar, pontualmente, a remuneração convencionada.

Segundo a regra geral do ónus da prova, a demonstração (prova) dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito de crédito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita. - art. 342º, n.º 2, do Cód. Civil.
É, assim, aos Réus que compete fazer a prova do pagamento do montante da prestação mensal convencionada a que os Réus maridos (cessionários) se obrigaram pela celebração daquele contrato.
Nos termos gerais vigentes para a responsabilidade contratual, “o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação é responsável pelo prejuízo que causa ao credor”. - art. 798º do Cód. Civil.
Tal prejuízo corresponderá à importância das prestações mensais em dívida já vencidas.
Revertendo ao caso dos autos, importa destrinçar as prestações atinentes ao contrato inicial de cessão de exploração, daquelas outras reclamadas respeitantes aos últimos quatro anos.

Relativamente às primeiras, diversamente do alegado pela A. e do decidido na 1ª instância, mercê da parcial procedência da impugnação da matéria de facto resulta provado que os RR. maridos (cessionários) procederam (já) ao integral pagamento do preço acordado quanto ao prazo inicial do contrato de cessão de exploração (pontos 7 e 8 dos factos provados).

Nessa parte, impõe-se, por conseguinte, a parcial procedência da apelação, com a consequente revogação da sentença.
Quanto ao mais, não lograram os RR. provar que, pelo menos, há 4 anos (por referência à data da propositura da ação), os cessionários vêm pagando à Autora as prestações mensais pela cessão de exploração, no valor de 997,60 €. O mesmo é dizer que os réus estão em dívida com as prestações mensais, no valor de € 997,60 cada, «a partir do mês de novembro de 2012 até ao final do contrato, que ocorrerá quando for devidamente denunciado e o estabelecimento for entregue».

Em consequência, a conclusão é no sentido de ser devida pelos réus à autora, por conta da cessão da exploração do estabelecimento comercial, a quantia global de 47.884,80 € (48 prestações mensais em dívida x 997,60 €), bem como as prestações/mensalidades que se vencerem, no montante de 997,60 €, cada uma, até final do contrato.
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Por não vir questionado na apelação, limitar-nos-emos a aderir à fundamentação jurídica explicitada na sentença recorrida no tocante aos juros de mora devidos na parte em que a sentença será de manter e confirmar (os juros “que incidem sobre as mensalidades vencidas desde novembro de 2012 até outubro de 2016, (…) são devidos a partir da citação, conforme foi peticionado”), bem como o ajuizado quanto à responsabilidade solidária das mulheres dos réus pelo pagamento da dívida, por força do estatuído no art. 1691º, n.º 1, al. d) do CC, porquanto os RR. não lograram provar que não existe proveito comum, «tendo antes resultado provado que é da exploração do estabelecimento comercial em causa que os réus retiram os rendimentos para pagamento das despesas dos respetivos agregados familiares».

Sendo assim, provado o proveito comum, são as esposas dos réus, que também foram demandadas, solidariamente responsáveis pelo pagamento da dívida.
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Nesta conformidade, a pretensão neste recurso dos recorrentes é de julgar parcialmente procedente.
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Resta, por último, concluir no sentido de os recorrentes terem, ou não, litigado de má-fé.

Diz-se litigante de má fé, segundo o disposto pelo n.º 2 do art. 542º do Código de Processo Civil, «quem, com dolo ou negligência grave:

a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente, reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão».

Tendo litigado de má fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização, a favor da parte contrária, se esta a pedir, nos termos do disposto no art. 542º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Para não caírem no âmbito de aplicação dos normativos ora acabados de transcrever e nas correlativas sanções previstas para o efeito, as partes deverão litigar com a devida correção, ou seja, no respeito dos princípios da boa fé e da verdade material e, ainda, na observância dos deveres de probidade e cooperação expressamente previstos nos arts. 7º e 8º do Código de Processo Civil, para assim ser obtida, com eficácia e brevidade, a realização do Direito e da Justiça no caso concreto que constitui objeto do litígio.

A má-fé traduz-se, em última análise, na violação do dever de cooperação que os artigos 7º, n.º 1, 8º e 542º, n.º 2, c), do Código de Processo Civil, impõem às partes.

No caso em apreço os elementos disponíveis nos autos não permitem concluir, com segurança, no sentido de os recorrentes terem litigado (material e/ou instrumentalmente) de má-fé, motivo por que se julga improcedente tal pretensão deduzida pela recorrida em sede de contra-alegações.
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Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663º, n.º 7 do CPC):

I - A cessão de exploração de estabelecimento comercial – também chamada de locação de estabelecimento – é um contrato pelo qual o titular do estabelecimento proporciona a outrem, onerosa e temporariamente, o gozo e fruição do estabelecimento como um todo, integrando todos os elementos materiais e não materiais, ou seja, a sua exploração mercantil, demitindo-se o cedente ou locador temporariamente do exercício da actividade comercial e passando esta a ser assumida pelo cessionário ou locatário.
II - Configura um contrato de cessão de exploração de estabelecimento ou locação de estabelecimento, o contrato pelo qual uma das partes cede à outra, por determinado prazo e mediante pagamento duma contrapartida mensal, o direito de exploração de estabelecimento comercial de confeitaria, mercearia e snack-bar, transferindo para esta última todo o mobiliário e utensílios que o compõem indispensáveis ao seu funcionamento.
III - Compete ao cessionário fazer a prova do pagamento da prestação mensal devida como contrapartida da cessão de exploração (art. 342º, n.º 2 do Cód. Civil).
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V. DECISÃO

Perante o exposto acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em:

- Julgar a apelação interposta pelos Réus parcialmente procedente e, em consequência, revogam a sentença recorrida no segmento em que condenou solidariamente os Réus a pagarem à Autora a quantia de 37.409,84 € (trinta e sete mil, quatrocentos e nove euros e oitenta e quatro cêntimos) referente à segunda prestação do preço inicial.
- No mais, manter e confirmar a sentença no sentido de:
- condenar solidariamente os Réus a pagarem à Autora a quantia global de € 47.884,80 € (quarenta e sete mil euros, oitocentos e oitenta e quatro euros e oitenta cêntimos) - (48 prestações mensais em divida, de 997,60 € cada uma), bem como as prestações do montante de 997,60 € (novecentos e noventa e sete euros e sessenta cêntimos), que se vencerem até final do contrato e que não sejam pagas pelos Réus.
- condenar, ainda, os réus no pagamento de juros de mora, à taxa legal, sobre as mensalidades vencidas desde novembro de 2012 até outubro de 2016, a contar da citação, conforme peticionado.
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Custas a cargo dos Réus/recorrentes e da Autora/recorrida, na proporção do respetivo decaimento (art. 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
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Guimarães, 27 de setembro de 2018

Alcides Rodrigues
Joaquim Boavida
Paulo Reis


1. Cfr., Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017 – 4ª ed., Almedina, pp. 158/159.
2. Cfr., na doutrina, Abrantes Geraldes, obra citada, pp. 271/300, Luís Filipe Pires de Sousa, Prova testemunhal, Almedina, 2017 – reimpressão, p. 384 a 396, Miguel Teixeira de Sousa, em anotação ao Ac. do STJ de 24/09/2013, in Cadernos de Direito Privado, n.º 44, Outubro/dezembro 2013, p. 33 e Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, obra citada, pp. 462 a 469; na jurisprudência, Acs. do STJ de 7/09/2017 (relator Tomé Gomes), de 24/09/2013 (relator Azevedo Ramos), de 03/11/2009 (relator Moreira Alves) e de 01/07/2010 (relator Bettencourt de Faria); Acs. da RG de 11/07/2017 (relatora Maria João Matos), de 14/06/2017 (relator Pedro Damião e Cunha) e de 02/11/2017 (relator António Barroca Penha), todos consultáveis em www.dgsi.pt.
3. Cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, pp. 435/436.
4. Cfr. Lebre de Freitas, Introdução ao processo civil. Conceito e princípios fundamentais à luz do código revisto, 3ª ed., Coimbra 2013, p. 200.
5. Cuja cópia consta de fls. 8 a 14.
6. Nos cálculos efetuados os recorrentes não entraram em linha de consideração com o valor de 300.000$00, de que foi dada quitação logo no acto da escritura.
7. 60.000$00 = 2.160.000$00 : 36 meses
8. 4.909.090$00 = 7.069.090$00 - 2.160.000$00
9. O preço da cessão da exploração previsto na escritura era de 10.800.00$00, ao passo que com a efetivação do pagamento da prestação mensal de 200.000$00 esse valor ascenderia a 11.000.00$00 (= 200.000$00 x 55 meses).
10. Essa factualidade alegada no art. 10º da p.i. foi objeto de impugnação pelos RR., pelo que não se mostrava admitida por acordo (art. 574º, n.º 2 do CPC por interpretação “a contrário”).
11. Cfr. Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, Coimbra Editora, 1993, p. 385.
12. 18.800.000$00 = 11.000.00$00 (200 contos x 55 meses) + 300.000$00 (valor pago no acto da escritura) + 7.500.000$00 (valor residual devido no final do prazo estabelecido no contrato inicial).
13. 11.000.00$00 (= 200 contos x 55 meses).
14. Como é sabido, estando em casa o cumprimento de uma obrigação emergente de um contrato, cabe ao autor alegar e demonstrar que tal contrato foi efetivamente celebrado entre as partes, bem como os termos acordados. Mas competirá ao réu alegar e provar o cumprimento da referida obrigação (qual seja, por via do pagamento do preço ou qualquer outra forma de extinção das obrigações), enquanto facto extintivo do direito invocado pelo autor. Nestes termos, o juiz deverá apenas fazer constar da matéria de facto provada ou não provada o facto conforme alegado pelo réu (o réu pagou ao autor o montante x). - cfr. Helena Cabrita, A fundamentação de facto e de Direito da Decisão Cível, Coimbra editora, pp. 126/127 e 160; António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II Vol., 2ª ed, Almedina, 1999, pp. 250; Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1985, pp. 461/463.
15. Cuja redação resulta da Lei n.º 6/2006, de 27/02.
16. Contudo, o art. 269º, alínea e), do CIRE refere-se à “cessão da exploração de estabelecimentos da empresa”.
17. Cfr., M. Januário Gomes, Arrendamentos Comercias, 2ª ed., Almedina, 1993, p. 72
18. Cfr., Antunes Varela, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 100º, p. 270.
19. Cfr., António Pais de Pais de Sousa, Anotações ao Regime do Arrendamento Urbano (RAU), 6ª ed. atualizada, Rei dos Livros, 2001, p. 323.
20. Cfr., António Pais de Pais de Sousa, J.O.Cardona Ferreira e A. Lemos Jorge, Arrendamento Urbano – Notas Práticas, Rei dos Livros, p. 164.
21. Cfr., Fernando Gravato Morais, Alienação e oneração de estabelecimento comercial, Coimbra, 2005, pp. 136-138.
22. Cfr. Pupo Correia, Direito Comercial, 10ª edição, p. 72.
23. Concluindo pela sua tipicidade, Fernando de Gravato Morais, obra citada, p. 138, Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, Vol. I, 4ª edição, Coimbra, 2003, p. 305, Antunes Varela, RLJ, Ano 123, pág. 350; em sentido contrário, considerando tratar-se de um negócio atípico, e, portanto, sem uma regulamentação específica na lei civil, Jorge Alberto Aragão Seia, Arrendamento Urbano Anotado e Comentado, 3ª ed., 1997, Almedina, p. 490; especificando ser um contrato rudimentarmente regulado na lei, quase um contrato atípico, Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações (Parte Especial) Contratos, 2000, Almedina, p. 272.
24. Cfr. Acs. do STJ de 08/05/08 (relator Salvador da Costa), da RP de 09/06/09 (relator Rodrigues Pires), da RL de 12/10/2010 (relator Luís Filipe Brites Lameiras) e da RC de 24/06/08 (relator Jorge Arcanjo), in www.dgsi.pt.
25. Cfr., M. Januário Gomes, obra citada, p. 70. Nas palavras de Coutinho de Abreu, o contrato de locação de estabelecimento é “o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de um estabelecimento, mediante retribuição […] sendo-lhe aplicáveis, inclusive, vários preceitos do CCiv. disciplinadores da locação em geral” (cfr. Da empresarialidade (As empresas no direito), Coimbra 1996, p. 310).
26. Cfr., Jorge Alberto Aragão Seia, obra citada, p. 490.
27. Ac. da RC de 17-04-2012 (relator Henrique Antunes), in www.dgsi.pt.
28. Cfr., M. Januário Gomes, obra citada, p. 72.
29. Ac. da RC de 17-04-2012 (relator Henrique Antunes), in www.dgsi.pt.
30. Cfr. Pedro Pais Vasconcelos, Direito Comercial, volume I, 2017, reimpressão, Almedina, p. 273.
31. Cfr. Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª ed. Coimbra Editora, p. 373.
32. Cfr. Pedro Romano Martinez, Da cessação do contrato, 2017 - 3ª Edição, Almedina, pp. 123/14 e Direito das Obrigações programa 2017/20’18 Apontamentos, 2017, 5ª ed., AAFDL Edito